ISSN 1977-1010

Jornal Oficial

da União Europeia

C 71

European flag  

Edição em língua portuguesa

Comunicações e Informações

59.° ano
24 de fevereiro de 2016


Número de informação

Índice

Página

 

I   Resoluções, recomendações e pareceres

 

RESOLUÇÕES

 

Comité Económico e Social Europeu

 

512.a reunião plenária de 9 e 10 de dezembro de 2015

2016/C 071/01

Resolução do Comité Económico e Social Europeu sobre os refugiados

1

 

PARECERES

 

Comité Económico e Social Europeu

 

512.a reunião plenária de 9 e 10 de dezembro de 2015

2016/C 071/02

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Simplificação da PAC (parecer exploratório)

3

2016/C 071/03

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Universidades empenhadas em formar a Europa (parecer de iniciativa)

11

2016/C 071/04

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre O papel dos engenheiros na reindustrialização da Europa (parecer de iniciativa)

20

2016/C 071/05

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre A nanotecnologia para uma indústria química competitiva (parecer de iniciativa)

27


 

III   Actos preparatórios

 

COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU

 

512.a reunião plenária de 9 e 10 de dezembro de 2015

2016/C 071/06

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Relatório sobre a Política da Concorrência 2014 [COM(2015) 247 final]

33

2016/C 071/07

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho — Um sistema de tributação das sociedades justo e eficaz na União Europeia: cinco domínios de ação prioritários [COM(2015) 302 final]

42

2016/C 071/08

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Agenda Europeia da Migração [COM(2015) 240 final]

46

2016/C 071/09

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria um mecanismo de recolocação em situações de crise e altera o Regulamento (UE) n.o 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida [COM(2015) 450 final — 2015/0208/(COD)]

53

2016/C 071/10

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2003/87/CE para reforçar a relação custo-eficácia das reduções de emissões e o investimento nas tecnologias hipocarbónicas [COM(2015) 337 final — 2015/0148 (COD)]

57

2016/C 071/11

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Estratégia para o Mercado Único Digital na Europa [COM(2015) 192 final]

65

2016/C 071/12

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Plano de Ação da UE contra o tráfico de migrantes (2015-2020) [COM(2015) 285 final]

75

2016/C 071/13

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece uma lista comum da União Europeia de países de origem seguros para efeitos da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional, e que altera a Diretiva 2013/32/UE [COM(2015) 452 final]

82


PT

 


I Resoluções, recomendações e pareceres

RESOLUÇÕES

Comité Económico e Social Europeu

512.a reunião plenária de 9 e 10 de dezembro de 2015

24.2.2016   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 71/1


Resolução do Comité Económico e Social Europeu sobre os refugiados

(2016/C 071/01)

Na reunião plenária de 9 e 10 de dezembro de 2015 (sessão de 10 de dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adotou a presente resolução, por 174 votos a favor, oito votos contra e nove abstenções.

1.

O CESE saúda vivamente o importante trabalho que a sociedade civil está a desempenhar para dar resposta à questão dos refugiados em fuga de países devastados pela guerra e que, por esse motivo, têm direito a proteção ao abrigo da Convenção de Genebra. Sem tal resposta, a situação humana trágica a que se assistiu em muitos países europeus teria sido catastrófica. O Comité Económico e Social Europeu está diretamente empenhado em dar voz a esta realidade, a fim de assegurar que ela é devidamente tida em consideração pelas instituições europeias, os governos e outros responsáveis políticos.

2.

O CESE está atualmente a organizar visitas para se reunir com as organizações da sociedade civil que prestam assistência a refugiados em onze Estados-Membros (Hungria, Polónia, Malta, Grécia, Alemanha, Áustria, Eslovénia, Bulgária, Suécia, Itália, Croácia) e na Turquia, uma vez que estes países são os mais afetados pelo fluxo de refugiados. Enquanto órgão que representa a sociedade civil organizada junto das instituições europeias, o CESE será a sua voz a nível europeu.

3.

O CESE considera que a presente situação exige da União Europeia o desenvolvimento de corredores humanitários seguros para os refugiados de países afetados por guerras e ameaçados pelo terrorismo, nomeadamente através de medidas conjuntas com os países onde se concentra o maior número de refugiados. Além disso, temos de estabelecer um verdadeiro Sistema Europeu Comum de Asilo baseado em procedimentos harmonizados em toda a União. Tal inclui um estatuto uniforme de asilo e o reconhecimento mútuo das decisões em matéria de asilo, responsabilidade, solidariedade e esforços partilhados no que diz respeito à recolocação e reinstalação, bem como a revisão do Regulamento de Dublim. Além disso, são necessários sistemas sólidos e solidários de partilha de encargos, começando, antes de mais, pela criação de um sistema permanente, justo e vinculativo de distribuição das pessoas em busca de proteção por todos os países da UE. Dada a excecionalidade das circunstâncias, e em consonância com o Pacto de Estabilidade e Crescimento, decidiu-se, após uma análise exaustiva, que os custos adicionais do acolhimento de refugiados não devem ser reconhecidos no défice público dos Estados-Membros.

4.

O CESE também manifesta profunda preocupação com as atuais tentativas de limitar o Acordo de Schengen, que é um dos êxitos fundamentais que mais beneficiam os cidadãos da UE. É importante garantir adequadamente a segurança das fronteiras externas dos países da zona Schengen. Porém, repor obstáculos internos e erguer muros em nada contribuirá para aproximar os cidadãos da UE nem para promover a cidadania europeia.

5.

É igualmente essencial tomar medidas imediatas para combater as causas profundas dos atuais fluxos de refugiados. A UE tem de colaborar com os países de origem e de trânsito sobre estas questões, e o CESE insiste em que a Comissão deverá adotar, para esta cooperação, uma abordagem baseada nos direitos humanos e não apenas uma abordagem baseada na segurança. Por último, o CESE sublinha a necessidade de incluir a sociedade civil no diálogo com os países terceiros.

6.

O CESE, dispondo de experiência de longa data em questões de migração — em anos recentes, sobretudo através do Fórum Europeu sobre Integração/Migração —, considera que a integração e a inclusão dos refugiados na nossa sociedade devem ser um processo bidirecional em que os parceiros sociais e outras organizações da sociedade civil, juntamente com os governos e os órgãos de poder local, desempenham um papel fundamental. Importa dar prioridade ao acesso ao mercado de trabalho e, mais especificamente, ao reconhecimento das qualificações e à formação profissional e linguística, se for caso disso. A União Europeia deve lançar um conjunto de medidas nos países de acolhimento e na UE para centralizar os pedidos de emprego, formação e reconhecimento de qualificações.

7.

A fim de criar o consenso social necessário em toda a Europa, é essencial respeitar plenamente a igualdade de tratamento e os direitos sociais tanto dos cidadãos da UE como dos refugiados na Europa, com especial atenção para os que se encontram em situação mais vulnerável. O investimento atempado na integração dos refugiados na sociedade e no mercado de trabalho é importante para os ajudar a reconstruirem as suas vidas, ao mesmo tempo que minimiza potenciais conflitos com a população local e evita custos mais elevados no futuro. Para tal, é indispensável que haja um financiamento adequado dos serviços públicos locais e um diálogo civil entre os refugiados e a população local.

Bruxelas, em 10 de dezembro de 2015.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


PARECERES

Comité Económico e Social Europeu

512.a reunião plenária de 9 e 10 de dezembro de 2015

24.2.2016   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 71/3


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Simplificação da PAC»

(parecer exploratório)

(2016/C 071/02)

Relator:

Seamus BOLAND

Em 2 de setembro de 2015, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Simplificação da PAC

(parecer exploratório).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente, que emitiu parecer em 18 de novembro de 2015.

Na 512.a reunião plenária de 9 e 10 de dezembro de 2015 (sessão de 9 de dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 196 votos a favor, nove votos contra e 26 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE reconhece o facto de a Comissão Europeia ter definido a simplificação aprofundada da aplicação da política agrícola comum (PAC) como uma prioridade, bem como de ter proposto e continuar a propor a simplificação de determinados atos da Comissão, tornando a legislação da União Europeia mais fácil de compreender e de aplicar no terreno.

1.2.

O CESE considera que o reforço da transparência e da segurança jurídica, bem como a redução dos custos administrativos e dos custos associados desnecessários suportados pelos agricultores, por outros beneficiários, pelas organizações de produtores e pelas administrações nacionais, constituem uma parte fundamental do processo de simplificação.

1.3.

A simplificação do sistema deve ser aplicada o mais rapidamente possível, sobretudo na ótica de facilitar a vida aos agricultores. Também é essencial que se faça acompanhar por medidas de apoio de caráter informativo e educativo.

1.4.

O CESE reconhece os esforços envidados pela Comissão para simplificar a aplicação da nova PAC, atendendo às notificações e decisões tomadas pelos Estados-Membros. A atual abordagem impede uma simplificação substancial da PAC em benefício dos agricultores sem comprometer o rigor com que os requisitos são cumpridos. Por outro lado, estes requisitos nem sempre são coerentes e justificados do ponto de vista da sua conversão em bens públicos e benefícios ambientais reais.

1.5.

As inspeções e eventuais coimas devem ser proporcionais ao montante recebido pelo beneficiário, aos motivos do incumprimento e à vontade de tomar medidas corretivas. Os casos evidentes de fraude deliberada devem ser tratados através dos procedimentos normais. O CESE recomenda uma diminuição da desproporcionalidade ao nível das reduções consideráveis do apoio mesmo no caso de incumprimentos mínimos.

1.6.

A aplicação das medidas de ecologização deve ter em conta fatores imprevistos como condições meteorológicas, seca ou outros fenómenos que tornem impossível a aplicação das medidas.

1.7.

Sempre que matérias tais como os prados permanentes forem objeto de decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia, é importante que as regras estabelecidas para respeitar o acórdão sejam concebidas de modo a minimizar os regulamentos e não a aumentá-los.

1.8.

O atual processo legislativo (regulamento do Conselho acompanhado de atos delegados e de atos de execução) é altamente complexo e difícil de compreender para os cidadãos. Por conseguinte, importa efetuar um estudo sobre a forma de simplificar o sistema.

1.9.

Após a aplicação de um regime forfetário no âmbito dos pagamentos diretos, há que rever o complexo sistema de direitos ao pagamento.

1.10.

Deve manter-se o estatuto de prados temporários, independentemente de quanto tempo os terrenos são utilizados como terras de pastagem.

1.11.

A atual definição de «agricultor ativo» não deve desfavorecer os agricultores e deve basear-se no facto de as superfícies elegíveis serem utilizadas pelo agricultor para fins agrícolas.

1.12.

O CESE concorda que a simplificação da PAC constitui um projeto ambicioso, sobretudo devido à natureza complexa das políticas da agricultura e do desenvolvimento rural. A simplificação deve ser compatível com objetivos estratégicos vastos nos seguintes em domínios:

ambiente;

segurança alimentar;

disponibilidade alimentar;

coesão,

proteção dos interesses financeiros da União;

promoção da inclusão social, do combate à pobreza e do desenvolvimento económico.

1.13.

Os Estados-Membros devem assegurar que a metodologia que norteia as medidas sobre as taxas de erro é de molde a garantir uma aplicação equitativa.

1.14.

Importa estudar e introduzir imediatamente medidas destinadas a facilitar o acesso de jovens agricultores ao regime para os jovens agricultores. O acesso dos jovens à agricultura deve ser apoiado.

1.15.

O CESE recomenda a criação de regras que limitem o aumento da burocracia — por exemplo, a adoção de uma regra que permita a eliminação de um regulamento em vigor quando um novo é proposto.

2.   Observações gerais sobre a política agrícola comum

2.1.

O orçamento da PAC, no valor de 408 mil milhões de euros para o período de 2014-2020, representa 38 % do orçamento total da UE. O primeiro pilar, que ascende a 313 mil milhões de euros, representa 77 % das despesas totais da PAC. Os pagamentos diretos, que equivalem a 294 mil milhões de euros, representam 94 % do primeiro pilar.

2.2.

O presente parecer leva em conta outros pareceres do CESE (1).

2.3.

A última reforma significativa da PAC, concluída em 2013, foi acordada no âmbito do processo de codecisão. Tal significa que o Parlamento Europeu participou como colegislador, em igualdade com os ministros da Agricultura, que haviam passado de 15 para 28 desde a última reforma significativa da PAC, em 2003.

2.4.

Note-se que quando de uma reforma anterior da PAC a Comissão apresentou uma proposta de regulamento relativo aos pagamentos diretos, cuja avaliação revelava um aumento de 15-20 % da carga burocrática. Ao mesmo tempo, operaram-se cortes no orçamento.

2.5.

Nos anos anteriores já se havia introduzido uma série de alterações que nem sempre faziam uma distinção clara entre a simplificação e o desmantelamento das medidas da PAC. Refiram-se a título de exemplo:

Uma OCM (organização comum dos mercados agrícolas) única substituiu as anteriores 21 OCM que já existiam. A sua criação permitiu a revogação de 86 atos do Conselho e substituiu mais de 1 080 artigos jurídicos por cerca de 350.

O «exame de saúde» da PAC de 2009 dissociou e aboliu diversos regimes, como os pagamentos relativos às culturas energéticas e ao trigo duro e o regime de escoamento da nata, da manteiga e da manteiga concentrada.

No caso das importações, as exigências de certificação passaram de 500 para 65 e, no que toca às exportações, subsistem apenas 43.

A Comissão revogou normas de comercialização específicas relativas a 26 tipos de fruta e produtos hortícolas, o que significa que os operadores já não têm de suportar custos de conformidade e as autoridades nacionais deixaram de ter de efetuar os controlos, passando a haver menos desperdício.

Os agricultores já não são obrigados a manter as terras à sua disposição durante dez meses para receberem pagamentos diretos, obtendo maior flexibilidade na gestão das explorações agrícolas e na sua capacidade de resposta à evolução do mercado.

2.6.

Segundo a DG AGRI, a percentagem de fundos afetados por prioridade da política de desenvolvimento rural é a seguinte:

assistência técnica e transferência de conhecimentos: 3 %

reforço da viabilidade das explorações agrícolas: 20 %

ecossistemas: 43 %

promoção da organização de cadeias alimentares: 10 %

promoção da eficiência dos recursos: 9 %

promoção da inclusão social: 15 %

3.   Contexto

3.1.

O presente parecer exploratório dá seguimento à intervenção do comissário Phil Hogan na reunião plenária do CESE de julho de 2015, durante a qual declarou que a sua principal prioridade consistia em lograr uma maior simplificação da PAC, e à subsequente carta de Frans Timmermans, primeiro vice-presidente da Comissão Europeia, em que convidava o CESE a apresentar um parecer exploratório sobre a questão da simplificação da PAC.

3.2.

No entender do comissário, a simplificação contribuirá para obviar ao acréscimo de complexidade da PAC e dos encargos administrativos impostos aos agricultores, a outros beneficiários e às autoridades de gestão sem perder de vista, ao mesmo tempo, nenhum dos seus principais objetivos.

3.3.

A Comissão Europeia está na fase final da avaliação de todos os contributos com base em três princípios orientadores, nomeadamente no sentido de que as ações devem:

respeitar as medidas definidas no âmbito da reforma de 2013;

centrar-se nos aspetos que beneficiam os agricultores e outros beneficiários;

não comprometer a boa gestão financeira das despesas da PAC.

3.4.

É evidente que o processo de simplificação não deve de modo algum pôr em risco os postos de trabalho no setor.

3.5.

Através do seu pilar de desenvolvimento rural, a PAC desempenha uma função essencial no que diz respeito à inclusão social, ao combate à pobreza e ao desenvolvimento económico, beneficiando toda a população das zonas rurais. O CESE saúda expressamente as prioridades referidas no artigo 5.o, n.o 6, alíneas a) a c), do Regulamento (UE) n.o 1305/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho (2), a saber: a criação de emprego, o fomento do desenvolvimento local e a melhoria da acessibilidade, da utilização e da qualidade das tecnologias da informação e da comunicação. A simplificação da PAC deve, pois, incluir disposições que assegurem que as dotações necessárias serão disponibilizadas de forma simples e sem entraves burocráticos.

3.6.

A Comissão levou a cabo um processo que envolveu uma análise rigorosa de toda a legislação em vigor para detetar as áreas nas quais seria viável realizar ajustamentos e melhorias. Já recebeu contributos de Estados-Membros, de deputados ao Parlamento Europeu e de organizações agrícolas de toda a UE. Importa salientar que até à data estas propostas já excedem as 1 500 páginas. Da análise da documentação, pode concluir-se que as propostas se inserem em duas grandes categorias:

redução da burocracia para os agricultores;

salvaguarda das medidas concebidas para alcançar os objetivos no âmbito da ecologização.

3.7.

O CESE toma nota da lista de prioridades das medidas de simplificação elaborada pelo Conselho (Agricultura) e pela Presidência. Esta lista poderá constituir a base das propostas apresentadas pela Comissão.

3.8.

A Comissão deixa claro que os Estados-Membros dispõem de grande liberdade para escolher a sua metodologia de administração e monitorização da PAC e que a simplificação pode ser obtida por meio de uma interpretação sensata. No entanto, os Estados-Membros devem procurar melhorar o processo de simplificação através do intercâmbio de boas práticas.

4.   Abordagens em matéria de simplificação

4.1.

Há um consenso geral quanto à exigência de simplificação para que a aplicação da PAC nunca seja mais complexa do que o necessário.

4.2.

A Comissão pretende apresentar propostas relacionadas com as superfícies de interesse ecológico em determinadas explorações agrícolas, as superfícies de interesse ecológico adjacentes, a compensação de superfícies de interesse ecológico em caso de declaração incorreta e o sistema de identificação das parcelas agrícolas (SIP).

4.3.

A Comissão tenciona rever o potencial de simplificação dos pagamentos diretos (designadamente no âmbito da ecologização), do desenvolvimento rural, do regime relativo à fruta e aos produtos hortícolas e da política de qualidade.

4.4.

A Comissão também apresenta um pacote que abrange elementos do pagamento direto, como o regime para jovens agricultores, o apoio associado e o sistema integrado de gestão e de controlo (SIGC). Estas mudanças devem ser aplicáveis, se possível, a partir do exercício de 2016 ou, o mais tardar, até ao exercício de 2017.

4.5.

As regras em vigor aplicáveis aos prados permanentes geram problemas ao nível da classificação dos prados temporários como terras aráveis ou prados permanentes. Deve ser possível manter o estatuto de prados temporários (classificados como terras aráveis), mesmo que os agricultores decidam utilizá-los como terras de pastagem, sem interrupção, durante cinco anos ou mais. Tal evitaria que os agricultores desbravassem as suas terras apenas para que estas não se tornassem prados permanentes. As superfícies em causa poderiam assim continuar a ser utilizadas durante mais tempo como terras de pastagem com benefícios do ponto de vista ambiental.

4.6.

No que diz respeito às medidas de mercado, a Comissão está a preparar uma agenda no âmbito da simplificação relativamente à elaboração dos novos atos delegados e de execução, a fim de alinhar as regras definidas pela Comissão com o novo regulamento do Conselho que estabelece uma organização comum dos mercados agrícolas (Regulamento «OCM única»). O objetivo consiste não só em reduzir drasticamente o número e a complexidade destas regras, mas também em assegurar uma verdadeira simplificação para os agricultores e os operadores.

4.7.

Recentemente, a Comissão realizou duas alterações oportunas às atuais regras, adotando:

um regulamento de execução que adia, relativamente ao exercício de 2015, a data-limite para a entrega dos pedidos de ajuda relativos aos pagamentos diretos e de apoio no âmbito de determinadas medidas de desenvolvimento rural para 15 de junho de 2015, concedendo, deste modo, aos agricultores e às autoridades nacionais mais tempo para a preparação destes pedidos;

um regulamento delegado que altera as regras para os pagamentos diretos, contribuindo para uma maior flexibilidade no que toca às condições de elegibilidade aplicáveis a animais para efeitos de obtenção de apoio associado voluntário, em resposta a um pedido de inúmeros Estados-Membros, deputados ao Parlamento Europeu e partes interessadas.

4.8.

A Comissão pretende apresentar um conjunto de propostas sobre as alterações a realizar ao abrigo das atuais orientações, designadamente:

As culturas puras de leguminosas (por exemplo, a alfafa) devem ser consideradas por definição prados permanentes após cinco anos.

O período de declaração de terras em pousio como superfícies de interesse ecológico e o período em que os compromissos agroambientais não serão tidos em conta para o cálculo do período de cinco anos no caso das superfícies de interesse ecológico.

A Comissão apresentará um conjunto de propostas relativas aos pagamentos diretos.

Um segundo pacote avançado pela Comissão destina-se a abranger elementos que não a ecologização, como, por exemplo, o regime para os jovens agricultores, o apoio associado voluntário e determinados aspetos do SIGC. Estas mudanças devem ser aplicáveis, se possível, a partir do exercício de 2016 ou, o mais tardar, no ano seguinte.

Será realizada uma revisão mais aprofundada das regras no âmbito da ecologização em 2016 após o primeiro ano de aplicação, tal como se comprometeu a Comissão em abril de 2014. Pretende-se apresentar um outro pacote de medidas em 2016, para aplicação no ano seguinte (exercício de 2017).

A Comissão avaliará o potencial de simplificação do desenvolvimento rural: programação e aprovação dos programas de desenvolvimento rural (PDR), duplo financiamento, controlos, opções de custos simplificados e apresentação de relatórios.

5.   Problemas ligados à simplificação

5.1.

A ecologização dos pagamentos diretos constitui atualmente um elemento fundamental das reformas da política agrícola comum. Apesar de os agricultores estarem a aprender a se adaptar a estas mudanças, permanecem receosos de que determinadas medidas possam não ser suficientemente flexíveis para gerir condições imprevistas causadas pelo clima ou pelas flutuações dos preços de mercado.

5.2.

Parte-se do princípio de que ocorrerão inspeções sem pré-aviso. Elas são, todavia, encaradas, no mínimo, como um grande inconveniente e, no máximo, como uma fonte de grande inquietação para os agricultores. Claramente, a justiça exige que seja dado um pré-aviso razoável ao agricultor antes da realização da inspeção.

5.3.

Tendo em conta que as coimas aplicadas por não conformidade serão extraordinariamente elevadas, os agricultores temem não receber apoio, nomeadamente sob a forma de informação adequada. Neste caso, os Estados-Membros devem facultar informações adequadas aos agricultores mais afetados pelas mudanças, com especial destaque para os que se encontram em situação de desvantagem social e económica.

5.4.

O quadro regulamentar em vigor relativo à definição de «agricultor ativo» não é satisfatório e exigirá mais complexidade administrativa. Por conseguinte, existe o risco de os agricultores envolvidos na produção agrícola serem excluídos e, inversamente, de os não envolvidos na produção agrícola serem ser incluídos.

5.5.

Os agricultores ainda estão a tentar lidar com o processo de ecologização, que se encontra no seu primeiro ano, e com as três práticas agrícolas que o mesmo implica. A diversificação das culturas, a preservação dos prados permanentes e a afetação de 5 % das terras a superfícies de interesse ecológico constituem os três aspetos da reforma que os agricultores devem cumprir para serem elegíveis para a obtenção de ajudas.

5.6.

É inaceitável que os agricultores sejam muitas vezes responsabilizados por erros cometidos pelos serviços oficiais. Designadamente os agricultores com rendimentos baixos e dependentes desta fonte de rendimento ficam numa posição que compromete a sua subsistência.

5.7.

A «proporcionalidade das sanções» constitui um assunto recorrente para a maioria das associações comerciais europeias.

5.8.

Os agricultores com menos de 15 hectares ou que recebam pagamentos inferiores a 10 000 euros consideram que a conformidade se deveria basear em inspeções superficiais e que as inspeções mais aprofundadas só se deveriam realizar após a apresentação de provas preliminares de não conformidade grave.

5.9.

Em relação aos prados permanentes, as questões suscitadas pela decisão de 2014 do Tribunal Europeu de Justiça terão de ser resolvidas. O acórdão destacou muitos casos problemáticos de faixas de proteção (terras aráveis), prados aráveis, terras aráveis em pousio e terras aráveis ao abrigo de medidas agroambientais, em que os agricultores viram o risco de essas terras poderem ser formalmente declaradas prados permanentes, devido à cláusula dos cinco anos.

5.10.

Onde as organizações agrícolas consideram haver necessidade de simplificação, flexibilidade e proporcionalidade, os grupos ambientais veem verdadeiros riscos. No entender do CESE, tal representa uma incapacidade de conciliar os objetivos em prol do ambiente com os objetivos de produção alimentar nas explorações agrícolas familiares.

5.11.

Relativamente às disposições horizontais, pode aplicar-se à intensidade dos controlos uma abordagem mais proporcional e baseada no risco, tendo em conta o risco e os montantes implicados, a relação custo-eficácia e os diferentes objetivos e resultados visados.

5.12.

Os controlos múltiplos são de evitar. Em caso de não conformidade, nomeadamente de infrações menores, as reduções dos pagamentos e as sanções administrativas devem ser proporcionais. Além disso:

o cálculo destas sanções deve ser simplificado;

o sistema de controlo e sanções no âmbito da condicionalidade deve ser igualmente revisto no que toca à proporcionalidade;

a possibilidade de permitir pagamentos, incluindo pagamentos antecipados, após a conclusão dos controlos administrativos deve ser ponderada;

a metodologia do cálculo das taxas de erro deve ser harmonizada;

importa prever taxas de tolerância mais elevadas no caso de infrações menores de fácil correção.

5.13.

É necessário dar prioridade às etapas mais prementes, tais como melhorar as notas de orientação, prestar assistência técnica e promover a cooperação e o intercâmbio das melhores práticas entre as administrações.

5.14.

Os jovens agricultores estão a ter dificuldade em aceder ao regime a eles destinado. É provável que os obstáculos desnecessários que bloqueiam esse acesso dissuadam os jovens de se dedicarem à agricultura, pelo que devem ser eliminados. O acesso dos jovens à agricultura deve ser apoiado.

5.15.

As eventuais alterações ao quadro jurídico em vigor devem ser adotadas deixando aos agricultores tempo suficiente para planearem adequadamente as sementeiras. Em particular, as alterações que afetam a aplicação para o ano de 2017 devem ser publicadas no verão de 2016.

Bruxelas, 9 de dezembro de 2015

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  «Reforma da PAC: Disposições de execução» (relatório de informação), NAT 664; «Programas de desenvolvimento rural» (JO C 13 de 15.1.2016, p. 89); «A PAC no horizonte 2020» (JO C 191 de 29.6.2012, p. 116).

(2)  JO L 347 de 20.12.2013.


ANEXO

As seguintes propostas de alteração foram rejeitadas durante o debate, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos:

Novo ponto após o ponto 1.5

Aditar e adaptar a numeração.

O CESE recomenda vivamente que as inspeções às explorações agrícolas só sejam realizadas depois de ter sido dado ao agricultor um pré-aviso razoável, não inferior a catorze dias.

Justificação

As inspeções sem pré-aviso aos agricultores, muitas vezes realizadas nas épocas de maior azáfama agrícola, colocam em risco a sua saúde e segurança e originam stress mental por se verem impedidos de realizar trabalhos importantes, como partos do gado, colheitas, etc.

Resultado da votação

Votos a favor

84

Contra

104

Abstenções

35

Novo ponto antes do ponto 1.6

Aditar e adaptar a numeração.

Há que aplicar níveis de tolerância mais elevados para infrações menores, que representem um reduzido nível de incumprimento e que sejam de fácil correção.

Justificação

Algumas infrações são, por natureza, pouco relevantes e de fácil correção e, em muitos casos, não afetam a produção agrícola em geral.

Resultado da votação

Votos a favor

75

Contra

116

Abstenções

40


24.2.2016   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 71/11


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Universidades empenhadas em formar a Europa»

(parecer de iniciativa)

(2016/C 071/03)

Relator:

Joost VAN IERSEL

Em 19 de março de 2015, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre

Universidades empenhadas em formar a Europa

(parecer de iniciativa)

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, que emitiu parecer em 19 de novembro de 2015.

Na 512.a reunião plenária de 9 e 10 de dezembro de 2015 (sessão de 9 de dezembro de 2015), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 143 votos a favor, um voto contra e sete abstenções, o seguinte parecer:

1.   Recomendações

1.1.

O futuro da Europa depende em grande medida da disponibilidade de conhecimentos avançados e de pessoas talentosas numa sociedade aberta e assente no conhecimento. As universidades têm um papel fundamental a desempenhar neste processo. Se cada Estado-Membro agir por sua conta, o resultado nunca será ideal.

1.2.

O CESE sublinha que as competências nacionais e europeias devem ser partilhadas e coordenadas, a fim de criar um espaço europeu do ensino superior. O conceito de uma universidade cívica e empreendedora pode ser também muito útil para promover a qualidade do ensino superior na Europa.

1.3.

O contexto atual revela que, apesar dos progressos realizados, existem ainda muitos obstáculos e restrições que entravam igualmente a intervenção eficaz da União Europeia. A diversidade de culturas, os interesses instalados, a falta de meios financeiros e a evolução demográfica tornam muitas vezes difícil dar respostas atualizadas a desafios dinâmicos como a globalização, as novas tecnologias e a mobilidade.

1.4.

O CESE considera que as instituições europeias devem ter um papel catalisador e acelerar o processo de modernização do ensino superior europeu no que se refere tanto ao ensino como à investigação e à inovação. As universidades têm uma missão autónoma que serve o interesse público. A subsidiariedade e a grande diversidade de universidades tornam impossível a adoção de uma abordagem única. No entanto, uma orientação e um apoio estratégicos por parte da UE podem ajudar decididamente a melhorar as condições.

1.5.

O fator crucial é que a Comissão Europeia incentive e dinamize o processo de transformação das universidades europeias em forças motrizes do crescimento, da coesão social e do bem-estar da sociedade.

1.6.

Há que fazer referência explícita à modernização do ensino superior nos programas nacionais de reformas (PNR), bem como nas recomendações específicas por país (REP).

1.7.

A UE deve dar provas do seu empenho no ensino superior através da estratégia «Europa 2020» (incluindo o Semestre Europeu), dos programas Erasmus+ e Horizonte 2020, dos fundos regionais e de coesão e da facilitação da mobilidade transfronteiras para estudantes e docentes.

1.8.

Consultas estratégicas à escala da UE devem contribuir para os debates e projetos realizados nos diferentes países e universidades e entre eles para promover a qualidade das universidades europeias. As boas práticas devem ser difundidas sistematicamente.

1.9.

O CESE destaca, uma vez mais, a necessidade de as instituições de ensino superior desenvolverem uma verdadeira autonomia, responsabilização e transparência, que constituem condições essenciais para a modernização (1). Tais condições não podem ser alcançadas sem um financiamento apropriado e adequado.

1.10.

Numa altura de mudanças sociais e económicas profundas, transformar as universidades é um processo longo e laborioso. As universidades têm de desenvolver uma atitude aberta às necessidades da sociedade e procurar sensibilizar outras partes interessadas.

1.11.

O CESE congratula-se com o conceito de universidade cívica e com o modelo de «hélice tripla» e de «hélice quádrupla» (2). A ênfase é colocada na abertura do ensino superior, no alargamento do acesso, no contexto regional, na integração em programas de ideias de todas as partes interessadas (potenciais) e numa relação inteligente e moderna entre a investigação e o ensino.

1.12.

A universidade cívica apresenta uma série de elementos em comum com a universidade empreendedora. Coloca a tónica na sua missão autónoma e está aberta ao mercado de trabalho e à pertinência social dos programas de ensino, bem como da investigação e da inovação. As plataformas das partes interessadas (3) podem ser muito úteis para uma definição conjunta dos requisitos. As estruturas de PPP entre universidades e grupos sociais de todos os tipos também podem ser vantajosas.

1.13.

O nível de ensino e a preparação adequada para o emprego posterior devem permanecer uma prioridade, seja qual for a especialização de uma universidade (de topo). A excelência do ensino também deve ser recompensada.

1.14.

A Comissão deve desempenhar um papel catalisador em projetos transfronteiras de fertilização cruzada entre universidades, docentes e estudantes, assim como promover a abertura ao mundo; além disso, sempre que seja caso disso, deve desenvolver instrumentos, como o U-Multirank, para estudantes e outras partes interessadas.

2.   Ponto da situação

2.1.

As variações significativas entre as universidades europeias devem-se às grandes diferenças entre tradições e culturas (4). Em 1999, o processo de Bolonha iniciou uma tendência positiva no sentido da modernização dos programas de ensino.

2.2.

A partir de 2008, a crise económico-financeira obrigou as universidades a reavaliar as suas operações com ainda maior rigor e a procurar novas fontes de financiamento e uma melhor relação qualidade-preço, o que aumentou a competição pelos escassos recursos disponíveis. A falta de financiamento suficiente constitui um verdadeiro problema para muitas universidades e é um entrave à agenda de modernização.

2.3.

A transformação profunda e dinâmica que a sociedade está a atravessar, em consequência da globalização e das novas tecnologias, tem repercussões nas universidades. O ensino superior, a investigação e a inovação são vitais para uma recuperação económica sustentável, mas as restrições financeiras e o processo de transformação revelam deficiências igualmente acentuadas.

2.4.

A falta de autonomia, de responsabilização e de transparência constitui um aspeto fundamental. Existem discrepâncias significativas entre os Estados-Membros (5).

2.5.

As boas práticas demonstram que a revisão das estruturas e dos programas de ensino e uma maior abertura e cooperação melhoram a qualidade e os resultados.

2.6.

Atualmente, o ensino superior deveria estar ao alcance de todas as pessoas talentosas. Uma correlação crescente entre o acesso ao ensino superior e a origem socioeconómica compromete o princípio da igualdade. Além disso, em vários países, o ensino superior não garante de todo a obtenção de um emprego seguro. Durante a crise, os jovens com estudos superiores não estiveram de modo algum imunes ao desemprego.

2.7.

As tendências demográficas são prejudiciais para as regiões (cada vez) menos povoadas e menos competitivas, o que muitas vezes afeta gravemente a sua atratividade para docentes e estudantes e se repercute na qualidade dos mesmos. Alguns países enfrentam uma «fuga de cérebros». As novas universidades privadas nos países afetados geram resultados insatisfatórios, já que não existe uma garantia da qualidade adequada. Esta situação é agravada pela falta de financiamento para o ensino superior tradicional.

2.8.

A vontade de relações mais estreitas entre as universidades e a sociedade alimenta os debates a todos os níveis sobre o seu papel na sociedade e sobre as alianças com outras partes interessadas, como as empresas, os parceiros sociais e a sociedade civil.

2.9.

Existe amiúde um desfasamento gritante entre as competências dos detentores de diplomas universitários e as necessidades do mercado de trabalho, entre a oferta e a procura. As empresas queixam-se da falta de profissionais qualificados, sobretudo nas profissões técnicas e na área das TIC. A evolução rápida da base do conhecimento global exige, mais do que nunca, o pacote de competências adequadas para o século XXI, que permita aos detentores de diplomas universitários atualizarem sistematicamente os seus conhecimentos.

2.10.

Além disso, as novas tecnologias e a digitalização estão a obrigar o ensino superior a adaptar e a melhorar as metodologias existentes. Estão a implantar-se novas formas de ensino e de aprendizagem, incluindo a aprendizagem centrada nas necessidades dos alunos e os cursos em linha. No entanto, os campus universitários físicos continuarão a desempenhar um papel fundamental nas comunidades locais e regionais enquanto locais de encontro para o ensino, a investigação e os contactos.

2.11.

A nível mundial, é cada vez maior a mobilidade dos estudantes e dos investigadores/professores universitários. Nos segmentos superiores, há uma «guerra de talentos» contínua, mas a tendência geral é mais ampla. A qualidade e a atratividade das universidades europeias são fatores decisivos para atrair estudantes estrangeiros, contribuindo para a formação e a investigação e gerando redes duradouras.

2.12.

Na procura de melhores resultados, as universidades (de topo) destacam muitas vezes a investigação entre as suas principais funções, e as regulamentações financeiras corroboram-no. Todavia, centrar as atenções primordialmente na investigação tende a prejudicar o bom equilíbrio e a interação entre a investigação e o ensino.

3.   Transformar e abrir as universidades

3.1.

Transformar as universidades em centros de conhecimento na sociedade enquanto parte integrante do ecossistema da UE torna necessário um debate sobre as características essenciais do ensino superior, nas quais devem assentar as práticas diárias.

3.2.

Não obstante as diferenças de abordagem, a tendência comum parece ser para a abertura do ensino superior às opiniões e aos interesses das partes interessadas públicas e privadas e dos estudantes e a questões como a fertilização cruzada entre a investigação e o ensino e o reforço da cooperação e da internacionalização.

3.3.

Para a maioria das universidades, este é um processo longo e laborioso. A mudança de comportamentos não é fácil em instituições de grande dimensão e tradição. Além disso, em muitos países, os atuais procedimentos (políticos) de nomeação de administradores, bem como de docentes e investigadores, representam um obstáculo à mudança. Nestes casos, é raro que as universidades adotem soluções independentes. O CESE considera que a abertura do ensino superior e um espírito aberto devem ser algumas das grandes prioridades para o ensino superior em todo o continente.

3.4.

A investigação de ponta e profissionais com melhor formação e altamente qualificados são indispensáveis para a resiliência de qualquer economia. A crise teve efeitos nocivos sobre os resultados nos centros de conhecimento, embora os estudos realizados demonstrem uma relação direta entre investigação e ensino de excelência e o desempenho económico.

3.5.

As universidades já não pretendem atrair só as camadas mais elevadas da sociedade. O seu número e dimensão aumentaram drasticamente. A paisagem diversificou-se: existem mais categorias, nomeadamente as escolas superiores técnicas a par das universidades de investigação e o ensino superior regional a par das universidades nacionais e internacionais, bem como um maior número de faculdades, sobretudo nos setores económico e técnico, etc.

3.6.

O alargamento do acesso ao ensino superior é, acertadamente, uma prioridade política em todo o continente. Na UE, 40 % da próxima geração deverão ter a possibilidade de obter um diploma universitário. Além disso, os programas de ensino, os instrumentos de aprendizagem (o recurso a meios de comunicação modernos na aprendizagem mista, etc.), a relação entre a investigação e o ensino e outros aspetos como a internacionalização e o interesse público não se assemelham ao que eram no passado. É necessário adaptar os métodos de gestão em conformidade.

3.7.

As universidades autónomas, responsáveis e transparentes devem ser capazes de agir o mais livremente possível no âmbito de um quadro jurídico que incentive a participação da base para o topo e a concorrência enquanto contributos fundamentais para uma participação mais ampla e uma especialização inteligente.

3.8.

Uma atitude aberta, incluindo o diálogo ativo com outras partes interessadas, permitirá às universidades desempenhar o seu papel de promotoras do crescimento, da competitividade e da coesão social.

3.9.

Os conceitos de universidade cívica e empreendedora podem ser muito úteis para a viabilidade económica das comunidades locais e regionais. Estes conceitos exigem ambição e uma estreita cooperação entre as universidades, as partes interessadas e os poderes públicos.

4.   A universidade cívica

4.1.

O CESE acolhe favoravelmente o conceito de universidade cívica (6), que vai além do ensino, da investigação académica e do conhecimento. Uma universidade cívica interage ativamente com o público e a sociedade a todos os níveis. Todas as universidades podem acrescentar uma dimensão cívica ao seu desempenho, assumindo um papel duplo de estação de produção intelectual para a comunidade e de subestação de receção, transformando ideias excelentes vindas do exterior e adaptando-as ao seu próprio contexto específico.

4.2.

Processos deste tipo estão a decorrer em toda a Europa através da investigação orientada para a procura, da aprendizagem baseada na resolução de problemas, da cooperação entre as universidades e as comunidades locais, as escolas, os hospitais, as empresas, etc. Contudo, é ainda necessário um reforço significativo das capacidades (7).

4.3.

À escala regional, as universidades podem apoiar uma abordagem holística e ser líderes em reunir as partes interessadas com vista a enfrentar desafios comuns. Uma universidade cívica bem pensada pode desempenhar igualmente um papel importante na promoção da produtividade das regiões que enfrentam dificuldades.

4.4.

O formato deste modelo varia de universidade para universidade. Além das universidades diretamente implicadas em zonas menos favorecidas, com um fraco desempenho económico e/ou problemas demográficos, os critérios para qualificar uma universidade de «cívica» aplicam-se a grupos muito mais amplos. Atualmente, as universidades de nível mundial e as que têm ambições semelhantes revelam, e bem, um interesse cada vez maior na participação cívica.

4.5.

A universidade cívica representa um modelo para as universidades que queiram ultrapassar os métodos de gestão antiquados ou as abordagens tradicionais. Isso é particularmente importante nos casos em que os jovens talentosos têm de ser estimulados a contribuir para a economia nacional ou regional. Uma cooperação mais aprofundada com as partes interessadas pertinentes em todas as regiões deve constituir um incentivo à abertura e à modernização.

4.6.

As presidências respetivas do Conselho adotaram, com razão, uma abordagem semelhante nas declarações de Lund e Roma (8), realçando a necessidade de a investigação se centrar nos principais desafios do nosso tempo, abandonando as abordagens temáticas rígidas e associando as partes interessadas tanto do setor público como do setor privado. Na formação do espaço europeu da investigação e da União da inovação, a investigação e a inovação responsáveis constituem objetivos centrais, que abrangem todas as políticas e atividades pertinentes. Estes princípios são igualmente prioridades no âmbito do programa Horizonte 2020.

4.7.

A par do modelo de «hélice tripla» — ou seja, a cooperação entre universidades, o setor privado e os governos — está o modelo de «hélice quádrupla», que implica também as comunidades locais e a sociedade civil, com um forte sentido de pertença e de finalidade, revelando transparência e responsabilidade para com as partes interessadas e o público em geral. Esta é uma nova oportunidade para a participação da sociedade civil.

4.8.

Um grupo específico que exige mais atenção é o dos antigos estudantes. É possível envidar mais esforços na Europa para que estes ajudem a melhorar os resultados e a imagem das universidades. A Europa pode seguir o exemplo da prática dos EUA neste contexto.

4.9.

Os antigos estudantes devem ser considerados parte integrante da comunidade universitária. Podem ser embaixadores das universidades às escalas regional, nacional e internacional e forças motrizes do debate sobre os programas de ensino, especialmente útil em tempo de mudança dinâmica. Além disso, podem ser determinantes no debate sobre o equilíbrio entre a investigação e o ensino, bem como entre a investigação e o mercado. O recurso aos antigos estudantes como mentores dos recém-licenciados, sobretudo os que constituem a primeira geração de estudantes na sua família, incluindo os de origem estrangeira, poderá ser um objetivo específico.

4.10.

Uma maior mobilidade dos antigos estudantes gera redes internacionais eficientes, que podem ser igualmente benéficas para as universidades e a indústria.

5.   A universidade empreendedora

5.1.

O conceito de «universidade cívica» apresenta uma série de elementos em comum com a universidade empreendedora. As universidades não são empresas. Têm uma missão autónoma de interesse público, designadamente o ensino, a investigação (de alto nível) e a utilização do conhecimento pela sociedade em geral. A universidade empreendedora tem duas vertentes: por um lado, a condução e a gestão da instituição e, por outro, a promoção das competências empreendedoras e do espírito de iniciativa dos estudantes.

5.2.

É muito importante adequar os programas de ensino ao mercado de trabalho e a investigação e a inovação à sociedade. A comunicação e a interação com o setor privado a nível nacional e regional são determinantes para superar os desafios que a sociedade enfrenta.

5.3.

Uma mentalidade compartimentada já não é útil. A dinâmica tecnológica e os desafios sociais exigem adaptações contínuas. A procura é cada vez mais complexa, exigindo competências interdisciplinares e transdisciplinares e margem para evoluir. Além das competências profissionais, tal implica igualmente a necessidade de desenvolver capacidades. A existência de plataformas das partes interessadas, ligadas às universidades, pode ser muito útil para uma definição conjunta de requisitos. O pessoal docente deve estar devidamente preparado para este contexto dinâmico. As capacidades de empreendedorismo (9) devem ser também transmitidas em todos os tipos de ensino superior e em toda a União Europeia.

5.4.

Ademais, as estruturas de PPP que reúnem universidades e agrupamentos sociais, tais como círculos empresariais e o setor da saúde, podem ser igualmente benéficas.

5.5.

Um projeto valioso para as universidades seria a criação de «cadeias de valor do ensino», em colaboração com setores empresariais, nomeadamente para:

promover relações e o intercâmbio de informações com a esfera empresarial, a fim de melhorar os resultados da aprendizagem para os diplomados e as empresas;

distribuir recursos e fundos entre as várias componentes da «cadeia educativa», a começar pela Comissão e pelos ministérios nacionais, passando pelas autoridades escolares e a terminar nos estudantes. Paralelamente, deve ser promovido o ensino técnico e profissional.

5.6.

Na mesma perspetiva, os acordos de desempenho aplicados em alguns Estados-Membros incentivarão a especialização, o perfil e a imagem das universidades. Podem ter uma ênfase internacional ampla ou regional e melhorar a ambição e a qualidade dos programas e dos estudantes. Para o efeito, é essencial um empenho contínuo de ambos os lados (governos e ensino superior).

5.7.

A inovação deve influenciar a investigação e o ensino, bem como a governação. Um bom exemplo de melhoria da base para o topo é a HEinnovate, uma ferramenta de autoavaliação independente em linha, criada pela Comissão Europeia (10). Importa incentivar uma utilização mais generalizada desta ferramenta.

5.8.

Para os estudantes que queiram mais mobilidade estão disponíveis programas universitários apresentados internacionalmente, bem como um vasto leque de cursos em linha, concorrentes entre si. A comparabilidade e a transparência devem promover a concorrência e a convergência dos desempenhos. Ferramentas de promoção da transparência como a U-Multirank na UE apresentam um grande potencial e as universidades devem examinar formas mais eficazes de as utilizar.

5.9.

Todas as pessoas talentosas devem ter oportunidades equitativas de ingressar no ensino superior. Os sistemas de pagamento de propinas são cada vez mais generalizados, o que torna os estudantes mais exigentes quanto à formação que recebem. Contudo, deve ser excluída qualquer seleção social resultante da introdução de propinas. O apoio concedido aos estudantes (com base no seu meio socioeconómica) deve garantir a todos um acesso equitativo ao ensino. Além disso, importa não aproveitar os sistemas de pagamento de propinas como desculpa para substituir o financiamento público existente.

5.10.

A evolução demográfica exige também esforços adicionais para aumentar o número de diplomados nas regiões afetadas, particularmente com vista a promover a resiliência e a viabilidade futura destas regiões.

5.11.

O ensino superior e a investigação devem estar fortemente interligados, na medida em que dizem respeito tanto aos estudantes como às empresas. Em contrapartida, os modelos de financiamento tendem a privilegiar os resultados da investigação, o que leva a um número cada vez menor de docentes universitários que de facto dão aulas.

5.12.

As universidades devem ter devidamente em conta o facto de que a grande maioria das pessoas com diplomas de licenciatura, mestrado e mesmo de doutoramento inicia atividades profissionais na sociedade ou nas empresas, fora do mundo académico. Consequentemente, os níveis de ensino e a devida preparação para o emprego posterior devem permanecer uma prioridade, seja qual for a especialização de uma universidade (de topo). Neste caso, os EUA são um exemplo que a UE não deve seguir (11). A fórmula da Europa consiste em pugnar pela excelência e a equidade.

5.13.

A era digital constitui uma mudança de paradigma que está a afetar profundamente o ensino superior no que respeita ao ensino, à aprendizagem (mista (12)), às competências dos docentes e dos estudantes e às estruturas de governação. Será necessário mais dinamismo e flexibilidade a todos os níveis. Nesta perspetiva, uma cooperação mais estreita entre o ensino superior e o setor privado também é benéfica, se não essencial.

6.   Dinamizar a dimensão europeia

6.1.

O CESE congratula-se com o facto de todas as questões expostas acima, juntamente com a modernização do ensino superior, terem uma presença cada vez mais importante na agenda da UE. Seria conveniente encontrar uma abordagem comum para garantir que o espaço europeu do ensino superior e do espaço europeu da investigação possam ser realizados com êxito.

6.2.

Universidades abertas e transparentes, para além de uma estratégia europeia orientadora bem definida, serão altamente benéficas para o mercado único e para a modernização de uma sociedade europeia resiliente no panorama mundial. Para tal, é fundamental a livre circulação de estudantes, investigadores e conhecimentos.

6.3.

O empenho da UE no ensino superior começou com a promoção da investigação científica em programas-quadro consecutivos. Entretanto, o compromisso da UE no âmbito do ensino está a expandir-se. O Pacto de Estabilidade e Crescimento destaca a necessidade de apoiar despesas geradoras de crescimento, incluindo, particularmente, o ensino superior.

6.4.

Dois dos cinco objetivos principais da estratégia «Europa 2020» estão diretamente relacionados com o ensino superior: investimento em I&D e inovação e ensino. Estes objetivos envolvem diversos intervenientes. Em 2014, as recomendações específicas por país (REP) demonstraram que cerca de metade dos Estados-Membros enfrenta graves problemas no que toca à inadequação de competências e à sua pertinência para o mercado de trabalho, bem como uma persistente falta de cooperação entre o ensino superior e as empresas ou outras partes interessadas.

6.5.

As REP apontam para a necessidade de abordar a empregabilidade, as necessidade do setor privado e dos estudantes/diplomados enquanto futuros trabalhadores (ou empregadores) e a competitividade, através de uma cooperação mais eficaz entre o ensino superior, as instituições de investigação e as empresas. O CESE insiste em que as REP sejam acompanhadas de forma mais eficaz e os resultados debatidos abertamente pela Comissão e pelo Conselho.

6.6.

No entanto, por oposição à necessidade de autonomia e responsabilidade no ensino superior, existem forças políticas nos Estados-Membros que exigem mais regulamentação, o que levaria a menos autonomia. Nestes casos, a subsidiariedade é invocada como um princípio, impedindo consequentemente a harmonização dos sistemas de ensino superior na Europa, o que prejudicaria os interesses dos estudantes e da sociedade no seu conjunto.

6.7.

É necessário aumentar e alargar as qualificações tanto dentro como fora da UE. Para tal, afiguram-se fundamentais iniciativas transfronteiras de fertilização cruzada entre as universidades, os docentes e os estudantes, bem como uma abertura para o mundo. Um compromisso explícito do Conselho, dos Estados-Membros e da Comissão deverá resultar num reforço do desempenho do ensino superior, através da uma maior partilha e coordenação das competências a nível nacional e da UE.

6.8.

O CESE salienta constantemente a importância crucial dos programas de investigação e inovação da UE. A investigação transfronteiras gera retorno do investimento, os programas da UE incentivam um foco em tecnologias essenciais e temas estratégicos, o financiamento transnacional contribui para melhores resultados e as alianças científicas europeias dão um verdadeiro estímulo à competitividade europeia. Para o efeito, os novos conhecimentos devem também ser mais amplamente partilhados, nomeadamente através do livre acesso.

6.9.

Ao abrigo do Sétimo Programa-Quadro (7.o PQ) e, a partir de 2014, ao abrigo do programa Horizonte 2020, o Conselho Europeu de Investigação apoia com sucesso a investigação de elevada qualidade mediante financiamento competitivo. Porém, a existência de barreiras estruturais ainda impede a mobilidade transfronteiras de investigadores, pessoal académico e estudantes.

6.10.

O desempenho do ensino superior e da investigação é cada vez mais submetido a processos de avaliação e transparência. As universidades estão a cooperar e a competir à escala global, trabalhando em projetos comuns de investigação, procurando atingir níveis de excelência e, cada vez mais, recrutando estudantes e trabalhadores de fora da UE. Esta é uma questão crucial e, no entanto, as legislações nacionais e a falta de incentivos podem inibir os progressos neste domínio. Os estudos realizados à escala internacional provam que está a aumentar o fosso entre os que apresentam os melhores e os piores desempenhos na Europa.

6.11.

É necessário envidar mais esforços para envolver os investigadores de excelência de toda a Europa em projetos comuns. Os centros de excelência existentes no continente devem ser interligados, com vista à sua participação nos projetos comuns de investigação de excelência na Europa.

6.12.

A mobilidade dos professores universitários e dos estudantes na Europa é limitada, já que a circulação transfronteiras ainda encontra barreiras artificiais. É urgente garantir a igualdade de condições de trabalho para os investigadores e os professores universitários, a par de uma maior convergência dos programas de ensino e dos diplomas universitários na Europa.

6.13.

As estatísticas desadequadas devem ser melhoradas e utilizadas de melhor forma, a fim de medir a extensão da mobilidade e de a apoiar.

6.14.

A abertura e a modernização das universidades, bem como uma diversificação cultural através de uma maior internacionalização, são benéficas. Além disso, os estudantes, com o apoio dos meios de comunicação social atuais, de ferramentas de transparência, como o U-Multirank, e da especialização das universidades, são incentivados a efetuar escolhas específicas. A existência de soluções pragmáticas à escala da UE deverá ser uma ajuda.

6.15.

Uma cooperação mais estreita entre os interessados pode mostrar o caminho a seguir. Um exemplo disso é o recente acordo entre os países do Benelux relativo ao reconhecimento mútuo automático dos diplomas. Este é um progresso significativo (13). A tendência para o reconhecimento mútuo dos diplomas universitários e dos diversos cursos no campo das ciências ajudará a reduzir as barreiras entre as universidades e a criar intercâmbios abertos.

6.16.

É necessário internacionalizar sistemas adequados de garantia da qualidade, conferindo-lhes uma clara ligação a nível europeu. Isto aplica-se também à necessidade de reconhecer as decisões de acreditação. Qualquer iniciativa neste contexto deverá ser bem acolhida (14). Um processo de reconhecimento mútuo deverá conduzir progressivamente a uma acreditação à escala da UE e reforçará particularmente a qualidade do ensino nas universidades com menor desempenho.

6.17.

Tais práticas seriam benéficas em toda a Europa, tanto para a mobilidade como para a empregabilidade. Com a introdução do mesmo grau em várias universidades, os programas comuns entre as universidades tornar-se-iam mais atrativos. Além disso, é preciso ponderar os programas de geminação. O intercâmbio de práticas administrativas e didáticas in loco pode melhorar a qualidade.

6.18.

A utilização de línguas comuns constitui uma condição básica da internacionalização. O conhecimento de (mais de duas) línguas é desejável por razões culturais e económicas. O inglês pode ser a língua franca de hoje. Contudo, a melhoria das competências linguísticas é um processo demasiado moroso. Deve ser considerada a possibilidade de obrigar os estudantes ao conhecimento de uma língua estrangeira.

6.19.

O programa Erasmus+ tem sido um grande sucesso e um passo importante para facilitar a mobilidade. É igualmente bem acolhido pelas empresas. Além disso, está em consonância com o princípio orientador de crescimento e emprego da Comissão. O financiamento do programa deve dar resposta à crescente procura. É ainda necessário eliminar quaisquer restrições jurídicas aos intercâmbios dos estudantes.

6.20.

Os fundos europeus estruturais e de investimento centram-se em fatores de inovação e crescimento, incluindo a investigação. A Comissão deve desempenhar um papel orientador para melhorar a participação das universidades em projetos regionais.

6.21.

Regra geral, as universidades são independentes das administrações locais e regionais, embora haja exceções assinaláveis, que devem ser destacadas. Os Fundos Europeus Estruturais e de Investimento (FEEI) estão igualmente a dar um contributo muito positivo, ligando as atividades de investigação por meio das RIS3 (15) aos programas regionais da UE, promovendo um ambiente favorável à inovação.

6.22.

As universidades devem ter conhecimento das RIS3 e da sua aplicação em vários âmbitos. Além disso, devem desempenhar um papel ativo no programa, juntamente com as administrações regionais empenhadas nesta questão.

6.23.

Infelizmente, por razões relacionadas com a governação, as universidades não estão a aproveitar todo o potencial dos FEEI. As sinergias entre os programas da UE (FEEI, Horizonte 2020 e Erasmus+) devem ser promovidas, mas tendem a ser bloqueadas devido a condições contraditórias.

Bruxelas, 9 de dezembro de 2015.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  Parecer CESE sobre universidades para a Europa (JO C 128 de 18.5.2010, p. 48).

(2)  Ver ponto 4.7.

(3)  Estas plataformas devem ser constituídas por parceiros empresariais, sociais e regionais.

(4)  No presente parecer, todas as instituições do ensino superior são denominadas universidades. Em alguns países, faz-se uma distinção considerável entre universidades de investigação e escolas superiores técnicas, ao passo que noutros países ambos os tipos de instituição se designam universidades.

(5)  O painel de avaliação da autonomia da Associação Europeia das Universidades revela que a autonomia organizacional, financeira, de recursos humanos ou académica fica aquém das expectativas em vários países (http//www.university-autonomy.eu/).

(6)  Este modelo foi adotado por várias organizações, como a Rede das Regiões Europeias para a Investigação e Inovação (ERRIN) e o Consórcio Europeu de Universidades Inovadoras. John Goddard, antigo sub-reitor da Universidade de Newcastle, é igualmente um importante defensor deste modelo.

(7)  Seminário do CESE, 13 de junho de 2014 — «Universidades para a Europa».

(8)  Declaração de Lund, 2009; Declaração de Roma, 2014.

(9)  Recomendação sobre as competências essenciais para a aprendizagem ao longo da vida (2006/962/CE). O espírito de iniciativa e o espírito empresarial referem-se à capacidade de os indivíduos passarem das ideias aos atos. Isto compreende a criatividade, a inovação e a assunção de riscos, bem como a capacidade de planear e gerir projetos para alcançar objetivos.

(10)  Ver www.heinnovate.eu, HEInnovate, How entrepreneurial is your HEI?

(11)  Ver The Economist, 28 de março de 2015, «Special report on American universities: Excellence v equity» [Relatório especial sobre as universidades americanas: excelência vs. igualdade].

(12)  A aprendizagem mista é a utilização (integrada) de métodos de ensino tradicionais e abertos (em linha).

(13)  Em 18 de maio de 2015, os países do Benelux assinaram um acordo sobre o reconhecimento mútuo automático de todos os cursos universitários. Como parte do processo de Bolonha, o Grupo Pathfinder recomenda que se explore o reconhecimento mútuo automático dos sistemas, à escala regional, com os países parceiros que partilhem da mesma visão.

(14)  Por exemplo, em 9 de julho de 2015, o Akkreditierungsrat (Alemanha) e o NVAO (Países Baixos, Flandres-Bélgica) concordaram em reconhecer mutuamente as decisões de acreditação relativamente aos programas comuns entre os países.

(15)  RIS3: estratégias nacionais/regionais de inovação para a especialização inteligente.


24.2.2016   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 71/20


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «O papel dos engenheiros na reindustrialização da Europa»

(parecer de iniciativa)

(2016/C 071/04)

Relator:

Antonello PEZZINI

Correlator:

Zbigniew KOTOWSKI

Em 19 de fevereiro de 2015, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre

O papel dos engenheiros na reindustrialização da Europa

(parecer de iniciativa)

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Comissão Consultiva das Mutações Industriais (CCMI), que emitiu parecer em 5 de novembro de 2015, com base no projeto elaborado pelo relator Antonello Pezzini e pelo correlator Zbigniew Kotowski.

Na 512.a reunião plenária de 9 e 10 de dezembro de 2015 (sessão de 9 de dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 206 votos a favor, um voto contra e seis abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE considera que tanto os engenheiros e técnicos europeus como as respetivas associações nacionais e europeias constituem um recurso fundamental no processo de reindustrialização da Europa, contribuindo para acelerar a conversão dos resultados da investigação em aplicações inovadoras para o mercado.

1.2.

O desenvolvimento económico da UE depende cada vez mais de um processo de reindustrialização, encarado como uma estratégia de transição para novos modelos sustentáveis de conceção, produção e colocação no mercado de produtos inovadores com elevado valor acrescentado, que incorporem tecnologias, materiais e serviços novos e de qualidade num mundo cada vez mais digital.

1.3.

O CESE entende que o papel decisivo que os engenheiros e as profissões técnicas desempenham neste processo, nomeadamente na resolução dos problemas que os desafios da reindustrialização colocam à sociedade europeia, deve ser mais realçado e promovido, e solicita que seja lançado um exercício de prospetiva sobre o futuro da profissão com a participação dos implicados.

1.4.

O CESE recomenda a promoção de uma cultura europeia do empreendedorismo e da inovação, com a realização de ações concretas a fim de revitalizar as profissões de engenheiro e técnico, promotores de civilização e prosperidade.

1.5.

O CESE frisa a necessidade de um quadro harmonizado europeu que dinamize a profissão, o qual deve abordar questões como:

o reconhecimento mútuo das qualificações profissionais;

a mobilidade no interior da UE e espírito empresarial;

modelos europeus de formação contínua e aprendizagem ao longo da vida formais e informais com programas de apoio;

um melhor acesso aos contratos públicos, em especial para as cooperativas, as empresas em fase de arranque (start-ups) e as redes de empresas, nomeadamente pequenas e médias empresas, bem como as associações profissionais de engenheiros;

um melhor acesso ao financiamento e ao mercado de capitais;

campanhas destinadas a aumentar a atratividade dos cursos e das carreiras e a promover o reconhecimento profissional;

o apoio à interdisciplinaridade e à ligação em rede digital;

a flexibilidade e a promoção da igualdade entre homens e mulheres;

a regulamentação mútua da responsabilidade profissional em todo o mercado único;

as políticas ativas para incentivar o recrutamento de engenheiros por parte das PME;

promover a cultura da propriedade intelectual.

1.6.

O CESE sublinha que níveis de formação e qualificação elevados na área da engenharia constituem uma condição essencial para a instauração de um sistema eficaz de reconhecimento mútuo. É ainda necessário manter padrões de ensino e de formação elevados, nomeadamente através de um 29.o regime regulamentar da UE, facultativo, assente nas experiências das carteiras profissionais europeias voluntárias (1) e com o apoio ativo das associações profissionais nacionais e europeias de engenheiros, para garantir a confiança dos Estados na mobilidade profissional entre os países, baseada nos conhecimentos.

1.6.1.

O atual desenvolvimento da sociedade gera inúmeros novos empregos fora da área técnica que, graças à influência dos meios de comunicação social e à vontade de que sejam populares junto da sociedade, são atrativos para os jovens interessados numa carreira rápida e prestigiosa. Deste ponto de vista, a engenharia é vista como uma profissão tradicional que não oferece possibilidades de progressão fácil e rápida na carreira. Assim, as gerações futuras não consideram atrativas as disciplinas do setor da engenharia, o que ameaça seriamente o sucesso do programa europeu de reindustrialização e da competitividade da indústria europeia. Esta situação coloca um desafio sério aos atuais sistemas de ensino e revela a necessidade de orientar decisivamente a educação primária para as áreas da matemática, física e engenharia, apresentando-as de forma atrativa, a fim de despertar a curiosidade dos jovens. De igual modo, o princípio da formação dual e as boas práticas nesse domínio (na Alemanha, na Suíça e na Áustria) devem ser alvo de especial atenção por parte de todos os Estados-Membros em que esse tipo de formação não exista.

1.7.

No entender do CESE, importa criar um mercado único para os engenheiros europeus e elaborar uma abordagem comum articulada, destinada a aumentar a mobilidade em todo o espaço europeu, atendendo à importância do reconhecimento mútuo, especialmente para os engenheiros autónomos e que trabalhem por conta própria.

1.8.

O CESE recomenda que seja reservado à engenharia um papel importante na política de normalização europeia, a fim de acelerar, simplificar e modernizar os procedimentos e garantir a interoperabilidade dos sistemas e das redes.

1.9.

O CESE recomenda que as organizações que empregam engenheiros desenvolvam, com base no quadro europeu de qualificações profissionais, modelos de formação de base eletrónica adequados às novas gerações e às novas formas de gestão e avaliação e adaptados às características dos novos engenheiros, com ambientes e carreiras atrativos.

1.10.

Segundo o CESE, as organizações representativas e as ordens profissionais devem procurar coordenar-se melhor, com vista a desempenharem um papel dinamizador conjunto, seja dentro ou fora da UE, e a proporcionarem aos seus membros uma formação contínua de acordo com critérios europeus comuns.

1.11.

O CESE solicita que a Comissão dê um seguimento concreto à criação do fórum europeu das profissões liberais, no âmbito do qual estejam amplamente representadas as associações profissionais ou as ordens profissionais (2) dos engenheiros, e recomenda a criação de um portal do engenheiro europeu, onde possam ser debatidas questões como a responsabilidade, a propriedade intelectual, a fiscalidade e as pensões de reforma, a formação contínua, os códigos de boas práticas, etc.

1.12.

O CESE sugere que a Comissão elabore um código europeu de boas práticas no âmbito da engenharia, com base nas experiências das organizações nacionais de engenheiros e técnicos, proporcionando a estes profissionais as condições jurídico-financeiras adequadas para a realização de projetos inovadores, em especial para as PME e os intervenientes em atividades de investigação e desenvolvimento (I&D).

1.13.

O CESE sublinha que a profissão deve dedicar-se cada vez mais à gestão de problemas complexos, relacionados com a sustentabilidade económica, social e ambiental, promovendo melhor as abordagens multidisciplinares avançadas e uma interoperabilidade adequada entre os sistemas de produção e as novas realidades industriais 4.0.

1.14.

O CESE insta a Comissão e os Estados-Membros a terem devidamente em conta as conclusões do Conselho Europeu de 20 e 21 de março de 2014, convidando-os a colmatarem prioritariamente as lacunas no domínio da ciência, da tecnologia, da engenharia e da matemática — as chamadas «competências STEM» —, com uma maior participação da indústria.

2.   Introdução

2.1.

Na origem da engenharia europeia encontra-se uma ânsia de renovação, encarnada pelo génio de Leonardo da Vinci, que reflete a abertura da sociedade europeia à inovação e a um quadro cultural que promova a participação cívica, a boa governação e a eficácia.

2.2.

Como destaca o PE, «A crise constituiu um duro golpe para as economias europeias. A UE necessita de uma estratégia de crescimento abrangente, a fim de ultrapassar estes desafios.» (3)

2.3.

A estratégia de reindustrialização da UE centra-se especialmente em investimentos na inovação, na qual os engenheiros desempenham um papel determinante, sobretudo nos setores em rápido crescimento.

2.4.

O efeito combinado de tecnologias digitais, sistemas de comunicação de redes inteligentes, nanobiotecnologias, tecnologias industriais sustentáveis, impressoras 3D e tecnologias limpas facilitadoras intersetoriais está a mudar profundamente o modo de funcionamento das economias e das sociedades a uma velocidade exponencial em resultado da globalização.

2.5.

O futuro da UE depende de um processo de reindustrialização, que consiste essencialmente numa estratégia de transição para novos modelos sustentáveis de conceção, produção e colocação no mercado de produtos com elevado valor acrescentado, que incorporam tecnologias, materiais e serviços novos num mundo cada vez mais digital.

2.6.

O CESE está convicto de que, na ausência de recursos humanos técnicos e científicos que apresentem o potencial necessário em termos de experiência e de conhecimentos, será difícil concretizar os objetivos previstos na Estratégia Europa 2020. Neste contexto, é igualmente necessário promover o papel das organizações e das associações profissionais de engenheiros e técnicos, à escala nacional e europeia.

2.7.

Na Europa, a maior parte das competências técnicas encontra-se no setor da engenharia, que engloba cerca de 130 000 empresas, as quais empregam mais de 10 milhões de pessoas altamente qualificadas e competentes, com uma produção anual de aproximadamente 1 840 mil milhões de euros, equivalentes a cerca de um terço de todas as exportações da UE. Além disso, os engenheiros e técnicos desempenham um papel importante em todos os setores da economia (4).

2.8.

É preciso desenvolver uma nova abordagem inteligente nas políticas europeias, na qual seja assegurado um novo papel aos profissionais técnicos. A necessidade de gerir os processos de transformação inteligente dos territórios, expressamente exigidos pela nova programação europeia, é cada vez mais premente.

2.9.

Para atingir estes objetivos, a UE deve aumentar os níveis de qualificação da sua mão de obra. Registar-se-á, sobretudo nas competências na área da engenharia, um aumento da procura pelo setor público ou pelo setor privado. O setor público precisará de mais competências técnicas para superar — com a aplicação das novas diretivas relativas aos contratos públicos, com formas de cooperação em redes de empresas, trabalho em agrupamentos (clusters) e novos programas informáticos — os desafios nos domínios da energia, dos transportes, da saúde, da gestão de resíduos, do ensino, da pegada de carbono, da Internet das coisas e da economia circular.

2.10.

Também o setor privado deverá reforçar as competências na área da engenharia, a fim de colher os frutos do desenvolvimento das competências nos locais de trabalho. As análises do comportamento dos consumidores revelam um aumento constante da procura da inteligência contida nos produtos e nos serviços.

2.11.

Os conhecimentos e a experiência técnica devem ser constantemente atualizados, a fim de superar os desafios dos novos processos industriais. São necessários novos métodos e formas e métodos de aprendizagem, bem como mais formação, para permitir um aproveitamento flexível e o mais eficaz possível do capital humano e social no setor. É preciso organizar novas formas de trabalho para os profissionais liberais que prestam serviços profissionais, técnicos e científicos na Europa.

2.12.

Uma maior mobilidade nos mercados de trabalho nacionais, europeus e mundiais contribui para uma melhor utilização da mão de obra disponível no âmbito de uma reserva europeia atrativa de engenheiros. A possibilidade de optar por um regime regulamentar da UE facultativo — o 29.o regime — permite favorecer a difusão de uma carteira profissional da UE que facilite aos engenheiros especializados obter experiências profissionais nos vários países europeus.

2.13.

Para sensibilizar os futuros estudantes de engenharia para esta profissão é necessária uma maior cooperação entre a indústria e o mundo académico e entre os empregadores e as escolas públicas e privadas, seja no ensino primário ou secundário, seja na I&D. Importa concretizar a responsabilidade social das empresas e promover uma formação adequada.

2.14.

Com a participação dos empresários e a abordagem de questões novas e mais complexas, torna-se evidente para os jovens que a matemática, a informática, a física e a química são necessárias para resolver os problemas que a sociedade tem de enfrentar e constituem a chave para encontrar soluções inovadoras na medicina, no sistema de saúde e nos transportes, assim como para a poluição ou a poupança de energia.

2.15.

Este tipo de cooperação deve ser promovido à escala local, mas as experiências e as boas práticas devem ser partilhadas à escala europeia. Tal contribuiria para a criação de postos de trabalho e oportunidades de carreira para os engenheiros e poderia ajudar a valorizar as disciplinas mencionadas junto das novas gerações.

2.16.

Paralelamente, tendo em conta os progressos realizados na pluralidade das disciplinas e na pluridisciplinaridade das aplicações práticas, é fundamental assegurar a qualidade e a eficácia e introduzir, nos percursos escolares dos ensinos secundário e superior, outras disciplinas, como a psicologia social e a gestão em equipa dos recursos humanos, o incentivo de processos criativos, as nanotecnologias, a engenharia biomédica, a história da técnica, a geografia económica, etc.

2.17.

Um processo de acreditação dos programas de ensino é uma das formas em que tais profissões podem garantir a correspondência às normas. O processo de garantia de qualidade implica padrões de referência e de avaliação em consonância com o quadro europeu e nacional das qualificações profissionais.

2.18.

A acreditação externa e a garantia da qualidade interna são ambos processos cruciais para manter a qualidade da formação na área da engenharia.

3.   Observações gerais

3.1.   O papel dinamizador dos engenheiros na reindustrialização da UE

O CESE considera que o papel dinamizador dos engenheiros e dos técnicos é decisivo para a concretização na prática da estratégia de reindustrialização europeia, assegurando soluções viáveis de processos, produtos e serviços ecológicos (lean, clean, green) para os desafios do desenvolvimento sustentável e competitivo.

3.1.1.

O CESE frisa igualmente a necessidade de um quadro europeu que dinamize esta profissão mediante:

o reconhecimento mútuo de qualificações e profissões;

a mobilidade interna e externa no mercado único e desenvolvimento do espírito empresarial;

modelos europeus convergentes de formação contínua e aprendizagem ao longo da vida, formais e informais com programas de apoio;

a assunção de responsabilidades e garantias de responsabilidade uniformes no mercado único;

campanhas destinadas a aumentar a atratividade dos cursos e das carreiras e a promover o reconhecimento profissional, garantindo a igualdade entre homens e mulheres;

o apoio à interdisciplinaridade e à gestão em rede de problemas complexos;

a flexibilidade e a promoção das competências específicas das novas gerações;

a «geração C» («geração conectada»);

políticas para aumentar a celeridade da gestão e da comunicação também no domínio intersetorial e pluridisciplinar, garantindo a interoperabilidade entre a ciência, a produção e a indústria 4.0;

o apoio ao papel dos engenheiros e dos técnicos e às suas organizações socioprofissionais na utilização dos programas de investigação e inovação (I&I) e dos fundos estruturais;

a adoção de medidas que promovam a assunção de responsabilidades e a aplicação de códigos éticos, especialmente na contratação pública, com o regime introduzido pelas novas diretivas (5) mediante redes de empresas e agrupamentos colaborativos, e com disposições específicas em matéria de contratos públicos ecológicos e de defesa e proteção civil;

um quadro de cooperação internacional com acesso facilitado aos mercados dos países terceiros;

alterações legislativas a fim de garantir uma proteção dos direitos de propriedade intelectual capaz de assegurar o desenvolvimento da sociedade da informação.

3.2.   Reconhecimento mútuo de qualificações e profissões, mobilidade e espírito empresarial

3.2.1.

O CESE entende que os níveis elevados de formação e qualificação na área da engenharia constituem uma condição essencial para a eficácia do sistema de reconhecimento mútuo: reduzir os padrões de educação para aumentar a mobilidade acarretaria o risco de diminuir a confiança recíproca numa UE baseada no conhecimento e capaz de responder aos novos desafios da engenharia.

3.2.2.

No entender do CESE, é necessário desenvolver uma abordagem articulada comum: carteira profissional europeia (6), mediante uma maior convergência dos percursos de formação, a adoção de um regime regulamentar facultativo paralelo para uma carteira profissional da UE voluntária, um quadro comum de formação e sistemas de validação das qualificações formais e/ou informais adquiridas.

3.2.3.

O CESE recomenda a realização de ações concretas para revitalizar a profissão de engenheiro e técnico, enquanto atores-chave para a conversão rápida dos resultados da investigação em aplicações para o mercado e em soluções para os problemas da sociedade. O CESE solicita, nomeadamente, um reforço da iniciativa Erasmus para os Jovens Empresários (EJE) e dos mecanismos de microcrédito especificamente orientados para os engenheiros, bem como a criação de um prémio da UE para os projetos criativos na área da engenharia, a fim de dar mais projeção à profissão e de promover a conceção de ideias e projetos de engenharia de excelência no campo da engenharia.

3.3.   Formação e aprendizagem contínuas, formais e informais

3.3.1.

Dada a rapidez do progresso tecnológico, o CESE considera importante a concessão de apoio europeu ao desenvolvimento de módulos de formação em parceria com a indústria, para a aquisição de elevados níveis de competências específicas e a realização do ensino em colaboração e de projetos de aprendizagem pela prática (learning by doing), com vista a promover uma melhor comunicação interpessoal, assim como de módulos em linha, recorrendo à tecnologia digital e a redes de comunicação, para obter e analisar informações.

3.3.2.

É necessário estabelecer, com o apoio da regulamentação da UE, normas globais de validação das capacidades de liderança e de assunção de riscos adquiridas com o ensino não formal (7).

3.3.3.

Para tirar partido das competências das novas gerações conectadas («ConGen»), é necessário repensar as estruturas de produção, organização, comunicação e direção.

3.4.   Imagem e futuro dos engenheiros na reindustrialização da UE

3.4.1.

O CESE entende que o papel determinante desempenhado pelos engenheiros e pelas profissões técnicas para enfrentar os problemas com que se depara a sociedade europeia, devido aos desafios da reindustrialização deve ser mais destacado e valorizado, pelo que solicita que seja realizado um exercício de prospetiva (foresight) com a participação dos implicados, incluindo os agentes do desenvolvimento, as administrações, os responsáveis políticos e as partes interessadas, que identifique e valorize as futuras exigências da profissão no que diz respeito à resolução de problemas, bem como à celeridade de aquisição e transformação de novas tecnologias em aplicações.

3.4.2.

A este respeito, deveria ser atribuída aos engenheiros uma importância específica na promoção da sustentabilidade económica, social e ambiental deste processo de reindustrialização, para permitir uma transição progressiva para o novo modelo de economia circular, «que deve incluir a “retransformação” (re-manufacturing) e o “reconsumo” (re-consuming (8).

3.5.   O papel dos engenheiros e técnicos na utilização dos programas de I&I e dos fundos estruturais

3.5.1.

O CESE frisa que os engenheiros e os técnicos europeus representam um recurso fundamental no processo de reindustrialização, contribuindo para a rápida transformação das investigações em aplicações inovadoras de mercado e para solucionar os problemas complexos inerentes à transição para uma economia social de mercado, sustentável, sólida e competitiva, e que tal recurso deve ser visado e apoiado em soluções inovadoras, que premeiem a qualidade e não apenas a rentabilidade, encorajando todas as formas de cooperação conjunta em rede ou em pequenos grupos, através de políticas e programas da UE, começando por:

ações estratégicas no âmbito da Agenda Digital;

Horizonte 2020, em especial através das tecnologias facilitadoras essenciais;

COSME e FEI;

fundos estruturais e de coesão.

4.   Observações finais

4.1.

A UE enfrenta grandes desafios, que prenunciam dificuldades consideráveis para os engenheiros europeus:

perspetivas de envelhecimento da população;

digitalização generalizada e invasiva;

crescente escassez de recursos num contexto ambiental e climático cada vez mais comprometido;

globalização geopolítico-financeira, com deslocações do centro de gravidade para fora da Europa;

convergência das tecnologias, nomeadamente das TIC, da nanotecnologia, da biotecnologia e dos sistemas 3D;

problemas complexos de gestão integrada, designadamente das megalópoles;

produtos e serviços em linha e redes inteligentes em crescimento exponencial, devido ao desenvolvimento da indústria 4.0;

desenvolvimento autónomo significativo do fenómeno de inteligência coletiva ligada em tempo real (Social Brain) para as gerações conectadas;

4.2.

De acordo com o CESE, as novas gerações conectadas de engenheiros deverá obter níveis mais elevados de qualificação e competências formais e informais, dado que as soluções mais simples para os problemas serão delegadas a sistemas digitais autónomos, e adquirir capacidades interdisciplinares e flexibilidade para gerir problemas complexos.

4.3.

As organizações para as quais os engenheiros trabalham devem desenvolver, com base no quadro europeu das qualificações profissionais, módulos de formação digitais e sistemas com modalidades de gestão adaptados às características dos novos engenheiros, reforçando a partilha de valores e objetivos empresariais e favorecendo ambientes e carreiras atrativos.

4.4.

Segundo o CESE, as organizações representativas e as ordens profissionais dos engenheiros devem procurar coordenar-se melhor à escala europeia, com vista a desenvolver um papel mais dinamizador, seja dentro ou fora da UE, na criação de um mercado único do engenheiro europeu.

4.5.

O CESE recomenda que se dê seguimento concreto ao estabelecimento do fórum europeu das profissões liberais, no qual as associações profissionais ou as ordens profissionais (9) dos engenheiros independentes e das PME de engenharia possam obter uma ampla representação, e sugere a criação de um portal do engenheiro europeu, no âmbito do qual problemáticas importantes, como a gestão da responsabilidade, a defesa dos direitos da propriedade intelectual e os regimes fiscais e de pensões possam encontrar um espaço interativo.

Bruxelas, 9 de dezembro de 2015.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  Ver a «carteira europeia do engenheiro» da Federação Europeia das Associações Nacionais de Engenheiros (FEANI).

(2)  JO C 226 de 16.7.2014, p. 10.

(3)  Resolução do PE de 15.1.2014.

(4)  Fonte: Eurostat.

(5)  JO C 94 de 28.3.2014, p. 65, p. 243 e p. 1.

(6)  JO L 354 de 28.12.2013, p. 132.

(7)  European Institute for Industrial Leadership [Instituto Europeu para a Liderança Industrial], documento de posição P20-2015.

(8)  JO C 230 de 14.7.2015, p. 91.

(9)  JO C 226 de 16.7.2014, p. 10.


24.2.2016   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 71/27


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «A nanotecnologia para uma indústria química competitiva»

(parecer de iniciativa)

(2016/C 071/05)

Relator:

Egbert BIERMANN

Correlator:

Tautvydas MISIŪNAS

Em 28 de maio de 2015, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do seu Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre

A nanotecnologia para uma indústria química competitiva

(parecer de iniciativa).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Comissão Consultiva das Mutações Industriais (CCMI), que emitiu parecer em 5 de novembro de 2015.

Na 512.a reunião plenária de 9 e 10 de dezembro de 2015 (sessão de 9 de dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 115 votos a favor, 2 votos contra e 4 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE apoia as atividades destinadas a configurar uma política industrial europeia, especialmente as de promoção de tecnologias facilitadoras essenciais que reforçam a competitividade na Europa. A Europa deve falar a uma só voz a nível internacional para reforçar o seu papel no diálogo mundial, e a capacidade de inovação proporcionada pelos nanomateriais e a nanotecnologia — especialmente na indústria química — presta um importante contributo para esse objetivo.

1.2.

Uma iniciativa de promoção da nanotecnologia pode ajudar a desenvolver ainda mais a política industrial europeia comum. A investigação e o desenvolvimento são de tal modo complexos que não podem ser deixados exclusivamente a cargo de empresas ou instituições individuais. Antes requerem uma ampla cooperação entre universidades, instituições científicas, empresas e incubadoras de empresas. Neste contexto, uma medida positiva é a criação de centros de investigação, como os que foram instalados nos setores químico e farmacêutico, entre outros. Importa também garantir que as PME são associadas ao processo.

1.3.

É importante continuar a desenvolver centros de excelência europeus para a nanotecnologia (nanoclusters). Os responsáveis dos meios económicos, científicos, políticos e sociais devem unir-se em redes para promover a transferência de tecnologias, a cooperação por meios digitais ou em pessoa, uma melhor avaliação dos riscos, uma análise específica dos ciclos de vida e a segurança dos nanoprodutos.

Os instrumentos financeiros para a nanotecnologia previstos no programa-quadro de investigação Horizonte 2020 devem ser mais simples e flexíveis, especialmente para as PME, o financiamento público deve ser permanente, e a prestação de financiamento privado deve ser incentivada.

1.4.

A fim de enraizar melhor a nanotecnologia multidisciplinar nos sistemas de educação e formação, importa integrar cientistas e técnicos competentes em áreas como a química, biologia, engenharia, medicina ou ciências sociais, devendo as empresas dar resposta às qualificações cada vez maiores exigidas aos seus trabalhadores, através de ações de formação e ensino devidamente direcionadas. Há que envolver neste processo também os trabalhadores, com a sua experiência e competências.

1.5.

O processo de normalização da UE deve continuar a ser promovido, já que as normas desempenham um papel essencial no cumprimento da legislação, especialmente nos casos em que a segurança dos trabalhadores requer uma avaliação dos riscos. Por isso, há que desenvolver ferramentas relativas a materiais de referência certificados, a fim de analisar os procedimentos de medição das características dos nanomateriais.

1.6.

Os consumidores devem ser exaustivamente informados a respeito dos nanomateriais, pois é indispensável promover a aceitação destas tecnologias facilitadoras essenciais por parte da sociedade. Para tal, há que realizar diálogos regulares entre associações de consumidores, associações ambientalistas e atores políticos e económicos, o que requer o desenvolvimento, em toda a Europa, de plataformas de informação e de instrumentos que promovam a aceitação por parte do público.

1.7.

O CESE espera que a Comissão Europeia crie um observatório de nanomateriais, dedicado a documentar e avaliar os processos de desenvolvimento, as aplicações, a valorização (reciclagem) e a eliminação desses materiais. Deverá também observar e aferir os efeitos no emprego e no mercado de trabalho, bem como descrever as principais consequências políticas, económicas e sociais daí resultantes. Deve elaborar-se, até 2020, um relatório atual sobre os nanomateriais e a nanotecnologia na Europa, que avance possíveis pistas para o desenvolvimento deste setor até 2030.

2.   A nanotecnologia numa Europa inovadora

2.1.

Foram e continuam a ser muitas as iniciativas de promoção da inovação e das tecnologias facilitadoras essenciais por parte da Comissão Europeia, guiadas pelo objetivo de aumentar a competitividade. A título exemplificativo, refiram-se as comunicações da Comissão relativas a uma estratégia comum para as tecnologias facilitadoras essenciais na UE (2009, 2012) e à investigação e inovação, de 2014. O CESE também dedicou especial atenção à nanotecnologia em vários dos seus pareceres (1).

2.2.

Com a adoção do Plano Juncker em 2014, a UE conferiu uma importância especial à sua política industrial e, por conseguinte, à promoção de tecnologias inovadoras. As tecnologias escolhidas como preferenciais deixam bem claro que, para ser competitiva, a política industrial europeia tem de basear-se estrategicamente em tecnologias e materiais orientados para o futuro, princípio que se aplica com especial relevância ao setor químico e farmacêutico.

2.3.

O setor químico e farmacêutico europeu funciona como um motor de inovação para outros setores e a nanotecnologia desempenha uma função essencial no desenvolvimento de novos produtos, reforçando a competitividade e contribuindo para o desenvolvimento industrial sustentável.

2.4.

Já existem atualmente nanomateriais em muitos produtos do quotidiano (por exemplo, vestuário desportivo, cosméticos, revestimentos, etc.). Além disso, abrem-se ainda perspetivas de inovação em termos de novos produtos e procedimentos (por exemplo, tecnologias energéticas e ambientais, tecnologias médicas, ótica, desenvolvimento e produção de chips, proteção de dados por meios técnicos, indústria da construção, com produtos como tintas e vernizes, ou medicamentos e tecnologias médicas).

2.5.

Dadas as suas dimensões extremamente reduzidas, os nanomateriais podem apresentar novas características óticas, magnéticas, mecânicas, químicas e biológicas que permitem desenvolver produtos inovadores com novas funcionalidades e características especiais.

2.6.

De acordo com uma recomendação adotada pela Comissão Europeia, entende-se por «nanomateriais» os materiais cujas principais componentes tenham dimensões compreendidas entre 1 e 100 milésimos milionésimos do metro. Esta definição constitui um avanço importante, na medida em que descreve com clareza os materiais que devem ser considerados nanomateriais e permite selecionar os procedimentos de controlo mais adequados (2).

2.7.

A nanotecnologia proporciona um imenso potencial de crescimento. Para o período entre 2006 e 2021, os peritos preveem um crescimento do volume de negócios de 8 mil milhões de dólares americanos (USD) para 119 mil milhões de USD por ano (3).

3.   A nanotecnologia na indústria química e na medicina  (4)

3.1.

O espetro de aplicação da nanotecnologia na indústria química é vastíssimo. Convém notar que, apesar de o termo «nanotecnologia» ter uma conotação de novidade, muito daquilo a que hoje se atribui o qualificativo «nano» é já bastante antigo. Por exemplo, alguns vitrais coloridos que datam da Idade Média contêm nanopartículas de ouro. O que é realmente novidade na nanotecnologia, tal como hoje a entendemos, é o facto de conhecermos melhor o seu modo de funcionamento.

3.2.

A nanotecnologia tem numerosos campos de aplicação em medicina. O desejo de transportar uma substância ativa diretamente até ao tecido doente é tão antigo como a preparação de medicamentos e decorre do facto de muitas substâncias ativas terem fortes efeitos colaterais, frequentemente provocados por uma distribuição não direcionada da substância ativa no corpo. O desenvolvimento de sistemas de transporte à escala nanométrica permite levar a substância ativa de forma direcionada até ao tecido doente, reduzindo assim os seus efeitos colaterais.

3.3.

A nanotecnologia proporciona avanços concretos na área das ciências da vida, por exemplo, biochips para exames de diagnóstico, que permitem detetar e tratar precocemente patologias como a doença de Alzheimer, o cancro, a esclerose múltipla ou a artrite reumatoide (5). Os meios de contraste baseados em nanopartículas vão ligar-se especificamente às células doentes, permitindo um diagnóstico bastante mais rápido e preciso. A regeneração da massa cartilaginosa pode ser acelerada através da aplicação de nanogéis. As nanopartículas que conseguem atravessar a barreira hematoencefálica permitem, por exemplo, um tratamento direcionado de tumores cerebrais (6).

3.4.

Nas membranas de matéria plástica, os poros com cerca de 20 nanómetros permitem filtrar germes, bactérias e vírus e eliminá-los da água. A chamada «ultrafiltração» é utilizada para a purificação tanto da água potável como de águas residuais, isto é, águas provenientes de processos de produção industrial.

3.5.

Num futuro próximo, a nanotecnologia irá permitir um aumento determinante da eficiência das células solares, uma vez que o aparecimento de novos revestimentos de superfície permite aumentar consideravelmente a produção de energia e a eficiência energética.

3.6.

Usados como aditivos em plásticos, metais e outros materiais, os chamados nanotubos de carbono ou de grafeno podem conferir aos materiais novas propriedades, melhorando, por exemplo, a condutividade elétrica, aumentando a resistência mecânica ou contribuindo para a leveza da construção.

3.7.

Também a utilização das turbinas eólicas se pode tornar mais eficiente graças à nanotecnologia. Os novos materiais de construção permitem construir turbinas eólicas mais leves, o que reduz os custos de produção de energia e otimiza a construção das turbinas eólicas.

3.8.

Cerca de 20 % do consumo mundial de energia é atribuível à iluminação, e este poderá ser reduzido em mais de um terço, visto que a nano-investigação deixa antever a possibilidade de criar lâmpadas economizadoras de energia que consomem muito menos eletricidade. Além disso, as baterias de iões de lítio, que seriam impossíveis sem a nanotecnologia, tornam os automóveis elétricos economicamente viáveis pela primeira vez.

3.9.

O betão é um dos materiais mais utilizados. Graças à utilização de componentes cristalinos de cálcio obtidos com recurso à nanotecnologia, os elementos prefabricados de betão podem ser produzidos de forma muito mais rápida, por um lado, e, por outro, com melhor qualidade e menor consumo de energia.

3.10.

A indústria automóvel está já atualmente a trabalhar com nanorrevestimentos dotados de características especiais. O mesmo se pode dizer relativamente a outros modos de transporte, como os aviões ou os navios.

4.   A nanotecnologia como componente económica

4.1.

Os fatores de competitividade no mercado mundial estão constantemente a mudar. Muitos aspetos podem ser programados, mas outros são imprevisíveis. É para consolidar a evolução que são elaborados programas de política. Foi para esse fim que foi acordada, em 2010, a Estratégia Europa 2020, que visa um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo, com um reforço da coordenação das medidas de dimensão transeuropeia. O objetivo é vencer a «guerra das inovações», que está em pleno curso, e que envolve investigação e desenvolvimento, proteção de patentes, assim como locais de produção e postos de trabalho.

4.2.

A indústria química é um dos setores industriais de maior sucesso na UE, com vendas no montante de 527 mil milhões de EUR em 2013, o que faz dela o segundo maior produtor. Apesar de todo este poder, a sua situação atual é motivo de preocupação. Na sequência de uma repentina inversão conjuntural da tendência, a produção encontra-se estagnada desde o início de 2011. A contribuição da UE para a produção mundial e para as exportações globais tem vindo a retroceder ao longo de um período já bastante prolongado de tempo (7).

4.3.

Em 2012, a indústria química da UE investiu cerca de 9 mil milhões de EUR em investigação; desde 2010 que as dotações se têm mantido nesta ordem de grandeza. A investigação e o desenvolvimento em matéria de nanotecnologia, pelo contrário, registam montantes cada vez maiores, nomeadamente nos EUA e na China, mas também no Japão e na Arábia Saudita, de modo que neste setor a concorrência tende a aumentar.

5.   A nanotecnologia como componente ambiental

5.1.

As economias com uma componente ambiental correta, orientadas quer para o mercado interno quer para os mercados mundiais, constituem um fator de competitividade essencial na política industrial europeia.

5.2.

Os nanomateriais, com as suas inúmeras propriedades, permitem, seja como precursores, seja como produtos intermédios ou finais, melhorar a eficiência na conversão de energia e reduzir o seu consumo. A nanotecnologia abre a perspetiva de reduzir as emissões de CO2  (8), contribuindo, assim, para a proteção do clima.

5.3.

O estado federado alemão do Hesse publicou um estudo que sublinha o potencial de inovação da nanotecnologia no domínio da proteção ambiental (9), nomeadamente ao nível do tratamento e purificação da água, da prevenção da produção de resíduos, da eficiência energética e da poluição atmosférica. Daqui resulta, especialmente para as PME, uma melhoria da situação da carteira de encomendas. A indústria química investiga e desenvolve os princípios de base, bem como os precursores e produtos finais que daí advêm.

5.4.

A componente ambiental tem de ser incluída na estratégia das empresas e, portanto, também na das PME, como parte de um plano de sustentabilidade. Os trabalhadores devem ser ativamente associados a estes processos.

5.5.

O princípio da prevenção é uma componente fundamental das atuais políticas ambiental e sanitária na Europa. De acordo com este princípio, as sobrecargas e perigos para o ambiente e para a saúde humana devem ser antecipadamente minimizados. É, todavia, necessário garantir a proporcionalidade dos custos e a relação custo-benefício na aplicação das medidas preventivas, com vista sobretudo à proteção das PME.

6.   A nanotecnologia como componente do emprego/componente social

6.1.

O potencial de criação de emprego na indústria química através da nanotecnologia é bastante elevado em todo o mundo. O número de postos de trabalho no setor da nanotecnologia na Europa é já hoje estimado em 300 000 a 400 000 (10).

6.2.

Para além deste crescimento, porém, importa ter em conta igualmente riscos como a supressão de postos de trabalho, a deslocalização de locais de produção e a evolução do espetro de qualificações.

6.3.

O número de postos de trabalho é uma das faces da medalha, a qualidade desses postos de trabalho é a outra. Os departamentos «nano» das mais diversas empresas, não só no setor da indústria química, geram por norma postos de trabalho bem remunerados para trabalhadores qualificados (11).

6.4.

Este facto gera uma grande necessidade de formação e especialização nas empresas. Surgem igualmente novas formas de cooperação. A própria parceria social assume-se neste contexto como fator de inovação, uma vez que é fundamental que haja um diálogo contínuo, nomeadamente em matéria de organização do trabalho, de proteção da saúde e de especialização. Na indústria química alemã foram estabelecidos para esse fim acordos de parceria social com repercussões de longo alcance (12).

7.   Oportunidades e riscos da nanotecnologia

7.1.

Atualmente, a Comissão Europeia despende já anualmente entre 20 e 30 milhões de EUR em investigação na área da nanossegurança, a que se vêm juntar 70 milhões de EUR dos Estados-Membros (13). Este quadro é adequado e suficiente.

7.2.

Deve ser coordenado a nível europeu um programa abrangente de investigação a longo prazo, pública e privada, a fim de ampliar os conhecimentos sobre nanomateriais, as suas características, as potenciais oportunidades que podem oferecer e os eventuais riscos para a saúde dos trabalhadores e consumidores e para o ambiente.

7.3.

Muitas empresas do setor da indústria química adotaram, no âmbito da sua gestão do risco, diversas medidas para a proteção sustentável do trabalho e a segurança sustentável dos produtos. Tais medidas têm vindo a ser adotadas ao abrigo da iniciativa «Responsible Care» da indústria química, de implantação mundial (14). Há iniciativas semelhantes noutros setores.

7.4.

A responsabilidade pelos produtos aplica-se desde a fase da investigação até à fase da eliminação dos resíduos. Durante a fase de desenvolvimento, as empresas examinam de que forma os seus novos produtos podem ser produzidos e utilizados com segurança. A investigação e as instruções para uma utilização segura devem estar concluídas antes da introdução no mercado. Além disso, as empresas devem indicar de que forma os produtos devem ser eliminados de acordo com os padrões da indústria.

7.5.

Nas suas declarações a propósito da segurança dos nanomateriais, a Comissão Europeia salienta que os estudos científicos efetuados demonstram que os nanomateriais podem ser essencialmente considerados «produtos químicos normais» (15). Os conhecimentos sobre as características dos nanomateriais estão em permanente evolução. Podem ser aplicados os métodos de avaliação do risco atualmente disponíveis.

7.6.

A Comissão Europeia considera que o regulamento REACH (16) constitui o enquadramento ideal para a gestão do risco dos nanomateriais. Embora sejam necessárias algumas clarificações e precisões nos anexos do REACH e nas orientações relativas ao REACH da Agência Europeia dos Produtos Químicos, o texto do regulamento propriamente dito dispensa-as (17).

7.7.

Na indústria farmacêutica, as boas práticas de fabrico (BPF) desempenham um papel essencial no processamento de nanomateriais. Incluem-se aqui diretivas sobre a garantia da qualidade dos processos de produção de medicamentos e substâncias ativas.

7.8.

Os consumidores devem, obviamente, ser informados. O diálogo sobre a nanotecnologia entre as maiores empresas do setor químico constitui um bom exemplo a seguir (18). Estes diálogos incidem na informação, na promoção da aceitação e na identificação dos perigos. A fim de tornar as informações sobre os nanomateriais mais acessíveis, a Comissão Europeia disponibilizou, em 2013, uma plataforma em linha (19), na qual se encontram indicações de todas as fontes de informação disponíveis, incluindo diretórios nacionais e setoriais.

8.   Fatores de competitividade/Impulsos para a nanotecnologia na Europa

8.1.

Um clima de investigação e inovação positivo constitui um importante fator de competitividade. Isto aplica-se tanto à inovação em termos de produtos e processos, como às inovações sociais. A importância da nanotecnologia deve ser reconhecida e apoiada de forma mais relevante nas prioridades da UE e nos seus programas de investigação e de desenvolvimento regional.

8.2.

A investigação e o desenvolvimento têm de desempenhar um papel determinante na UE. Para tal, é imprescindível a ligação em rede, a cooperação e a criação de agrupamentos de empresas em fase de arranque, empresas já estabelecidas, universidades e instituições de investigação aplicada e fundamental em toda a Europa. Deste modo, começa atualmente a surgir um poderoso potencial de inovação. Com vista à otimização da cooperação interempresas, estabelecem-se centros em localizações geográficas fundamentais.

8.3.

A formação e a especialização constituem um fator fundamental em processos altamente inovadores como a nanotecnologia. A interação de trabalhadores especializados com estudantes do ensino superior tem revelado os efeitos mais fortes em termos de inovação nesta área, onde se estimula o intercâmbio de conhecimentos entre os diversos níveis de qualificação, nomeadamente através de medidas complementares relativamente ao pessoal ou de caráter organizacional, como o trabalho em equipa, a rotatividade de postos de trabalho e a delegação de decisões. A concorrência a nível mundial em termos de inovação implica igualmente uma concorrência em termos de pessoal qualificado. Devem, por isso, ser desenvolvidos regimes de incentivo através de medidas de caráter político e económico.

8.4.

A fim de assegurar a competitividade, impõe-se uma maior flexibilidade na orientação da investigação e menos requisitos de natureza burocrática. Os medicamentos, a tecnologia médica, os revestimentos de superfície e a tecnologia ambiental são extremamente importantes para as exportações europeias e para o mercado interno. A orientação para o mercado interno com prioridades a nível regional, em especial, oferece numerosas oportunidades às PME.

8.5.

As despesas com o fator trabalho não devem ser encaradas apenas como custos salariais. Essa avaliação também deve ter em conta as despesas administrativas incorridas (p. ex., atividades de controlo, garantia da qualidade, etc.).

8.6.

Os custos da energia constituem um fator de competitividade importante na indústria química, que tem um consumo intensivo de energia. Os preços competitivos da energia e a estabilidade do aprovisionamento de energia na UE constituem condições prévias para a competitividade, especialmente no caso das PME.

Bruxelas, 9 de dezembro de 2015.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Os têxteis técnicos como vetores de crescimento (JO C 198 de 10.7.2013, p. 14), o parecer do CESE sobre a Estratégia europeia para os componentes e sistemas micro e nanoeletrónicos (JO C 67 de 6.3.2014, p. 175).

(2)  Comissão Europeia, Bruxelas, 18 de outubro de 2011. Um nanómetro corresponde a um milésimo milionésimo do metro. Nesse espaço cabem cerca de cinco a dez átomos. Um nanómetro está para um metro como uma bola de futebol para o globo terrestre. O conceito de «nanotecnologia» designa a medição, o desenvolvimento, a produção e a aplicação específicos e controlados de nanomateriais, cujas estruturas, partículas, fibras e placas têm dimensões inferiores a 100 nanómetros.

(3)  Fonte: www.vfa.de/…/nanobiotechnologie-nanomedizin-positionspapier.pdf

(4)  Deste ponto em diante, o conceito de «indústria química» abrange também a indústria farmacêutica.

(5)  Fonte: www.vfa.de/…/nanobiotechnologie-nanomedizin-positionspapier.pdf

(6)  Fonte: www.vfa.de/…/nanobiotechnologie-nanomedizin-positionspapier.pdf

(7)  Oxford Economics Report, «Evolution of competitiveness in the European chemical industry: historical trends and future prospects» [A evolução da competitividade na indústria química europeia: tendências históricas e perspetivas futuras], outubro de 2014.

(8)  Por exemplo, o Instituto Fraunhofer para a Energia Eólica e a Tecnologia dos Sistemas de Energia, da Alemanha, e a ENEA, de Itália, desenvolveram uma tecnologia para a armazenagem de CO2 sob a forma de metano. Fonte: Instituto Fraunhofer para a Energia Eólica e a Tecnologia dos Sistemas de Energia, 2012.

(9)  Fonte: Ministério da Economia e dos Transportes do Estado Federado do Hesse, «Einsatz von Nanotechnologie in der hessischen Umwelttechnologie» [Utilização da nanotecnologia na tecnologia ambiental do Hesse], 2009.

(10)  Otto Linher, Comissão Europeia, Grimm et al.: Nanotechnologie: Innovationsmotor für den Standort Deutschland [A nanotecnologia: motor da inovação na Alemanha], Baden-Baden, 2011.

(11)  IG BCE/VCI: «Zum verantwortungsvollen Umgang mit Nanomaterialien» [Lidar de forma responsável com os nanomateriais]. Documento de posição, 2011.

(12)  IG BCE: «Nanomaterialien — Herausforderungen für den Arbeits- und Gesundheitsschutz» [Nanomateriais — Desafios para a proteção do trabalho e da saúde].

(13)  Otto Linher, Comissão Europeia.

(14)  http://www.icca-chem.org/en/Home/Responsible-care/

(15)  Documento de base para as diretrizes da OMS relativas à proteção dos trabalhadores contra os perigos potenciais da manipulação de nanomateriais artificiais (Guidelines on Protecting Workers from Potential Risks of Manufactured Nanomaterials).

(16)  O REACH é o regulamento europeu relativo aos produtos químicos, abordando o registo, avaliação, autorização e limitação de substâncias químicas. http://echa.europa.eu/web/guest

(17)  Fonte: Comité do Diálogo Social Setorial da Indústria Química Europeia.

(18)  http://www.cefic.org/Documents/PolicyCentre/Nanomaterials/Industry-messages-on-nanotechnologies-and-nanomaterials-2014.pdf

(19)  https://ihcp.jrc.ec.europa.eu/our_databases/web-platform-on-nanomaterials


III Actos preparatórios

COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU

512.a reunião plenária de 9 e 10 de dezembro de 2015

24.2.2016   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 71/33


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Relatório sobre a Política da Concorrência 2014»

[COM(2015) 247 final]

(2016/C 071/06)

Relatora:

Reine-Claude MADER

Em 6 de julho de 2015, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre o

Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Relatório sobre a Política de Concorrência 2014

[COM(2015) 247 final].

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo, que emitiu parecer em 17 de novembro de 2015.

Na 512.a reunião plenária de 9 e 10 de dezembro de 2015 (sessão de 9 de dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 128 votos a favor, 1 voto contra e 1 abstenção, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE aprecia positivamente as diferentes iniciativas tomadas pela Comissão para promover uma concorrência leal que salvaguarde os interesses dos agentes económicos (empresas, consumidores, trabalhadores).

1.2.

O CESE apoia as medidas levadas a cabo pela Comissão para assegurar o cumprimento das regras de concorrência, nomeadamente as ações contra práticas anticoncorrenciais como os abusos de posição dominante que impedem o desenvolvimento económico da UE e, em particular, das PME, que desempenham um papel primordial no crescimento e no emprego, bem como das empresas da economia social, que sustentam a coesão social.

1.3.

Lamenta, no entanto, que, ainda desta vez, a Comissão não tenha adotado um verdadeiro mecanismo judiciário de ações coletivas por forma a dar uma efetiva satisfação aos direitos de indemnização das vítimas de práticas anticoncorrenciais.

1.4.

Aprova o trabalho realizado pela Comissão no sentido de tornar as regras conhecidas e transparentes, o que estabiliza as empresas e, por extensão, o mercado. Deseja, a este respeito, recordar que as práticas do setor da distribuição merecem uma atenção constante.

1.5.

O CESE congratula-se com o impulso dado pela Comissão à cooperação com as autoridades nacionais da concorrência (ANC), que desempenham um papel determinante, nomeadamente em termos de prevenção e de desenvolvimento de programas de sensibilização para o direito da concorrência. Considera, por este motivo, que as ANC devem dispor dos meios necessários.

1.6.

Esta cooperação deve ser alargada à escala internacional, tendo em conta a globalização das trocas, para que a Europa não seja afetada pela concorrência desleal.

1.7.

Deseja que o diálogo entre as diferentes instâncias europeias (PE, CESE, Comité das Regiões) seja encorajado ou reforçado.

1.8.

O CESE apoia as alterações introduzidas nas regras relativas aos auxílios estatais, que foram adaptadas para apoiar as empresas inovadoras, nomeadamente no domínio digital, abrindo perspetivas muito importantes em termos de desenvolvimento económico e de criação de emprego, para benefício dos consumidores e das empresas.

1.9.

Embora esteja consciente dos limites da intervenção da Comissão no que diz respeito à otimização fiscal, o CESE deseja que a Comissão prossiga os seus esforços no sentido de atenuar, restringir ou eliminar as distorções fiscais e sociais, no âmbito dos poderes de que dispõe, assegurando que esta ação não comporte um nivelamento por baixo.

1.10.

O CESE considera que o mercado da energia deve ser objeto de muita atenção. É favorável à criação de uma União Europeia da Energia, a fim de assegurar a segurança do aprovisionamento e o fornecimento de energia a preços comportáveis em todo o território.

1.11.

Atribui igualmente importância às medidas que contribuem para a poupança de energia, a melhoria da eficiência energética e o desenvolvimento das energias renováveis.

1.12.

Considera que a abertura do mercado da energia deve beneficiar os consumidores particulares que não possuem capacidades reais de negociação.

1.13.

O CESE apela para que sejam envidados todos os esforços para assegurar o livre acesso às tecnologias digitais, a fim de permitir o desenvolvimento económico das zonas rurais. Este objetivo justifica uma complementaridade entre os investimentos privados e as ajudas públicas.

1.14.

O CESE convida a Comissão a continuar a prestar particular atenção à oferta de serviços financeiros para que a economia real possa ser financiada e os consumidores possam continuar a beneficiar das melhores condições para os serviços que utilizam.

1.15.

Por último, recorda que é indispensável acompanhar e avaliar as ações políticas empreendidas.

2.   Conteúdo do Relatório sobre Política de Concorrência 2014

2.1.

Este relatório anual concentra-se essencialmente no mercado interno digital, na política energética e nos serviços financeiros. Aborda também questões relativas ao reforço da competitividade da indústria europeia, ao controlo dos auxílios estatais, à promoção de uma cultura da concorrência dentro e fora da UE e ao diálogo interinstitucional.

2.2.

Põe em evidência a economia digital, considerada um fator capaz de fomentar a inovação e o crescimento dos setores da energia, dos transportes, dos serviços públicos, da saúde e da educação. Para tal, foram utilizados todos os instrumentos do direito da concorrência para apoiar o desenvolvimento e a modernização das infraestruturas, entre os quais as redes de banda larga ditas de «nova geração», através dos auxílios estatais, garantindo, simultaneamente, o princípio da neutralidade tecnológica.

2.3.

O mercado dos dispositivos móveis inteligentes evolui muito rapidamente, conforme ilustrado pela aquisição da WhatsApp (1) pelo Facebook após a primeira fase de exame da concentração, autorizada sem condições pela Comissão Europeia, ao abrigo do Regulamento das concentrações (CE) 139/2004 da Comissão (2).

2.4.

O ano de 2014 constituiu novamente uma oportunidade para constatar que a aplicação do direito da concorrência no setor digital se caracteriza por uma relação complexa e um equilíbrio necessário com o respeito dos direitos de propriedade intelectual apostos a uma patente, conforme ilustrado pelas decisões Samsung e Motorola (3), ou a um direito de autor, conforme demonstrado pelo início de um procedimento formal contra vários estúdios de produção norte-americanos e empresas europeias de radiodifusão televisiva paga, no processo referente ao «acesso transfronteiriço a conteúdos televisivos pagos» (4).

2.5.

O relatório salienta, em seguida, o setor da energia, relembrando a necessidade de reformar a política europeia da energia. A Comissão tenciona apoiar os investimentos nas infraestruturas através do enquadramento dos auxílios estatais e da simplificação da sua execução: o novo regulamento geral de isenção por categoria prevê, de facto, sob determinadas condições, que a autorização prévia da Comissão deixe de ser necessária (5) para as ajudas às infraestruturas energéticas, as ajudas à promoção da eficiência energética dos edifícios e o apoio à produção de energia a partir de fontes renováveis, à descontaminação dos locais poluídos e à reciclagem.

2.6.

Em contrapartida, as ajudas à energia nuclear não são incluídas nas novas orientações, o que significa que continuam a ser objeto de uma análise efetuada pelos serviços da Comissão, à luz do artigo 107.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, tal como foi o caso do projeto britânico que pretendia subvencionar a construção e a exploração de uma nova central nuclear em Hinkley Point (6).

2.7.

Por último, a política de concorrência foi utilizada como instrumento para reduzir os preços da energia, reprimindo os comportamentos abusivos ou as práticas de cartel dos operadores, tais como a EPEX Spot e a Nord Pool Spot (NPS) (7) e a OPCOM na Roménia, onde esta última abusara da sua posição dominante (8), ou ainda a Bulgarian Energy Holding (BEH) na Bulgária (9), ou a Gazprom, a propósito do aprovisionamento de gás a montante na Europa Central e Oriental (10).

2.8.

Em 2014, a política de concorrência tentou igualmente melhorar a transparência do setor financeiro e apoiar a melhoria da regulação e da supervisão do setor bancário.

2.9.

A Comissão recorreu, assim, ao controlo dos auxílios estatais aplicados na Grécia, em Chipre, em Portugal, na Irlanda e em Espanha, velando simultaneamente por que os bancos de desenvolvimento não distorçam a concorrência (11).

2.10.

Em duas ocasiões, penalizou também os bancos RBS e JP Morgan, que participaram, por um lado, num cartel bilateral ilícito destinado a influenciar taxa de juro de referência LIBOR do franco suíço e, por outro lado, num cartel com a UBS e o Crédit Suisse sobre diferenciais entre cotações de compra e de venda de derivados de taxas de juro em francos suíços, no EEE (Espaço Económico Europeu) (12). A Comissão aplicou-lhes uma coima de 32,3 milhões de EUR (13).

2.11.

Por último, a Comissão continua a penalizar as práticas comerciais anticoncorrenciais baseadas em comissões interbancárias multilaterais exercidas pela Visa Europe, Visa Inc., a Visa International e a MasterCard: por um lado, tornou vinculativos os compromissos propostos pela Visa Europe e, por outro lado, penaliza a Visa Inc. e a Visa International no que se refere às comissões interbancárias internacionais.

2.12.

O relatório refere ainda os esforços envidados pela Comissão para estimular a competitividade das empresas europeias e, nomeadamente, das PME, facilitando o seu acesso ao financiamento durante a fase de desenvolvimento (14) e apoiando a investigação e a inovação graças a um novo enquadramento das ajudas que instaura isenções por categoria (15).

2.13.

As PME são, igualmente, as primeiras visadas pela revisão da Comunicação de minimis, que lhes fornece indicações para avaliar se os seus acordos são ou não abrangidos pelo artigo 101.o do TFUE, o qual proíbe os cartéis ilícitos entre as empresas (16).

2.14.

O ano de 2014 também foi marcado por uma vigilância especial da Comissão relativamente ao recurso de certas empresas aos regimes fiscais diferentes de certos Estados-Membros, com o objetivo de reduzirem a sua matéria coletável. A Comissão deu início a investigações formais contra a Apple na Irlanda, a Starbucks nos Países Baixos e a Fiat Finance & Trade no Luxemburgo.

2.15.

O ano transato marca, sobretudo, os dez anos da aplicação do Regulamento (CE) n.o 1/2003 e da revisão do regulamento sobre o controlo das concentrações (17). O relatório indica, a este respeito, que são necessários avanços em relação à independência das autoridades da concorrência e ao dispositivo que lhes permite penalizar e sancionar as práticas ilícitas. Insiste igualmente na necessidade de racionalizar ainda mais o controlo das concentrações.

2.16.

A Comissão dá ainda conta que neste ano uma realização importante no domínio da política de concorrência foi a adoção da diretiva sobre as ações de indemnização no domínio antitrust, que entrou em vigor em 2014, considerando que, graças a esta diretiva, será mais fácil para os cidadãos europeus e para as empresas obter uma compensação efetiva pelos danos causados por infrações às regras no domínio antitrust, como é o caso de cartéis e abusos de posições dominantes no mercado.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O CESE apoia a política de desenvolvimento das tecnologias digitais, assim como as iniciativas tomadas para estimular a inovação e o crescimento. Considera que a banda larga deve ser acessível em todo o território da UE, o que poderá implicar o recurso a auxílios estatais, acompanhados de financiamentos complementares da UE. As orientações relativas à aplicação das regras em matéria de auxílios estatais à implantação rápida de redes de banda larga devem ser úteis a este respeito (18).

3.2.

Por outro lado, não pode haver um mercado digital sem uma rede de banda larga em todo o território. Os objetivos da Comissão são mais modestos, tendo em conta a falta de apetência dos operadores privados para determinadas zonas, nomeadamente as zonas rurais, cujo desenvolvimento económico deve ser apoiado.

3.3.

O CESE apoia a Comissão na sua vontade de sancionar as violações às regras da concorrência: considera que o montante das sanções deve ser dissuasor e que as sanções devem ser agravadas em caso de reincidência. Além disso, a política de concorrência deve ser explicada, especialmente nas empresas, a fim de prevenir comportamentos anticoncorrenciais.

3.4.

O CESE constata, tal como a Comissão, que o número de utilizadores de dispositivos móveis inteligentes está a aumentar. A inovação é crucial neste domínio, mas há que definir «regras do jogo» conhecidas e transparentes para os operadores. O CESE considera que a omnipresença de grandes grupos internacionais, como a Google, para citar apenas um, conduz a riscos de abusos de posição dominante e que é importante assegurar o respeito pelas regras existentes, a fim de permitir a entrada de novos operadores no mercado.

3.5.

Além disso, acredita que os detentores de patentes devem propor acordos de licença de patentes em condições equitativas, razoáveis e não discriminatórias.

3.6.

O Comité apoia a adequação do quadro normativo aplicável aos direitos de autor na era digital (19), que deve «acompanhar os tempos», tal como salientou a Comissão, muito justamente.

3.7.

Relativamente ao funcionamento dos mercados da energia, o CESE considera que o desenvolvimento da economia não é exequível sem uma política energética comum. Acolhe, por conseguinte, com satisfação, a vontade da Comissão de criar uma União Europeia da Energia.

3.8.

Considera que esta União será benéfica para as empresas e os consumidores, que devem poder igualmente beneficiar de preços razoáveis e de segurança do aprovisionamento.

3.9.

O Comité apoia a supervisão efetuada pela Comissão ao mercado da energia para que a concorrência seja real, bem como as iniciativas de supressão dos entraves à concorrência nestes mercados não regulamentados. Deseja que a Comissão envide todos os esforços para evitar as disfunções que têm repercussões na economia.

3.10.

Atribui, por último, uma importância particular às medidas que contribuem para a poupança de energia, a melhoria da eficiência energética e o desenvolvimento das energias renováveis e das bioenergias.

3.11.

O CESE deseja que todo o setor financeiro seja mais ético e transparente e que apoie o crescimento.

3.12.

Congratula-se com o facto de o controlo dos auxílios estatais ter contribuído para a coerência das medidas tomadas para atenuar as dificuldades financeiras e para limitar as distorções da concorrência, reduzindo simultaneamente ao mínimo necessário o recurso ao dinheiro dos contribuintes. Sublinha que o controlo dos auxílios estatais permitiu limitar determinadas distorções da concorrência no mercado, no contexto do reforço e da aplicação de mecanismos de supervisão.

3.13.

A ação da Comissão para reduzir os custos de utilização dos cartões bancários, originando uma redução de 30 % a 40 % do custo das operações no mercado único, deve, na sua opinião, ser realçada.

3.14.

O objetivo anunciado de promover o crescimento económico é uma necessidade absoluta e poderá ser apoiado pela política de ajuda à inovação exposta na Comunicação intitulada «Enquadramento dos auxílios estatais à investigação, desenvolvimento e inovação».

3.15.

Nos seus pareceres anteriores, o CESE acolheu com agrado a iniciativa da Comissão para a modernização dos auxílios estatais e considerou que as novas orientações (20) estão em maior sintonia com as necessidades dos Estados-Membros e as realidades do mercado. Considera que o reforço da transparência permitirá compreender melhor a atribuição dos auxílios estatais. A supervisão da Comissão permitirá garantir que a atribuição dos auxílios respeita as regras estabelecidas. Por fim, a avaliação permitirá aos Estados-Membros garantir a boa utilização dos auxílios atribuídos.

3.16.

A comunicação da Comissão sobre as condições a reunir para promover a realização de projetos europeus, conjugada com o anúncio da criação do Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos, deverá contribuir para atingir este objetivo.

3.17.

O CESE acolhe ainda com agrado o reconhecimento da necessidade de conceder auxílios estatais de emergência e à reestruturação de empresas em dificuldade, embora viáveis. Apoia as ações desenvolvidas para pôr termo aos cartéis ilícitos que prejudicam o desenvolvimento, nomeadamente das PME que geram postos de trabalho e têm impacto no emprego e nos preços.

3.18.

O Comité observa que as grandes empresas continuam a beneficiar de otimização fiscal graças à divergência dos sistemas fiscais. Saúda os esforços da Comissão no sentido de atenuar, restringir ou eliminar as distorções fiscais, no âmbito dos poderes de que dispõe.

3.19.

Os esforços da Comissão para garantir uma convergência com e entre as autoridades nacionais da concorrência (ANC) são particularmente importantes.

3.20.

O Comité acompanhará com atenção o seguimento dado ao Livro Branco «Rumo a um controlo mais eficaz das concentrações da UE», que pretende melhorar os dispositivos existentes.

3.21.

Tendo em conta a globalização das trocas comerciais, o CESE apoia o desenvolvimento da cooperação multilateral (OCDE, RIC, CNUCED), assim como os programas de cooperação e de assistência técnica.

3.22.

O diálogo mantido pela DG Concorrência com o PE, o CESE e o Comité das Regiões deve garantir a transparência do debate interinstitucional sobre a política aplicada.

3.23.

Esta vontade de dialogar deverá manter-se, sobretudo depois de o Presidente Jean-Claude Juncker, na sua carta de missão enviada a Margrethe Vestager, ter destacado esta parceria política.

3.24.

Ao contrário da Comissão, o CESE não considera que a Diretiva 2014/104/UE do Parlamento Europeu e do Conselho (21) e a Recomendação relativa aos princípios comuns para os mecanismos de resolução coletiva de conflitos no quadro das infrações às leis da concorrência sejam de molde a dar a necessária satisfação à tutela coletiva dos direitos das vítimas afetadas por aquelas infrações.

4.   Observações na especialidade

4.1.   O delicado equilíbrio entre inovação, concorrência e direito de propriedade industrial para um mercado digital interligado

4.1.1.

Segundo a Comissão, a melhoria dos processos de normalização e o aumento da interoperabilidade são as chaves da eficácia da sua estratégia digital, mas falta definir o que se entende por «melhores» processos de normalização.

4.1.2.

O processo Motorola (22), um dos episódios da «guerra das patentes para os telefones inteligentes», é referido como exemplo para as orientações que deveriam ser seguidas pelas empresas do setor. Neste processo, a Comissão decidiu que a Motorola, titular de patentes essenciais (SEP) para o cumprimento da norma GPRS, tinha abusado da sua posição dominante ao procurar obter e fazer executar uma ação inibitória contra a Apple perante um tribunal alemão. Estas SEP foram consideradas «essenciais» pois eram necessárias à aplicação da norma GSM. As empresas titulares de uma SEP são potencialmente dotadas de um poder de mercado considerável e, muitas vezes, os organismos de normalização exigem da sua parte que se comprometam a emitir licenças para as suas patentes essenciais em condições equitativas, razoáveis e não discriminatórias (fair, reasonable and non- discriminatory ou FRAND), a fim de garantir a todos os operadores de mercado o acesso à dita norma.

4.1.3.

No caso em apreço, por falta de acesso à patente essencial de que a Motorola era titular, não era possível ao concorrente, neste caso a Apple, fabricar e comercializar uma determinada categoria de telefones inteligentes.

4.1.4.

É legítimo intentar uma ação inibitória perante um órgão jurisdicional nacional para um titular de patente em caso de violação deste último, mas tal pode ser considerado abusivo se o titular da SEP detiver uma posição dominante no mercado, se se tiver comprometido a conceder acesso em condições FRAND e se a empresa concorrente visada pela ação inibitória estiver disposta a adquirir uma licença em condições FRAND. Não obstante, a Comissão não aplicou uma coima à Motorola — por falta de jurisprudência dos tribunais da UE sobre a legalidade, nos termos do artigo 102.o TFUE, de ações inibitórias em matéria de SEP e pela existência de divergências nas jurisprudências nacionais — mas ordenou à Motorola que pusesse fim ao seu comportamento abusivo.

4.1.5.

Num processo semelhante, a Comissão aceitou os compromissos propostos pela Samsung de não intentar ações inibitórias no EEE, baseadas nas SEP que digam respeito aos telefones multifuncionais e às tabletes, contra empresas que adiram a um quadro específico para a concessão de licenças.

4.1.6.

Estes processos ilustram a enorme dificuldade em conseguir um equilíbrio entre a concorrência, o direito de patentes e a inovação, com o objetivo final de permitir ao consumidor adquirir produtos tecnológicos a preços razoáveis, beneficiando simultaneamente de uma variedade tão ampla quanto possível entre produtos interoperáveis.

4.1.7.

O CESE apoia os esforços da Comissão neste sentido e incentiva-a a não perder de vista o facto de a aplicação das regras da concorrência não ter por objetivo a concorrência em si, mas sim uma concorrência que, em última análise, beneficie os consumidores.

4.1.8.

O CESE apoia a ideia de completar os investimentos privados com investimentos públicos, a fim de evitar uma clivagem digital na UE, desde que os auxílios estatais não dificultem os investimentos privados. Talvez um sinal do interesse da Comissão por esta questão, as «Orientações da UE relativas à aplicação das regras em matéria de auxílios estatais à implantação rápida de redes de banda larga (23)» foram o primeiro texto a ser adotado de maneira definitiva no âmbito da modernização dos auxílios estatais.

4.1.9.

O CESE considera, contudo, que a intenção da Comissão de conseguir, até 2020, uma cobertura integral da banda larga rápida (30 Mbps) para os serviços e a adoção de serviços de banda larga ultrarrápida (100 Mbps) para 50 % dos europeus não é suficientemente ambiciosa.

4.2.   Mercados da energia

4.2.1.

Garantir a independência energética da Europa e favorecer a criação de um mercado da energia integrado são medidas primordiais para o acesso à energia, a supressão das ilhas energéticas e a segurança do aprovisionamento. Deve haver na UE uma verdadeira vontade política para atingir este objetivo e incentivar a diversificação das energias utilizadas, favorecendo as energias renováveis. A União Europeia da Energia pretendida pelo Presidente Jean-Claude Juncker (24) desempenhará certamente este papel de incentivo político.

4.2.2.

Segundo o CESE, o terceiro «pacote da energia» deve ser aplicado rapidamente, tanto mais que a legislação relativa ao comércio transfronteiras de energia continua a estar fragmentada.

4.2.3.

O CESE sublinha a necessidade de aplicar, sem mais demora, as reformas estruturais necessárias à eliminação dos obstáculos ao investimento em infraestruturas, nomeadamente as que têm uma dimensão transfronteiras.

4.2.4.

O CESE não duvida que a promoção das regras da concorrência contribua para a abertura dos mercados nacionais da energia, conforme demonstrado pelos processos «Bolsas de eletricidade» e «OPCOM/Bolsa de eletricidade romena» citados no relatório da Comissão (25), no âmbito dos quais a Comissão, por um lado, aplicou uma coima nos termos do artigo 101.o do TFUE a duas bolsas que tinham acordado em não concorrer entre si e tinham repartido territórios e, por outro lado, aplicou uma coima à OPCOM, a bolsa de eletricidade romena, nos termos do artigo 102.o do TFUE, por discriminação contra negociantes de eletricidade de outros Estados-Membros.

4.2.5.

Contudo, interroga-se sobre a afirmação segundo a qual apesar de os preços por grosso da eletricidade terem diminuído graças à intensificação da concorrência, tal não resultou numa descida do nível geral dos preços para os consumidores finais (26).

4.2.6.

Neste ponto, o CESE apoia as investigações realizadas pela Comissão, nos termos do artigo 102.o do TFUE, sobre a exploração abusiva por parte da Gazprom da sua posição dominante no setor do fornecimento de gás natural na Europa Central e Oriental (27).

4.3.   Serviços financeiros e bancários

4.3.1.

O ano de 2014 testemunhou a evolução do processo de revisão aprofundada da regulação e supervisão bancárias. As regras propostas visam, nomeadamente, aumentar a transparência dos mercados financeiros.

4.3.2.

A Comissão também zelou por que os estabelecimentos financeiros apoiados por auxílios estatais fossem reestruturados ou abandonassem o mercado, e dedicou particular atenção aos riscos de distorção da concorrência entre esses estabelecimentos financeiros (28).

4.3.3.

O CESE acompanhou com interesse as investigações realizadas pela Comissão sobre as práticas comerciais anticoncorrenciais e congratula-se com as decisões adotadas pela Comissão e as autoridades nacionais da concorrência que sancionam as «comissões interbancárias».

4.3.4.

Assim, acolhe positivamente o acórdão do Tribunal de Justiça da UE no processo Mastercard (29), que confirma a análise da Comissão. De facto, as comissões interbancárias pagas pelos consumidores aquando dos pagamentos por cartão bancário eram cada vez mais elevadas, numerosas e opacas.

4.3.5.

Além disso, estas práticas comerciais entravavam a entrada, no mercado de pagamentos, de operadores económicos não bancários, capazes de oferecer aos consumidores outros meios de pagamento eletrónicos, móveis e seguros, através dos telefones inteligentes, por exemplo.

4.3.6.

A particularidade do processo Mastercard advinha também do facto de o mecanismo de fixação das comissões interbancárias multilaterais constituir uma restrição por efeito e não por objeto.

4.3.7.

O CESE congratula-se com o facto de o Tribunal de Justiça, tal como o Tribunal Geral, ter constatado que as comissões interbancárias multilaterais não apresentavam um caráter objetivamente necessário ao funcionamento do sistema Mastercard.

4.4.   Prestar mais apoio às PME

4.4.1.

O CESE considera muito positiva a atenção dada às PME, que são essenciais para o crescimento e têm um papel importante na realização dos objetivos da Estratégia Europa 2020. Aprova também as decisões da Comissão destinadas a apoiar o financiamento da atividade destas empresas e a adaptar as regras às suas necessidades específicas.

4.4.2.

O CESE congratula-se com o facto de estas políticas revelarem uma maior abertura em relação às profissões intelectuais e reconhece o papel determinante dos profissionais liberais europeus para o crescimento, na medida em que asseguram nos diferentes setores o contributo indispensável de conhecimentos necessário para a resolução de problemas complexos dos cidadãos e das empresas. Recomenda ainda à Comissão que prossiga e, se possível, intensifique esforços neste sentido.

4.4.3.

Por exemplo, as «Orientações relativas aos auxílios estatais que visam promover os investimentos de financiamento de risco» (30) poderiam permitir aos Estados-Membros facilitar o acesso ao financiamento às PME na sua fase de lançamento. Além disso, parecem ter sido pensadas para se adaptarem melhor às realidades do mercado.

4.4.4.

O CESE defende ainda as ações da Comissão contra os abusos de posição dominante que podem impedir a criação e desenvolvimento das PME e afetar a sua atividade.

4.4.5.

Com efeito, a Comunicação de minimis de 2014 (31) prevê uma zona de segurança para estes acordos sem efeitos significativos sobre a concorrência, pois são aplicados por empresas que não ultrapassam determinados limiares de quotas de mercado. A Comissão publicou igualmente um documento de orientação destinado às PME. O CESE considera, no entanto, que seria útil realizar ações de informação no terreno.

4.5.   Reforçar os recursos das ANC e a cooperação internacional

4.5.1.

O CESE aprecia a qualidade da cooperação desenvolvida entre a Comissão e as ANC, considerando que esta assegura a interação indispensável ao bom funcionamento do mercado.

4.5.2.

Apoia todas as medidas necessárias à cooperação das ANC, o que exige que estas disponham de recursos e que sejam independentes.

4.5.3.

O CESE aprova as iniciativas da Comissão para criar um verdadeiro espaço europeu da concorrência, o que pressupõe uma harmonização das regras de base dos direitos nacionais, pois isso torna mais segura a atividade económica no mercado único.

4.5.4.

Considera igualmente que os Estados-Membros devem dispor de um quadro jurídico completo que permita efetuar as inspeções necessárias e impor coimas eficazes e proporcionadas.

4.5.5.

Os programas de clemência que demonstraram a sua eficácia na luta contra os cartéis devem, igualmente, ser generalizados a todos os Estados-Membros.

4.5.6.

A cooperação multilateral com a OCDE, a Rede Internacional da Concorrência e a CNUCED deve continuar ativa e a Comissão deve esforçar-se por desempenhar aqui um papel preponderante.

4.5.7.

Por fim, o CESE sublinha que a assistência técnica deve acompanhar mais as discussões de adesão com os países candidatos.

Bruxelas, 9 de dezembro de 2015.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  Processo M.7217 — Facebook/WhatsApp, decisão da Comissão de 3 de outubro de 2014.

(2)  Regulamento (CE) n.o 139/2004 do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas («Regulamento das concentrações comunitárias») (JO L 24 de 29.1.2004, p. 1).

(3)  Processo AT.39985 — Motorola — Aplicação de SEP de GPRS, decisão da Comissão de 29 de abril de 2014. Processo AT.39939 — Samsung — Aplicação de patentes essenciais UMTS, decisão da Comissão de 29 de abril de 2014.

(4)  Processo AT.40023 — Acesso transfronteiriço a conteúdos televisivos pagos, 13 de janeiro de 2014.

(5)  Regulamento (UE) n.o 316/2014 da Comissão, de 21 de março de 2014, relativo à aplicação do artigo 101.o, n.o 3, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia a certas categorias de acordos de transferência de tecnologia (JO L 93 de 28.3.2014, p. 17), «Orientações sobre a aplicação do artigo 101.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia aos acordos de transferência de tecnologia» (JO C 89 de 28.3.2014, p. 3).

(6)  Processo SA.34947 — RU — Auxílio à Central Nuclear C de Hinkley Point, 8 de outubro de 2014.

(7)  Processo AT.39952 — Bolsas de eletricidade, decisão da Comissão de 5 de março de 2014.

(8)  Processo AT.39984 — OPCOM/Bolsa de eletricidade romena, decisão da Comissão de 5 de março de 2014.

(9)  Processo AT.39767 — BEH eletricidade.

(10)  Processo AT.39816 — Fornecimento de gás a montante, na Europa Central e Oriental, 4 de setembro de 2012.

(11)  Processo SA.36061 — UK Business Bank, decisão da Comissão de 15 de outubro de 2014. Processo SA.37824 — Instituição Financeira de Desenvolvimento, decisão da Comissão de 28 de outubro de 2014.

(12)  Processo AT.39924 — Derivados de taxas de juro em francos suíços, decisão da Comissão de 21 de outubro de 2014 http://europa.eu/rapid/press-release_IP-14-1190_en.htm

(13)  Não foi aplicada nenhuma coima à RBS, que beneficiou de imunidade, ao abrigo da Comunicação relativa à imunidade de 2006, por ter revelado à Comissão a existência do cartel, escapando assim a uma coima de aproximadamente 5 milhões de EUR pela sua participação na infração. A UBS e a JP Morgan viram as respetivas coimas reduzidas por terem cooperado no inquérito, no âmbito do programa de clemência da Comissão. Os quatro bancos que escolheram resolver o litígio por via da transação com a Comissão beneficiaram de uma redução de 10 % adicionais da coima.

(14)  Comunicação da Comissão — Orientações relativas aos auxílios estatais que visam promover os investimentos de financiamento de risco (JO C 19 de 22.1.2014, p. 4).

(15)  Comunicação da Comissão — Enquadramento dos auxílios estatais à investigação, desenvolvimento e inovação (JO C 198 de 27.6.2014, p. 1).

(16)  Comunicação da Comissão — Projeto de comunicação relativa aos acordos de pequena importância que não restringem sensivelmente a concorrência nos termos do artigo 101.o, n.o 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (Comunicação de minimis) (JO C 291 de 30.8.2014, p. 1).

(17)  Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.o e 82.o do Tratado (JO L 1 de 4.1.2003, p. 1), ver nota de rodapé 2.

(18)  Comunicação da Comissão — Orientações da UE relativas à aplicação das regras em matéria de auxílios estatais à implantação rápida de redes de banda larga (JO C 25 de 26.1.2013, p. 1).

(19)  JO C 230 de 14.7.2015, p. 72 e JO C 44 de 15.2.2013, p. 104.

(20)  Comunicação da Comissão — Orientações relativas aos auxílios estatais que visam promover os investimentos de financiamento de risco (JO C 19 de 22.1.2014, p. 4).

(21)  Diretiva 2014/104/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de novembro de 2014, relativa a certas regras que regem as ações de indemnização no âmbito do direito nacional por infração às disposições do direito da concorrência dos Estados-Membros e da União Europeia (JO L 349 de 5.12.2014, p. 1).

(22)  Ver nota de rodapé 3.

(23)  JO C 25 de 26.1.2013, p. 1.

(24)  Jean-Claude Juncker, «Um novo começo para a Europa: o meu Programa para o emprego, o crescimento, a equidade e a mudança democrática»; orientações políticas para a próxima Comissão Europeia, alocução na sessão plenária do Parlamento Europeu, 15 de julho de 2014.

(25)  Processo AT.39952 — Bolsas de eletricidade, decisão da Comissão de 5 de março de 2014 e Processo AT.39984 — OPCOM/Bolsa de eletricidade romena, decisão da Comissão de 5 de março de 2014.

(26)  Comunicação da Comissão — Preços e custos da energia na Europa, de 29 de janeiro de 2014.

(27)  Processo AT.39816 — Fornecimento de gás a montante, na Europa Central e Oriental.

(28)  Processo SA.38994 — Regime de apoio à liquidez dos bancos búlgaros, Decisão da Comissão de 29 de junho de 2014.

(29)  Acórdão do Tribunal de Justiça, de 11 de setembro de 2014, no Processo C-382/12 P — MasterCard e o./Comissão.

(30)  Comunicação da Comissão — Orientações relativas aos auxílios estatais que visam promover os investimentos de financiamento de risco (JO C 19 de 22.1.2014, p. 4).

(31)  Comunicação da Comissão — Projeto de comunicação relativa aos acordos de pequena importância que não restringem sensivelmente a concorrência nos termos do artigo 101.o, n.o 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (Comunicação de minimis) (JO C 291 de 30.8.2014, p. 1).


24.2.2016   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 71/42


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho — Um sistema de tributação das sociedades justo e eficaz na União Europeia: cinco domínios de ação prioritários»

[COM(2015) 302 final]

(2016/C 071/07)

Relator:

Petru Sorin DANDEA

Correlator:

Paulo BARROS VALE

Em 6 de julho de 2015, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho — Um sistema de tributação das sociedades justo e eficaz na União Europeia: cinco domínios de ação prioritários

[COM(2015) 302 final]

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social, que emitiu parecer em 26 de novembro de 2015.

Na 512.a reunião plenária de 9 e 10 de dezembro de 2015 (sessão de 9 de dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 169 votos a favor, 15 votos contra e oito abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

Nos últimos anos, a luta contra o planeamento fiscal agressivo foi uma das principais preocupações dos Estados-Membros e da Comissão. O plano de ação para a implementação de um sistema de tributação das sociedades justo e eficaz, apresentado pela Comissão Europeia, é um passo importante para debelar este fenómeno prejudicial. O CESE congratula-se com a publicação do plano de ação e subscreve os esforços da Comissão para combater este fenómeno que conduz à erosão da base tributável dos Estados-Membros e incentiva a concorrência desleal.

1.2.

Tal como referido em anteriores pareceres (1), o CESE concorda com a obrigatoriedade da MCCCIS (matéria coletável comum consolidada do imposto sobre as sociedades) para as empresas com atividades transfronteiras. Uma aplicação facultativa da MCCCIS limitaria a sua eficácia, já que as empresas que praticam a transferência de lucros no intuito de minimizar os seus lucros tributáveis se recusariam a adotá-la.

1.3.

O CESE recomenda aos Estados-Membros e à Comissão que ponderem a possibilidade de alargar, no futuro, a aplicação da MCCCIS a todas as empresas, a fim de evitar que operem com dois regimes fiscais distintos. Antes de alargar a MCCCIS a todas as empresas, deve ser realizada uma avaliação de impacto exaustiva, sobretudo no que se refere ao impacto deste sistema nas microempresas e nas pequenas empresas que exercem as suas atividades a nível local.

1.4.

O CESE recomenda à Comissão que, ao elaborar o projeto, confira especial atenção à clareza das definições e dos conceitos que devem reger a base comum. Esta clareza é importante para a qualidade do processo de transposição, além de que permite evitar diferenças de relevo entre os Estados-Membros, suscetíveis de reduzir significativamente a eficácia do atual quadro normativo.

1.5.

O CESE considera que o elemento de compensação transfronteiras de prejuízos, proposto pela Comissão até à introdução da consolidação, não deverá afetar o direito de um Estado-Membro de tributar os lucros de atividades exercidas no seu território.

1.6.

O CESE felicita a Comissão pela publicação, em anexo à comunicação, da lista de Estados e territórios não cooperantes em matéria fiscal. O CESE reitera as suas propostas apresentadas em pareceres anteriores no sentido de que as regras da UE prevejam a imposição de sanções às empresas que continuem a operar em paraísos fiscais, para assim evitarem a tributação dos lucros em conformidade com os regimes fiscais dos Estados-Membros nos quais exercem as suas atividades.

1.7.

O CESE recomenda que, após a adoção da Diretiva MCCCIS e a introdução da consolidação, a Comissão analise o impacto das novas regras. Se a análise revelar que a transferência de lucros para os Estados-Membros com taxas de tributação mais baixas não diminuiu, o CESE propõe que sejam adotadas medidas adicionais específicas.

1.8.

O CESE recomenda à Comissão que, no quadro da revisão do mandato da Plataforma para a Boa Governação Fiscal, pondere a inclusão, na composição da mesma, de representantes dos parceiros sociais europeus, que podem dar um contributo importante para o trabalho da plataforma.

2.   Proposta da Comissão

2.1.

Em 17 de junho de 2015, a Comissão Europeia publicou uma comunicação (2), na qual apresenta um plano de ação para a implementação de um sistema de tributação das sociedades justo e eficaz na União Europeia. O referido plano de ação surge na sequência do pacote de medidas sobre a transparência fiscal apresentado pela Comissão em março, que contém igualmente um projeto de diretiva sobre a troca automática e obrigatória de informações relativas a acordos fiscais prévios.

2.2.

O plano define quatro objetivos para promover uma nova abordagem da tributação das empresas na UE, a saber: restabelecer a ligação entre a tributação e o local onde se realiza a atividade económica, assegurar que os Estados-Membros possam avaliar corretamente as atividades das empresas, criar um ambiente do imposto sobre as sociedades na UE competitivo e favorável ao crescimento, bem como proteger o mercado único e garantir uma forte abordagem da UE para questões externas associadas à tributação das empresas, incluindo medidas para a aplicação do projeto BEPS (erosão da base tributável e transferência de lucros — Base Erosion and Profit Shifting) da OCDE.

2.3.

O plano de ação identifica uma série de medidas destinadas a facilitar a realização dos objetivos, nomeadamente o estabelecimento de um sistema de matéria coletável comum consolidada do imposto sobre as sociedades (MCCCIS), a garantia da tributação efetiva no local onde são gerados os lucros, a adoção de medidas adicionais para melhorar o ambiente fiscal das empresas, a realização de novos progressos em matéria de transparência fiscal e o aperfeiçoamento dos instrumentos da UE de coordenação em matéria fiscal.

2.4.

A Comissão pretende abordar também o problema dos benefícios fiscais concedidos pelos Estados-Membros para as patentes. Tenciona velar por que este regime fiscal preferencial não conduza a distorções no mercado interno e indica que formulará orientações para os Estados-Membros adotarem uma nova abordagem. Se a Comissão verificar que os Estados-Membros não aplicam sistematicamente a nova abordagem, elaborará medidas legislativas vinculativas.

2.5.

A Comissão prossegue a colaboração com os outros parceiros internacionais e realça a importância da execução do plano de ação BEPS da OCDE, que deverá criar condições equitativas para a tributação das empresas multinacionais, inclusivamente nos países em desenvolvimento.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O plano da Comissão visa lutar contra o fenómeno prejudicial da transferência de lucros por parte de empresas com atividades transfronteiras, que transferem os lucros para Estados ou jurisdições com taxas de tributação muito baixas ou inexistentes, conduzindo assim à erosão da base tributável dos Estados-Membros, os quais, por sua vez, procuram compensar essa perda aumentando a carga fiscal dos bons contribuintes, sejam eles pessoas singulares ou pequenas e médias empresas. O CESE congratula-se com a apresentação do plano de ação e subscreve os esforços da Comissão para combater este fenómeno.

3.2.

A principal proposta apresentada pela Comissão no referido plano é tornar a MCCCIS obrigatória. Na proposta de diretiva apresentada pela Comissão em 2011 propunha-se que a MCCCIS fosse facultativa. Na altura, o CESE adotou um parecer com várias propostas fundamentais sobre a MCCCIS (3) que mantêm toda a sua pertinência.

3.3.

A Comissão considera que é necessário tornar a MCCCIS obrigatória na medida em que, se ela for facultativa, as empresas com atividades transfronteiras que praticam um planeamento fiscal agressivo evitarão adotá-la. O CESE concorda com a proposta de tornar a MCCCIS obrigatória e recomenda à Comissão que examine a possibilidade de esta vir a ser aplicada a todas as empresas, evitando-se, assim, a coexistência nos Estados-Membros de dois regimes fiscais distintos.

3.4.

Tendo em conta as consultas aos Estados-Membros, a Comissão propõe que, inicialmente, se pondere a possibilidade de criar a base comum, e que a consolidação seja introduzida numa fase posterior. Dado que o planeamento fiscal agressivo afeta seriamente a concorrência no mercado único e se traduz em perdas de receitas significativas para os Estados Membros, o CESE recomenda que se reduza o prazo de execução.

3.5.

A proposta de diretiva deverá ser apresentada no próximo ano. O CESE recomenda à Comissão que, ao elaborar o projeto, confira especial atenção à clareza das definições e dos conceitos que devem reger a base comum. Esta clareza é fundamental para a qualidade do processo de transposição, além de que permite evitar diferenças consideráveis entre os Estados Membros, suscetíveis de reduzir significativamente a eficácia do atual quadro regulamentar.

3.6.

A Comissão propõe que a proposta de diretiva preveja um elemento de compensação transfronteiras de prejuízos, até a consolidação ser introduzida numa fase posterior. Dado que a consolidação representa a principal vantagem económica da MCCCIS, seria preferível introduzi-la logo no início. No entanto, não obstante as dificuldades em obter um acordo político sobre esta questão, o CESE concorda com o mecanismo proposto. Tendo em conta os apelos do Parlamento Europeu e dos Estados-Membros para que os lucros sejam tributados no local onde as atividades são exercidas, o CESE considera que esse mecanismo não deverá afetar indevidamente o direito dos Estados-Membros de procederem à tributação dos lucros resultantes de atividades exercidas nos seus territórios.

3.7.

Os resultados das análises efetuadas pela Comissão indicam que há casos de empresas com atividades transfronteiras que transferem os lucros obtidos para Estados-Membros com uma taxa de tributação mais baixa. A legislação em vigor sobre as sociedades propicia este fenómeno (4). O CESE considera que, a manter-se esta prática das empresas em todo o mercado único após a introdução da consolidação, devem ser também adotadas medidas jurídicas adequadas.

4.   Observações na especialidade

4.1.

O planeamento fiscal agressivo praticado por empresas com atividades transfronteiras causa um prejuízo anual de centenas de milhares de milhões de euros aos orçamentos dos Estados-Membros. O CESE concorda com a aplicação da MCCCIS e considera que esta deverá passar a ser a regra geral em matéria de tributação das sociedades na UE. Tal conduziria não só à simplificação do regime fiscal das sociedades como evitaria situações em que os Estados-Membros teriam de aplicar o sistema MCCCIS às empresas com atividades transfronteiras e um regime distinto às outras empresas.

4.2.

O CESE recomenda que, após a adoção da Diretiva MCCCIS e a introdução da consolidação, a Comissão analise o impacto das novas regras. Se a análise revelar que a transferência de lucros para os Estados-Membros com taxas de tributação mais baixas não diminuiu, o CESE propõe que sejam também adotadas medidas jurídicas específicas para dissuadir as empresas com atividades transfronteiras de prosseguirem a transferência de lucros para Estados-Membros com taxas de tributação mais baixas.

4.3.

A Comissão propõe que o conceito de «estabelecimento estável» de uma empresa seja mais bem regulamentado. O CESE considera que apenas a tributação dos lucros de atividades exercidas no território de um Estado-Membro pode excluir a possibilidade de, em certos casos, as empresas evitarem artificialmente uma presença tributável. A adoção do plano de ação BEPS da OCDE poderia reduzir significativamente os casos em que as empresas evitam a tributação dos lucros invocando a legislação da UE em vigor.

4.4.

A consolidação é a operação através da qual os lucros e os prejuízos de uma empresa podem ser acumulados em todo o território da UE. O CESE reconhece que a consolidação, depois de adotada, constituirá o principal elemento da MCCCIS na luta contra as operações complexas dos preços de transferência por parte de empresas com atividades transfronteiras na UE, no intuito de diminuir os lucros tributáveis. No entanto, recomenda à Comissão que tenha em conta a salvaguarda do direito dos Estados-Membros de procederem à tributação dos lucros resultantes de atividades exercidas nos seus próprios territórios.

4.5.

Em anexo à comunicação da Comissão figura uma lista dos Estados e territórios não cooperantes em matéria fiscal. O CESE considera que este é apenas um primeiro passo na luta contra jurisdições fiscais não cooperantes, também conhecidas pelo termo genérico de «paraísos fiscais». O CESE reitera as suas propostas apresentadas em pareceres anteriores (5) para que as regras da UE prevejam a imposição de sanções às empresas que continuem a operar em paraísos fiscais, a fim de evitarem a tributação dos lucros em conformidade com os regimes fiscais dos Estados-Membros nos quais exercem as suas atividades.

4.6.

A Comissão reconhece o importante papel dos grupos que asseguraram a cooperação com os Estados-Membros no domínio da fiscalidade, em particular, o Grupo do Código de Conduta para a Fiscalidade das Empresas e a Plataforma para a Boa Governação Fiscal. O CESE insta a Comissão e os Estados-Membros a examinarem a possibilidade de as disposições do código serem integradas na legislação europeia, tornando-as assim vinculativas.

4.7.

O CESE recomenda à Comissão que, no quadro da revisão do mandato da Plataforma para a Boa Governação Fiscal, proceda à sua prorrogação para além de 2016 e pondere a inclusão, na sua composição, de representantes dos parceiros sociais europeus, que podem dar um contributo importante para o trabalho da plataforma.

4.8.

O Comité recomenda à Comissão e aos Estados-Membros que prossigam os seus esforços no sentido de simplificar e harmonizar o quadro jurídico vigente, tanto a nível europeu como nacional. Tal conduziria ao aumento do investimento a nível europeu e proporcionaria condições favoráveis ao crescimento sustentável e à criação de emprego.

Bruxelas, 9 de dezembro de 2015.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  Parecer do CESE sobre o tema «Coordenar os sistemas de fiscalidade direta dos Estados-Membros» (JO C 10 de 15.1.2008, p. 113); parecer do CESE sobre o tema «Uma base de incidência comum consolidada para a tributação das sociedades na UE» (JO C 88 de 11.4.2006, p. 48).

(2)  Um sistema de tributação das sociedades justo e eficaz na União Europeia: cinco domínios de ação prioritários [COM(2015) 302 final].

(3)  Matéria coletável comum consolidada do imposto sobre as sociedades (MCCCIS) (JO C 24 de 28.1.2012, p. 63).

(4)  Diretiva «Sociedades-mães e sociedades afiliadas» (Diretiva 2011/96/UE do Conselho, de 30 de novembro de 2011) e Diretiva «Juros e royalties» (Diretiva 2003/49/CE do Conselho, de 3 de junho de 2003).

(5)  Parecer do CESE sobre a «Luta contra a fraude e a evasão fiscais» (JO C 198 de 10.7.2013, p. 34); parecer de iniciativa do CESE sobre o «Método comunitário para uma UEM democrática e social» (JO C 13 de 15.1.2016, p. 33).


24.2.2016   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 71/46


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Agenda Europeia da Migração»

[COM(2015) 240 final]

(2016/C 071/08)

Relator:

Stefano MALLIA

Correlator:

Cristian PÎRVULESCU

Em 10 de junho de 2015, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Agenda europeia da migração

[COM(2015) 240 final].

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, que emitiu parecer em 19 de novembro de 2015.

Na 512.a reunião plenária de 9 e 10 de dezembro de 2015 (sessão de 10 de dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 161 votos a favor, 10 votos contra e 7 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE acolhe favoravelmente a «Agenda Europeia da Migração» da Comissão, que considera ser o símbolo de uma nova compreensão da necessidade de abordar a questão da migração a nível europeu, e encoraja os Estados-Membros a apoiar, coletivamente, a execução desta agenda.

1.2.

O desafio mais premente para a UE consiste em controlar a situação caótica atual e garantir o tratamento adequado das pessoas que procuram proteção internacional. O CESE apoia a criação imediata de centros de registo para ajudar os países confrontados com um grande afluxo de migrantes, e insiste em que sejam atribuídos os recursos e o apoio necessários a estes países.

1.3.

O CESE considera que a situação atual requer que a UE estabeleça um verdadeiro Sistema Europeu Comum de Asilo com base em procedimentos harmonizados em toda a União. Tal inclui um estatuto uniforme de asilo e o reconhecimento mútuo das decisões em matéria de asilo, uma responsabilidade e esforços partilhados no que diz respeito à recolocação e reinstalação, bem como a revisão do Regulamento de Dublim. São necessários sistemas de repartição dos encargos sólidos e assentes na solidariedade, nomeadamente um sistema permanente, equitativo e vinculativo de distribuição das pessoas em busca de proteção por todos os países da UE. Além disso, devem procurar-se soluções a longo prazo para o caso de as migrações maciças continuarem ou ocorrerem novamente no futuro.

1.4.

O envelhecimento da população e a escassez de competências com que a Europa se depara são questões a que a migração pode dar resposta. No entanto, a UE deve implementar uma política de imigração mais eficaz e formular uma política global de migração legal que vise a integração dos recém-chegados de forma transparente, previsível e justa. Importa, ao mesmo tempo, reconhecer que a imigração não é a única forma de dar resposta à escassez de mão de obra no mercado de trabalho e aos desafios demográficos, e que os Estados-Membros podem ter em consideração outras soluções mais adequadas.

1.5.

A integração dos migrantes e refugiados é um desafio muito importante a que a UE e os seus Estados-Membros têm de responder através da criação de sistemas de integração sólidos. O CESE considera que o custo da não integração ultrapassa largamente o custo da integração. O Comité, empenhado há longa data no Fórum Europeu sobre Integração/Migração, considera que a integração deve ser um processo bidirecional, em que os parceiros sociais, os órgãos de poder local e a sociedade civil desempenhem todos um papel fundamental. Deve ser dada prioridade ao acesso ao mercado de trabalho e, mais especificamente, ao reconhecimento das qualificações e à formação profissional e linguística. Importa prestar especial atenção à integração das mulheres.

1.6.

A UE deve garantir a segurança das suas fronteiras externas. Dada a complexidade da situação de segurança atual, é necessário envidar esforços a nível europeu, mais do que a nível nacional, o que poderá implicar a partilha de algumas competências nacionais neste domínio.

1.7.

Todas as políticas externas da UE devem ser racionalizadas e centrar-se em ajudar os países de origem a alcançar um nível razoável de segurança humana, estabilidade e prosperidade. O CESE está ciente de que se trata de um objetivo a longo prazo que comporta enormes dificuldades.

1.8.

É necessário reforçar a cooperação no domínio da readmissão, a fim de assegurar uma aplicação eficaz e atempada da Diretiva Regresso.

1.9.

A sociedade civil desempenha um papel essencial na gestão da crise migratória, por exemplo, atendendo às primeiras necessidades dos migrantes quando chegam e organizando as atividades subsequentes de integração dos migrantes na sociedade e no mercado de trabalho. É fundamental que os governos, os órgãos de poder local e as organizações da sociedade civil trabalhem no sentido de criar um consenso social e cultural entre as nações europeias relativamente à importância e aos benefícios do investimento na integração dos imigrantes na sociedade e no mercado de trabalho.

1.10.

Por conseguinte, o CESE exorta a UE e os Estados-Membros a aumentarem o financiamento e o apoio material às ONG e organizações da sociedade civil nacionais.

1.11.

Os recursos financeiros correspondentes devem ser mobilizados mediante um esforço conjunto de toda a comunidade internacional. Nesse capítulo, importa deixar claro que as despesas dos Estados-Membros relacionadas com o acolhimento e a integração dos requerentes de asilo e dos refugiados não constituem despesas duradouras nem estruturais, pelo que não devem ser incluídas no cálculo dos défices orçamentais estruturais. A mobilização dos recursos necessários não deve ser feita à custa dos recursos destinados aos objetivos sociais na UE, a fim de não comprometer a sua aceitação por parte de determinadas faixas da população.

2.   A comunicação da Comissão e os últimos acontecimentos

2.1.

A Comissão Europeia publicou a sua Comunicação sobre a Agenda Europeia da Migração em 13 de maio de 2015. Esta comunicação e as subsequentes propostas apresentadas para a sua execução foram debatidas posteriormente em diversas formações do Conselho entre junho e outubro. O CESE acolhe com agrado a comunicação da Comissão, que considera ser abrangente e, simultaneamente, centrada nos aspetos essenciais.

2.2.

A execução das iniciativas propostas na agenda está em curso e a maioria dos Estados-Membros está gradualmente a tomar consciência de que só uma ação coletiva, assente nos princípios da solidariedade e da responsabilidade partilhada, pode permitir uma gestão eficaz do desafio colocado pela migração. Uma ação eficaz requer a mobilização de recursos adicionais do orçamento da UE, bem como o aumento das contribuições dos Estados-Membros. Nesse capítulo, importa deixar claro que as despesas dos Estados-Membros relacionadas com o acolhimento e a integração dos requerentes de asilo e dos refugiados não constituem despesas duradouras nem estruturais, pelo que não devem ser incluídas no cálculo dos défices orçamentais estruturais.

2.3.

No que toca ao financiamento, a UE triplicou os recursos disponíveis para as operações conjuntas da Frontex «Triton» e «Poseidon». Paralelamente a este aumento, vários Estados-Membros estão a mobilizar meios, como navios e aeronaves. A Comissão Europeia atribuiu também 1,8 mil milhões de EUR do orçamento da UE à criação de um Fundo Fiduciário de Emergência para a estabilidade e o combate às causas profundas da migração irregular em África, mobilizou 60 milhões de EUR para financiamento de emergência aos Estados-Membros situados na primeira linha, propôs um programa de reinstalação dotado de 50 milhões de EUR e disponibilizou 30 milhões de EUR para um Programa Regional de Desenvolvimento e Proteção.

2.4.

Os líderes da UE comprometeram-se a aumentar os recursos da Frontex, da Europol e do EASO para reforçar as fronteiras externas da UE, dando especial atenção aos centros de registo a fim de assegurar a identificação, o registo e a recolha de impressões digitais dos migrantes. No entanto, é necessário apoio financeiro da UE para garantir que os centros de registo funcionem de forma eficiente e alcancem os seus objetivos.

2.5.

Nas reuniões do Conselho de julho e setembro, chegou-se a acordo sobre a recolocação de 160 000 migrantes provenientes da Grécia e Itália e a reinstalação de mais 22 000 pessoas com necessidade de proteção internacional. A execução bem sucedida destas decisões, que está na sua fase inicial, é crucial para o êxito de qualquer futura política de migração da UE.

2.6.

Em 23 de setembro de 2015, a Comissão Europeia adotou 40 decisões de infração contra vários Estados-Membros por falta de aplicação da legislação que cria o Sistema Europeu Comum de Asilo. O CESE congratula-se com esta decisão, mas manifesta grande preocupação por ter sido necessário recorrer a este mecanismo para convencer os Estados-Membros a aplicar adequadamente a legislação da UE neste domínio crucial.

2.7.

A nível internacional, várias decisões poderão conduzir a uma melhoria da situação em geral, nomeadamente o aumento dos recursos orçamentais da UE para a assistência imediata aos refugiados, o reforço do diálogo e da cooperação com países terceiros como o Líbano, a Jordânia e a Turquia e os países candidatos dos Balcãs Ocidentais, bem como o aumento da ajuda humanitária em 2016 e a criação do Fundo Fiduciário de Emergência em favor de África. A mobilização dos recursos necessários não deve ser feita à custa dos recursos destinados aos objetivos sociais na UE, a fim de não comprometer a sua aceitação por parte de determinadas faixas da população. O CESE congratula-se com a aprovação pelo Conselho Europeu, em 23 de setembro de 2015, do plano de ação conjunto com a Turquia no âmbito de uma agenda de cooperação global assente em responsabilidades partilhadas, compromissos mútuos e na obtenção de resultados.

3.   Enfrentar a crise

3.1.   Ação imediata

3.1.1.

O CESE acolhe com agrado o conceito de fronteiras inteligentes, há muito aguardado. O principal desafio associado à existência de fronteiras mais sólidas e inteligentes consiste em garantir que os direitos humanos dos migrantes não são violados. Além disso, não se deve pôr em causa o princípio da não repulsão, mesmo que tal seja difícil, visto que nem sempre existe uma distinção clara e simples entre refugiados e migrantes económicos. As fronteiras inteligentes devem respeitar plenamente os direitos e liberdades fundamentais.

3.1.2.

O Acordo de Schengen é um dos pilares da UE, e o seu significado para a integração europeia não é meramente simbólico. Trata-se de um dos direitos mais tangíveis de que gozam os cidadãos europeus, que lhes permite ter uma verdadeira experiência de uma Europa sem fronteiras. O CESE deseja que o funcionamento do regime de Schengen regresse à normalidade o mais depressa possível e exorta vivamente os Estados-Membros a adotarem todas as medidas ao seu alcance para evitar o colapso permanente deste regime.

3.1.3.

Até agora, foi alcançado um acordo para a recolocação de 160 000 refugiados na UE. A aplicação célere deste acordo permitiria recolher um vasto conjunto de experiências valiosas, que seriam úteis para o desenvolvimento de soluções a longo prazo caso as migrações maciças continuem ou voltem a ocorrer no futuro. O CESE considera que é necessário mais ambição. As deslocações maciças de pessoas a nível mundial não diminuirão por muitos anos.

3.1.4.

É do interesse de todos os Estados-Membros que seja aplicado um sistema sólido e solidário de soluções para a eventualidade de as migrações maciças continuarem no futuro. Uma medida imediata deve ser a criação de um sistema permanente, equitativo e vinculativo de partilha de encargos, para que as pessoas que procuram proteção sejam distribuídas por todos os países da UE. Tal deve ser apoiado por uma chave de distribuição permanente baseada numa série de fatores, como a dimensão da economia e do território do país, o seu PIB, as oportunidades de emprego e a escassez de competências, e a existência de comunidades e minorias da mesma nacionalidade ou etnia no país de acolhimento. Esta chave de distribuição deve ser revista periodicamente. As preferências dos requerentes de asilo devem também ser tidas em conta, desde que estejam associadas a fatores que facilitem a integração (por exemplo, conhecimento da língua, familiares no país, etc.). O CESE espera que desta forma seja possível pôr termo às recorrentes reuniões do Conselho, marcadas pela discórdia, que têm prejudicado a imagem da Europa.

3.1.5.

O CESE congratula-se com a proposta de ativar o Mecanismo de Proteção Civil e de mobilizar equipas de apoio à gestão da migração, bem como equipas de intervenção rápida nas fronteiras, para ajudar os Estados-Membros a enfrentar situações de emergência.

3.1.6.

O CESE congratula-se igualmente com o aumento do financiamento atribuído pela UE à Frontex, ao EASO e à Europol em 2015, incluindo o acréscimo em 600 milhões de EUR das verbas alocadas às três agências em 2016, a fim de auxiliar os Estados mais afetados. Estes esforços devem ser complementados por uma política de regresso eficaz. Atualmente, apenas cerca de 38 % das pessoas consideradas não necessitadas de proteção foram repatriadas para os seus países.

3.1.7.

A UE deve associar cada vez mais a ajuda aos países em desenvolvimento à aplicação de reformas internas, bem como fomentar uma cooperação eficaz em matéria de migração, nomeadamente a migração legal (incluindo a circulação e vistos temporários) e a política de regresso. Contudo, é importante que os Estados-Membros honrem o seu compromisso de afetar 0,7 % do seu rendimento nacional bruto (RNB) à ajuda ao desenvolvimento.

3.1.8.

O CESE acolhe com agrado a proposta de intensificar os esforços diplomáticos a fim de envolver os países de origem e de trânsito num esforço de cooperação para enfrentar este desafio. A primeira etapa deste esforço foi a cimeira sobre migração realizada em 11 e 12 de novembro de 2015, em Valeta.

3.1.9.

Importa salientar, neste contexto, que a UE deve ouvir e conversar com seus parceiros, e deve tratá-los como tal. Subsistem muitos equívocos e perspetivas divergentes entre a UE e os seus parceiros de África e do Médio Oriente em relação aos objetivos pretendidos e aos meios para a sua concretização.

3.1.10.

O CESE acolhe com agrado o compromisso assumido pela UE de continuar a trabalhar mais estreitamente com organizações internacionais como o ACNUR, o PNUD, a OIM e a Cruz Vermelha. No entanto, observa que muitos Estados-Membros da UE não cumprem as suas obrigações, como demonstra a situação precária relativa ao apoio ao Programa Alimentar Mundial.

3.1.11.

O CESE acolhe também favoravelmente a proposta da Comissão de aumentar em 300 milhões de EUR os fundos para a assistência humanitária em 2016, com vista a responder às necessidades básicas dos refugiados.

3.1.12.

O CESE apoia o princípio do reconhecimento mútuo das decisões em matéria de asilo. De acordo com o artigo 78.o do TFUE, a UE deve desenvolver uma política comum em matéria de proteção internacional, incluindo um «estatuto uniforme […] válido em toda a União». Se esse estatuto a nível europeu não for concedido por uma agência da UE, a única alternativa é o reconhecimento mútuo das decisões nacionais.

3.1.13.

O CESE apoia plenamente o compromisso assumido pela Comissão de apresentar propostas para uma reforma do Regulamento de Dublim até março de 2016. Apoia igualmente o compromisso assumido pela Comissão de apresentar, simultaneamente, um novo pacote sobre migração legal, incluindo uma revisão da Diretiva Cartão Azul.

3.1.14.

A proteção das fronteiras externas da UE deve ser um esforço conjunto, para o qual os Estados-Membros disponibilizem recursos materiais e intelectuais.

3.1.15.

O CESE apoia plenamente a criação imediata de centros de registo. No entanto, estes devem ser dotados de pessoal suficiente e dispor de todos os recursos necessários para poderem funcionar eficazmente. Em países como a Itália e a Grécia, onde desembarcam diariamente milhares de migrantes, só será possível evitar uma situação de caos total através de uma conjugação significativa de recursos financeiros e materiais.

3.1.16.

O CESE partilha as sérias preocupações do ACNUR sobre o processo de registo e seleção que se aplica nos centros de registo logo que os imigrantes chegam às fronteiras da UE.

3.2.   Ação a longo prazo

3.2.1.

A UE só poderá reduzir os fluxos migratórios para proporções geríveis se se empenhar de forma decidida na resolução dos numerosos problemas que afetam os países de origem. O objetivo a longo prazo de alcançar estabilidade, paz e prosperidade exigirá um esforço sem precedentes, não apenas da Europa, mas de toda a comunidade internacional. A UE deve procurar reforçar os esforços envidados a nível internacional, nomeadamente através da ONU.

3.2.2.

É necessário reforçar a presença institucional da UE nos principais países de origem e de trânsito, mediante a criação de centros específicos de migração que sirvam de instalações, temporárias ou permanentes, para o tratamento dos pedidos de asilo. Deve prestar-se mais atenção e assistência a países como Argélia, Marrocos, Mali, Líbia, Líbano e Turquia.

3.2.3.

O CESE considera que um dos principais objetivos da Agenda é lançar uma política de migração da UE que torne possível a migração legal e, ao mesmo tempo, promova a integração efetiva dos migrantes. O Comité aguarda a apresentação das primeiras propostas legislativas e políticas nestes domínios e está disposto a apoiar a Comissão Europeia nos seus esforços de elaboração das mesmas.

3.2.4.

O CESE encoraja os Estados-Membros a respeitarem plenamente e a aplicarem ativamente a Convenção de Genebra de 1951 e a resistirem às pressões para reduzir o nível de proteção e de serviços concedidos aos refugiados.

3.2.5.

O CESE apoia uma política comum de asilo baseada em procedimentos comuns simplificados, a qual deve assentar igualmente numa definição comum do estatuto de refugiado e dos direitos inerentes a esse estatuto, para evitar que os refugiados procurem o sistema que lhes oferece o «tratamento mais vantajoso».

3.2.6.

É necessário prosseguir o desenvolvimento do sistema de informações sobre o país de origem. Pedidos de asilo de cidadãos provenientes dos mesmos Estados e, em princípio, afetados por uma situação semelhante têm, muitas vezes, desfechos diferentes. O sistema aplicado deve ser suficientemente flexível e fiável para permitir analisar e seguir, em tempo real, a evolução da situação nos países de origem. A cooperação entre os serviços de segurança dos Estados-Membros deve continuar a ser reforçada, uma vez que estes serviços constituem uma importante fonte de informações.

3.2.7.

Há que dar mais prioridade à organização da migração legal e à política de vistos, à digitalização do processo, ao reconhecimento das qualificações, e à obtenção de mobilidade para fins educativos.

3.2.8.

A UE deve participar mais ativamente na gestão dos regressos e no apoio às medidas de reintegração. O projeto-piloto de regresso ao Paquistão e ao Bangladeche é pouco relevante para a atual situação de emergência. O CESE recomenda vivamente o planeamento e a execução de projetos semelhantes, com níveis de financiamento e apoio institucional adequados.

3.2.9.

O reforço dos controlos fronteiriços nos países de trânsito, a intensificação das patrulhas marítimas e a destruição das embarcações dos passadores podem ajudar, mas não são a única forma de abordar o problema de forma sustentável. A UE está no bom caminho se adotar uma abordagem global que utilize de forma mais eficaz os diversos instrumentos e importantes recursos de que dispõe.

3.3.   Sociedade civil

3.3.1.

A sociedade civil desempenha um papel fundamental na abordagem da crise migratória. Os intervenientes da sociedade civil podem prestar uma ajuda crucial, atendendo às primeiras necessidades dos migrantes quando chegam. No entanto, a sociedade civil pode desempenhar um papel ainda mais importante no âmbito dos esforços necessários a longo prazo para integrar os migrantes na sociedade. A sociedade civil pode oferecer respostas interpessoais que se revestem de primordial importância em todas as fases de acolhimento e de instalação dos refugiados.

3.3.2.

O CESE louva a solidariedade demonstrada pelos segmentos da sociedade civil e por cidadãos que, voluntariamente, prestaram assistência aos requerentes de asilo. Contudo, esta reação positiva e espontânea não tem dimensão suficiente para conseguir enfrentar com eficácia os desafios existentes. O CESE exorta os Estados-Membros da UE a reconhecerem e valorizarem o papel desempenhado pela sociedade civil, nomeadamente através do reforço do auxílio às ONG e à sociedade civil a nível nacional, com vista a assegurar uma resposta mais estruturada e eficaz. Os governos dos Estados-Membros têm uma responsabilidade especial no que diz respeito à identificação da sociedade civil e ao estabelecimento de laços com a mesma nos seus territórios, bem como à intensificação do auxílio para garantir o reforço das suas capacidades.

3.3.3.

Além disso, o CESE recomenda à Comissão que envide esforços para disponibilizar mais recursos aos Estados-Membros através dos contratos de parceria em matéria de fundos estruturais, no sentido de canalizar mais verbas do FSE e do FEDER para a gestão dos fluxos migratórios e os esforços de integração. As ONG e as organizações presentes no terreno devem estar entre os principais beneficiários destes fundos, que devem complementar os já disponibilizados no âmbito do Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração.

3.3.4.

O CESE chama a atenção para o Fórum Europeu sobre Migração, que sucede o Fórum Europeu sobre Integração, criado em 2009 pelo CESE e pela Comissão Europeia. Este fórum é uma plataforma de diálogo entre as instituições europeias e a sociedade civil no domínio da imigração, do asilo e da integração dos migrantes.

4.   Integração na sociedade e no mercado de trabalho

4.1.

O CESE considera importante e de grande relevância garantir a existência de um sistema transparente, previsível e justo de migração legal para a UE. A população da Europa está a envelhecer, registando um crescimento de apenas cerca de 0,2 % por ano, um valor muito inferior ao nível de substituição. Estima-se que a Europa perderá cerca de 30 milhões de pessoas em idade ativa até 2050 e, se não forem tomadas medidas rapidamente, o índice de dependência da maioria dos Estados-Membros continuará a aumentar a grande ritmo, a produtividade diminuirá e os custos da manutenção dos serviços, em especial para a população envelhecida, aumentarão significativamente.

4.2.

Através de uma ação coletiva e organizada, assente na solidariedade, a UE pode transformar a situação atual numa oportunidade para inverter a atual tendência demográfica e os seus efeitos socioeconómicos. A integração dos migrantes no mercado de trabalho gera crescimento económico e favorece a sua independência. Em contrapartida, as políticas que negligenciam a integração transferem o encargo do apoio aos migrantes para os serviços públicos e podem suscitar tensões sociais com consequências importantes.

4.3.

O CESE reconhece que a integração depende, em larga medida, da inserção no mercado de trabalho. Há, no entanto, vários fatores associados ao impacto da imigração no mercado de trabalho, que carecem ser clarificados, nomeadamente o impacto dos imigrantes no nível dos salários, a disponibilidade do emprego, a pressão sobre o sistema orçamental (saúde e educação) e os efeitos do multiculturalismo.

4.4.

O Comité já elaborou um parecer exploratório (1) que serviu de base para a preparação da Conferência Ministerial de Saragoça em 2010 (2), em que foi adotada uma importante declaração sobre a integração dos migrantes no mercado de trabalho e os desafios para as autoridades nacionais e europeias e os parceiros sociais.

4.5.

Estudos revelam que, de um modo geral, a contribuição dos migrantes para a economia é superior aos benefícios que retiram da mesma, que o seu impacto nos sistemas orçamentais é mínimo e que ajudam a Europa a colmatar o seu défice demográfico e a estimular o crescimento económico. Não obstante, os efeitos da migração não afetam da mesma maneira todas as regiões da Europa, pelo que têm de ser avaliados cuidadosamente, em função do seu impacto a nível local. Além disso, há uma diferença notória entre a chegada organizada de migrantes no quadro da aplicação de uma determinada política e um afluxo repentino de milhares de migrantes, que é difícil de gerir e que exerce grande pressão sobre as estruturas locais, regionais e nacionais, como aconteceu nas últimas semanas.

4.6.

A integração dos migrantes no mercado de trabalho depende de uma série de fatores, como o nível de desemprego nos países de acolhimento, as competências dos migrantes, o seu nível de qualificação, a preparação prévia à entrada em termos de capacidades linguísticas e formação formal, e as organizações e estruturas criadas nos países de acolhimento para facilitar a integração dos imigrantes, incluindo os refugiados, no mercado de trabalho. É nestes domínios que a sociedade civil tem um papel fundamental a desempenhar.

4.7.

No entanto, existem outros fatores que impedem uma integração rápida, como o reconhecimento das qualificações, os obstáculos burocráticos, a falta de transparência, as perceções erradas da opinião pública sobre os migrantes, a exploração e os obstáculos jurídicos decorrentes de leis obsoletas e a falta de aplicação da legislação da UE ou o atraso na sua transposição.

4.8.

Os sindicatos e as associações patronais têm um papel fulcral a desempenhar para enfrentar o desafio da integração dos imigrantes no mercado de trabalho. O CESE recomenda a plena participação dos parceiros sociais na formulação, no desenvolvimento, na aplicação e no seguimento da política de integração e medidas conexas, a nível local, regional, nacional e europeu.

4.9.

O governo, os órgãos de poder local e regional e os parceiros sociais devem trabalhar em conjunto para alcançar um consenso social sobre as formas e os meios de integrar os migrantes na economia e na sociedade, sobretudo para evitar um conflito entre diferentes grupos desfavorecidos.

4.10.

A sociedade civil desempenha um papel fundamental para ajudar os migrantes a aceder à educação, à formação e ao emprego, e para combater a discriminação no setor da educação, no mercado de trabalho e na sociedade em geral.

Bruxelas, 10 de dezembro de 2015.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  JO C 354 de 28.12.2010, p. 16.

(2)  http://www.integrim.eu/wp-content/uploads/2012/12/Report-20101.pdf, https://www.uclm.es/bits/archivos/declaracionzaragoza.pdf.


24.2.2016   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 71/53


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria um mecanismo de recolocação em situações de crise e altera o Regulamento (UE) n.o 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida»

[COM(2015) 450 final — 2015/0208/(COD)]

(2016/C 071/09)

Relator:

Cristian PÎRVULESCU

Em 16 de setembro de 2015 e em 21 de outubro de 2015, respetivamente, o Parlamento Europeu e o Conselho decidiram, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria um mecanismo de recolocação em situações de crise e altera o Regulamento (UE) n.o 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida

[COM(2015) 450 final — 2015/0208/(COD)].

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, que emitiu parecer em 19 de novembro de 2015.

Na 512.a reunião plenária de 9 e 10 de dezembro de 2015 (sessão de 10 de dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 152 votos a favor, 6 votos contra e 13 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A crise dos refugiados na UE atingiu um ponto em que os princípios fundamentais da proteção dos direitos humanos e da democracia estão a ser postos em causa. Apesar das dificuldades, o CESE está profundamente convencido de que estes princípios devem ser defendidos e corretamente aplicados.

1.2.

O CESE considera que as tendências nacionalistas de certos governos e a perceção negativa de um número cada vez maior de cidadãos a respeito da migração e dos refugiados podem ser limitadas mediante a mobilização dos necessários esforços alargados com vista a defender os valores europeus fundamentais e os progressos institucionais da UE. Nestas situações excecionais, precisamos de mais Europa, mais democracia e mais solidariedade.

1.3.

Embora a atual crise dos refugiados fosse previsível, deveu-se à ausência de uma política comum de asilo, cujo atraso se deve à falta de uma ação política europeia concertada. Neste contexto, o CESE insta o Conselho Europeu, a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu a aplicarem o artigo 67.o, n.o 2, e o artigo 78.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, que estipulam as condições para que a UE desenvolva uma verdadeira política de asilo.

1.4.

O CESE salientou repetidamente a necessidade de solidariedade, de responsabilidade e de uma ação conjunta, bem como a importância central dos direitos fundamentais.

1.5.

O CESE congratula-se com os esforços envidados pela Comissão Europeia no sentido de coordenar uma resposta comum à crise dos refugiados, incluindo a reunião dos líderes sobre os fluxos de refugiados ao longo da rota dos Balcãs Ocidentais.

1.6.

O mecanismo de recolocação em situações de crise é um exemplo concreto de cooperação assente na solidariedade e na responsabilidade. No entanto, o CESE pretende que este mecanismo de recolocação e outras iniciativas semelhantes sejam parte integrante de uma estratégia geral, de modo que assegure a coerência e a eficiência. Em particular, são necessários sistemas solidários e robustos de partilha de encargos e, acima de tudo, uma chave de repartição permanente, equitativa e obrigatória, para a distribuição das pessoas em busca de proteção por todos os países da UE.

1.7.

A Comissão Europeia e as outras instituições da UE devem apoiar ativamente os governos dos Estados-Membros de modo que crie condições adequadas e perspetivas de integração dos requerentes de asilo recolocados. Neste contexto, importa deixar claro, nomeadamente, que as despesas dos Estados-Membros relacionadas com o acolhimento e a integração dos requerentes de asilo e dos refugiados não constituem despesas duradouras nem estruturais, pelo que não devem ser incluídas no cálculo dos défices orçamentais estruturais.

2.   Observações na generalidade

2.1.

A atual crise dos refugiados representa um desafio tanto administrativo, dada a dimensão sem precedentes do fenómeno, como jurídico. A UE atingiu um ponto em que os princípios fundamentais da proteção dos direitos humanos e da democracia estão a ser postos em causa. A vontade dos Estados-Membros de implementarem plenamente os tratados internacionais tem sido afetada pela crescente mobilidade internacional resultante da globalização económica. O CESE considera que as tendências nacionalistas de certos governos e a perceção negativa de um número cada vez maior de cidadãos a respeito da migração e dos refugiados podem ser limitadas mediante a mobilização dos necessários esforços alargados com vista a defender os valores europeus fundamentais e os progressos institucionais da UE. Nestas situações excecionais, precisamos de mais Europa, mais democracia e mais solidariedade.

2.2.

As múltiplas crises colocaram o sistema europeu de asilo sob grande pressão. Algumas destas crises resultam da política internacional da década de 2000, ao passo que outras são consequência dos efeitos negativos da crise económica e financeira. As mais recentes — a «Primavera Árabe», a instabilidade política na Líbia e a guerra civil na Síria — resultaram num aumento considerável do número de refugiados.

2.3.

Os 47 países membros do Conselho da Europa estão vinculados a aplicar as disposições em matéria de direitos humanos, assegurando que todos os seres humanos gozam de proteção, em conformidade com o artigo 3.o  (1) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Em contrapartida, a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 apenas prevê a proteção de uma categoria específica de pessoas, tal como definido no artigo 1.o, sendo que esta proteção se pode perder mais facilmente. A Convenção considera, no entanto, que as pessoas que necessitam de proteção internacional gozam de um conjunto de direitos. Em alguns países membros, como por exemplo na Roménia, as disposições constitucionais dão primazia aos tratados internacionais sobre a legislação nacional. O artigo 18.o  (2) da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que se tornou vinculativa nos termos do artigo 6.o do TFUE, estipula o direito que assiste às pessoas que carecem de proteção internacional.

2.4.

O sistema de Dublim tem imposto o encargo do tratamento dos pedidos de asilo de forma desproporcionada a um número reduzido de Estados-Membros da primeira linha (Malta, Itália, Chipre, Grécia, Espanha e, mais recentemente, Hungria). Nestas condições, tornou-se cada vez mais difícil para alguns Estados-Membros respeitar, na prática, o princípio da não repulsão e os princípios consagrados na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na Carta dos Direitos Fundamentais e nas diretivas que dela emanam. Apesar das dificuldades, o CESE está profundamente convencido de que estes princípios devem ser defendidos e corretamente aplicados.

2.5.

O artigo 67.o, n.o 2, e o artigo 78.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia estipulam as condições para que a UE desenvolva uma genuína política de asilo. À luz destes artigos, a ênfase é colocada não na elaboração de regras mínimas, mas antes na criação de um sistema comum com procedimentos uniformes. Embora a atual crise de refugiados fosse previsível, deveu-se à ausência de uma política comum de asilo, cujo atraso se deve à falta de uma ação política europeia concertada. Neste contexto, o CESE insta o Conselho Europeu, a Comissão e o Parlamento Europeu a aplicarem os artigos acima referidos.

2.6.

O CESE congratula-se com os esforços envidados pela Comissão Europeia no sentido de coordenar uma resposta comum à crise dos refugiados, incluindo a reunião dos líderes sobre os fluxos de refugiados ao longo da rota dos Balcãs Ocidentais. O encontro, que reuniu os Chefes de Estado e de Governo, tanto da UE como de países terceiros, pretendia melhorar a coordenação dos esforços na região em três domínios fundamentais: criação de estruturas de acolhimento, gestão conjunta dos fluxos migratórios e gestão das fronteiras (3).

2.7.

O CESE espera que o mecanismo de recolocação em situações de crise ajude a UE a avançar de forma consensual para um sistema que seja suficientemente robusto e flexível para dar resposta aos desafios colocados pela migração nas suas diversas vertentes.

2.8.

O CESE salientou repetidamente a necessidade de solidariedade, de responsabilidade e de uma ação conjunta, bem como a importância central dos direitos fundamentais. Reiterou também que há que envidar esforços significativos no sentido de facilitar a integração dos imigrantes e refugiados.

2.9.

O mecanismo de recolocação em situações de crise é um exemplo concreto de cooperação assente na solidariedade e na responsabilidade. No entanto, o CESE pretende que este mecanismo e outras iniciativas semelhantes sejam parte integrante de uma estratégia geral, de modo que assegure a coerência e a eficiência. Em particular, são necessários sistemas solidários e robustos de partilha de encargos e, acima de tudo, uma chave de repartição permanente, equitativa e obrigatória, para a distribuição das pessoas em busca de proteção por todos os países da UE. A Agenda Europeia da Migração proposta pela Comissão representa um passo positivo nessa direção.

3.   Observações na especialidade

3.1.

Qualquer Estado-Membro que não participe no mecanismo deve justificá-lo. Se a razão for essencialmente de ordem financeira ou se dever à falta de preparação para receber os requerentes, dever-se-á prever algum tipo de apoio financeiro antecipado.

3.2.

O apoio da UE às organizações da sociedade civil que lidam com a crise dos refugiados e a integração dos migrantes continua a ser insuficiente. As regras e procedimentos burocráticos prejudicam a sua capacidade de agir eficazmente no terreno.

3.3.

Para determinar se se está ou não perante uma crise, a Comissão Europeia terá de analisar se a situação é tal que nem mesmo um Estado-Membro com um «sistema de asilo bem preparado» seria capaz de lhe dar resposta. Qual é a definição utilizada? Quais os critérios para considerar um sistema de asilo «bem preparado»? A proposta avança uma série de critérios que a Comissão Europeia poderia ter em consideração, mas estes são flexíveis e a Comissão refere-se a eles como critérios a ter em conta, «entre outros».

3.4.

A proposta não é suficientemente específica quanto à compatibilização das preferências do Estado-Membro beneficiário, do Estado-Membro de recolocação e dos requerentes. Não é claro como funcionará na prática.

3.5.

Recomenda-se que os Estados-Membros beneficiários e os agentes de ligação do Estado-Membro de recolocação providenciem informações pertinentes e aconselhamento aos requerentes.

3.6.

Não é clara a forma como o Estado-Membro de recolocação é incentivado a receber e integrar os requerentes recolocados. O estado das infraestruturas, a disponibilidade de serviços, como, por exemplo, de saúde ou de ensino, e os apoios financeiros influenciarão a vontade de os requerentes serem recolocados num dado país. A Comissão Europeia e as outras instituições da UE devem apoiar ativamente os governos dos Estados-Membros de modo que ofereça condições adequadas e perspetivas de integração dos requerentes recolocados.

3.7.

A proposta deve ser mais específica a este respeito e definir um procedimento com vista a avaliar e incentivar o desenvolvimento de infraestruturas e serviços consagrados ao asilo em todos os Estados-Membros.

3.8.

O sistema tem de ter em conta, em certa medida, a preferência do requerente de asilo por determinados Estados-Membros de recolocação. As preferências devem ter uma relação clara e comprovável com a perspetiva de uma integração bem sucedida (membros da família residentes, o conhecimento da língua, ou ainda uma ligação prévia ao país, como a realização de estudos ou negócios).

3.9.

Há uma referência aos «laços culturais» como fator a ter em consideração aquando da recolocação de uma pessoa para determinado Estado-Membro. O CESE considera que este critério não deve ser utilizado para justificar a rejeição de requerentes de asilo em razão da sua religião.

3.10.

A proposta não especifica de que forma o mecanismo funcionará para países como a Sérvia e a antiga República jugoslava da Macedónia, que têm uma clara perspetiva de adesão e que registam um afluxo significativo de migrantes e requerentes de asilo.

Bruxelas, 10 de dezembro de 2015.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  «Ninguém pode ser submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes.» Não é só o artigo 3.o que diz respeito ao asilo e à proteção internacional. A expulsão de pessoas que tenham apresentado um pedido de asilo rejeitado pode ser problemática face aos artigos 2.o (direito à vida), 5.o (direito à liberdade e à segurança), 6.o (direito a um processo equitativo) e 7.o (princípio da legalidade), bem como aos artigos 3.o (proibição da expulsão de nacionais) e 4.o (proibição de expulsão coletiva de estrangeiros) do Protocolo n.o 4. Outros artigos pertinentes são os artigos 8.o (direito ao respeito pela vida privada e familiar), 13.o (direito a um recurso efetivo) e 16.o (restrições à atividade política dos estrangeiros).

(2)  É garantido o direito de asilo, no quadro da Convenção de Genebra de 28 de julho de 1951 e do Protocolo de 31 de janeiro de 1967, relativos ao estatuto dos refugiados, e nos termos do Tratado que institui a Comunidade Europeia.

(3)  Ver a declaração dos líderes emitida após a reunião.


24.2.2016   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 71/57


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2003/87/CE para reforçar a relação custo-eficácia das reduções de emissões e o investimento nas tecnologias hipocarbónicas»

[COM(2015) 337 final — 2015/0148 (COD)]

(2016/C 071/10)

Relator:

Antonello PEZZINI

Em 7 de setembro de 2015 e em 21 de setembro de 2015, o Parlamento Europeu e o Conselho, respetivamente, decidiram, nos termos dos artigos 192.o e 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a:

«Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2003/87/CE para reforçar a relação custo-eficácia das reduções de emissões e o investimento nas tecnologias hipocarbónicas»

[COM(2015) 337 final — 2015/0148 (COD)].

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente, que emitiu parecer em 18 de novembro de 2015.

Na 512.a reunião plenária de 9 e 10 de dezembro de 2015 (sessão de 9 de dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 138 votos a favor, 1 voto contra e 1 abstenção, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité está convicto de que a reindustrialização sustentável com um crescimento competitivo e gerador de mais e melhor emprego, é fundamental para a Europa e de que o regime de comércio de licenças de emissão de CO2 da União Europeia (UE) deve ser considerado nessa ótica como um instrumento-chave da política europeia de luta contra as alterações climáticas e de descarbonização da economia mundial.

1.2.

O Comité considera que o regime de comércio de licenças de emissão da UE (RCLE-UE), enquanto instrumento para reduzir as emissões energéticas da União Europeia, deve indicar o preço do carbono, mas também influenciar de forma positiva o investimento sustentável em novas tecnologias hipocarbónicas.

1.3.

Segundo o CESE, importa tornar o mercado do carbono mais estável, flexível e aberto a todos os grandes parceiros a nível mundial, num quadro pormenorizado e coordenado de forma adequada, a fim de atingir o objetivo de uma indústria transformadora competitiva e sustentável.

1.4.

O Comité entende que a Comissão deve cumprir rigorosamente o mandato definido pelo quadro de políticas relativo ao clima e à energia para 2030 acordado pelo Conselho Europeu na sua reunião de 23 e 24 de outubro de 2014, designadamente nas suas indicações claras sobre as disposições sobre a fuga de carbono a desenvolver no âmbito da reforma do RCLE-UE.

1.5.

O Comité considera que é necessário assegurar mecanismos adequados de transição a fim de manter a competitividade das indústrias europeias e evitar os riscos de fuga dos investimentos e de exposição das indústrias europeias à concorrência desleal de países que não têm instrumentos regulamentares comparáveis para lutar contra as alterações climáticas.

1.6.

O CESE recomenda que seja elaborado um quadro regulamentar adequado — em especial no que respeita a atribuição de licenças a título gratuito, fuga de carbono admissível, revisão dos parâmetros de referência, compensação dos custos repercutidos nos preços da eletricidade — para assegurar 100 % de licenças de emissão a título gratuito e a compensação total dos custos indiretos em todos os Estados-Membros a nível dos 10 % de instalações mais eficientes de setores expostos a risco elevado de fuga de carbono.

1.7.

O CESE recomenda que se privilegiem os seguintes pontos na reforma:

supressão do fator de correção transetorial para os custos diretos;

mecanismos de compensação dos custos indiretos em toda a UE, harmonizados a nível europeu, de modo a evitar distorções da concorrência (1);

sistemas de bonificação e não penalização para os melhores resultados, independentemente da forma como foram obtidos, incluindo a captura e a utilização de CO2;

estabelecimento de parâmetros de referência com base em dados industriais sólidos e fixados uma única vez no início do período;

atribuição de licenças de emissão a título gratuito aos setores com base na produção efetiva, e não no seu historial;

possibilidade de abordagem de recurso (fall-back approach) na fase 4 para os setores sem parâmetros de referência anteriores;

definição mais flexível do risco de fuga de carbono, através dos critérios qualitativos de risco atuais, sem o estabelecimento de limiares;

utilização de uma parte da reserva de estabilidade com vista a apoiar a supressão gradual (phasing-out) dos setores retirados da lista de fuga de carbono;

isenção da aplicação do mecanismo também às instalações com emissões inferiores a 50 000 toneladas de CO2;

plena integração da dimensão social no RCLE-UE a fim de apoiar a transição dos processos e competências industriais e laborais para uma economia sem emissões de carbono;

análise das condições para alargar os mecanismos destinados a recompensar os melhores resultados na sociedade civil, atribuindo bónus do RCLE às famílias, comunidades e administrações públicas que reduzam consideravelmente o seu consumo de energia gerador de CO2 ou que compensem as emissões com investimentos ecológicos ;

estudo preliminar, independente, a fim de identificar os mecanismos que permitem otimizar o funcionamento do RCLE-UE tendo em vista a consecução dos objetivos relativos ao clima estabelecidos.

1.8.

Por último, o Comité recomenda a máxima coerência possível, sinergia total e eliminação da sobrecarga burocrática, bem como que se reduza o mais possível a sobreposição de requisitos, entre a nova legislação para a revisão do regime de comércio de licenças de emissão da UE e a legislação paralela e complementar com a qual se articula.

1.9.

O CESE entende que deve ser assegurado um enquadramento para o intercâmbio de créditos internacionais que deve ter um papel na consecução dos objetivos mais vastos de redução das emissões na Europa, com o apoio de acordos internacionais multilaterais e bilaterais.

1.10.

O Comité considera importante, a este respeito, elaborar um parecer de iniciativa após a conclusão da Conferência de Paris, no final de 2015.

2.   Introdução

2.1.

O regime de comércio de licenças de emissão da União Europeia (RCLE-UE) entrou em vigor em 1 de janeiro de 2005 e é um dos instrumentos mais importantes da política climática da União Europeia dado criar a possibilidade de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa.

2.2.

Desde o seu lançamento, o RCLE-UE tem o objetivo de fornecer um ponto de referência para o carbono, a fim de permitir reduzir as emissões em todos os setores da economia europeia, que são responsáveis por cerca de metade das emissões de gases com efeito de estufa (GEE).

2.3.

O CESE sempre considerou o RCLE-UE um instrumento fundamental da política climática e energética da União para a redução das emissões industriais da União Europeia, e, consequentemente, apelou a uma verdadeira reforma direcionada para a realização dos objetivos da UE relativos ao clima para 2030, salvaguardando a competitividade industrial europeia e evitando a fuga dos investimentos.

2.4.

Na sua reunião de 21 de março de 2014, o Conselho Europeu apelou à adoção de medidas com vista à compensação total dos custos diretos e indiretos decorrentes das políticas climáticas da União Europeia para os setores expostos à concorrência mundial na pendência de um acordo internacional sobre o clima que permita estabelecer condições equitativas a nível mundial.

2.4.1.

No entanto, o CESE concorda com as observações do Tribunal de Contas Europeu que assinalam deficiências significativas na execução do RCLE-UE e formulam uma série de recomendações no sentido de melhorar a sua integridade e execução, reafirmando o conceito de eficácia industrial, que deve assegurar a plena competitividade da economia na União Europeia.

2.5.

Na sua reunião de 23 e 24 de outubro de 2014, o Conselho Europeu estabeleceu o quadro de ação relativo ao clima e à energia para 2030. Adotou também conclusões e aprovou algumas metas importantes, nomeadamente:

uma meta vinculativa para a União Europeia de, pelo menos, 40 % de redução de emissões de gases com efeito de estufa até 2030, em comparação com os valores de 1990, com uma redução linear da taxa anual de 1,74 %;

uma meta vinculativa de consumo de, pelo menos, 27 % de energias renováveis até 2030, mas sem metas vinculativas para os Estados-Membros;

uma meta indicativa de, pelo menos, 27 % para o aumento da eficiência energética até 2030, não vinculativa mas sujeita a revisões com vista ao seu aumento para 30 %;

o apoio à realização urgente do mercado interno da energia, até 2020, através do cumprimento da meta de 10 % relativa às interconexões elétricas existentes.

2.5.1.

A meta interna da União Europeia de redução dos gases com efeito de estufa em, pelo menos, 40 %, formalmente aprovada na reunião do Conselho (Ambiente) de 6 de março de 2015, constitui a base do contributo da UE para as negociações do novo acordo mundial sobre as alterações climáticas.

2.5.2.

Todos estes elementos do quadro serão revistos periodicamente pelo Conselho, que continuará a fornecer orientações estratégicas, seja sobre os setores abrangidos pelo RCLE, seja sobre os que não o são, bem como sobre as interconexões e a eficiência energética.

2.5.3.

Os instrumentos e as medidas deverão ser orientados para uma abordagem abrangente e neutra do ponto de vista tecnológico, a fim de promover a redução das emissões e a eficiência energética.

2.6.

Em 13 de maio de 2015, o Conselho e o Parlamento aprovaram um acordo sobre a reforma do RCLE-UE adotando a decisão relativa à reserva de estabilização do mercado:

em 2018, será criada uma reserva de estabilização do mercado, que estará operacional a partir de 1 de janeiro de 2019;

as «licenças diferidas» (os 900 milhões de licenças cujo leilão foi adiado dos anos de 2014-2016 para 2019-2020) serão transferidas para a reserva de mercado;

as licenças não atribuídas serão diretamente transferidas para a reserva de estabilização do mercado em 2020 e a sua futura utilização será estudada no âmbito da revisão mais geral do RCLE-UE;

isenção temporária da «componente de solidariedade de 10 %» de licenças do âmbito de aplicação da reserva de estabilização até ao final de 2025;

será considerada, na revisão do RCLE-UE, a possibilidade de utilizar um número limitado de licenças de emissão antes de 2021, a fim de complementar os recursos existentes para promover a captura e armazenagem de carbono;

revisão do regime de comércio de licenças de emissão da União Europeia e da reserva de estabilização do mercado para ter em conta:

as fugas de CO2 e os aspetos ligados à competitividade, bem como

questões relacionadas com o emprego e o PIB.

2.7.

No contexto da estratégia para a União da Energia e tendo em vista a Conferência de Paris sobre o clima, a Comissão propôs um pacote de medidas destinadas a rever o regime de comércio de licenças de emissão da União Europeia de acordo com as instruções do Conselho, salvaguardando as prioridades de reindustrialização da economia europeia e a competitividade internacional dos setores da indústria mais suscetíveis à deslocalização da produção.

2.8.

As medidas de revisão do RCLE-UE abrangem, além da política energética, muitas outras políticas europeias.

2.9.

O CESE lançou um estudo sobre o impacto das medidas financiadas através da utilização dos instrumentos da União Europeia para a proteção do ambiente (2), no qual se sublinha a importância de uma utilização eficaz das receitas geradas pelos instrumentos de mercado, tendo em vista melhorias ambientais, em sintonia com a promoção da economia verde e do comércio de licenças de emissão da UE, que constituem uma oportunidade importante para financiar as melhorias ambientais e para realizar a transição industrial e laboral para uma economia sem emissões de carbono.

3.   Propostas da Comissão

3.1.

A iniciativa da Comissão de alterar a Diretiva RCLE-UE 2003/87/CE visaria, através de um conjunto de propostas interligadas, aumentar o nível de redução anual de emissões permitidas, de modo que o nível de licenças de emissão emitidas anualmente, no conjunto do Espaço Económico Europeu (EEE), a partir de 2021 diminua por um fator linear de 2,2 % para atingir, em 2030, a redução de 43 % em comparação com 2005;

3.2.

A proposta prevê vários mecanismos de financiamento destinados a apoiar os agentes económicos que lutam contra a fuga de carbono e enfrentam os grandes desafios em matéria de inovação e investimentos que são necessários para a modernização das suas instalações e para a eficiência energética a fim de contribuir para a redução das emissões.

4.   Regimes de comércio de emissões a nível mundial

4.1.

Os regimes de comércio de emissões estão a aumentar em todo o mundo para além das fronteiras da UE, estando já em funcionamento sistemas nacionais ou infranacionais em vários países.

4.2.

Nos Estados Unidos, o presidente Obama anunciou as regras do programa de energia limpa, que indicarão a cada estado as normas individuais com vista à redução das emissões de carbono provenientes de centrais elétricas — alimentadas principalmente a carvão e a gás — até 2030.

4.2.1.

Na Califórnia existe um programa de limitação e comércio de emissões, lançado em 2012. Nos estados de Connecticut, Delaware, Maine, Maryland, Massachusetts, Novo Hampshire, Nova Iorque, Rhode Island e Vermont vigora a Iniciativa Regional sobre os gases com efeitos de estufa.

4.3.

Na Austrália está a funcionar um sistema de comércio de emissões que se irá ligar ao europeu até 2018, através de um acordo de 2012 com a Comissão Europeia.

4.4.

No Canadá, o sistema de limitação e comércio de emissões de gases com efeito de estufa do Quebeque foi criado em 2012 e, desde 2013, abrange 85 % das emissões desta província.

4.5.

Na Nova Zelândia foi lançado um RCLE-NZ em 2008, com a inclusão da silvicultura e da agricultura, dos combustíveis fósseis líquidos, das centrais elétricas e dos processos industriais.

4.6.

A União Europeia e a China chegaram a um acordo na cimeira bilateral realizada em finais de junho de 2015 sobre a cooperação em matéria de luta contra as alterações climáticas.

4.7.

Na Coreia do Sul, desde janeiro de 2015 que está em curso o programa KETS, o primeiro na Ásia a nível nacional e o segundo a nível mundial, a seguir ao RCLE-UE.

4.8.

Em Tóquio, no Japão, o programa de limitação e comércio de licenças de emissão RCLE-TMG é o primeiro sistema de comércio obrigatório, lançado em abril de 2010.

4.9.

Na Suíça, o RCLE-CH teve início em 2008, com caráter voluntário durante 5 anos, como alternativa ao imposto sobre o carbono dos combustíveis fósseis: desde 2013, o regime passou a ser obrigatório para as grandes indústrias com utilização intensiva de energia.

5.   Observações na generalidade

5.1.

O Comité considera que o RCLE-UE é um instrumento-chave eficiente com vista à redução das emissões energéticas da União Europeia, se seguir uma lógica de mercado suscetível de indicar o preço do carbono de acordo com as metas definidas, mas também de influenciar de forma positiva o investimento nas tecnologias hipocarbónicas, o desenvolvimento das energias renováveis e, simultaneamente, aumentar a eficiência energética.

5.1.1.

O CESE está preocupado com uma eventual aceleração do processo de fuga de investimentos como forma específica de fuga de carbono nos setores vulneráveis. Este processo poderia reduzir ainda mais a competitividade destes setores e a sua capacidade de adotar as medidas necessárias com vista a uma economia eficiente em termos de recursos e hipocarbónica, em conformidade com as linhas traçadas em pareceres recentes (3).

5.2.

O CESE está convicto da necessidade de tornar o mercado do carbono mais estável, flexível e aberto a todos os seus principais parceiros a nível mundial.

5.3.

O quadro de políticas relativo ao clima e à energia para 2030 acordado pelo Conselho Europeu na sua reunião de 23 e 24 de outubro de 2014, estabelece objetivos ambiciosos de redução unilateral, mas também orientações precisas sobre as disposições em termos de fuga de carbono a desenvolver na reforma do RCLE-UE.

5.3.1.

O CESE considera, além disso, que a reforma do RCLE-UE deve representar um quadro de política coordenada, em especial juntamente com a reforma dos setores não abrangidos pelo RCLE [Effort Sharing Decisions (Decisões de Partilha de Esforços)] e as políticas em matéria de energias renováveis (DER) e de eficiência energética (DEE e DDEE).

5.4.

O CESE recomenda que a reforma incida nos seguintes pontos:

supressão do fator de correção transetorial para os custos diretos;

mecanismos, harmonizados a nível da União Europeia, de compensação dos custos indiretos;

sistemas de bonificação e não penalização para os melhores resultados, independentemente da forma como foram obtidos, incluindo a captura e a utilização do CO2;

estabelecimento de parâmetros de referência com base em dados industriais sólidos uma única vez no início do período;

atribuição de licenças de emissão a título gratuito aos setores com base na produção efetiva;

possibilidade de abordagem de recurso (fall-back approach) na fase 4 para os setores sem parâmetros de referência anteriores;

definição mais flexível do risco de fuga de carbono, através dos critérios qualitativos de risco atuais;

utilização de uma parte da reserva de estabilidade com vista a apoiar a supressão gradual (phasing-out) dos setores retirados da lista de fuga de carbono;

isenção da aplicação do mecanismo às instalações de menores dimensões, com emissões inferiores a 50 000 toneladas de CO2;

plena integração da dimensão social no RCLE-UE a fim de apoiar plenamente a transição dos processos e competências industriais e laborais para uma economia sem emissões de carbono;

5.4.1.

Às empresas em risco de deslocalização deve ser atribuída a título gratuito uma determinada quantidade de licenças de emissão.

5.5.

O Comité considera que é necessário assegurar mecanismos adequados de transição para uma redução equilibrada das licenças de emissão de CO2 a fim de manter a competitividade das indústrias europeias e evitar os riscos de fuga de investimentos e de exposição das indústrias europeias e dos setores do emprego europeus à concorrência desleal de países que não têm quadros regulamentares comparáveis.

5.5.1.

Em especial, é necessário assegurar um pacote de regras adequadas relativo à atribuição de licenças a título gratuito, à fuga de carbono admissível, à revisão dos parâmetros de referência e à compensação dos custos repercutidos nos preços da eletricidade, de modo a assegurar 100 % de licenças de emissão a título gratuito, bem como a compensação total dos custos indiretos em todos os Estados-Membros a nível de 10 % das instalações mais eficientes dos setores expostos a risco elevado de fuga de carbono.

5.5.2.

Seria necessário analisar também as possibilidades de alargar os mecanismos destinados a recompensar os melhores resultados na sociedade civil, atribuindo bónus do RCLE às famílias, comunidades e administrações públicas que reduzam consideravelmente o seu consumo de energia gerador de CO2 ou que compensem as emissões com investimentos ecológicos .

5.6.

O CESE considera que o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) deve ser mantido, melhorado e alargado e que as ligações entre o RCLE europeu e os novos regimes que estão a surgir noutras regiões do mundo devem ser devidamente apoiadas.

5.7.

As alterações climáticas requerem uma solução global, através de um acordo com objetivos bem definidos e claros para as principais economias mundiais.

6.   Observações na especialidade

6.1.

O Comité recomenda a revisão das regras para a repartição das quotas, assegurando uma percentagem de atribuições a título gratuito adequada para satisfazer os requisitos dos operadores que a elas têm direito. A definição dos setores em risco de fuga de carbono a partir de 2020 poderia implicar uma redução significativa com um limiar de 0,18 como pré-requisito para efeitos de elegibilidade.

6.2.

O CESE manifesta preocupação com o eventual risco de uma nova redução dos índices de referência vir a penalizar posteriormente as empresas que enfrentam dificuldades: o corte transversal nos índices de referência através de um único fator de correção linear, estabelecido entre um mínimo de 0,5 % e um máximo de 1,5 %, numa base anual, não tem em conta o prazo de vida útil da maquinaria nem a situação real do ponto de vista tecnológico em setores muito diversificados.

6.3.

O CESE considera que os parâmetros de avaliação comparativa em termos de fuga de carbono devem ser viáveis do ponto de vista técnico e económico, a fim de ter em conta os progressos tecnológicos reais, e recomenda que a metodologia utilizada para reduzir os setores na lista de fuga de carbono, de 177 para 52, para o período de 2021-2030, seja partilhada pelos parceiros sociais e acompanhada de medidas de apoio à supressão gradual.

6.4.

O CESE entende igualmente que o fator de correção transetorial deve ser suprimido. Um fator de correção calculado de forma errada criaria incertezas quanto à atribuição a título gratuito e exporia as instalações de maior risco a custos indevidos.

6.5.

Segundo o CESE, é necessário prever um mecanismo de compensação dos custos indiretos harmonizado a nível da União Europeia e assente nos parâmetros já estabelecidos (4), que evite as atuais distorções do mercado interno, tornando obrigatório o sistema atual baseado nos auxílios estatais e obrigando os Estados-Membros a destinar, pelo menos, uma parte das receitas dos leilões a uma compensação suficiente dos custos indiretos incorridos ao nível daqueles que obtêm os melhores resultados ambientais nos setores expostos.

6.6.

O CESE apela a que a atribuição mais flexível e dinâmica de licenças a título gratuito se baseie em níveis de produção efetivos atualizados, apoiando as unidades que melhorem a sua eficiência mantendo a atribuição das mesmas licenças de emissão a título gratuito.

6.7.

Importa tornar mais flexível o critério para determinar o risco de fuga de carbono (Carbon Leakage), de forma a melhor refletir o impacto do preço do carbono na competitividade dos diferentes setores, em especial para as PME, segundo o critério qualitativo definido em 2008.

6.8.

O CESE considera que os fundos do RCLE-UE — fundo de reserva de estabilidade, fundo de inovação e fundo de modernização — devem ser considerados num quadro sinóptico, para assegurar o seu correto funcionamento, bem como sistemas de gestão e de controlo adequados, a fim de evitar sobreposições e duplicação de esforços.

6.9.

O CESE entende que:

uma parte da reserva de estabilidade deve ser destinada a apoiar a supressão gradual (phasing-out) dos setores retirados da lista de fuga de carbono;

o fundo de modernização deve ser aberto a intervenções nas zonas NUTS 2 para a produção de eletricidade, tal como nos países com um PIB inferior a 60 % da média da União Europeia, a fim de promover com transparência os investimentos sem distorções no mercado interno da energia;

o fundo de inovação deve intervir no domínio das novas tecnologias e processos industriais hipocarbónicos nos setores de supressão gradual;

os leilões voluntários de carbono devem ser apoiados e considerados como compromissos adicionais no mercado do carbono, assumidos voluntariamente pelos proprietários florestais a fim de maximizar os benefícios ambientais indiretos conferidos pelas florestas, e que proporcionam a oportunidade de se reconhecer a função climática do ecossistema florestal também do ponto de vista económico.

6.10.

O Comité insta a que as medidas previstas para as instalações de pequenas dimensões que emitem menos de 25 000 toneladas de CO2 sejam alargadas às instalações com emissões de CO2 inferiores a 50 000 toneladas, as quais representam, a nível europeu, cerca de 75 % das instalações no RCLE, mas apenas 5 % do total das emissões.

6.11.

No que diz respeito às emissões decorrentes dos processos mineralógicos, o seu potencial de redução pelos operadores é praticamente nulo e deve beneficiar de uma atribuição total de licenças de emissão a título gratuito.

6.12.

Uma vez que as medidas para a revisão do RCLE-UE abrangem, além da política energética, muitas outras políticas europeias, o Comité recomenda a máxima coerência possível, bem como a eliminação da sobrecarga burocrática, entre a nova legislação e aquela com a qual se articula.

Bruxelas, 9 de dezembro de 2015.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  Ver: State aid Modernisation for an integrated EU energy market (Modernização dos auxílios estatais para um mercado de energia integrado na UE) — Joaquín Almunia, vice-presidente da Comissão Europeia responsável pela Política da Concorrência, Bruxelas, 2 de dezembro de 2013 — Energy: the sector where «more Europe» is most needed (Energia: o setor que mais precisa de «Mais Europa»). Desenvolvimento de princípios comuns para a avaliação dos auxílios estatais. Para serem compatíveis, os auxílios devem contribuir para um objetivo comum da UE, provar corretamente a existência de deficiências do mercado/abordar as preocupações de equidade, ser um instrumento adequado, assegurar um efeito de incentivo, ser proporcionais/limitados ao mínimo necessário, e evitar distorções indevidas da concorrência e das trocas comerciais. Ver igualmente «Orientações relativas a auxílios estatais à proteção ambiental e à energia 2014-2020» (JO C 200 de 28.6.2014, p. 1.

(2)  www.eesc.europa.eu/?i=portal.fr.nat-publications-reports&itemCode=24097.

(3)  Instrumentos de mercado — Economia hipocarbónica na UE (JO C 226 de 16.7.2014 p.1), Um quadro político para o clima e a energia no período de 2020 a 2030 (JO C 424 de 26.11.2014, p. 39) e Protocolo de Paris (JO C 383 de 17.11.2015, p.74)

(4)  Orientações relativas a auxílios estatais à proteção ambiental e à energia 2014-2020 (JO C 200 de 28.6.2014, p. 1).


24.2.2016   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 71/65


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Estratégia para o Mercado Único Digital na Europa»

[COM(2015) 192 final]

(2016/C 071/11)

Relator:

Raymond HENCKS

Correlator:

Thomas McDONOGH

Em 12 de maio de 2015, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Estratégia para o Mercado Único Digital na Europa

[COM(2015) 192 final].

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação, que emitiu parecer em 24 de novembro de 2015.

Na 512.a reunião plenária de 9 e 10 de dezembro de 2015 (sessão de 9 de dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 219 votos a favor, dois votos contra e sete abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE é favorável à Estratégia para o Mercado Único Digital na Europa. Preocupa-o, contudo, a falta de vontade política de alguns Estados-Membros de abrir caminho para uma União digital assente na criatividade e na inovação, e não apenas no consumo.

1.2.

A Estratégia para o Mercado Único Digital na Europa proposta pela Comissão Juncker constitui um prolongamento das estratégias e programas digitais já existentes e destina-se a redinamizar a política digital da União Europeia que tarda em se desenvolver. Ao mesmo tempo, coloca também uma nova tónica no comércio e nos consumidores, bem como nas medidas necessárias para criar mais comércio e mais consumidores com condições e proteção mais adequadas.

1.3.

Neste contexto, a nossa prioridade passa por colmatar o défice de competências, tanto a nível da numeracia e da literacia como das competências digitais e da utilização responsável das mesmas. Em segundo lugar, são necessárias plataformas de fácil utilização para dinamizar o mercado, importando por isso não restringir as suas atividades. Em terceiro lugar, há necessidade de aplicações relevantes, pelo que o enfoque na normalização é bem-vindo. O reforço da administração pública em linha contribuirá para aumentar a participação dos cidadãos nas atividades digitais. Do ponto de vista dos consumidores, o CESE acolhe favoravelmente as iniciativas para melhorar o acesso dos clientes e das empresas aos bens e serviços digitais em toda a Europa.

1.4.

Algumas, mas não todas, das iniciativas enumeradas no ponto 4.2 (Criar as condições propícias ao desenvolvimento das redes e serviços digitais) dizem respeito às redes de infraestruturas e fazem parte da agenda digital. A importância das referidas propostas tem a ver com o contexto do mercado único e a urgência com que serão abordadas. Algumas das outras iniciativas mencionadas no referido ponto são importantes para os direitos dos consumidores.

1.5.

O CESE apoia a Comissão na sua determinação de eliminar a compartimentação em 28 estratégias e mercados digitais nacionais, reunindo-os numa abordagem europeia e assegurando deste modo uma posição de destaque no domínio da economia digital mundial, que se tornou apanágio de países terceiros.

1.6.

O CESE considera que a União Europeia, que tem excelentes competências e uma vasta experiência em determinados domínios digitais, ainda pode recuperar o atraso. Neste contexto, o CESE insiste na importância de desenvolver polos de investigação multidisciplinares e sinergias europeias no âmbito do Espaço Europeu da Investigação, em domínios como a computação em nuvem, a nanoeletrónica, a armazenagem e tratamento de megadados, os aparelhos consultáveis ou controláveis à distância (objetos conectados) e os serviços inteligentes.

1.7.

A UE poderá recuperar o referido atraso se conseguir, a curto prazo, reunir os seus recursos para mobilizar e coordenar os esforços dos setores público e privado dos 28 Estados-Membros, envolvendo todas as partes interessadas nos debates sobre a Estratégia para o Mercado Único Digital. O CESE apoia o compromisso assumido pela Comissão de lançar uma consulta pública para cada uma das suas futuras ações no âmbito do mercado único digital.

1.8.

O CESE lamenta que a estratégia digital não inclua uma dimensão social (com exceção das questões relativas às competências digitais), tendo em conta que a evolução dos serviços e modelos de negócio implica profundas transformações no mundo do trabalho. Considera que, a par das vantagens potenciais, importa ter em conta os variados riscos e desafios, nomeadamente no domínio da segurança e da organização do emprego, e da segurança social, bem como os procedimentos previstos pelo Tratado em matéria de diálogo social, e também a cláusula social horizontal, que devem fazer parte da Estratégia para o Mercado Único na Europa (1). O CESE considera que, atendendo ao seu impacto no emprego, a dimensão social deveria constituir o quarto pilar da Estratégia para o Mercado Único Digital na Europa.

2.   Introdução

2.1.

O CESE entende por «Mercado Único Digital» (MUD) a transferência, para a Internet, de transações e atividades do mercado interno já existente na União Europeia. Em parte, tal já se realizou, mas as iniciativas previstas pela Comissão destinam-se à plena consecução do potencial digital. As atividades e transações de mercado envolvem a produção de bens e a prestação de serviços, seguidos de intermediação, distribuição e consumo. As transações entre consumidores, empresas e poderes públicos refletem a influência das redes sociais e a evolução para uma sociedade de partilha. No MUD, os poderes públicos desempenham o papel de prestadores de serviços.

2.2.

Os benefícios da transferência de processos empresariais são claros: maior integração na cadeia de valor, aceleração dos processos desde a conceção até à entrega, melhoria das interfaces com os clientes (particularmente no contexto das redes sociais) e maior competitividade a nível geral. À medida que prossegue, a transição abrirá caminho para a «Internet das coisas», e para a quarta revolução industrial.

2.3.

A especificidade do mercado interno reside no facto de ser, por natureza, transnacional e, por conseguinte, estar em princípio bem adaptado para explorar a Internet. No entanto, existem problemas ao nível do próprio mercado interno, no que respeita à adaptação das regras, leis e regulamentos ao ambiente digital. Com efeito, existem lacunas na preparação para o ambiente digital em cada uma das categorias de intervenientes (empresas, poderes públicos e consumidores) bem como nas infraestruturas tecnológicas do MUD, e problemas potenciais de posição dominante de algumas grandes plataformas.

2.4.

Paralelamente ao projeto do MUD, a Comissão está a levar a cabo a sua agenda digital que aborda preocupações legítimas acerca da presença insuficiente da UE nas indústrias globais de hardware e software, embora estas não sejam fundamentais para o MUD. Segundo a Comissão, os benefícios da conclusão do MUD são muito significativos em termos do PIB e de emprego e tudo o que deve ser feito cabe nas atuais capacidades da UE e dos Estados-Membros.

2.5.

A não conclusão do mercado único no setor dos serviços tem profundas implicações para o desenvolvimento do MUD. O setor dos serviços é o setor dominante nas economias dos Estados-Membros. A prestação de serviços é cada vez mais determinada pelas transações na Internet; a realização de progressos na Estratégia para o MUD poderia, em si própria, facilitar o mercado único dos serviços.

2.6.

As regras, regulamentos e leis desenvolvidos para as transações em suporte papel e nas primeiras décadas do comércio eletrónico tornaram-se entretanto obstáculos à realização do MUD. O CESE acolhe favoravelmente o programa legislativo proposto e o calendário ambicioso que foi fixado:

propostas legislativas para regras simples e eficazes em matéria de contratos transfronteiras em benefício dos consumidores e das empresas;

revisão do Regulamento Cooperação no domínio da Defesa do Consumidor;

medidas no domínio da entrega de encomendas;

uma ampla revisão com vista a preparar propostas legislativas para abordar a questão do bloqueio geográfico injustificado;

inquérito Setorial da Concorrência sobre o comércio eletrónico relativo ao comércio em linha de bens e à prestação de serviços em linha;

propostas legislativas para uma reforma do regime de direitos de autor;

propostas legislativas com vista a reduzir os encargos administrativos para as empresas decorrentes dos diferentes regimes de IVA;

iniciativas sobre a propriedade de dados, a livre circulação de dados (por exemplo entre fornecedores de serviços de computação em nuvem) e a Computação em Nuvem Europeia;

revisão da Diretiva Privacidade e Comunicações Eletrónicas.

2.7.

Embora o programa legislativo descrito no ponto 2.6 seja claro, as ações previstas para melhorar a sensibilização, as competências e a preparação para a Internet nas três categorias de intervenientes (empresas, poderes públicos e consumidores) são muito menos claras:

as competências e conhecimentos digitais especializados, particularmente em muitos grupos de cidadãos da UE, estão longe de ser adequados, tal como as propostas da Comissão a este respeito. O CESE lamenta que a Comissão não dê a prioridade necessária a este fator, que é crucial para o êxito do MUD e da sociedade da informação na Europa;

adoção de um Plano Prioritário de Normas TIC e alargamento do Quadro Europeu de Interoperabilidade para serviços públicos;

novo Plano de Ação para a Administração Pública em Linha, incluindo uma iniciativa sobre o «Princípio da Declaração Única», bem como uma iniciativa sobre o reforço da interligação dos registos das sociedades.

Em conjunto, estas iniciativas afetarão os cidadãos, as PME, os serviços das administrações públicas e do setor privado, bem como as aplicações setoriais fundamentais para a conclusão do MUD. Estas propostas parecem carecer de precisão e de urgência. O CESE acompanhará atentamente o desenvolvimento das referidas iniciativas, que estão sob o controlo da UE e dos Estados-Membros.

2.8.

Propõem-se algumas iniciativas de infraestruturas essenciais, tais como:

revisão da Diretiva Satélite e Cabo;

propostas legislativas para a reforma da atual regulamentação em matéria de telecomunicações;

revisão da Diretiva Serviços de Comunicação Social Audiovisual;

estabelecimento de uma parceria público-privada contratual sobre cibersegurança.

As telecomunicações e a cibersegurança são as prioridades mais evidentes, mas a clarificação das regras de transmissão audiovisual por cabo, satélite e banda larga é igualmente premente.

2.9.

As plataformas são o motor do MUD. A maior parte dos intervenientes das categorias «empresas», «poderes públicos» e «consumidores» utiliza-as diariamente. São acessíveis, fáceis de utilizar e, frequentemente, gratuitas. É indispensável que se continuem a desenvolver, mas existem preocupações a este respeito, nomeadamente:

facilitam aplicações revolucionárias, que constituem um desafio para alguns setores e empresas estabelecidas. Os clientes beneficiam, mas as empresas estabelecidas questionam a sua legalidade.

muitas plataformas detêm posições dominantes que suscitam questões relativamente a eventuais abusos de posição dominante.

a maior parte das grandes plataformas está estabelecida em países terceiros, mas existe uma indústria de plataformas na UE que necessita de condições equitativas para conseguir sobreviver e prosperar.

Por estas razões, o CESE acolhe favoravelmente o inquérito intitulado «Análise aprofundada do papel das plataformas no mercado, incluindo os conteúdos ilegais na Internet». O êxito do MUD depende do desenvolvimento das plataformas, pelo que a aplicação da lei não deve restringir a sua margem de manobra.

2.10.

Tendo em conta o acima exposto, o CESE considera os programas relativos às categorias de intervenientes definidos no ponto 2.7 acima como o provável calcanhar de Aquiles da estratégia e manifesta reservas no que respeita às plataformas.

3.   Observações na generalidade

3.1.

É inegável que, até ao momento, a União Europeia não tirou o melhor partido das enormes oportunidades oferecidas pelas tecnologias digitais. Tal deve-se em grande parte ao facto de o mercado europeu continuar fragmentado em 28 mercados nacionais.

3.2.

Porém, também parece claro que alguns Estados-Membros preferem manter e desenvolver uma agenda digital unicamente nacional em vez de abrir caminho para uma União digital europeia assente na criatividade e na inovação. Paralelamente, os ministros da Economia alemão e francês apelaram à criação de um quadro comum impulsionado em particular pelos respetivos países.

3.3.

O CESE constata ainda que os primeiros-ministros de alguns Estados-Membros escreveram ao presidente do Conselho para manifestarem reservas quanto à execução da estratégia. Insistiram na importância de «regulamentar apenas quando existe uma prova evidente da necessidade de o fazer, baseando-se nos princípios de uma regulamentação inteligente e de uma avaliação de impacto aprofundada. É absolutamente evidente que o mercado único digital só terá êxito se não sufocar a inovação, o investimento e o empreendedorismo». O CESE partilha desta opinião na condição de os interesses dos consumidores e dos trabalhadores serem igualmente tidos em consideração.

3.4.

A Comissão considera a nova Estratégia para o Mercado Único Digital como o prolongamento da Agenda Digital para a Europa de 2010. Esta previa cento e duas ações de que, segundo a Comissão, se realizaram setenta e duas, estando prevista a conclusão de vinte e três nos prazos estabelecidos, embora o mercado único digital ainda não esteja concluído. Por esse motivo, algumas dessas iniciativas voltam a ser incluídas na nova estratégia em apreço.

3.5.

Aquando da apresentação das orientações políticas da nova Comissão Europeia, o seu presidente, Jean-Claude Juncker, referiu o seguinte: «Com a criação de um mercado único digital conectado poderíamos gerar até 250 mil milhões de euros de crescimento suplementar, criando assim centenas de milhares de novos postos de trabalho». Segundo a comunicação em apreço, o PIB da UE poderia aumentar 415 mil milhões de euros, enquanto os dois comissários responsáveis pelo setor digital referem a criação de 3,8 milhões de postos de trabalho pelo mercado único digital.

3.6.

O CESE considera contraproducente bombardear os cidadãos com números que variam substancialmente consoante a fonte da Comissão, e que, sendo pouco credíveis, são apresentados como verdades irrefutáveis. Tais declarações acabam por gerar desconfiança em relação aos responsáveis políticos e indiferença perante os problemas reais.

3.7.

Até à data, a Comissão nunca demonstrou que as suas previsões neste domínio se tinham realizado. O CESE solicita que, no termo do seu mandato, a atual Comissão faça o ponto da situação e compare o resultado final com as previsões iniciais.

3.8.

O CESE considera improvável a conclusão do mercado único digital durante o atual mandato da Comissão, tanto mais que os estudos de impacto ou as investigações científicas conexas que consubstanciam afirmações nesse sentido não foram publicados. O CESE considera que as estimativas da Comissão deveriam ser confrontadas com os estudos que preveem perdas consideráveis de postos de trabalho decorrentes das transformações digitais (2).

3.9.

Segundo a Comissão, a realização do mercado digital conectado permitiria à Europa manter uma posição de primeiro plano no domínio da economia digital a nível mundial, ao mesmo tempo que daria às empresas europeias a possibilidade de se desenvolverem também fora da União.

3.10.

O CESE lamenta que a ambição da UE, definida na Estratégia de Lisboa de 2000, de se tornar a economia baseada no conhecimento mais competitiva e dinâmica do mundo, capaz de garantir um crescimento económico sustentável, com mais e melhores empregos e com maior coesão social, tenha sido substancialmente revista em baixa.

3.11.

A União Europeia está a ficar para trás.

A economia digital tornou-se apanágio dos EUA e da Ásia. Cerca de cinquenta grandes operadores europeus de comunicações eletrónicas estão sujeitos a 28 quadros regulamentares nacionais distintos, enquanto os seis grandes operadores do mercado americano e os três gigantes do mercado chinês são regidos por um quadro regulamentar único. A visão do mercado digital intraeuropeu como fator de integração já não se adequa a um mundo digital sem fronteiras e, além disso, não impediu as grandes plataformas de países terceiros de criar monopólios ou oligopólios na maior parte dos países da UE.

3.12.

O CESE mantém a esperança de que a UE ainda possa recuperar o atraso e de que a Estratégia para o Mercado Único Digital na Europa possa dar um novo alento ao setor, na condição, porém, de a UE passar a ser criadora e não meramente utilizadora do setor digital, promover um salto qualitativo societal no sentido de uma educação dos jovens orientada desde o início para o desenvolvimento das competências digitais e a promoção da utilização responsável das mesmas, eliminar a clivagem digital, bem como assegurar a acessibilidade a todos os cidadãos (incluindo as pessoas com deficiência) e os investimentos públicos e privados adequados no ensino, na formação profissional e na investigação.

3.13.

Para o efeito, a UE tem de reunir os seus recursos para mobilizar e coordenar os esforços dos setores público e privado nos 28 Estados-Membros. Tal é indispensável se não quiser passar ao lado das viragens periódicas da economia digital, como, por exemplo, as aplicações móveis cuja quantidade aumentou exponencialmente nos últimos anos, a computação em nuvem, os megadados (big data), ou as questões estratégicas que se situam agora ao nível das plataformas gigantes de serviços digitais, canais incontornáveis para aceder à internet. O debate sobre a Estratégia para o Mercado Único Digital deve envolver todas as partes interessadas e ter em conta a proteção e os direitos fundamentais dos cidadãos, dos consumidores, dos trabalhadores e das pessoas com deficiência, com vista a uma sociedade inclusiva.

3.14.

O CESE não pode deixar de constatar a completa ausência da dimensão social na Estratégia para o Mercado Único Digital. Continuam a ser ignorados em grande medida os efeitos e os desafios da digitalização no emprego, embora a permanente evolução dos serviços e dos modelos de negócio implique profundas transformações no mundo do trabalho, com repercussões consideráveis na natureza do trabalho e na estrutura das empresas, bem como um risco de rutura das convenções coletivas. Neste contexto, os procedimentos previstos pelo Tratado sobre o diálogo social, bem como a cláusula social horizontal, devem fazer parte da Estratégia para o Mercado Único Digital. No seu parecer CCMI/136 sobre os efeitos da digitalização no setor dos serviços e no emprego no âmbito das mutações industriais, o CESE formulou uma série de recomendações para evitar que a evolução digital prejudique a eficácia dos atuais sistemas de formação profissional, de proteção do emprego, de segurança social e de fiscalidade. O CESE considera que, atendendo ao seu impacto no emprego, a dimensão social deveria constituir o quarto pilar da Estratégia para o Mercado Único Digital na Europa.

3.15.

Outro domínio no qual a UE tem a oportunidade de defender a sua posição é o dos megadados, no qual continuam por definir as normas técnicas destinadas a reger a recolha e o tratamento de dados. Para tal, é necessário unificar as diferentes legislações nacionais num quadro europeu coerente que, mercê de uma política inteligente em matéria de tratamento de dados, se distinga através de uma articulação equilibrada entre os interesses económicos e a proteção da vida privada, em domínios diversos como o setor médico, a saúde pública, os serviços à pessoa, o setor agroalimentar, etc.

3.16.

A União Europeia pode basear-se na sua experiência de discussão das normas técnicas entre os Estados-Membros para criar uma política europeia de dados, com base num quadro jurídico de qualidade, e para manter o controlo sobre as normas relativas à proteção dos dados pessoais (veja-se o exemplo do sistema SWIFT), de modo a evitar que elas sejam impostas por outros intervenientes.

3.17.

O CESE assinala, além disso, que o setor digital é igualmente marcado por um desequilíbrio considerável na representação dos dois sexos e que, na sua grande maioria, os profissionais das TIC são homens. Tendo em conta o não preenchimento de muitos postos de trabalho no setor das TIC, a União Europeia e os Estados-Membros deveriam incentivar mais candidatos do sexo feminino a enveredar pela via de um trabalho no domínio digital.

3.18.

No seu relatório «Golden growth: Restoring the lustre of the European economic model» [Crescimento dourado: Dar novo brilho ao modelo económico europeu], o Banco Mundial repartiu a União Europeia por seis blocos para ilustrar, com base em indicadores digitais, as diferenças consideráveis entre Estados-Membros na implantação das tecnologias, das competências e das aplicações digitais, bem como do comércio eletrónico. O CESE insta a Comissão a ter plenamente em conta estas diferenças aquando da definição das ações prioritárias do seu plano de atividades.

3.19.

Por último, o CESE toma nota da declaração da Comissão segundo a qual — para além de um financiamento da UE de cerca de 21,4 mil milhões — o Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos se destina a apoiar um vasto leque de projetos digitais, e assinala que o Banco Europeu de Investimento e o Fundo Europeu de Investimento oferecem possibilidades significativas de financiamentos adicionais. O CESE congratula-se com o facto de a Comissão passar a colaborar com o BEI, com os promotores dos projetos e com os Estados-Membros para que os fundos disponíveis sejam utilizados integralmente, mas interroga-se sobre as razões pelas quais os fundos da UE atribuídos aos Estados-Membros permaneceram consideravelmente subutilizados. O CESE solicita que esta questão seja analisada a fim de assegurar que, no futuro, os fundos são utilizados de forma eficaz e eficiente.

4.   Observações na especialidade

4.1.    Melhor acesso dos consumidores e empresas aos bens e serviços digitais em toda a Europa

4.1.1.   Propostas legislativas para regras simples e eficazes em matéria de contratos transfronteiras em benefício dos consumidores e das empresas

É uma iniciativa ambiciosa, mas que será bem-vinda se for viável. Ainda assim, o comércio transfronteiras, eletrónico ou não, permanecerá um desafio para as PME e para os particulares devido a questões linguísticas e culturais. Embora um obstáculo importante possa ser eliminado através de contratos-tipo justos e simples em todas as línguas da UE, permanecem outros como as preocupações quanto à segurança do comércio eletrónico, seja ele transfronteiras ou não. Neste contexto, a iniciativa sobre a cibersegurança é bem-vinda.

O CESE espera que, aquando da execução da Estratégia para o Mercado Único Digital na Europa, todas as propostas garantam um elevado nível de proteção dos consumidores e não afetem, em nenhum Estado-Membro, o nível de proteção atual.

Permanece, além disso, entre os parceiros sociais a preocupação de que o comércio eletrónico transfronteiras possa perturbar as empresas nacionais já existentes. Esta preocupação evidencia a necessidade de incluir a dimensão social na estratégia.

4.1.2.   Revisão do Regulamento Cooperação no domínio da Defesa do Consumidor

É evidente que uma cooperação eficaz é a condição sine qua non para assegurar a proteção além-fronteiras e sem descontinuidades dos consumidores. Provavelmente, será fundamental prever procedimentos indemnizatórios e de recurso em tempo útil para a aceitação do comércio eletrónico transfronteiras.

Devem-se envidar todos os esforços necessários para reduzir a carga regulamentar sobre as PME.

O CESE considera que a Comissão deveria:

assegurar o acesso transfronteiras dos consumidores a conteúdos legalmente disponíveis em condições equitativas e razoáveis;

examinar em que medida os consumidores são objeto de discriminação em linha em função do país em que vivem, bem como as consequências de tais práticas para a economia e para os consumidores, e propor as medidas necessárias para combater qualquer tipo de discriminação;

rever a implementação e o controlo do respeito dos direitos dos consumidores, definir o modo como os direitos dos consumidores são aplicáveis aos produtos digitais e assegurar que os consumidores e as empresas compreendem os seus direitos e confiam que estes serão efetivamente respeitados.

4.1.3.   Medidas no domínio da entrega de encomendas

A rápida entrega das encomendas é fundamental para a satisfação dos clientes nos mercados de comércio eletrónico nacionais e funciona adequadamente. É lógico que o comércio eletrónico transfronteiras deve ser igualmente apoiado, embora o Comité observe que alguns dos principais serviços internacionais de encomendas já operam na Europa.

4.1.4.   Uma ampla revisão com vista a preparar propostas legislativas para abordar a questão do bloqueio geográfico injustificado  (3)

Este ponto aplica-se tanto ao comércio eletrónico como aos serviços audiovisuais. No âmbito do comércio eletrónico, as pesquisas efetuadas relativamente a bens e serviços raramente dão resultados fora da área geográfica de quem pesquisa. No extremo oposto, a divulgação de resultados à escala europeia poderia sobrecarregar a pesquisa.

De facto, o utilizador pode regular o motor de pesquisa para qualquer área geográfica. O problema é que os clientes de uma área geográfica diferente podem ser objeto de discriminação em matéria de preços, tal como demonstrado recentemente no caso da Disneyland Paris. O CESE apoiaria ações destinadas a garantir que o comércio transfronteiras é realizado em condições equitativas, de modo a proteger os consumidores. Outro problema é que, em alguns casos, o acesso transfronteiras a sítios web é simplesmente recusado.

O bloqueio audiovisual tem duas dimensões: a restrição do acesso a partir do estrangeiro aos cidadãos nacionais em viagem, os quais têm direito a aceder aos serviços no seu país, e a restrição do acesso a partir do estrangeiro aos estrangeiros, cujos direitos de acesso se baseiam na cidadania da UE. No primeiro caso, o CESE recomenda a criação de identidades digitais para facilitar o acesso. No segundo caso, o CESE está ciente de que a maioria dos bloqueios geográficos se deve a restrições de direitos ou a interesses comerciais. Seria útil racionalizar o quadro dos direitos, mas é necessário ter o cuidado de não perturbar os modelos de negócio ligados à publicidade nem o acesso ao mercado.

4.1.5.   Inquérito setorial da concorrência sobre o comércio eletrónico relativo ao comércio em linha de bens e à prestação de serviços em linha

O CESE congratula-se com a fiscalização do mercado pelas autoridades da concorrência e com o regime rigoroso de sanções contra o abuso de posição dominante. No entanto, assinala igualmente que a tecnologia e a economia digital foram impulsionadas pelas grandes empresas em benefício da economia e da sociedade em geral. Por conseguinte, recomenda vivamente que os inquéritos previstos se baseiem estritamente nos princípios estabelecidos do direito comercial e da concorrência.

4.1.6.   Propostas legislativas para uma reforma do regime de direitos de autor

O CESE apoia as referidas propostas desde que os diferentes modelos de negócio comerciais continuem a ser viáveis e que se respeitem os direitos de propriedade intelectual.

4.1.7.   Revisão da Diretiva Satélite e Cabo

Esta diretiva diz respeito à coordenação de determinadas disposições em matéria de direitos de autor e direitos conexos aplicáveis à radiodifusão por satélite e à retransmissão por cabo. O Comité concorda que é necessário rever a diretiva tanto no contexto das propostas legislativas previstas no ponto 4.1.6, como para ter em conta as profundas alterações que estão a ocorrer nestas indústrias.

4.1.8.   Propostas legislativas com vista a reduzir os encargos administrativos para as empresas decorrentes dos diferentes regimes de IVA

A tributação das tecnologias digitais é um fator essencial para o êxito da Estratégia para o Mercado Único Digital, pois é evidente que as legislações fiscais nacionais e europeia não estão adaptadas às realidades da economia digital e conduzem à evasão fiscal e à concorrência desleal. O CESE concorda com a abordagem da Comissão em matéria de IVA (isto é, com incidência no local onde o cliente está estabelecido e não naquele onde o prestador do serviço está estabelecido), e com o princípio da tributação direta, que assegura que o lucro é tributado no lugar onde o valor é gerado. Apoia ainda a Comissão nos seus esforços para reduzir a carga burocrática sobre as empresas decorrente da disparidade entre regimes de IVA. No que se refere ao ponto iv), uma solução mais simples poderia ser o alargamento da isenção às transações dentro da UE.

4.2.    Criação de condições propícias ao desenvolvimento das redes e serviços digitais

4.2.1.   Propostas legislativas para a reforma da atual regulamentação em matéria de telecomunicações

A diferença evidente entre a Europa, a Ásia e os Estados Unidos no domínio das telecomunicações é a fragmentação do mercado europeu. De modo a permitir criar organizações dotadas das capacidades de investimento e de investigação necessárias para competir a nível mundial, qualquer revisão deveria também ter em conta a capacidade dos fornecedores de serviços de comunicações por Internet de níveis 1 e 2, perante o crescimento exponencial do tráfego digital. No âmbito da revisão deve também procurar obter-se uma solução equilibrada para o problema da neutralidade da rede. Na medida em que os conteúdos audiovisuais são e continuarão a ser transmitidos através da Internet, os operadores de telecomunicações devem ter a liberdade de satisfazer as expectativas dos utilizadores em termos de qualidade e de rapidez de transmissão.

No que se refere às propostas da Comissão, o Comité congratula-se com a manutenção da tónica na proteção do consumidor, juntamente com os esforços para reduzir a fragmentação e aumentar a harmonização.

4.2.2.   Revisão da Diretiva Serviços de Comunicação Social Audiovisual

Há claramente grandes disparidades entre a regulamentação das empresas de radiodifusão licenciadas e os prestadores de serviços cuja atividade não é regulamentada. A delimitação é cada vez mais ténue devido à retransmissão de emissões regulamentadas em banda larga e à multiplicidade de sítios Web que difundem vídeos a pedido (VOD), ao grande número de bloguistas na esfera das notícias e à dimensão digital agora associada à maior parte da imprensa escrita.

Não obstante, o Comité não considera oportuno que se procurem regulamentar todos os serviços de maneira uniforme. Os serviços lineares de radiodifusão devem respeitar certas normas em virtude das obrigações de serviço público e da escolha limitada dos espetadores. O acesso aos sítios Internet de banda larga está sob o controlo dos espetadores, tal como o controlo parental. Dada a rápida transformação do setor, será oportuno proceder a uma revisão e necessário proceder a mudanças, mas deve-se procurar obter um equilíbrio.

4.2.3.   Análise aprofundada do papel das plataformas no mercado, incluindo os conteúdos ilegais na Internet

É evidente que a Agenda Digital da UE depende em grande medida das plataformas e é impulsionada por elas, como sucede também noutras partes do mundo. O sucesso das principais plataformas proporcionou-lhes uma posição dominante que não deve ser objeto de abuso. No entanto, o CESE adverte a Comissão de que não deve entravar as operações das referidas empresas pelo mero facto de serem de grandes dimensões e de terem sucesso. Se o fizer, corre o risco de criar obstáculos ao desenvolvimento do mercado único digital na Europa.

Dito isto, as cinco ações propostas pela Comissão são razoáveis e pertinentes, e têm o potencial de melhorar a utilidade das plataformas no mercado único digital. É primordial que a Comissão adote uma abordagem equilibrada e não ignore os interesses comerciais legítimos das plataformas.

4.2.4.   Revisão da Diretiva Privacidade e Comunicações Eletrónicas

O CESE concorda com esta abordagem em matéria de proteção dos dados pessoais. No entanto, não está convencido de que o atual estatuto do «direito a ser esquecido» seja sustentável a longo prazo, dado que a atual interpretação da UE é demasiado ampla e que é tecnicamente difícil manter este direito na Internet mundial. O Comité insta a Comissão a precisar este «direito» para proteger as pessoas vulneráveis a fim de assegurar a sua aceitação geral.

4.2.5.   Estabelecimento de uma parceria público-privada contratual sobre cibersegurança

Na economia digital, as várias fases da cadeia de valor não conhecem fronteiras e transcendem a dimensão nacional, o que contribui para a propagação da cibercriminalidade. O CESE congratula-se com o facto de a Estratégia para o Mercado Único Digital prever uma parceria com a indústria em matéria de cibersegurança, na medida em que finalmente se concretizará uma cultura de gestão dos riscos e de fluxo eficiente de informações que era há muito um projeto em curso.

A Comissão não abordou a característica seguinte da cibercriminalidade: as tecnologias da informação e da comunicação oferecem possibilidades de cibervigilância que podem ser exploradas para controlar dados e comunicações pessoais em detrimento das liberdades individuais, ou mesmo ser utilizadas para fins de espionagem contra os Estados e os seus governos. Tendo em conta o que precede, o CESE considera necessário tomar medidas com vista ao intercâmbio de informações e à melhoria das capacidades de deteção e de intervenção a nível da UE.

A Comissão não dá qualquer indicação sobre o âmbito de aplicação, os resultados esperados ou a estrutura da parceria proposta (um ou vários parceiros). O Comité também sublinha o atual volume do investimento do mercado em cibersegurança. Por estas duas razões, o Comité não pode pronunciar-se sobre a referida proposta até haver mais informações.

4.3.

Otimização do potencial de crescimento da economia digital

4.3.1.   Iniciativas sobre a propriedade de dados, a livre circulação de dados (por exemplo, entre fornecedores de serviços de computação em nuvem) e a Computação em Nuvem Europeia

O CESE está ciente de um conflito no domínio dos «megadados» entre a segurança dos dados pessoais, por um lado, e a necessidade de agregar esses conjuntos de dados pessoais em mega-análises para efeitos económicos, sociais e médicos, por outro. O CESE insta a Comissão a resolver este conflito no âmbito da revisão prevista.

4.3.2.   Adoção de um Plano Prioritário de Normas sobre TIC e alargamento do Quadro Europeu de Interoperabilidade para serviços públicos

O CESE apoia esta iniciativa. Embora se tenha obtido um certo grau de normalização dos sistemas de hardware e de software no âmbito de instâncias internacionais, é manifesta a existência, ao nível dos setores, dos programas e das aplicações, de oportunidades significativas de normalização e interoperabilidade, bem como de um enorme potencial para aumentar o valor e a pertinência do mercado único digital.

4.3.3.   Novo Plano de Ação para a Administração Pública em Linha, incluindo uma iniciativa sobre o «Princípio da Declaração Única», bem como uma iniciativa sobre o reforço da interligação dos registos das sociedades

A responsabilidade pela administração pública em linha incumbe aos Estados-Membros. Alguns desempenham um papel de vanguarda enquanto outros estão mais atrasados. A realização de progressos para o pleno funcionamento da administração pública em linha é indispensável para um mercado único digital.

4.3.4.   Conhecimentos especializados e competências digitais

A Comissão não prevê um programa legislativo em matéria de conhecimentos especializados e competências digitais e deixa essa questão à apreciação dos Estados-Membros. O CESE lamenta a falta de novas iniciativas nesta matéria. Esperar-se-ia, no mínimo, uma comunicação da Comissão que incluísse normas e boas práticas. Além disso, é necessário colocar a tónica na numeracia e na literacia, uma vez que estas são componentes essenciais das competências digitais no seu conjunto.

A comunicação prevista pelo CESE proporcionaria um enquadramento adaptado às diferentes fases da vida, a par de propostas abrangentes de aprendizagem ao longo da vida. Este enquadramento deveria incluir quatro componentes: educação, emprego, aposentação e deficiência:

A

EDUCAÇÃO

A1

Escolas primárias — competências básicas

A2

Escolas secundárias — estão previstas duas vias:

conjunto completo de competências de modo a permitir aos alunos viver e trabalhar com à-vontade na sociedade da informação;

conjunto especial de competências digitais para os estudantes com potencial para serem profissionais das TIC, suscetíveis de colmatar as lacunas em termos de competências nestas indústrias. É neste contexto que devem ser envidados mais esforços para obter um melhor equilíbrio entre homens e mulheres no setor das tecnologias da informação.

A1 e A2 — Tanto no ensino básico como no ensino secundário é importante desenvolver a utilização responsável das competências digitais.

A3

Educação superior — estão previstas duas vias:

competências relacionadas com cada área vocacional, integradas em programas de ensino e exames, em cursos como engenharia, matemática e biotecnologia;

educação tecnológica avançada, de forma que os estudantes obtenham as qualificações necessárias para preencher postos de trabalho nas indústrias do setor tecnológico.

B

EMPREGO

B1

Formação relacionada com o trabalho exercido organizada pelos empregadores, com uma ênfase continuada na reconversão profissional e no desenvolvimento profissional contínuo de modo a manter as competências atualizadas.

B2

Formação de competências para os desempregados organizada pelos poderes públicos, por intermédio de agências adequadas.

C

APOSENTAÇÃO

C1

Acesso às competências da sociedade da informação para todos aqueles que a elas não tiveram acesso durante o seu percurso pessoal e profissional.

C2

Programas especiais para ajudar as pessoas que adoecem a permanecerem integradas na sociedade da informação.

D

DEFICIÊNCIA

Apoio em todas as fases para integrar as pessoas com deficiência na sociedade da informação e nela mantê-las, mesmo quando a deficiência se agrava.

Os dados da comunicação da Comissão mostram claramente que existem lacunas em matéria de competências em todas as idades e em todas as regiões. O Comité considera que só um programa estruturado e controlado em cada Estado-Membro pode assegurar que poucos ou nenhuns cidadãos são excluídos da sociedade da informação e do mercado único digital. O CESE apelou várias vezes a uma ação determinada em matéria de competências. No contexto da Estratégia para o Mercado Único Digital, chegou o momento de a Comissão agir.

Bruxelas, 9 de dezembro de 2015.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  Parecer do CESE sobre os «Efeitos da digitalização nos setores dos serviços e no emprego» (JO C 13 de 15.1.2016, p. 161).

(2)  Ver nota 1.

(3)  Diretiva 2006/123/CE.


24.2.2016   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 71/75


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Plano de Ação da UE contra o tráfico de migrantes (2015-2020)»

[COM(2015) 285 final]

(2016/C 071/12)

Relatora:

Brenda KING

Em 6 de julho de 2015, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Plano de Ação da UE contra o tráfico  (1) de migrantes (2015-2020)

[COM(2015) 285 final].

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Relações Externas, que emitiu parecer em 12 de novembro de 2015.

Na 512.a reunião plenária de 9 e 10 de dezembro de 2015 (sessão de 10 de dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adotou por 176 votos a favor, três votos contra e cinco abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) acolhe favoravelmente os objetivos declarados do Plano de Ação da UE contra o tráfico de migrantes (2), a saber, «combater e prevenir o tráfico de migrantes, garantindo simultaneamente a proteção dos seus direitos humanos» e «encontrar uma solução para as causas profundas da migração irregular». O CESE recorda que os refugiados beneficiam de um estatuto especial, conferido pela Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados, de 1951.

1.2.

O CESE apoia os esforços do plano de ação no sentido de desmantelar redes de crime organizado através de investigações financeiras e baseadas nos serviços de informação, pôr fim ao branqueamento de capitais e confiscar os ativos com origem em atividades ilícitas; no entanto, recomenda veementemente que o plano adote uma abordagem mais equilibrada e abrangente, descrevendo em pormenor de que forma a UE pretende proteger e dar assistência às pessoas que são introduzidas clandestinamente.

1.3.

Partindo da afirmação feita na comunicação da Comissão Europeia de que «as redes de tráfico podem ser enfraquecidas se menos pessoas recorrerem aos seus serviços», o CESE recorda a declaração do Gabinete da ONU para a Droga e a Criminalidade de que «atualmente, para as pessoas que vivem em países empobrecidos ou zonas afetadas por conflitos armados e instabilidade política, é difícil, mas não impossível, obter um visto para o espaço Schengen. Os indivíduos e os grupos cujo único objetivo é o lucro aproveitaram-se desta situação e criaram negócios rentáveis para dar resposta à procura para a passagem das fronteiras (3).» Por conseguinte, o CESE recomenda que sejam tomadas medidas preventivas atendendo ao apelo que o secretário-geral das Nações Unidas lançou à UE para «considerar a hipótese de aumentar as vias seguras de entrada legal na Europa destinadas a [refugiados e migrantes], para que não sejam deixados nas mãos de redes criminosas nem embarquem em viagens perigosas». Estas declarações refletem a recomendação repetida em muitos pareceres do CESE em matéria de migração.

1.4.

O CESE concorda que é necessário assegurar a aplicação dos princípios da solidariedade e da partilha de responsabilidades para que haja uma distribuição mais equilibrada dos requerimentos de asilo entre os Estados-Membros. A Convenção de Dublim teria de ser adaptada para refletir este sistema mais inclusivo e proteger o Acordo de Schengen.

1.5.

Por conseguinte, o CESE subscreve a declaração do presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker, que alertou os Estados-Membros para não pretextarem a crise dos migrantes para atenuar as disposições do Acordo de Schengen (4). O CESE solicita à Comissão que acompanhe atentamente o desenrolar da situação e assegure um rápido regresso à normalidade.

1.6.

O CESE recomenda igualmente que o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo (GEAA) seja dotado de mais poderes para efetuar os seus trabalhos, com particular incidência nas suas atividades operacionais de apoio e nas equipas de apoio conjunto ao asilo nos Estados-Membros que necessitam de apoio especial ou de emergência. É essencial que a União Europeia assegure uma utilização mais harmonizada, coerente, independente e flexível de vistos humanitários pelos Estados-Membros, de acordo com o previsto no Código Comunitário de Vistos.

1.7.

O CESE congratula-se com a mais recente proposta da Comissão de «abordar a dimensão externa da crise dos refugiados» (5), incluindo o lançamento do Fundo Fiduciário de Emergência da União Europeia em favor de África. Esta última proposta parece reconhecer que o combate às causas profundas da migração não pode limitar-se aos assuntos internos e à segurança e afeta igualmente outros domínios políticos, como o comércio, o desenvolvimento, a política externa e a integração. Além disso, está em consonância com o princípio da coerência das políticas da UE em matéria de cooperação internacional para o desenvolvimento.

1.8.

O CESE recomenda que, para dar resposta às causas socioeconómicas profundas do contrabando de migrantes, a Agenda para o Desenvolvimento Sustentável seja utilizada como uma solução de longo prazo. O CESE gostaria de relembrar aos Estados-Membros o compromisso que assumiram de afetar 0,7 % do seu rendimento nacional bruto (RNB) à ajuda ao desenvolvimento. Em muitos casos, este compromisso não está a ser cumprido e alguns dos Estados-Membros estão inclusivamente a reduzir a sua ajuda pública ao desenvolvimento.

1.9.

Tendo em conta os desafios que um crescimento lento, do envelhecimento e da diminuição da população e da escassez de mão de obra representam para a Europa, é igualmente importante estabelecer uma ligação entre as políticas de migração da UE e as políticas de migração laboral e de integração no âmbito do mercado de trabalho europeu, à luz dos muitos dados que descrevem a migração como um fator crucial de recuperação económica e desenvolvimento na Europa.

1.10.

O CESE concorda que a política de retorno da UE precisa de ser melhorada e relembra à Comissão as muitas recomendações que fez para que os direitos humanos dos requerentes de asilo fossem respeitados em todas as ocasiões.

1.11.

O presente parecer exorta os representantes das instituições da UE e os governos nacionais a terem em conta o papel fundamental dos parceiros sociais e da sociedade civil organizada em dotar as políticas europeias de migração de uma dimensão social e de valor acrescentado.

1.12.

O CESE também solicita que seja dada mais atenção ao financiamento sistemático das organizações da sociedade civil que estão a prestar uma assistência crucial aos migrantes que procuram segurança e a apoiar esforços de integração, compensando assim, muitas vezes, a falta de capacidade das instituições. O CESE é favorável ao reconhecimento do papel das organizações da sociedade civil na compreensão das questões relacionadas com o contrabando de migrantes e enquanto intermediárias na assistência a pessoas em situações a que nem os Estados nem a UE conseguem fazer face.

2.   Contexto

2.1.

A Agenda Europeia da Migração (6), adotada em 13 de maio de 2015, define as medidas a tomar imediatamente pela Comissão para dar resposta à situação de crise no Mediterrâneo e identifica a luta contra o contrabando de migrantes como uma prioridade, a fim de «evitar que os migrantes sejam explorados por redes criminosas, podendo também servir como um desincentivo à migração irregular».

2.2.

Desde a adoção da Agenda, a rápida evolução da situação, com a chegada de um elevado número de requerentes de asilo, criou uma conjuntura excecional que levou a Comissão Europeia a tomar medidas decisivas e a apresentar, em 9 de setembro de 2015, um pacote alargado de propostas para dar resposta à crise dos refugiados.

2.3.

A razão subjacente à proposta (7) da Comissão prende-se com o facto de a situação migratória no Mediterrâneo Central e Oriental se ter agravado. Segundo a Frontex, entre 1 de janeiro e 30 de agosto de 2015, as rotas do Mediterrâneo Central e Oriental e a rota dos Balcãs Ocidentais foram as principais áreas de travessia irregular da fronteira da UE, representando 99 % do total de passagens irregulares das fronteiras da UE. A agência Frontex revela também que a rota dos Balcãs Ocidentais representa mais de 30 % do total de passagens irregulares das fronteiras em 2015. Isto traduz-se num fluxo de aproximadamente 500 000 requerentes de asilo, colocando sob uma enorme pressão os Estados-Membros situados nas fronteiras da UE (8). A maioria dos migrantes que chegam através da rota do Mediterrâneo Central provém da Síria e da Eritreia, duas nacionalidades que, segundo dados do Eurostat, têm uma taxa de reconhecimento de asilo superior a 75 %. Do mesmo modo, a maior parte dos migrantes que chegam pela rota do Mediterrâneo Oriental e dos Balcãs Ocidentais é originária da Síria e do Afeganistão. Isso está em consonância com a declaração do Gabinete da ONU para a Droga e a Criminalidade de que mais de 80 % das pessoas que chegaram à Europa por mar este ano são originárias dos dez países de onde partem mais refugiados (9).

2.4.

Segundo o Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), havia 4 185 302 refugiados sírios registados em 4 de outubro de 2015. Este valor inclui 2,1 milhões de sírios registados pelo Egito, Iraque, Jordânia e Líbano, 1,9 milhões de sírios registados pelo Governo turco, assim como mais de 26 700 refugiados sírios registados no norte de África (10).

2.5.

Tendo em conta que o conflito sírio dura há quase cinco anos, um estudo do ACNUR revela uma deterioração rápida das condições de vida dos refugiados sírios na Jordânia, sendo que muitas destas pessoas resvalaram para níveis de pobreza extrema devido à magnitude da crise e à insuficiência de apoio por parte da comunidade internacional, com apenas 37 % de financiamento conseguido em relação ao apelo feito pelo ACNHR para apoiar a Síria. O ACNUR afirma que, enquanto não houver dinheiro suficiente para reforçar as infraestruturas dos países (vizinhos da UE) de acolhimento e melhorar a vida e as perspetivas das populações de refugiados, as pessoas continuarão a deixar os seus países em direção à Europa. Embora a grande maioria dos refugiados seja demasiado pobre para sair dos campos de refugiados, os que podem estão a procurar os serviços de passadores.

2.6.

Na sua proposta de decisão do Conselho, de 9 de setembro de 2015 (11), a Comissão afirma que continuará a acompanhar a evolução dos fluxos migratórios, incluindo a situação no leste da Ucrânia, caso venha a deteriorar-se ainda mais.

2.7.

Esta crise de refugiados excecional decorre ao mesmo tempo que a situação económica na UE está a afetar a capacidade e a disponibilidade de alguns Estados-Membros, especialmente os Estados fronteiriços, de prestarem serviços humanitários, em conformidade com a Convenção de Genebra (12). As medidas de austeridade também atingiram as organizações da sociedade civil que prestam serviços aos requerentes de asilo. Alguns Estados-Membros reagiram reforçando os controlos nas fronteiras, ao passo que outros introduziram leis para deter e penalizar os que atravessam as fronteiras do espaço Schengen para pedir asilo.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O CESE pretende reforçar a sua mensagem, dirigida a todos os órgãos de decisão, de que a UE deve agir como uma verdadeira União, adotando, respeitando e aplicando regras comuns. A nova fase da política europeia de imigração deve seguir uma abordagem estratégica, ter uma visão de médio e longo prazo e procurar facultar, de forma global e abrangente, canais legais de admissão abertos e flexíveis (13). Face à atual crise, será necessária uma abordagem comum em matéria de gestão das fronteiras externas que habilite a Comissão e as agências europeias a realizarem tarefas operacionais com o nível adequado de financiamento.

3.2.

O CESE deseja contribuir com propostas estratégicas baseada nos pareceres que emitiu anteriormente sobre questões relacionadas com a migração (14). Os parceiros sociais e os representantes da sociedade civil organizada e do diálogo social devem estar presentes em todo o processo de debate que precede a fase seguinte da política europeia de migração. A «dimensão social» é fundamental para garantir o valor acrescentado e determinar a proporcionalidade e o impacto destas políticas.

3.3.

O CESE considera que a situação demográfica e o envelhecimento da população e dos mercados de trabalho nos Estados-Membros devem ser tidos em consideração neste contexto. No seu parecer exploratório de 2011 (15) sobre «O papel da imigração legal no contexto demográfico» da Europa, o CESE sublinhou que a imigração de trabalhadores e das respetivas famílias provenientes de países terceiros deverá aumentar. A UE carece de uma legislação aberta e flexível que permita a migração de trabalhadores através de canais legais e transparentes, tanto para trabalhadores altamente qualificados ou que possuam uma formação de nível médio como para trabalhadores menos qualificados, desde que os Estados-Membros continuem a ter liberdade para determinar os seus volumes de admissão. Importa, ao mesmo tempo, reconhecer que a imigração não é a única forma de dar resposta à escassez de mão de obra no mercado de trabalho, e que os Estados-Membros podem contemplar outras soluções mais adequadas.

3.4.

O CESE recomenda vivamente a revisão do Regulamento de Dublim, visto que o Tribunal de Justiça da União Europeia e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem assinalaram que há uma deficiência inerente neste regulamento. Ao associar a responsabilidade de analisar o estatuto de refugiado à entrada inicial, os Estados fronteiriços da UE ficaram sobrecarregados.

3.5.

O CESE está extremamente preocupado com as atuais tentativas de limitar o Acordo de Schengen, que é um dos êxitos fundamentais que mais beneficiam os cidadãos da UE. Lamenta a decisão dos Estados-Membros que reintroduziram ou pretendem reintroduzir controlos nas fronteiras no interior do espaço Schengen e solicita à Comissão que acompanhe atentamente a evolução dos acontecimentos e assegure o rápido regresso à normalidade.

3.6.

A comunicação afirma que o plano de ação deve ser encarado no contexto mais amplo dos esforços da UE no sentido de encontrar uma solução para as causas profundas da migração irregular e, na frase seguinte, fala da operação para identificar, capturar e destruir as embarcações utilizadas pelos passadores. O CESE discorda veementemente de que o acesso a uma embarcação seja uma causa profunda da migração irregular. Pelo contrário, colocar exageradamente a ênfase no confisco das embarcações só vai exacerbar ainda mais os riscos para os migrantes introduzidos clandestinamente, uma vez que os passadores começarão a utilizar embarcações mais baratas e mais perigosas.

3.7.

O CESE recomenda que as ineficiências das políticas de ajuda ao desenvolvimento para os países de origem dos migrantes sejam resolvidas e os Estados-Membros da UE têm de reassumir o compromisso de consagrar 0,7 % do rendimento nacional bruto à ajuda ao desenvolvimento, conforme prometido. Além disso, a UE deve assegurar que outras políticas pertinentes, como o comércio internacional, a agricultura, a energia e a política externa, tenham efeitos positivos na estabilidade social e económica e no desenvolvimento dos países de origem, em consonância com o princípio da coerência das políticas da UE em matéria de cooperação internacional para o desenvolvimento.

3.8.

O CESE reconhece que a ajuda proveniente dos Estados-Membros e a assistência da UE só podem alcançar os seus objetivos numa sociedade segura, livre de guerras e sem problemas de segurança graves. Por conseguinte, é importante que a comunidade internacional implemente os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável adotados pelos líderes mundiais na cimeira das Nações Unidas de setembro de 2015. Estes objetivos consistem, nomeadamente, em erradicar a pobreza, capacitar todas as raparigas e mulheres, reduzir as desigualdades dentro dos países e entre eles, promover um crescimento sustentado, inclusivo e sustentável e trabalho digno para todos, bem como fomentar sociedades pacíficas e inclusivas.

4.   Observações na especialidade

4.1.

O CESE congratula-se com os objetivos declarados da comunicação da Comissão relativa ao Plano de Ação da UE contra o tráfico de migrantes, mas recomenda vivamente que este plano adote uma abordagem mais equilibrada e abrangente caso pretenda ver os seus objetivos alcançados. O CESE observa que não foram dadas quaisquer indicações relativamente à forma como a UE pretende proteger e prestar assistência às pessoas introduzidas clandestinamente, nem foi feita referência específica ao papel positivo da migração no mercado de trabalho e no desenvolvimento económico da Europa.

4.2.

O CESE observa que, embora se faça uma distinção entre a introdução clandestina de migrantes e o tráfico de seres humanos, não é feita qualquer distinção entre migrantes e requerentes de asilo. Esta distinção é importante pois, tal como o secretário-geral das Nações Unidas relembrou aos decisores políticos europeus, «a grande maioria das pessoas que fazem estas viagens penosas e perigosas são refugiados que fogem de países como a Síria, o Iraque e o Afeganistão. O direito internacional estipulou, e os países já reconheceram há muito, o direito dos refugiados a proteção e asilo. Ao analisarem os pedidos de asilo, os países não podem fazer distinções baseadas na religião ou noutra identidade, nem podem forçar as pessoas a regressar aos locais de onde fugiram se existir um receio bem fundamentado de perseguição ou ataque. Não se trata apenas de uma questão de direito internacional, trata-se do nosso dever enquanto seres humanos.» E acrescentou: «Faço um apelo a todos os governos implicados para que encontrem soluções abrangentes, aumentem as vias seguras e legais de migração e ajam com humanidade, compaixão e em conformidade com as suas obrigações internacionais (16).» O CESE recomenda que todas as pessoas que fazem a perigosa viagem até à Europa sejam tratadas como refugiados em conformidade com a Convenção de Genebra de 1951 e o seu Protocolo de 1967, até prova em contrário.

4.3.   Reforçar as respostas policiais e judiciárias

4.3.1.

O CESE recomenda que a adoção de uma abordagem mais abrangente para combater a introdução clandestina de migrantes passe por dar aos requerentes de asilo acesso a vias legais e seguras de migração. Esta abordagem, combinada com o desmantelamento de redes de crime organizado através de investigações financeiras e baseadas nos serviços de informações, será uma medida mais eficaz, mais humana e mais eficiente em termos de custos.

4.3.2.

O CESE recomenda vivamente que os decisores políticos da UE se rejam pelo princípio da não maleficência e considerem as consequências, tanto previstas e imprevistas, das suas intervenções. A decisão da UE de passar da operação Mare Nostrum (que incide na busca e salvamento) para a operação Triton (centrada no controlo das fronteiras) não reduziu o número de pessoas que embarcam em viagens perigosas para chegar à Europa. Contudo, esta decisão contribuiu para um aumento dramático do número de mortes no Mediterrâneo. Em 31 de maio de 2015, já tinham morrido 1 865 pessoas a tentar atravessar o Mediterrâneo, em comparação com as 425 que morreram no mesmo período em 2014 (17). Esta decisão também explica a mudança dos fluxos de migração por via terrestre pelos Balcãs Ocidentais para a Hungria. Pessoas entrevistadas em ambos os lados da fronteira húngara declararam que tinham escolhido a rota dos Balcãs por ser mais barata e recomendada pelos passadores.

4.3.3.

O CESE faz notar que os passadores conseguem adaptar-se às decisões políticas da UE, como o reforço do patrulhamento das fronteiras no mar Mediterrâneo e a destruição das embarcações. A abordagem da UE de «guerra contra os passadores» teve o resultado indesejado de caos nas fronteiras da UE, perda de vidas nas estradas da Europa e no mar e tensões entre os Estados-Membros.

4.4.   Reforçar a prevenção do contrabando e a assistência a migrantes vulneráveis

4.4.1.

O CESE concorda que a Comissão precisa de reforçar a prevenção do contrabando de pessoas e dar assistência aos migrantes vulneráveis; no entanto, é necessário que tudo seja feito de forma coerente, tendo como primeira prioridade salvar vidas.

4.4.2.

Segundo dados da Frontex, 70 % das pessoas que recorrem a passadores para atravessar as fronteiras da UE são nacionais da Síria, da Eritreia e do Iraque. Com base nos dados do Eurostat, no que se refere a estas nacionalidades, a taxa de reconhecimento de asilo da UE é igual ou superior a 75 %. Dado que estas pessoas e famílias estão em fuga por temerem perseguições ou ataques, qualquer campanha nos meios de comunicação social sobre os riscos do contrabando será inútil.

4.4.3.

O CESE relembra à Comissão que já existem instrumentos para contrariar a contratação de migrantes irregulares a nível nacional. A proposta da Comissão de utilizar recursos limitados para visar setores económicos específicos a nível da UE será dispendiosa e ineficaz.

4.4.4.

O CESE saúda a declaração do plano de ação de «dar assistência e proteção aos migrantes introduzidos clandestinamente, em especial aos grupos vulneráveis como as mulheres e as crianças». Contudo, o CESE observa que, além desta declaração, o plano de ação não refere exatamente o que pretende fazer. Trata-se de algo importante, dado que uma grande parte dos que procuram proteção na Europa são crianças não acompanhadas e separadas dos pais. Só em Itália, na Hungria e em Malta verificou-se, nos primeiros nove meses de 2015, a chegada de cerca de 19 000 crianças não acompanhadas e separadas dos pais. Alguns Estados-Membros situados nas fronteiras da UE não cumprem totalmente as normas internacionais, na medida em que apresentam más condições de receção, procedimentos ineficientes de determinação do estatuto, baixas taxas de reconhecimento, bem como falta de acesso a soluções duradouras no que diz respeito a saneamento e habitação. É necessário que o plano de ação indique exatamente de que forma irá ajudar os Estados-Membros com os recursos necessários para cumprirem as respetivas obrigações e responsabilidades nos termos do direito humanitário internacional e do direito internacional em matéria de direitos humanos e, especialmente, em consonância com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (18).

4.4.5.

O CESE entende que a forma mais eficaz de prestar assistência, enfraquecendo ao mesmo tempo as redes de passadores, é limitar o número de pessoas que procuram os seus serviços, fornecendo vias alternativas e legais de viajar para a Europa a partir de países terceiros nas regiões vizinhas da Europa. Deste modo, serão salvaguardados os direitos fundamentais previstos na Carta dos Direitos Fundamentais da UE.

4.4.6.

O CESE reitera que é crucial fazer a distinção entre aqueles que introduzem clandestinamente os migrantes tendo em vista o lucro e aqueles que ajudam os migrantes. Milhares de cidadãos europeus já lhes forneceram transporte e refúgio a custo zero, normal ou reduzido. A ajuda humanitária e a solidariedade devem ser incentivadas, e não penalizadas, no âmbito da agenda da UE contra o contrabando de migrantes.

4.4.7.

O CESE concorda que a eficácia da política de retorno da UE precisa de ser melhorada e aproveita a oportunidade para relembrar à Comissão as muitas recomendações que fez para que os direitos humanos dos requerentes de asilo fossem sempre respeitados, seja na altura em que são resgatados ou acolhidos, seja enquanto os seus pedidos estão a ser avaliados para determinar se necessitam do estatuto de proteção ou se estão em situação irregular. O repatriamento de migrantes deve ser feito em conformidade com as normas em vigor, que garantem que ninguém pode ser afastado, expulso ou extraditado para um Estado onde corra sério risco de ser sujeito à pena de morte, à tortura ou a outros tratos ou penas desumanos ou degradantes — o princípio da não repulsão. O CESE reitera a sua posição contra o retorno de menores não acompanhados, de indivíduos a necessitar de cuidados médicos e de grávidas.

4.5.   Aumentar a cooperação com países terceiros

4.5.1.

O CESE apoia firmemente uma cooperação estreita com os países terceiros ao longo de toda a rota do contrabando. Embora concorde que a tónica deve ser colocada no apoio à gestão das fronteiras, o Comité também considera que é neste domínio que a cooperação da UE e a coordenação entre a rede de agentes de ligação da imigração, os agentes europeus da migração e os representantes diplomáticos dos Estados-Membros deve ser uma prioridade fundamental.

4.5.2.

O objetivo desta coordenação deve ser a aplicação de processos acordados pelas instituições da UE — Comissão Europeia, Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE) e Estados-Membros — para permitir que os pedidos de vistos humanitários e de asilo sejam feitos nos países de origem ou num país vizinho seguro, proporcionando uma via alternativa, humana e legal de viagem para a Europa. Poderiam ser criados centros de registo em países vizinhos, como a Turquia, o Líbano, a Jordânia e a Líbia, onde seja possível avaliar os pedidos e conceder um visto humanitário a quem cumpra a taxa de reconhecimento de asilo da UE, como é atualmente o caso no Brasil. Importa igualmente fomentar o diálogo e associar as organizações da sociedade civil que estão em contacto direto com os refugiados nestas ações, com vista a assegurar a proteção dos direitos humanos e também uma maior eficiência no tratamento dos requerimentos.

4.5.3.

Estes vistos humanitários têm a vantagem de reduzir a pressão sobre os Estados fronteiriços da UE, garantindo que os requerentes de asilo são tratados em conformidade com a Carta dos Direitos Fundamentais da UE e a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, e de transformar o contrabando de migrantes numa operação de elevado risco e de lucro reduzido. O direito de permanência poderia ser temporário, dependendo de quão seguro é o regresso ao país de origem ou em função do mercado de trabalho, tendo em conta a escassez de mão de obra qualificada e os desafios demográficos que afetam o crescimento na Europa.

Bruxelas, 10 de dezembro de 2015.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  N.d.T.: A comunicação da Comissão utiliza o termo «tráfico de migrantes» para o título do plano de ação; este termo é reproduzido no presente parecer sempre que é feita referência ao título da comunicação ou que são citadas passagens da comunicação. No entanto, foi decidido, a nível interinstitucional, fazer uma distinção entre o «tráfico de migrantes (ou de seres humanos em geral)», em que os migrantes são vítimas inocentes dos traficantes e não atravessam necessariamente fronteiras internacionais, e o «contrabando de migrantes» (alternativamente: «introdução clandestina de migrantes»), em que os migrantes solicitam voluntariamente o auxílio de passadores para atravessarem fronteiras internacionais. É a este último conceito que a comunicação se refere, e é por isso que em todos os outros casos se utiliza no parecer o termo «contrabando de migrantes».

(2)  COM(2015) 285 final.

(3)  Martina Hanke, representante do Gabinete da ONU para a Droga e a Criminalidade. Discurso proferido durante a audição pública do CESE sobre o contrabando de migrantes, Bruxelas, 12 de outubro de 2015.

(4)  http://ec.europa.eu/commission/2014-2019/president/announcements/call-collective-courage_en

(5)  «Crise dos refugiados: Comissão Europeia toma medidas decisivas», Estrasburgo, 9 de setembro de 2015.

(6)  COM(2015) 240 final.

(7)  COM(2015) 451 final.

(8)  COM(2015) 451 final.

(9)  Martina Hanke, representante do Gabinete da ONU para a Droga e a Criminalidade. Discurso proferido durante a audição pública do CESE sobre o contrabando de migrantes, Bruxelas, 12 de outubro de 2015.

(10)  http://data.unhcr.org

(11)  Comunicado de imprensa intitulado «Crise dos refugiados: Comissão Europeia toma medidas decisivas» (http://europa.eu/rapid/press-release_IP-15-5596_pt.htm).

(12)  http://www.unhcr.org/

(13)  Parecer exploratório do CESE sobre «As políticas europeias de imigração», relator-geral: Giuseppe Iuliano (JO C 458 de 19.12.2014, p. 7).

(14)  CESE, Immigration: Integration and Fundamental Rights [Imigração: Integração e Direitos Fundamentais], 2012 (http://www.eesc.europa.eu/resources/docs/qe-30-12-822-en-c.pdf).

(15)  Parecer exploratório do CESE sobre «O papel da imigração legal no contexto do desafio demográfico», relator: Luis Miguel Pariza Castaños (JO C 48 de 15.2.2011, p. 6).

(16)  Declaração, Nova Iorque, 28 de agosto de 2015.

(17)  Dados da Organização Internacional para as Migrações (disponíveis em: http://missingmigrants.iom.int/incidents). Migration Read All About It, Mediterranean Update: 101 900 migrant arrivals in Europe in 2015 [Últimas da Migração, Atualização sobre o Mediterrâneo: chegaram 101 900 migrantes à Europa em 2015] (disponível em: http://weblog.iom.int/mediterranean-flash-report-0) (ambos consultados em 10 de junho de 2015).

(18)  http://www.ohchr.org/Documents/ProfessionalInterest/crc.pdf


24.2.2016   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 71/82


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece uma lista comum da União Europeia de países de origem seguros para efeitos da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional, e que altera a Diretiva 2013/32/UE»

[COM(2015) 452 final]

(2016/C 071/13)

Relator:

José Antonio MORENO DÍAZ

Em 16 de setembro e em 15 de outubro de 2015, o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia, respetivamente, decidiram, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a:

«Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece uma lista comum da União Europeia de países de origem seguros para efeitos da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional, e que altera a Diretiva 2013/32/UE»

[COM(2015) 452 final].

Em 21 de outubro de 2015, o Conselho da União Europeia também decidiu consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre o mesmo assunto.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Relações Externas, que emitiu parecer em 12 de novembro de 2015.

Na 510.a reunião plenária de 9 e 10 de dezembro de 2015 (sessão de 10 de dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 180 votos a favor, 4 votos contra e 6 abstenções, o seguinte parecer:

Conclusões

1.

A Comissão considera apropriado, no quadro da Diretiva 2013/32/UE (1), estabelecer uma lista comum de países de origem seguros.

1.1.

Em anexo à proposta de regulamento, a Comissão avança uma lista inicial de países terceiros a incluir na lista comum da União Europeia (UE) de países de origem seguros, a saber, Albânia, Bósnia-Herzegovina, antiga República jugoslava da Macedónia, Kosovo, Montenegro, Sérvia e Turquia.

1.2.

O CESE entende que é necessária uma definição mais precisa, segura e que dê mais garantias dos critérios específicos utilizados para determinar que um país é seguro para os fins enunciados na Diretiva 2011/95/UE e, em especial, no anexo I da Diretiva 2013/32/UE.

1.3.

Do mesmo modo, embora acolha favoravelmente a iniciativa da Comissão, o CESE entende que, neste momento, pode ser precipitado elaborar uma lista concreta de países considerados seguros para os fins pretendidos.

2.   Recomendações

2.1.

O CESE considera positivo e oportuno estabelecer uma lista comum da União Europeia de países de origem seguros com base nos critérios comuns definidos na Diretiva 2013/32/UE para facilitar a utilização por todos os Estados-Membros dos procedimentos relativos à aplicação do conceito de país de origem seguro, aumentando assim a eficiência global dos seus sistemas de asilo.

2.2.

Em todo o caso, o estabelecimento de uma lista comum da União Europeia pretende colmatar algumas das disparidades existentes entre as listas nacionais de países de origem «seguros» elaboradas pelos Estados-Membros.

2.3.

Embora os Estados-Membros possam adotar legislação que preveja a designação nacional de países de origem seguros distintos dos inscritos na lista comum da União Europeia, a referida lista deverá assegurar que o conceito é aplicado uniformemente por todos os Estados-Membros em relação aos requerentes cujos países de origem dela constam.

2.4.

De qualquer modo, há que indicar expressamente no artigo 2.o do regulamento os indicadores e critérios específicos, concretos e precisos que serão tidos em conta para incluir um país na lista de países de origem seguros, como as informações atualizadas provenientes de fontes como o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo (EASO), o Conselho da Europa e outras organizações ativas no domínio dos direitos humanos.

2.5.

A decisão de incluir um país na lista comum deve ser fundamentada e justificada, tendo por base uma avaliação de todos os critérios definidos no ponto anterior quanto aos motivos que estão na base da perseguição ou dos danos graves que dão lugar ao reconhecimento da proteção internacional.

2.6.

No que diz respeito às alterações à lista, cabe prever um mecanismo que permita introduzir alterações de forma mais expedita e que possa dar uma resposta em prazo razoável à evolução das circunstâncias nos países que constem da lista.

2.7.

O CESE está ciente da necessidade de fundamentar e justificar qualquer alteração a esta lista, tendo em conta o parecer especializado do ACNUR, do EASO, do Conselho da Europa e de outras organizações ativas no domínio dos direitos humanos.

2.8.

Além disso, o CESE é favorável à criação de um mecanismo que permita às organizações reconhecidas no domínio da defesa dos direitos humanos, como o provedor de justiça e os comités económicos e sociais, dar início ao procedimento de alteração da lista.

2.9.

O CESE propõe que se exija uma decisão fundamentada quanto à pertinência de aplicar o conceito de país de origem seguro a um país em concreto, após avaliação individual, tal como previsto na Diretiva 2013/32/UE.

2.10.

Cabe, por outro lado, reforçar as garantias processuais dos procedimentos acelerados, assegurando sempre uma análise individual de cada caso e da respetiva aplicabilidade do conceito de país de origem seguro.

2.11.

O CESE entende que em caso algum se deve aplicar o conceito de país de origem seguro em casos de não respeito da liberdade de imprensa ou de violação do pluralismo político, tão-pouco a países onde haja perseguição em razão do género e da orientação sexual, ou da pertença a uma minoria nacional, étnica, cultural ou religiosa.

2.12.

O CESE entende ainda que cabe melhorar os mecanismos destinados a identificar requerentes em situação vulnerável. Caso o requerente seja identificado como estando em situação vulnerável uma vez já aplicado o procedimento acelerado, deverá aplicar-se imediatamente o processo ordinário.

2.13.

Por último, importa garantir o direito a interpor um recurso efetivo da decisão de indeferimento que considera o país de origem seguro, com efeito suspensivo, em conformidade com o artigo 46.o, n.o 5, da Diretiva 2013/32/UE.

3.   Contexto

3.1.

Os esforços envidados pela União Europeia, até à data infrutíferos, no sentido de procurar eliminar as disparidades nos sistemas de asilo dos Estados-Membros não são novos. A União Europeia adotou, desde 1999, uma série de instrumentos jurídicos com vista à criação de um Sistema Europeu Comum de Asilo (SECA), com o objetivo de harmonizar a legislação no que toca aos procedimentos de asilo, às condições de acolhimento e a outros aspetos ligados ao sistema de proteção internacional.

3.2.

Nas suas conclusões de 15 de outubro de 2015 (EUCO 26/15), o Conselho Europeu afirma que «[enfrentar] a crise da migração e dos refugiados é uma obrigação comum que exige uma estratégia global e esforços resolutos que se prolonguem no tempo, num espírito de solidariedade e responsabilidade». Além disso, conclui, «[estas] orientações […] representam mais um passo importante para a nossa estratégia global, consentânea com o direito de requerer asilo, com os direitos fundamentais e com as obrigações internacionais. Há, no entanto, outras ações prioritárias importantes que exigem um debate mais aprofundado nas instâncias pertinentes, incluindo as propostas da Comissão. E é necessário prosseguir a reflexão sobre a globalidade da política de migração e de asilo da União Europeia. O Conselho Europeu acompanhará a evolução da situação».

3.3.

A Diretiva 2013/32/UE permite que os Estados-Membros apliquem procedimentos derrogatórios e expeditos, designadamente procedimentos acelerados na fronteira ou em zonas de trânsito, caso o requerente seja nacional de um país designado como país de origem seguro pela legislação nacional e que possa ser considerado seguro para o requerente à luz das suas circunstâncias específicas. Apenas alguns Estados-Membros adotaram listas nacionais de países de origem seguros.

3.4.

A Diretiva (reformulada) relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (Diretiva 2013/32/UE, de 26 de junho de 2013) tem por objetivo reduzir as disparidades entre os procedimentos nacionais e garantir decisões em matéria de asilo mais céleres e equitativas relativamente aos pedidos de asilo reiterados ou que não apresentam elementos novos. Apesar das melhorias introduzidas no novo texto, os Estados-Membros continuam a gozar de ampla margem de apreciação, o que pode prejudicar o objetivo de estabelecer um procedimento verdadeiramente comum.

4.   Análise

4.1.

O conceito de país de origem seguro tem implicações práticas importantes, como a possibilidade de aplicar o procedimento acelerado a estes pedidos (artigo 31.o, n.o 8, alínea b), da Diretiva 2013/32/UE), a consequente redução dos prazos para a tomada de decisão sobre o fundamento do pedido, a dificuldade em identificar os requerentes em situação vulnerável nestes prazos reduzidos (artigo 24.o da Diretiva 2013/32/UE) e, em última análise, a maior dificuldade dos nacionais destes países em aceder à proteção internacional, devido à presunção de que se trata de um pedido infundado (artigo 32.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32/UE).

4.2.

A diferença de tratamento dos pedidos de proteção internacional em razão da nacionalidade do requerente pode estar em contradição com o princípio da não descriminação dos refugiados em função do seu país de origem consagrado no artigo 3.o da Convenção de Genebra de 1951 relativa ao estatuto dos refugiados. Todos estes fatores tornam recomendável um recurso limitado ao conceito de país terceiro seguro.

4.3.

Importa salientar que a adoção de uma lista comum de países de origem seguros não resulta necessariamente numa maior harmonização, uma vez que esta lista pode coexistir com as listas nacionais elaboradas por cada Estado-Membro.

4.4.

Da proposta de regulamento consta uma lista de sete países, determinados em função dos indicadores avançados pela Comissão na sua proposta: existência de um quadro legislativo para a proteção dos direitos humanos, ratificação de tratados internacionais em matéria de direitos humanos, número de condenações de que o país em causa foi alvo pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), estatuto de país candidato à adesão à União Europeia, percentagem de nacionais desses países a quem foi reconhecida proteção internacional, presença do país em causa nas listas nacionais de países de origem seguros.

4.5.

Contudo, estes indicadores parecem não atender devidamente aos critérios estabelecidos no anexo I da Diretiva «Procedimentos», ao não analisarem, por exemplo, a aplicação prática do direito, o respeito dos direitos humanos nem a inexistência de perseguição ou ofensa grave por motivos que justificam a concessão do estatuto de proteção internacional.

4.5.1.

Quadro legislativo nacional e internacional em matéria de direitos humanos: é sem dúvida um requisito mínimo exigível a todo e qualquer país a incluir na lista de países de origem seguros, mas não é suficiente, sendo que o anexo I da Diretiva 2013/32/UE exige a avaliação do respeito dos direitos humanos na prática. Em todo o caso, a própria Comissão parece não tomar na devida consideração este requisito mínimo, na medida em que a sua proposta inclui entre os países seguros países que — em alguns casos — não ratificaram os principais tratados internacionais em matéria de direitos humanos, como é o caso do Kosovo.

4.5.2.

O número de sentenças de condenação pronunciadas em 2014 pelo TEDH contra os países em causa não reflete a situação atual dos direitos humanos nos países propostos. A maioria dos casos passados em julgado em 2014 diz respeito a factos ocorridos vários anos antes em virtude tanto do atraso dos processos no próprio TEDH como da necessidade de explorar primeiro todas as vias de recurso internas antes de se recorrer a este tribunal.

A análise dos dados realizada pela Comissão pode induzir em erro. A Comissão compara as condenações com o número total de decisões que o TEDH tomou em relação ao país em causa, sem precisar quantas dessas sentenças foram proferidas atendendo ao mérito da causa, nomeadamente o grau de respeito dos direitos humanos. Por exemplo, no caso da Turquia, dos 2 899 processos submetidos ao TEDH que a Comissão considera — sem contudo indicar balizas temporais nem o respetivo tempo de resolução —, só em 110 é que de facto se proferiu uma decisão sobre o mérito da causa, em 94 dos quais (ou seja, 93 %) declarando-se verificada uma violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (2). No caso da Bósnia-Herzegovina, houve sete decisões quanto ao mérito da causa em 2014, em cinco das quais se declarando verificados abusos em matéria de direitos humanos (71 %) (3). No caso do Montenegro a percentagem seria de 100 % (4); na Sérvia de 88 % (5); na antiga República jugoslava da Macedónia 66 % (6) e na Albânia também 66 % (7).

Também não se refere que direitos humanos foram violados nem se faz menção ao conteúdo dos acórdãos, informação fundamental para ajuizar a existência de perseguição pelos motivos que justificam a concessão do estatuto de proteção internacional.

4.5.3.

O estatuto de país candidato à adesão à União Europeia não pressupõe que o país em causa já cumpra os critérios de Copenhaga, mas precisamente que encetou um processo visando o seu cumprimento. Ao invés, os relatórios sobre os progressos dos países candidatos à adesão (8), incluídos na lista da proposta de regulamento, assinalam deficiências em domínios como o respeito dos direitos humanos, o Estado de direito, a corrupção, o controlo político da comunicação social e a independência judicial.

4.5.4.

Percentagens de concessão do estatuto de proteção internacional na União Europeia em 2014 a requerentes provenientes destes países: a análise estatística dos dados do conjunto da UE em 2014 realizada pela Comissão pode gerar ambiguidade. Uma análise desagregada das percentagens de reconhecimento deste direito nos Estados-Membros traça um quadro mais heterogéneo. Assim, refira-se, a título de exemplo, que a percentagem relativa aos nacionais do Kosovo no segundo trimestre de 2015 atinge os 18,9 % em toda a União Europeia, mas apresenta grandes diferenças entre países como a Itália (60 %) e a Alemanha (0,4 %) (9).

4.5.5.

Inclusão dos países nas listas nacionais de países de origem seguros: estas listas também não são homogéneas, cada Estado-Membro aplicando critérios díspares que não podem por isso informar a elaboração de uma lista comum.

4.6.

A proposta da Comissão de incluir estes sete países na lista de países de origem seguros deveria fazer referência a outros indicadores úteis e eficazes para aferir o grau de aplicação do direito e o respeito dos direitos humanos, designadamente as fontes de informação que o TEDH (10) entendeu relevantes na sua jurisprudência assente para a avaliação da situação do país de origem e do risco em caso de regresso. É certo que a proposta de regulamento refere estas fontes no artigo 2.o, n.o 2, no contexto da revisão da lista, mas não da sua elaboração, com destaque para «[os] relatórios do SEAE […], do EASO, do ACNUR, do Conselho da Europa e de outras organizações internacionais pertinentes».

4.7.

O Comité considera igualmente que convém utilizar indicadores que reflitam a situação dos direitos humanos no atinente a todos os motivos que justificam o reconhecimento do direito de proteção internacional, incluindo, por exemplo, o respeito da liberdade de expressão e de imprensa, o respeito do pluralismo político, a situação das pessoas LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, transgénero e intersexo), bem como das minorias étnicas, culturais ou religiosas.

4.8.

O artigo 2.o, n.o 2, da proposta de regulamento prevê uma revisão periódica da lista comum de países de origem seguros. Qualquer alteração da lista será adotada de acordo com o processo legislativo ordinário (artigo 2.o, n.o 3, da proposta de regulamento) e com um procedimento de suspensão por um ano, prorrogável por outro ano na eventualidade de uma alteração súbita da situação do país (artigo 3.o da proposta de regulamento).

4.9.

Nenhum destes procedimentos — quer o processo legislativo ordinário de codecisão, quer o procedimento de suspensão do artigo 3.o — parece oferecer um mecanismo célere, ágil e flexível para dar resposta às mudanças na situação dos países de origem incluídos na lista comum. Infelizmente, são vários os exemplos de deterioração rápida da situação política, das garantias democráticas e do respeito dos direitos humanos numa série de países que dificilmente podem ser enfrentados através dos mecanismos estabelecidos. Além disso, estas situações podem prolongar-se ainda mais no tempo, pelo que o período máximo de suspensão (dois anos) é muito limitado.

4.10.

Esta avaliação das alterações súbitas da situação de um dos países em causa deveria contar sempre com o parecer de peritos «do EASO, do ACNUR, do Conselho da Europa e de outras organizações internacionais pertinentes», como no caso da alteração de acordo com o processo legislativo ordinário.

4.11.

Por outro lado, a adoção de um regulamento exclui a possibilidade de os requerentes de asilo contestarem a inclusão de um país seguro na lista perante as autoridades nacionais, possibilidade que lhes assiste no caso das listas nacionais. Seria desejável prever a possibilidade de que tal alteração seja impulsionada por organizações de defesa dos direitos humanos ou de requerentes de asilo.

4.12.

O artigo 31.o, n.o 8, alínea b), da Diretiva 2013/32/UE autoriza os Estados-Membros a acelerarem o procedimento de apreciação dos pedidos de requerentes provenientes de países de origem seguros. Este procedimento acelerado não pode em caso algum comprometer as garantias processuais (11) devido à brevidade dos prazos, nem pode redundar numa apreciação não individualizada dos pedidos de proteção internacional, proibida pelo artigo 10.o, n.o 3, alínea a), da Diretiva 2013/32/UE.

4.13.

Com efeito, o artigo 36.o, n.o 1.o, da Diretiva 2013/32/UE estabelece que os países incluídos nas listas de países de origem seguros só podem ser considerados países seguros para um determinado requerente após uma apreciação individual do pedido, no âmbito da qual cabe avaliar a pertinência de aplicar o conceito de país de origem seguro ao caso concreto, mediante decisão fundamentada em que o ónus da prova recaia sobre o Estado-Membro e que seja suscetível de recurso.

4.14.

Dado que a adoção de um regulamento implica uma restrição das possibilidades de os requerentes de asilo contestarem a inclusão de um país de origem na lista de países de origem seguros, importa reforçar as garantias de acesso a um recurso efetivo em cada caso individual, prevendo um efeito suspensivo, visado no artigo 46.o, n.o 5, da Diretiva «Procedimentos».

4.15.

Cabe igualmente garantir a identificação dos requerentes em situações de particular vulnerabilidade, não se lhes podendo aplicar o procedimento acelerado, nos termos do artigo 24.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32/UE. Nestes casos, há que prever a obrigação de efetuar essa identificação antes da decisão de aplicar o procedimento acelerado; caso a identificação da situação de vulnerabilidade se realize posteriormente, importa prever a possibilidade de abandonar o procedimento acelerado e retomar o processo ordinário.

Bruxelas, 10 de dezembro de 2015.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  JO L 180 de 29.6.2013, p. 1.

(2)  Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Perfil do país: Turquia, julho de 2015:

http://www.echr.coe.int/Documents/CP_Turkey_ENG.pdf.

(3)  Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Perfil do país: Bósnia-Herzegovina, julho de 2015.

http://www.echr.coe.int/Documents/CP_Bosnia_and_Herzegovina_ENG.pdf.

(4)  Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Perfil do país: Montenegro, julho de 2015.

http://www.echr.coe.int/Documents/CP_Montenegro_ENG.pdf. Houve um caso julgado com base no mérito da causa em que se declarou verificada uma violação dos direitos humanos.

(5)  Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Perfil do país: Sérvia, julho de 2015:

http://www.echr.coe.int/Documents/CP_Serbia_ENG.pdf. Em 16 dos 18 casos julgados com base no mérito da causa declarou-se verificada uma violação dos direitos humanos.

(6)  Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Perfil do país: antiga República jugoslava da Macedónia, julho de 2015:

http://www.echr.coe.int/Documents/CP_The_former_Yugoslav_Republic_of_Macedonia_ENG.pdf.

(7)  Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Perfil do país: Albânia, julho de 2015.

http://www.echr.coe.int/Documents/CP_Albania_ENG.pdf. Dos 150 casos passados em julgado em 2014, na verdade só em seis se proferiu uma decisão quanto ao mérito da causa, declarando-se verificada uma violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem em quatro deles.

(8)  Acessíveis em: http://ec.europa.eu/enlargement/countries/package/index_en.htm.

(9)  Eurostat: First Instance decision on applications by citizenship, age and sex [Decisão em primeira instância sobre os pedidos por nacionalidade, idade e sexo], dados trimestrais, http://appsso.eurostat.ec.europa.eu/nui/submitViewTableAction.do.

(10)  Nomeadamente, NA vs. Reino Unido app. 25904/2007, 17 de julho de 2008; Gaforov vs. Rússia, de 21.10.2010.

(11)  TJUE C-175/11 de 31 de janeiro de 2013, pontos 74 e 75.