ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

10 de agosto de 2017 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Tramitação prejudicial urgente — Cooperação policial e judiciária em matéria penal — Mandado de detenção europeu — Decisão‑Quadro 2002/584/JAI — Processos de entrega entre Estados‑Membros — Condições de execução — Motivos de não execução facultativa — Artigo 4.o‑A, n.o 1, introduzido pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI — Mandado de detenção emitido para efeitos da execução de uma pena privativa de liberdade — Conceito de “julgamento que conduziu à decisão” — Interessado que esteve presente no julgamento em primeira instância — Processo de recurso que comporta um novo exame do mérito da causa — Mandado de detenção que não fornece nenhuma informação que permita verificar se os direitos de defesa da pessoa condenada foram respeitados no processo de recurso

No processo C‑270/17 PPU,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Rechtbank Amesterdam (Tribunal de Primeira Instância de Amesterdão, Países Baixos), por decisão de 18 de maio de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça no mesmo dia, no processo relativo à execução de um mandado de detenção europeu emitido contra

Tadas Tupikas,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: J. L. da Cruz Vilaça, presidente de secção, M. Berger, A. Borg Barthet, E. Levits e F. Biltgen (relator), juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 11 de julho de 2017,

vistas as observações apresentadas:

em representação de T. Tupikas, por B. Kuppens, advocaat,

em representação do Openbaar Ministerie, por K. van der Schaft e U. E. A. Weitzel, na qualidade de agentes,

em representação do Governo neerlandês, por M. Noort e M. Bulterman, na qualidade de agentes,

em representação da Irlanda, por J. Quaney, na qualidade de agente, assistida por C. Noctor, BL,

em representação do Governo lituano, por K. Dieninis, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por R. Troosters e S. Grünheid, na qualidade de agentes.

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 26 de julho de 2017,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (JO 2002, L 190, p. 1), conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009 (JO 2009, L 81, p. 24) (a seguir «Decisão‑Quadro 2002/584»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito da execução, nos Países Baixos, de um mandado de detenção europeu emitido pelo Klaipėdos apygardos teismas (Tribunal Regional de Klaipėda, Lituânia) contra Tadas Tupikas com vista à execução, na Lituânia, de uma pena privativa de liberdade.

Quadro jurídico

Direito internacional

CEDH

3

Sob a epígrafe «Direito a um processo equitativo», o artigo 6.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), determina:

«1.   Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a proteção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.

2.   Qualquer pessoa acusada de uma infração presume‑se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada.

3.   O acusado tem, como mínimo, os seguintes direitos:

a)

Ser informado no mais curto prazo, em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada;

b)

Dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua defesa;

c)

Defender‑se a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha e, se não tiver meios para remunerar um defensor, poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem;

d)

Interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação;

e)

Fazer‑se assistir gratuitamente por intérprete, se não compreender ou não falar a língua usada no processo.»

Direito da União

Carta

4

Os artigos 47.o e 48.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») fazem parte do título VI desta, sob a epígrafe «Justiça».

5

Nos termos do artigo 47.o da Carta, intitulado «Direito à ação e a um tribunal imparcial»:

«Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal nos termos previstos no presente artigo.

Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. Toda a pessoa tem a possibilidade de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo.

[…]»

6

As anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (JO 2007, C 303, p. 17, a seguir «anotações relativas à Carta») especificam, a propósito do artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, que esta disposição corresponde ao artigo 6.o, n.o 1, da CEDH.

7

As anotações relativas à Carta acrescentam, a respeito do referido artigo 47.o, que, «[n]o direito da União, o direito a julgamento imparcial não se aplica apenas a litígios relativos a direitos e obrigações do foro civil. É uma das consequências do facto de a União ser uma comunidade de direito, tal como estabelecido pelo Tribunal de Justiça no [acórdão de 23 de abril de 1986, Os Verdes/Parlamento (294/83, EU:C:1986:166)]. Porém, com exceção do seu âmbito de aplicação, as garantias dadas pela CEDH são aplicadas de modo similar na União».

8

O artigo 48.o da Carta, intitulado «Presunção de inocência e direitos de defesa», dispõe:

«1.   Todo o arguido se presume inocente enquanto não tiver sido legalmente provada a sua culpa.

2.   É garantido a todo o arguido o respeito dos direitos de defesa.»

9

As anotações relativas à Carta precisam a este respeito:

«O artigo 48.o é idêntico aos n.os  2 e 3 do artigo 6.o da CEDH […]

[…]

Nos termos do n.o 3 do artigo 52.o, este direito tem um sentido e um âmbito iguais aos do direito garantido pela CEDH.»

10

O artigo 51.o da Carta, intitulado «Âmbito de aplicação», dispõe no seu n.o 1:

«As disposições da presente Carta têm por destinatários as instituições, órgãos e organismos da União, na observância do princípio da subsidiariedade, bem como os Estados‑Membros, apenas quando apliquem o direito da União […]»

11

O artigo 52.o da Carta, intitulado «Âmbito e interpretação dos direitos e dos princípios», enuncia:

«1.   Qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. Na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros.

[…]

3.   Na medida em que a presente Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela [CEDH], o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa Convenção. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma proteção mais ampla.

[…]

7.   Os órgãos jurisdicionais da União e dos Estados‑Membros têm em devida conta as anotações destinadas a orientar a interpretação da presente Carta.»

Decisões‑Quadro 2002/584 e 2009/299

12

Os considerandos 1, 5, 6, 8, 10 e 12 da Decisão‑Quadro 2002/584 têm a seguinte redação:

«(1)

De acordo com as conclusões do Conselho Europeu de Tampere de 15 e 16 de outubro de 1999, nomeadamente o ponto 35, deverá ser abolido o processo formal de extradição no que diz respeito às pessoas julgadas embora ausentes cuja sentença já tenha transitado em julgado, bem como acelerados os processos de extradição relativos às pessoas suspeitas de terem praticado uma infração.

[…]

(5)

[A] instauração de um novo regime simplificado de entrega de pessoas condenadas ou suspeitas para efeitos de execução de sentenças ou de procedimento penal permite suprimir a complexidade e a eventual morosidade inerentes aos atuais procedimentos de extradição.

(6)

O mandado de detenção europeu previsto na presente decisão‑quadro constitui a primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, que o Conselho Europeu qualificou de “pedra angular” da cooperação judiciária.

[…]

(8)

As decisões sobre a execução do mandado de detenção europeu devem ser objeto de um controlo adequado, o que implica que deva ser a autoridade judiciária do Estado‑Membro onde a pessoa procurada foi detida a tomar a decisão sobre a sua entrega.

[…]

(10)

O mecanismo do mandado de detenção europeu é baseado num elevado grau de confiança entre os Estados‑Membros. A execução desse mecanismo só poderá ser suspensa no caso de violação grave e persistente, por parte de um Estado‑Membro, dos princípios enunciados no n.o 1 do artigo 6.o [UE, que passou, após alteração, a artigo 2.o TUE], verificada pelo Conselho nos termos do n.o 1 do artigo 7.o [UE, que passou, após alteração, a artigo 7.o, n.o 2, TUE] e com as consequências previstas no n.o 2 do mesmo artigo.

[…]

(12)

A presente decisão‑quadro respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos pelo artigo 6.o [UE] e consignados na Carta […], nomeadamente o seu capítulo VI. Nenhuma disposição da presente decisão‑quadro poderá ser interpretada como proibição de recusar a entrega de uma pessoa relativamente à qual foi emitido um mandado de detenção europeu quando existam elementos objetivos que confortem a convicção de que o mandado de detenção europeu é emitido para mover procedimento contra ou punir uma pessoa em virtude do sexo, da sua raça, da sua religião, da sua ascendência étnica, da sua nacionalidade, da sua língua, da sua opinião política ou da sua orientação sexual, ou de que a posição dessa pessoa possa ser lesada por alguns desses motivos.

[…]»

13

O artigo 1.o desta decisão‑quadro, intitulado «Definição do mandado de detenção europeu e obrigação de o executar», prevê:

«1.   O mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado‑Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado‑Membro duma pessoa procurada para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena ou de uma medida de segurança privativas de liberdade.

2.   Os Estados‑Membros executam todo e qualquer mandado de detenção europeu com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na presente decisão‑quadro.

3.   A presente decisão‑quadro não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados pelo artigo 6.o [UE].»

14

Os artigos 3.o e 4.o‑A da referida decisão‑quadro enunciam os motivos de não execução obrigatória e facultativa do mandado de detenção europeu.

15

A Decisão‑Quadro 2009/299 especifica os motivos com base nos quais a autoridade judiciária de execução de um Estado‑Membro pode recusar executar o mandado de detenção europeu quando a pessoa em causa não tenha estado presente no seu julgamento. Os considerandos 1, 2, 4 a 8, 14 e 15 desta decisão‑quadro enunciam:

«(1)

O direito da pessoa acusada de estar presente no julgamento está incluído no direito a um processo equitativo consignado no artigo 6.o da [CEDH], com a interpretação que lhe é dada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. [Este último] declarou também que o direito de a pessoa acusada estar presente no julgamento não é absoluto e que, em determinadas condições, ela pode renunciar por sua livre vontade, expressa ou implicitamente, mas de forma inequívoca, a esse direito.

(2)

As várias decisões‑quadro relativas à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais transitadas em julgado não abordam de uma forma coerente a questão das decisões proferidas na sequência de um julgamento em que o arguido não tenha estado presente. Esta diversidade poderá dificultar o trabalho dos profissionais e prejudicar a cooperação judiciária.

[…]

(4)

É, por conseguinte, necessário prever motivos comuns claros para o não reconhecimento das decisões proferidas na sequência de um julgamento em que o arguido não tenha estado presente. A presente decisão‑quadro tem por objetivo precisar esses motivos comuns para permitir à autoridade de execução executar a decisão não obstante a não comparência da pessoa no julgamento, no pleno respeito dos direitos de defesa. A presente decisão‑quadro não tem por objetivo regular as formas e os métodos, incluindo os requisitos processuais, utilizados para obter os resultados nela especificados, pois tal é matéria de direito nacional dos Estados‑Membros.

(5)

Este tipo de mudanças impõe uma alteração das decisões‑quadro em vigor que aplicam o princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais transitadas em julgado. As novas disposições deverão igualmente servir de base para os futuros instrumentos neste domínio.

(6)

As disposições da presente decisão‑quadro que alteram outras decisões‑quadro estabelecem as condições em que não devem ser recusados o reconhecimento e a execução de uma decisão proferida na sequência de um julgamento no qual a pessoa não tenha estado presente. As condições são alternativas; quando uma delas se encontra preenchida, a autoridade de emissão, ao preencher a secção pertinente do mandado de detenção europeu ou da certidão prevista nas outras decisões‑quadro, garante que os requisitos foram ou serão preenchidos, o que deveria ser suficiente para efeitos de execução da decisão com base no princípio do reconhecimento mútuo.

(7)

O reconhecimento e execução de decisões proferidas na sequência de um julgamento no qual o arguido não tenha estado presente não devem ser recusados se a pessoa tiver sido notificada pessoalmente e desse modo informada da data e do local previstos para o julgamento que conduziu à decisão ou se tiver recebido efetivamente por outros meios uma informação oficial da data e do local previstos para o julgamento de uma forma que deixou inequivocamente estabelecido que tinha conhecimento do julgamento previsto. Neste contexto, pressupõe‑se que a pessoa recebeu essa informação “atempadamente”, ou seja, com suficiente antecedência para lhe permitir estar presente no julgamento e exercer efetivamente os seus direitos de defesa.

(8)

A [CEDH], com a interpretação que lhe é dada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, garante o direito da pessoa acusada a um processo equitativo. Este direito inclui o direito a estar presente no julgamento. A fim de exercer esse direito, a pessoa deve ter conhecimento do julgamento previsto. Nos termos da presente decisão‑quadro, cada Estado‑Membro deve assegurar, de acordo com o seu direito nacional, que a pessoa tem conhecimento do julgamento, no pressuposto de que tal deve estar em conformidade com o disposto naquela Convenção. De acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, para determinar se a forma pela qual a informação é prestada é suficiente para assegurar que a pessoa tem conhecimento do julgamento, pode também ser prestada especial atenção, sempre que adequado, às diligências efetuadas pela pessoa para receber a informação que lhe é dirigida.

[…]

(14)

A presente decisão‑quadro limita‑se à definição dos motivos de não reconhecimento nos instrumentos relativos à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo. Por conseguinte, disposições como as relativas ao direito a novo julgamento têm um âmbito limitado à definição desses motivos de não reconhecimento. Não têm por objeto harmonizar as legislações nacionais. A presente decisão‑quadro não prejudica os futuros instrumentos da União Europeia destinados a aproximar as legislações dos Estados‑Membros no domínio do direito penal.

(15)

Os motivos de não reconhecimento são facultativos. Todavia, o poder discricionário dos Estados‑Membros na transposição destes motivos para o direito nacional rege‑se pelo direito a um julgamento equitativo, tendo simultaneamente em conta o objetivo global da presente decisão‑quadro de reforçar os direitos processuais das pessoas e de facilitar a cooperação judiciária em matéria penal […]»

16

Nos termos do artigo 1.o da Decisão‑Quadro 2009/299, sob a epígrafe «Objetivos e âmbito de aplicação»:

«1.   A presente decisão‑quadro tem por objetivos reforçar os direitos processuais das pessoas contra as quais seja instaurado um processo penal, facilitar a cooperação judiciária em matéria penal e melhorar o reconhecimento mútuo das decisões judiciais entre Estados‑Membros.

2.   A presente decisão‑quadro não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados no artigo 6.o do Tratado, incluindo o direito de defesa das pessoas contra as quais seja instaurado um processo penal, nem prejudica quaisquer obrigações que nesta matéria incumbam às autoridades judiciárias.

3.   A presente decisão‑quadro estabelece regras comuns para o reconhecimento e/ou a execução num Estado‑Membro (Estado‑Membro de execução) das decisões judiciais emitidas por outro Estado‑Membro (Estado‑Membro de emissão) na sequência de um julgamento no qual o arguido não tenha estado presente […]»

17

O artigo 4.o‑A da Decisão‑Quadro 2002/584 foi inserido pelo artigo 2.o da Decisão‑Quadro 2009/299 e tem por epígrafe «Decisões proferidas na sequência de um julgamento no qual o arguido não tenha estado presente». O seu n.o 1 tem a seguinte redação:

«A autoridade judiciária de execução pode também recusar a execução do mandado de detenção europeu emitido para efeitos de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade se a pessoa não tiver estado presente no julgamento que conduziu à decisão, a menos que do mandado de detenção europeu conste que a pessoa, em conformidade com outros requisitos processuais definidos no direito nacional do Estado‑Membro de emissão:

a)

Foi atempadamente

i)

notificada pessoalmente e desse modo informada da data e do local previstos para o julgamento que conduziu à decisão, ou recebeu efetivamente por outros meios uma informação oficial da data e do local previstos para o julgamento, de uma forma que deixou inequivocamente estabelecido que tinha conhecimento do julgamento previsto,

e

ii)

informada de que essa decisão podia ser proferida mesmo não estando presente no julgamento;

ou

b)

Tendo conhecimento do julgamento previsto, conferiu mandato a um defensor designado por si ou pelo Estado para a sua defesa em tribunal e foi efetivamente representada por esse defensor no julgamento;

ou

c)

Depois de ter sido notificada da decisão e expressamente informada do direito a novo julgamento ou a recurso e a estar presente nesse julgamento ou recurso, que permite a reapreciação do mérito da causa, incluindo novas provas, e pode conduzir a uma decisão distinta da inicial:

i)

declarou expressamente que não contestava a decisão,

ou

ii)

não requereu novo julgamento ou recurso dentro do prazo aplicável;

ou

d)

Não foi notificada pessoalmente da decisão, mas:

i)

será notificada pessoalmente da decisão sem demora na sequência da entrega e será expressamente informada do direito que lhe assiste a novo julgamento ou a recurso e a estar presente nesse julgamento ou recurso, que permite a reapreciação do mérito da causa, incluindo novas provas, e pode conduzir a uma decisão distinta da inicial,

e

ii)

será informada do prazo para solicitar um novo julgamento ou recurso, constante do mandado de detenção europeu pertinente.»

18

O artigo 8.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 tem o seguinte teor:

«O mandado de detenção europeu contém as seguintes informações, apresentadas em conformidade com o formulário em anexo:

a)

Identidade e nacionalidade da pessoa procurada;

b)

Nome, endereço, número de telefone e de fax, e endereço de correio eletrónico da autoridade judiciária de emissão;

c)

Indicação da existência de uma sentença com força executiva, de um mandado de detenção ou de qualquer outra decisão judicial com a mesma força executiva abrangida pelo âmbito de aplicação dos artigos 1.o e 2.o;

d)

Natureza e qualificação jurídica da infração, nomeadamente à luz do artigo 2.o;

e)

Descrição das circunstâncias em que a infração foi cometida, incluindo o momento, o lugar e o grau de participação da pessoa procurada na infração;

f)

Pena proferida, caso se trate de uma sentença transitada em julgado, ou a medida da pena prevista pela lei do Estado‑Membro de emissão para essa infração;

g)

Na medida do possível, as outras consequências da infração.»

19

O artigo 15.o desta decisão‑quadro, intitulado «Decisão sobre a entrega», prevê:

«1.   A autoridade judiciária de execução decide da entrega da pessoa nos prazos e nas condições definidos na presente decisão‑quadro.

2.   Se a autoridade judiciária de execução considerar que as informações comunicadas pelo Estado‑Membro de emissão são insuficientes para que possa decidir da entrega, solicita que lhe sejam comunicadas com urgência as informações complementares necessárias, em especial, em conexão com os artigos 3.o a 5.o e o artigo 8.o, podendo fixar um prazo para a sua receção, tendo em conta a necessidade de respeitar os prazos fixados no artigo 17.o

3.   A autoridade judiciária de emissão pode, a qualquer momento, transmitir todas as informações suplementares úteis à autoridade judiciária de execução.»

20

Nos termos do artigo 17.o da referida decisão‑quadro:

«1.   Um mandado de detenção europeu deve ser tratado e executado com urgência.

2.   Nos casos em que a pessoa procurada consinta na sua entrega, a decisão definitiva sobre a execução do mandado de detenção europeu deve ser tomada no prazo de 10 dias a contar da data do consentimento.

3.   Nos outros casos, a decisão definitiva sobre a execução do mandado de detenção europeu deve ser tomada no prazo de 60 dias após a detenção da pessoa procurada.

4.   Em casos específicos, quando o mandado de detenção europeu não possa ser executado dentro dos prazos previstos nos n.os  2 ou 3, a autoridade judiciária de execução informa imediatamente a autoridade judiciária de emissão do facto e das respetivas razões. Neste caso, os prazos podem ser prorrogados por mais 30 dias.

[…]»

21

Um formulário uniforme de mandado de detenção europeu figura no anexo da mesma decisão‑quadro.

Direito neerlandês

22

A Overleveringswet (Lei relativa à entrega), de 29 de abril de 2004 (Stb. 2004, n.o 195, a seguir «OLW»), transpõe a Decisão‑Quadro 2002/584 para direito neerlandês.

23

O artigo 12.o da OLW tem a seguinte redação:

«A entrega não é autorizada quando o mandado de detenção europeu se destinar a executar uma decisão judicial, se o arguido não tiver estado presente no julgamento que conduziu à referida decisão, a menos que do mandado de detenção europeu conste que, em conformidade com os requisitos processuais do Estado‑Membro de emissão:

a)

o arguido foi atempada e pessoalmente notificado e desse modo informado da data e do local previstos para a audiência que conduziu à decisão, ou recebeu efetivamente por outros meios uma informação oficial da data e do local previstos para essa audiência, de uma forma que deixou inequivocamente estabelecido que tomou conhecimento da audiência e de que foi informado de que essa decisão podia ser proferida mesmo não estando presente na audiência; ou

b)

o arguido foi informado da audiência e conferiu mandato para assegurar a sua defesa a um advogado da sua escolha ou designado pelo Estado e esse advogado o defendeu na audiência; ou

c)

o arguido, depois de ter sido notificado da decisão e expressamente informado do direito a novo julgamento ou a recurso, que permite a reapreciação do mérito da causa, incluindo novas provas, pode conduzir a uma alteração da decisão inicial:

1.o

declarou expressamente que não contestava a decisão, ou

2.o

não requereu novo julgamento ou recurso dentro do prazo aplicável; ou

d)

o arguido não foi notificado pessoalmente da decisão, mas:

1.o

será notificado pessoalmente sem demora na sequência da sua entrega e será expressamente informado do direito que lhe assiste a novo julgamento ou recurso, que permite a reapreciação do mérito da causa, incluindo novas provas, e pode conduzir a uma alteração da decisão inicial,

2.o

será informado do prazo para solicitar um novo julgamento ou recurso, constante do mandado de detenção europeu pertinente.»

24

O anexo 2 da OLW, intitulado «Modelo de mandado de detenção europeu […]», corresponde ao anexo da Decisão‑Quadro 2002/584.

Litígio no processo principal e questão prejudicial

25

Resulta da decisão de reenvio que, em 22 de fevereiro de 2017, o officier van justitie bij de Rechtbank (Ministério Público junto do Tribunal de Primeira Instância de Amesterdão) apresentou ao órgão jurisdicional de reenvio, o Rechtbank Amsterdam (Tribunal de Primeira Instância de Amesterdão, Países Baixos) um pedido de execução de um mandado de detenção europeu emitido em 14 de fevereiro de 2017 pelo Klaipėdos apygardos teismas (Tribunal Regional de Klaipėda, Lituânia) (a seguir «mandado de detenção europeu em causa»).

26

Esse mandado de detenção europeu tinha por finalidade a detenção e a entrega de T. Tupikas, nacional lituano sem domicílio nem residência fixas nos Países Baixos, para efeitos da execução na Lituânia de uma pena de prisão de um ano e quatro meses.

27

A este respeito, o referido mandado de detenção europeu menciona a existência de uma sentença executória, proferida em 26 de agosto de 2016 pelo Klaipėdos miesto apylinkės teismas (Tribunal de Primeira Instância de Klaipėda, Lituânia), que condenou T. Tupikas na referida pena por duas infrações ao direito lituano. O mandado de detenção europeu precisa, além disso, que o interessado recorreu desta decisão e que, por decisão de 8 de dezembro de 2016, o Klaipėdos apygardos teismas (Tribunal Regional de Klaipėda) negou provimento ao recurso, pelo que a instância de recurso não conduziu a uma alteração da condenação proferida em primeira instância contra T. Tupikas.

28

É pacífico que T. Tupikas esteve presente no julgamento em primeira instância.

29

Todavia, o mandado de detenção europeu em causa não contém informações relativas ao processo de recurso, designadamente quanto à questão de saber se o interessado esteve presente no Klaipėdos apygardos teismas (Tribunal Regional de Klaipėda) e, na negativa, se as condições enunciadas numa das alíneas a) a d) do artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 estão preenchidas no que se refere ao processo de recurso.

30

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, portanto, sobre se, num caso como o do processo principal, esta decisão‑quadro se aplica unicamente ao processo em primeira instância ou se também se aplica ao processo de recurso.

31

Na primeira hipótese, aquele órgão jurisdicional considera que não pode, no caso em apreço, recusar a execução do mandado de detenção europeu em causa, uma vez que o interessado esteve presente no julgamento em primeira instância.

32

Em contrapartida, na segunda hipótese, seria necessário solicitar à autoridade judiciária de emissão informações suplementares sobre o processo de recurso antes de se pronunciar sobre a entrega de T. Tupikas.

33

O órgão jurisdicional de reenvio considera que existem vários elementos que militam a favor da interpretação segundo a qual o artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 se aplica igualmente ao processo em instância de recurso, uma vez que, no âmbito desse processo, se procede a um reexame quanto ao mérito.

34

Aquele órgão jurisdicional baseia‑se, a este respeito, no teor das alíneas c) e d) do artigo 4.o‑A, n.o 1, desta decisão‑quadro, que visa designadamente um «novo julgamento ou [um] recurso […] que permite a reapreciação do mérito da causa, incluindo novas provas».

35

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, resulta desta formulação que a referida disposição se refere à situação em que o juiz penal conheceu do mérito, no sentido de que se pronunciou sobre a culpabilidade do interessado no que respeita à infração que lhe é imputada e que o condenou eventualmente numa sanção pela infração cometida. Em contrapartida, não é isso que acontece quando o juiz se limita a decidir sobre questões de direito, como no âmbito de um recurso de cassação.

36

O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que o teor do artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 não limita o alcance desta disposição ao processo em primeira instância, dado que as suas alíneas c) e d) fazem expressamente referência tanto a «um novo julgamento» como a um «processo de recurso».

37

Além disso, tal interpretação do artigo 4.o‑A, n.o 1, desta decisão‑quadro é corroborada pelo objetivo prosseguido pela referida disposição, que, como o Tribunal de Justiça declarou no n.o 43 do acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Melloni (C‑399/11, EU:C:2013:107), e no n.o 37 do acórdão de 24 de maio de 2016, Dworzecki (C‑108/16 PPU, EU:C:2016:346), visa permitir à autoridade judiciária de execução autorizar a entrega não obstante o facto de a pessoa reclamada não ter estado presente no julgamento que conduziu à sua condenação, respeitando plenamente os direitos de defesa.

38

Com efeito, os direitos de defesa fazem parte do direito a um processo equitativo na aceção do artigo 6.o da CEDH e do artigo 47.o da Carta, de modo que, quando um Estado‑Membro institui um processo de recurso, é obrigado a certificar‑se de que o interessado beneficia, no âmbito deste, das garantias fundamentais enunciadas nas referidas disposições. Assim, embora o interessado disponha da faculdade de renunciar aos seus direitos de defesa, como declarou o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o juiz penal, chamado a pronunciar‑se de novo sobre a culpabilidade da pessoa em causa, não pode tomar uma decisão sem apreciar diretamente os elementos de prova apresentados pessoalmente pelo arguido que pretende provar que não cometeu o ato que supostamente consubstancia uma infração penal. Em tal situação, a simples circunstância de o interessado ter podido exercer os seus direitos de defesa em primeira instância é, portanto, insuficiente para se poder concluir que as exigências do artigo 6.o da CEDH e do artigo 47.o da Carta foram respeitadas.

39

O órgão jurisdicional de reenvio salienta, porém, que tal interpretação não é partilhada por um certo número de outros Estados‑Membros. Assim, poderia sustentar‑se que, estando assente que os direitos de defesa do interessado foram plenamente respeitados no âmbito do processo em primeira instância, o princípio da confiança mútua impõe que se considere que as autoridades do Estado‑Membro de emissão não violaram os direitos fundamentais reconhecidos pelo direito da União no âmbito de outros processos eventuais. No entanto, o Tribunal de Justiça ainda não se pronunciou a este respeito.

40

Foi nestas condições que o Rechtbank Amsterdam (Tribunal de Primeira Instância de Amesterdão) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Um procedimento de recurso

no âmbito do qual foi realizada uma apreciação quanto ao mérito e

que conduziu a uma (nova) condenação do arguido e/ou à confirmação da condenação pronunciada na primeira instância,

enquanto o [mandado de detenção europeu] visa a execução da referida condenação,

– constitui o “julgamento que conduziu à decisão” na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584?»

Quanto à tramitação urgente

41

O órgão jurisdicional de reenvio pede que o presente reenvio prejudicial seja submetido à tramitação urgente prevista no artigo 107.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

42

Para fundamentar o seu pedido, aquele órgão jurisdicional invoca o facto de T. Tupikas estar atualmente detido nos Países Baixos, enquanto se aguarda o seguimento a dar à execução do mandado de detenção europeu emitido contra si pelas autoridades competentes da República da Lituânia.

43

O órgão jurisdicional de reenvio declara, além disso, que não pode tomar uma decisão a este respeito antes de o Tribunal de Justiça se pronunciar sobre o presente pedido de decisão prejudicial. A resposta do Tribunal às questões colocadas tem, assim, um impacto direto e determinante sobre a duração da detenção de T. Tupikas nos Países Baixos com vista à sua entrega eventual em execução do mandado de detenção europeu.

44

Há que salientar, em primeiro lugar, que o presente reenvio prejudicial tem por objeto a interpretação da Decisão‑Quadro 2002/584, que faz parte dos domínios a que se refere o título V da parte III do Tratado FUE, relativo ao espaço de liberdade, segurança e justiça. Este reenvio é, por conseguinte, suscetível de ser submetido a tramitação prejudicial urgente.

45

Em segundo lugar, quanto ao critério relativo à urgência, importa, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, tomar em consideração a circunstância de a pessoa em causa no processo principal estar atualmente privada de liberdade e de a sua manutenção em detenção depender da resolução do litígio no processo principal (acórdão de 10 de novembro de 2016, Kovalkovas, C‑477/16 PPU, EU:C:2016:861, n.o 21 e jurisprudência referida). Por outro lado, a situação da pessoa em causa deve ser apreciada tal como se apresenta à data do exame do pedido de tratamento do reenvio prejudicial segundo a tramitação urgente (acórdão de 24 de maio de 2016, Dworzecki, C‑108/16 PPU, EU:C:2016:346, n.o 22 e jurisprudência referida).

46

Ora, no caso em apreço, por um lado, é pacífico que, nessa data, T. Tupikas estava privado de liberdade. Por outro lado, a sua manutenção em detenção depende do desfecho do processo principal, visto que a medida de detenção que lhe foi aplicada foi ordenada, segundo as explicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, no quadro da execução do mandado de detenção europeu em causa.

47

Nestas condições, a Quinta Secção do Tribunal de Justiça decidiu, em 8 de junho de 2017, sob proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, deferir o pedido do órgão jurisdicional de reenvio de submeter o presente reenvio prejudicial à tramitação urgente.

Quanto à questão prejudicial

48

Através da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, em substância, determinar o alcance do conceito de «julgamento que conduziu à decisão», na aceção do artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, numa situação em que várias decisões judiciais foram adotadas no Estado‑Membro de emissão do mandado de detenção europeu, uma das quais pelo menos sem que o interessado tenha estado presente no julgamento. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta mais especificamente se, nessa hipótese, o processo de recurso deve ser considerado determinante para efeitos da aplicação da referida disposição.

49

A título liminar, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a Decisão‑Quadro 2002/584 assenta no princípio do reconhecimento mútuo que, enquanto «pedra angular» da cooperação judiciária, como resulta do considerando 6 desta decisão‑quadro, assenta na confiança recíproca entre os Estados‑Membros com vista à realização do objetivo que a União se fixou de se tornar um espaço de liberdade, segurança e justiça (v., neste sentido, acórdão de 10 de novembro de 2016, Kovalkovas, C‑477/16 PPU, EU:C:2016:861, n.os  25 a 28 e jurisprudência referida).

50

Para este efeito, a referida decisão‑quadro consagra, no seu artigo 1.o, n.o 2, a regra segundo a qual os Estados‑Membros são obrigados a executar todo e qualquer mandado de detenção europeu com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na decisão‑quadro. Salvo em circunstâncias excecionais, as autoridades judiciárias de execução só podem recusar executar tal mandado nos casos, exaustivamente enumerados, de não execução previstos pela Decisão‑Quadro 2002/584 e a execução do mandado de detenção europeu apenas pode ser subordinada a uma das condições nesta taxativamente enumeradas. Por conseguinte, enquanto a execução do mandado de detenção europeu constitui o princípio, a recusa de execução é concebida como uma exceção que deve ser objeto de interpretação estrita (acórdão de 29 de junho de 2017, Popławski, C‑579/15, EU:C:2017:503, n.o 19 e jurisprudência referida).

51

Assim, a referida decisão‑quadro enuncia expressamente, por um lado, os motivos de não execução obrigatória (artigo 3.o) e facultativa (artigos 4.o e 4.o‑A) do mandado de detenção europeu, bem como, por outro, as garantias a fornecer pelo Estado‑Membro de emissão em casos especiais (artigo 5.o).

52

No que toca, mais especificamente, à situação em que o mandado de detenção europeu tem por objeto a execução de uma pena decretada numa decisão adotada na ausência do arguido, o artigo 5.o, ponto 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, na sua versão inicial, previa a regra segundo a qual o Estado‑Membro de execução podia, nessa hipótese, subordinar a entrega da pessoa em causa à condição de o Estado‑Membro de emissão garantir a realização de um novo julgamento na presença dessa pessoa.

53

Esta disposição foi revogada pela Decisão‑Quadro 2009/299 e substituída, na Decisão‑Quadro 2002/584, por um novo artigo 4.o‑A, que limita a possibilidade de recusar executar o mandado de detenção europeu enumerando, de maneira precisa e uniforme, as condições em que o reconhecimento e a execução de uma decisão proferida na sequência de um julgamento em que a pessoa em causa não tenha estado presente não podem ser recusados (v., neste sentido, acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Melloni, C‑399/11, EU:C:2013:107, n.o 41).

54

Como resulta da própria redação do artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, a autoridade judiciária de execução dispõe da faculdade de recusar a execução de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade se a pessoa não tiver estado presente no julgamento que conduziu à decisão, a menos que do mandado de detenção europeu conste que as condições enunciadas, respetivamente, nas alíneas a) a d), desta disposição estão preenchidas.

55

Daqui resulta que, quando a existência de uma das circunstâncias referidas no artigo 4.o‑A, n.o 1, alíneas a), b), c) ou d), desta decisão‑quadro estiver demonstrada, a autoridade judiciária de execução tem a obrigação de proceder à execução de um mandado de detenção europeu, não obstante o facto de o interessado não ter estado presente no julgamento que conduziu à decisão.

56

A este respeito, o artigo 4.o‑A, n.o 1, alíneas a) e b), da referida decisão‑quadro prevê que, quando a pessoa que foi condenada na sua ausência tenha tido conhecimento, atempadamente, do julgamento previsto e tenha sido informada de que podia ser proferida uma decisão mesmo não estando presente no julgamento, ou, tendo conhecimento do julgamento previsto, conferiu mandato a um defensor para sua defesa, a autoridade judiciária de execução é obrigada a proceder à entrega dessa pessoa.

57

Por outro lado, o artigo 4.o‑A, n.o 1, alíneas c) e d), da mesma decisão‑quadro enumera os casos em que a autoridade judiciária de execução é obrigada a executar o mandado de detenção europeu embora o interessado tenha o direito de beneficiar de novo julgamento, isto é, quando esse mandado indique que a pessoa em causa não requereu novo julgamento ou que será expressamente informada do seu direito a tal reexame.

58

Como o Tribunal de Justiça já declarou, o artigo 4.o‑A da Decisão‑Quadro 2002/584 visa garantir um elevado nível de proteção e permitir à autoridade de execução proceder à entrega do interessado apesar de não ter estado presente no julgamento que conduziu à sua condenação, respeitando plenamente os seus direitos de defesa (acórdão de 24 de maio de 2016, Dworzecki, C‑108/16 PPU, EU:C:2016:346, n.o 37).

59

Por outras palavras, os princípios da confiança e do reconhecimento mútuos em que assenta esta decisão‑quadro não podem de modo nenhum prejudicar os direitos fundamentais garantidos às pessoas em causa.

60

Com efeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as regras do direito derivado da União devem ser interpretadas e aplicadas no respeito dos direitos fundamentais (v., designadamente, acórdão de 16 de fevereiro de 2017, C. K. e o., C‑578/16 PPU, EU:C:2017:127, n.o 59), dos quais faz parte integrante o respeito dos direitos de defesa que derivam do direito a um processo equitativo, consagrado nos artigos 47.o e 48.o da Carta e no artigo 6.o da CEDH.

61

Assim, o artigo 1.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584 dispõe que esta «não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados pelo artigo 6.o [UE]».

62

O artigo 1.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2009/299 especifica, a este respeito, que os objetivos que prossegue são «reforçar os direitos processuais das pessoas contra as quais seja instaurado um processo penal […] e melhorar o reconhecimento mútuo das decisões judiciais entre Estados‑Membros». Por seu turno, o artigo 1.o, n.o 2, desta decisão‑quadro, que retoma o conteúdo do artigo 1.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, refere‑se expressamente à necessidade de garantir o direito de defesa das pessoas contra as quais seja instaurado um processo penal e sublinha a obrigação que incumbe às autoridades judiciárias dos Estados‑Membros de fazer respeitar os direitos fundamentais.

63

Por conseguinte, a Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser objeto de uma interpretação que seja suscetível de assegurar a conformidade com as exigências do respeito dos direitos fundamentais das pessoas em causa, sem, no entanto, pôr em causa a efetividade do sistema de cooperação judiciária entre os Estados‑Membros, de que o mandado de detenção europeu, como previsto pelo legislador da União, constitui um dos elementos essenciais.

64

É à luz destas considerações que há que interpretar o conceito de «julgamento que conduziu à decisão», na aceção do artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, na hipótese visada no n.o 48 do presente acórdão.

65

A este respeito, há que recordar, em primeiro lugar, que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, decorre tanto das exigências da aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito da União que não contenha uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros a fim determinar o seu sentido e o seu alcance devem, normalmente, ser objeto, em toda a União, de uma interpretação autónoma e uniforme, que deve ser procurada tendo em conta o contexto da disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa (acórdão de 24 de maio de 2016, Dworzecki, C‑108/16 PPU, EU:C:2016:346, n.o 28 e jurisprudência referida).

66

Ora, embora seja verdade que a Decisão‑Quadro 2002/584, nomeadamente o seu artigo 4.o‑A, n.o 1, contém várias remissões expressas para o direito dos Estados‑Membros, nenhuma destas remissões respeita porém ao conceito de «julgamento que conduziu à decisão» na aceção desta disposição.

67

Nestas condições, há que considerar que esta expressão, que é objeto do presente pedido de decisão prejudicial, deve ser entendida como um conceito autónomo do direito da União e interpretada de maneira uniforme em todo o território da União, independentemente das qualificações nos Estados‑Membros.

68

Esta interpretação é, por outro lado, corroborada pela génese da Decisão‑Quadro 2009/299. Com efeito, como resulta dos considerandos 2 e 4 desta última, o legislador da União, tendo constatado que a falta de regulamentação uniforme das questões ligadas às decisões proferidas na sequência de um julgamento em que a pessoa em causa não tenha estado presente podia, designadamente, prejudicar a cooperação judiciária, entendeu que era necessário prever motivos comuns e claros para o não reconhecimento das decisões proferidas na sequência de um julgamento em que o arguido não tenha estado presente, sem contudo regular as formas e os métodos, incluindo os requisitos processuais, utilizados para obter os resultados especificados na referida decisão‑quadro, pois tal é matéria de direito nacional dos Estados‑Membros (acórdão de 24 de maio de 2016, Dworzecki, C‑108/16 PPU, EU:C:2016:346, n.o 31).

69

Em segundo lugar, deve observar‑se que o teor do artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 não permite, por si só, circunscrever mais exatamente o conceito de «julgamento que conduziu à decisão» que figura nesta disposição. Com efeito, esta expressão não é definida nem de qualquer outro modo precisada nesta artigo, limitando‑se o título do referido artigo a fazer referência às «[d]ecisões proferidas na sequência de um julgamento no qual o arguido não tenha estado presente».

70

Nestas condições, o alcance do conceito em causa deve ser determinado recolocando‑o no seu contexto. Para este efeito, há que tomar em consideração, em terceiro lugar, as outras disposições desta decisão‑quadro, entre as quais figura o artigo 4.o‑A, n.o 1.

71

A este respeito, cabe recordar que, embora o artigo 8.o, n.o 1, alínea c), da Decisão‑Quadro 2002/584 utilize os termos «sentença com força executiva» ou «qualquer outra decisão judicial com a mesma força executiva» e esse caráter executivo seja decisivo para determinar o momento a partir do qual um mandado de detenção europeu pode ser emitido, tal caráter apresenta menos pertinência no âmbito do artigo 4.o‑A, n.o 1, desta decisão‑quadro. É, em contrapartida, o caráter «definitivo» da «decisão» ou da «sentença» que deve ser tido em conta para efeitos da interpretação do referido artigo 4.o‑A, n.o 1, como resulta de maneira convergente de outras disposições pertinentes da referida decisão‑quadro.

72

Assim, o artigo 3.o, ponto 2, e o artigo 8.o, alínea f), da Decisão‑Quadro 2002/584 utilizam, respetivamente, a locução «definitivamente julgada» e a expressão «sentença transitada em julgado» que aplicou uma pena. Por seu turno, o artigo 2.o, n.o 1, refere‑se às «sanções» em que uma pessoa tenha sido condenada, enquanto o artigo 4.o da mesma decisão‑quadro utiliza, nos pontos 3 e 5, a expressão «pessoa […] definitivamente julgada».

73

O mesmo se diga em relação a vários considerandos das Decisões‑Quadro 2002/584 e 2009/299. Assim, a expressão «sentença já […] transitad[a] em julgado» é utilizada no considerando 1 da Decisão‑Quadro 2002/584, enquanto os considerandos 2 e 5 da Decisão‑Quadro 2009/299 utilizam a expressão «decisões judiciais transitadas em julgado».

74

Por conseguinte, há que considerar que o conceito de «julgamento que conduziu à decisão», na aceção do artigo 4.o‑A da Decisão‑Quadro 2002/584, deve ser entendido no sentido de que designa o processo que conduziu à decisão judicial que condenou definitivamente a pessoa cuja entrega é solicitada no quadro da execução de um mandado de detenção europeu.

75

Esta interpretação do conceito de «decisão» é igualmente conforme com a interpretação de «julgamento que conduziu à condenação» que o Tribunal adotou no n.o 37 do seu acórdão de 24 de maio de 2016, Dworzecki (C‑108/16 PPU, EU:C:2016:346), para efeitos da interpretação do artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584.

76

De resto, embora a decisão de condenação definitiva possa, em certos casos, confundir‑se com a decisão penal executiva, este aspeto continua a ser regido pelas diferentes regras processuais nacionais, em particular quando várias decisões tenham sido proferidas no termo de instâncias sucessivas.

77

Assim, quando, como no processo principal, o Estado‑Membro de emissão instituiu um sistema de duplo grau de jurisdição, de modo que o procedimento penal comporta várias instâncias e pode dar lugar a decisões judiciais sucessivas, há que determinar, em quarto lugar, qual dessas decisões condenou definitivamente a pessoa em causa na aceção do n.o 74 do presente acórdão.

78

Como resulta da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, por um lado, o termo «condenação» na aceção da CEDH visa simultaneamente uma declaração de culpabilidade, consecutiva à determinação legal de uma infração, e a aplicação de uma pena ou de outra medida privativa da liberdade (v., neste sentido, TEDH, 21 de outubro de 2013, Del Río Prada c. Espanha, CE:ECHR:2013:1021JUD004275009, § 123 e jurisprudência referida).

79

Por outro lado, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem declarou em várias ocasiões que, estando previsto um processo de recurso, este deve respeitar as garantias decorrentes do artigo 6.o da CEDH, em especial quando a via de recurso contra a decisão proferida em primeira instância for de contencioso de plena jurisdição, isto é, quando o órgão jurisdicional de segunda instância tiver competência para proceder a um novo exame da causa, apreciando a procedência das acusações tanto de facto como de direito, e pronunciando‑se assim sobre a culpabilidade ou a inocência da pessoa em causa em função dos elementos de prova apresentados (v., neste sentido, TEDH, 26 de maio de 1988, Ekbatani c. Suécia, CE:ECHR:1988:0526JUD001056383, §§ 24 e 32; 26 de outubro de 2000, Kudła c. Polónia, CE:ECHR:1988:0526JUD001056383, § 122; 18 de outubro de 2006, Hermi c. Itália, CE:ECHR:2006:1018JUD001811402, §§ 64 e 65; 25 de abril de 2013, Zahirović c. Croácia, CE:ECHR:2013:0425JUD005859011, § 56; e 14 de fevereiro de 2017, Hokkeling c. Países Baixos, CE:ECHR:2017:0214JUD003074912, §§ 56 e 58).

80

Resulta igualmente desta jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que, quando estão previstas duas instâncias, a circunstância de o interessado ter efetivamente podido exercer os seus direitos de defesa em primeira instância não permite concluir que beneficiou necessariamente das garantias previstas no artigo 6.o da CEDH se a instância de recurso tiver decorrido sem a sua presença (v., neste sentido, TEDH, 14 de fevereiro de 2017, Hokkeling c. Países Baixos, CE:ECHR:2017:0214JUD003074912, §§ 57, 58 e 61).

81

Consequentemente, na hipótese de o processo ter comportado várias instâncias que deram lugar a decisões sucessivas, uma das quais pelo menos foi proferida sem que a pessoa em causa tenha estado presente no julgamento, deve entender‑se por «julgamento que conduziu à decisão», na aceção do artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, a instância em que foi proferida a última dessas decisões, desde que o órgão jurisdicional em causa se tenha pronunciado definitivamente sobre a culpabilidade do interessado e o tenha condenado numa pena, como uma medida privativa de liberdade, na sequência de um exame, de facto e de direito, dos elementos incriminadores e desculpantes, o que inclui, sendo caso disso, a tomada em consideração da situação individual desse interessado.

82

Esta interpretação está plenamente em conformidade com as exigências do respeito dos direitos de defesa que o artigo 4.o‑A da Decisão‑Quadro 2002/584 se destina precisamente garantir, como resulta dos n.os  58 e 59 do presente acórdão.

83

Com efeito, é a decisão judicial que se pronuncia definitivamente sobre o mérito da causa, no sentido de que já não é suscetível de recurso ordinário, que é determinante para o interessado, uma vez que afeta diretamente a sua situação pessoal atendendo à declaração de culpabilidade, bem como, eventualmente, à fixação da pena privativa de liberdade que deverá cumprir.

84

Por conseguinte, é ao nível desta etapa processual que a pessoa em causa deve poder exercer plenamente os seus direitos de defesa a fim de fazer valer, de maneira efetiva, o seu ponto de vista e de influenciar assim a decisão final que é suscetível de o privar da sua liberdade individual. O resultado a que esse processo conduz é desprovido de pertinência neste contexto.

85

Nestas condições, mesmo admitindo que os direitos de defesa não foram plenamente respeitados em primeira instância, isso poderá validamente ser sanado durante o processo em segunda instância, desde que este apresente todas as garantias do ponto de vista das exigências de um processo equitativo.

86

Por outras palavras, quando o interessado tiver comparecido perante o juiz encarregado de um novo exame do mérito da causa, mas não em primeira instância, as disposições do artigo 4.o‑A da Decisão‑Quadro 2002/584 não são aplicáveis. Ao invés, a autoridade judiciária de execução deverá proceder às verificações previstas no referido artigo quando o interessado tiver estado presente em primeira instância, mas não perante o juiz chamado a proceder a um novo exame do mérito da causa.

87

A interpretação do conceito de «julgamento que conduziu à decisão» que figura nos n.os  81 a 84 do presente acórdão é, além disso, suscetível de assegurar mais eficazmente a realização do objetivo, prosseguido por esta decisão‑quadro, que consiste em facilitar e acelerar a cooperação judiciária entre os Estados‑Membros com base nos princípios da confiança e do reconhecimento mútuos, uma vez que se centra na fase processual que, na sequência de um novo do mérito da causa, é determinante para a condenação da pessoa em causa.

88

Em contrapartida, se se considerasse que uma decisão anterior a essa decisão definitiva também seria suscetível de desencadear a aplicação do artigo 4.o‑A da Decisão‑Quadro 2002/584, tal interpretação seria suscetível de prolongar inevitavelmente, ou mesmo de entravar seriamente, o processo de entrega.

89

Por outro lado, como resulta do n.o 57 das conclusões do advogado‑geral, a leitura do ponto d) do formulário uniforme de mandado de detenção europeu, anexo à Decisão‑Quadro 2002/584, confirma que as informações que nele devem ser fornecidas pela autoridade judiciária de emissão se referem apenas à última etapa processual em que se procedeu a uma apreciação de mérito.

90

No que se refere, mais concretamente, a uma situação, como a que está em causa no processo principal, em que o processo decorreu em duas instâncias sucessivas, a saber, uma primeira instância seguida de um processo de recurso, só a instância que conduziu à decisão proferida na fase de recurso é, portanto, pertinente para efeitos do artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, desde que tal instância tenha conduzido a uma decisão que já não é suscetível de recurso ordinário e que, portanto, conhece definitivamente do mérito.

91

Consequentemente, num processo como o principal, é em relação a tal processo de recurso que, por um lado, a autoridade judiciária de emissão deve prestar as informações referidas no artigo 8.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 e que, por outro, a autoridade judiciária de execução está habilitada, em conformidade com o artigo 15.o, n.o 2, da mesma decisão‑quadro, a pedir a comunicação das informações complementares que considere necessárias para lhe permitir tomar uma decisão sobre a entrega da pessoa em causa.

92

No que se refere, mais especificamente, às obrigações que incumbem à autoridade judiciária de execução, importa recordar que o caráter vinculativo das decisões‑quadro implica para as autoridades dos Estados‑Membros, especialmente para os órgãos jurisdicionais nacionais, uma obrigação de interpretação conforme do direito interno (v., neste sentido, acórdãos de 16 de junho de 2005, Pupino, C‑105/03, EU:C:2005:386, n.o 34, e de 29 de junho de 2017, Popławski, C‑579/15, EU:C:2017:503, n.o 31).

93

Quando aplica o artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, a autoridade judiciária de execução deve, se o interessado não tiver estado presente no julgamento que conduziu à decisão que se pronunciou definitivamente sobre o mérito da causa e, portanto, sobre a sua condenação, verificar se a situação que lhe cabe apreciar corresponde a uma das situações descritas nas alíneas a) a d) desta disposição.

94

Tal verificação deve ser efetuada com base nas indicações resultantes tanto do mandado de detenção europeu como das eventuais informações complementares ou adicionais que tenha obtido ao abrigo do artigo 15.o, n.os  2 e 3, da Decisão‑Quadro 2002/584.

95

Concluindo‑se que a situação a apreciar corresponde a uma das situações descritas nas alíneas a) a d) do artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, a autoridade judiciária de execução seria obrigada a executar o mandado de detenção europeu e a autorizar a entrega da pessoa procurada, como resulta dos n.os  50 e 55 do presente acórdão.

96

Além disso, o artigo 4.o‑A da Decisão‑Quadro 2002/584 prevê um motivo facultativo de não execução do mandado de detenção europeu e, uma vez que os casos previstos no n.o 1, alíneas a) a d), do referido artigo foram concebidos como exceções a esse motivo de não reconhecimento facultativo, o Tribunal de Justiça já declarou que a autoridade judiciária de execução pode, mesmo depois de ter constatado que esses casos não abrangem a situação da pessoa que é objeto do mandado de detenção europeu, ter em conta outras circunstâncias que lhe permitam certificar‑se de que a entrega do interessado não implica uma violação dos seus direitos de defesa (v., neste sentido, acórdão de 24 de maio de 2016, Dworzecki, C‑108/16 PPU, EU:C:2016:346, n.os  50 e 51).

97

Assim, a Decisão‑Quadro 2002/584 não impede a autoridade judiciária de execução de se certificar de que os direitos de defesa da pessoa em causa foram respeitados, tomando devidamente em consideração todas as circunstâncias que caracterizam o processo que lhe cabe apreciar, incluindo as informações de que ela própria eventualmente disponha, desde que o respeito dos prazos previstos no artigo 17.o desta decisão‑quadro não seja posto em causa.

98

Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que, quando o Estado‑Membro de emissão tiver previsto um procedimento penal com vários graus de jurisdição e que pode dar assim lugar a decisões judiciais sucessivas uma das quais pelo menos foi proferida sem que o interessado tenha estado presente no julgamento, o conceito de «julgamento que conduziu à decisão», na aceção do artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, deve ser interpretado no sentido de que visa apenas a instância no termo da qual foi proferida a decisão que se pronunciou definitivamente sobre a culpabilidade do interessado, bem como sobre a sua condenação numa pena, como uma medida privativa de liberdade, na sequência de um novo exame, de facto como de direito, do mérito da causa.

99

Um processo de recurso como o que está em causa no processo principal é, em princípio, abrangido por este conceito. Cabe, porém, ao órgão jurisdicional de reenvio certificar‑se de que tal processo apresenta as características enunciadas.

Quanto às despesas

100

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

Quando o Estado‑Membro de emissão tiver previsto um procedimento penal com vários graus de jurisdição e que pode assim dar lugar a decisões judiciais sucessivas uma das quais pelo menos foi proferida sem que o interessado tenha estado presente no julgamento, o conceito de «julgamento que conduziu à decisão», na aceção do artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros, conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, deve ser interpretado no sentido de que visa apenas a instância no termo da qual foi proferida a decisão que se pronunciou definitivamente sobre a culpabilidade do interessado, bem como sobre a sua condenação numa pena, como uma medida privativa de liberdade, na sequência de um novo exame, de facto como de direito, do mérito da causa.

 

Um processo de recurso como o que está em causa no processo principal é, em princípio, abrangido por este conceito. Cabe, porém, ao órgão jurisdicional de reenvio certificar‑se de que tal processo apresenta as características enunciadas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.