ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

26 de julho de 2017 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Regulamento (UE) n.o 604/2013 — Determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro — Chegada de um número excecionalmente elevado de nacionais de países terceiros que pretendem obter proteção internacional — Organização da passagem da fronteira pelas autoridades de um Estado‑Membro com vista ao trânsito para outro Estado‑Membro — Entrada autorizada por derrogação por razões humanitárias — Artigo 13.o — Passagem irregular de uma fronteira externa — Prazo de doze meses a contar da data da passagem da fronteira — Artigo 27.o — Via de recurso — Âmbito da fiscalização jurisdicional — Artigo 29.o — Prazo de seis meses para a execução da transferência — Contagem dos prazos — Interposição de um recurso — Efeito suspensivo»

No processo C‑490/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Vrhovno sodišče (Supremo Tribunal, Eslovénia), por decisão de 13 de setembro de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 16 de setembro de 2016, no processo

A.S.

contra

Republika Slovenija,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, A. Tizzano, vice‑presidente, R. Silva de Lapuerta, L. Bay Larsen (relator), J. L. da Cruz Vilaça, M. Berger e A. Prechal, presidentes de secção, A. Rosas, A. Arabadjiev, C. Toader, M. Safjan, D. Šváby, E. Jarašiūnas, C. G. Fernlund e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: M. Aleksejev, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 28 de março de 2017,

vistas as observações apresentadas:

em representação de A.S., por M. Nabergoj e S. Zbičajnik, svetovalca za begunce,

em representação do Governo esloveno, por N. Pintar Gosenca, B. Jovin Hrastnik e A. Vran, na qualidade de agentes,

em representação do Governo helénico, por T. Papadopoulou, na qualidade de agente,

em representação do Governo francês, por E. Armoët, na qualidade de agente,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por L. Cordì, avvocato dello Stato,

em representação do Governo húngaro, por M. M. Tátrai e M. Z. Fehér, na qualidade de agentes,

em representação do Governo austríaco, por G. Hesse, na qualidade de agente,

em representação do Governo do Reino Unido, por C. Crane, na qualidade de agente, assistida por C. Banner, barrister,

em representação do Governo suíço, por U. Bucher, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por M. Condou‑Durande, M. Žebre e G. Wils, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 8 de junho de 2017,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 13.o, n.o 1, do artigo 27.o, n.o 1, e do artigo 29.o, n.o 2, do Regulamento (UE) n.o 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida (JO 2013, L 180, p. 31; a seguir «Regulamento Dublim III»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe A.S., nacional sírio, à Republika Slovenija (República da Eslovénia) a respeito da decisão desta última de não analisar o pedido de proteção internacional apresentado por A.S.

Quadro jurídico

3

Os considerandos 4, 5 e 19 do Regulamento Dublim III têm a seguinte redação:

«(4)

As conclusões do Conselho [Europeu, na sua reunião especial] de Tampere [de 15 e 16 de outubro de 1999,] precisaram igualmente que o [sistema de asilo europeu comum] deve incluir, a curto prazo, um método claro e operacional para determinar o Estado responsável pela análise de um pedido de asilo.

(5)

Este método deve basear‑se em critérios objetivos e equitativos, tanto para os Estados‑Membros como para as pessoas em causa. Deverá, permitir, nomeadamente, uma determinação rápida do Estado‑Membro responsável, por forma a garantir um acesso efetivo aos procedimentos de concessão de proteção internacional e a não comprometer o objetivo de celeridade no tratamento dos pedidos de proteção internacional.

[…]

(19)

A fim de garantir a proteção efetiva dos direitos das pessoas em causa, deverão ser previstas garantias legais e o direito efetivo de recurso contra as decisões de transferência para o Estado‑Membro responsável, nos termos, nomeadamente, do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. A fim de garantir o respeito do direito internacional, o direito efetivo de recurso contra essas decisões deverá abranger a análise da aplicação do presente regulamento e da situação jurídica e factual no Estado‑Membro para o qual o requerente é transferido.»

4

O artigo 1.o deste regulamento dispõe:

«O presente regulamento estabelece os critérios e mecanismos para a determinação do Estado‑Membro responsável pela análise dos pedidos de proteção internacional apresentados num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida (a seguir designado “Estado‑Membro responsável”)».

5

O artigo 3.o, n.o 2, segundo parágrafo, do referido regulamento enuncia:

«Caso seja impossível transferir um requerente para o Estado‑Membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado‑Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado‑Membro que procede à determinação do Estado‑Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado‑Membro seja designado responsável.»

6

O artigo 7.o, n.o 2, do mesmo regulamento precisa:

«A determinação do Estado‑Membro responsável em aplicação dos critérios enunciados no presente capítulo é efetuada com base na situação existente no momento em que o requerente tiver apresentado pela primeira vez o seu pedido de proteção internacional junto de um Estado‑Membro.»

7

O artigo 12.o do Regulamento Dublim III institui um critério de determinação do Estado‑Membro responsável, relativo à emissão de autorizações de residência ou de vistos.

8

O artigo 13.o deste regulamento, intitulado «Entrada e/ou estadia», dispõe, no seu n.o 1:

«Caso se comprove, com base nos elementos de prova ou nos indícios descritos nas duas listas referidas no artigo 22.o, n.o 3, do presente regulamento, incluindo os dados referidos no Regulamento (UE) n.o 603/2013 [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo à criação do sistema “Eurodac” de comparação de impressões digitais para efeitos da aplicação efetiva do Regulamento (UE) n.o 604/2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou um apátrida, e de pedidos de comparação com os dados Eurodac apresentados pelas autoridades responsáveis dos Estados‑Membros e pela Europol para fins de aplicação da lei e que altera o Regulamento (UE) n.o 1077/2011 que cria uma Agência europeia para a gestão operacional de sistemas informáticos de grande escala no espaço de liberdade, segurança e justiça (JO 2013, L 180, p. 1)], que o requerente de asilo atravessou ilegalmente a fronteira de um Estado‑Membro por via terrestre, marítima ou aérea e que entrou nesse Estado‑Membro a partir de um país terceiro, esse Estado‑Membro é responsável pela análise do pedido de proteção internacional. Esta responsabilidade cessa 12 meses após a data em que teve lugar a passagem irregular da fronteira.»

9

O artigo 21.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III estabelece:

«O Estado‑Membro ao qual tenha sido apresentado um pedido de proteção internacional e que considere que a responsabilidade pela análise desse pedido cabe a outro Estado‑Membro pode requerer a este último, o mais rapidamente possível e, em qualquer caso, no prazo de três meses a contar da apresentação do pedido na aceção do artigo 20.o, n.o 2, que proceda à tomada a cargo do requerente.

Não obstante o primeiro parágrafo, no caso de um acerto Eurodac com dados registados, nos termos do artigo 14.o do Regulamento (UE) n.o 603/2013, o pedido é enviado no prazo de dois meses a contar da receção desse acerto, nos termos do artigo 15.o, n.o 2, desse regulamento.

Se o pedido de tomada a cargo de um requerente não for formulado nos prazos previstos no primeiro e no segundo parágrafos, a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional cabe ao Estado‑Membro ao qual o pedido tiver sido apresentado.»

10

Nos termos do artigo 23.o, n.os 2 e 3, do Regulamento Dublim III:

«2.   O pedido de retomada a cargo é apresentado o mais rapidamente possível e, em qualquer caso, no prazo de dois meses após a receção do acerto do Eurodac, nos termos do artigo 9.o, n.o 5, do Regulamento (UE) n.o 603/2013.

Se o pedido de retomada a cargo se basear em elementos de prova diferentes dos dados obtidos através do sistema Eurodac, deve ser enviado ao Estado‑Membro requerido no prazo de três meses a contar da data de apresentação do pedido de proteção internacional, na aceção do artigo 20.o, n.o 2.

3.   Se o pedido de retomada a cargo não for apresentado nos prazos previstos no n.o 2, a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional cabe ao Estado‑Membro em que o pedido tiver sido apresentado.»

11

O artigo 26.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III tem a seguinte redação:

«Caso o Estado‑Membro requerido aceite a tomada ou retomada a cargo de um requerente […], o Estado‑Membro requerente deve notificar a pessoa em causa da decisão da sua transferência para o Estado‑Membro responsável e, se for caso disso, da decisão de não analisar o seu pedido de proteção internacional. […]»

12

O artigo 27.o, n.os 1 e 3, deste regulamento prevê:

«1.   O requerente […] tem direito a uma via de recurso efetiva, sob a forma de recurso ou de pedido de revisão, de facto e de direito, da decisão de transferência, para um órgão jurisdicional.

[…]

3.   Para efeitos de recursos ou de pedidos de revisão de decisões de transferência, os Estados‑Membros devem prever na sua legislação nacional que:

a)

O recurso ou o pedido de revisão confira à pessoa em causa o direito de permanecer no Estado‑Membro em causa enquanto se aguarda o resultado do recurso ou da revisão; ou

b)

A transferência seja automaticamente suspensa e que essa suspensão termine após um período razoável, durante o qual um órgão jurisdicional, após exame minucioso e rigoroso, deve tomar uma decisão sobre o efeito suspensivo de um recurso ou de um pedido de revisão; ou

c)

A pessoa em causa tenha a possibilidade de, dentro de um prazo razoável, requerer ao órgão jurisdicional a suspensão da execução da decisão de transferência enquanto se aguarda o resultado do recurso ou do pedido de revisão. Os Estados‑Membros devem garantir a possibilidade de uma via de recurso, suspendendo o processo de transferência até que seja adotada a decisão sobre o primeiro pedido de suspensão. […]»

13

O artigo 29.o, n.os 1 e 2, do mesmo regulamento tem a seguinte redação:

«1.   A transferência do requerente […] do Estado‑Membro requerente para o Estado‑Membro responsável efetua‑se […], o mais tardar, no prazo de seis meses a contar da aceitação do pedido de tomada ou retomada a cargo da pessoa em causa por outro Estado‑Membro ou da decisão final sobre o recurso ou revisão, nos casos em que exista efeito suspensivo nos termos do artigo 27.o, n.o 3.

[…]

2.   Se a transferência não for executada no prazo de seis meses, o Estado‑Membro responsável fica isento da sua obrigação de tomada ou retomada a cargo da pessoa em causa, e a responsabilidade é transferida para o Estado‑Membro requerente. Este prazo pode ser alargado para um ano, no máximo, se a transferência não tiver sido efetuada devido a retenção da pessoa em causa, ou para 18 meses, em caso de fuga.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14

A.S. deixou a Síria para o Líbano, antes de viajar através da Turquia, da Grécia, da República Jugoslava da Macedónia e da Sérvia. Passou a fronteira entre este último Estado e a Croácia em 2016. As autoridades croatas organizaram o seu transporte até à fronteira eslovena.

15

A.S. entrou na Eslovénia em 20 de fevereiro de 2016. Em seguida, foi entregue pelas autoridades eslovenas às autoridades austríacas. Todavia, estas recusaram a sua entrada na Áustria.

16

Em 23 de fevereiro de 2016, A.S. apresentou um pedido de proteção internacional na Eslovénia.

17

As autoridades eslovenas pediram às autoridades croatas que tomassem A.S. a cargo com fundamento no artigo 21.o do Regulamento Dublim III. Em 20 de maio de 2016, as autoridades croatas acederam ao pedido.

18

Em 14 de junho 2016, o Ministrstvo za notranje zadeve (Ministério da Administração Interna, Eslovénia) decidiu não analisar o pedido de proteção internacional apresentado por A.S., com o fundamento de que este último devia ser transferido para a Croácia, que é o Estado‑Membro responsável pela análise desse pedido, em aplicação do artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III, dado que A.S. atravessou ilegalmente a fronteira croata vindo de um país terceiro.

19

A.S. interpôs recurso dessa decisão para o Upravno sodišče (Tribunal Administrativo, Eslovénia). Em 4 de julho de 2016, esse tribunal negou provimento ao recurso, embora suspendendo a decisão do Ministério da Administração Interna de 14 de junho de 2016, até que uma decisão definitiva pusesse termo ao litígio em causa no processo principal. A.S. recorreu então para o órgão jurisdicional de reenvio.

20

Nestas condições, o Vrhovno sodišče (Supremo Tribunal, Eslovénia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

A proteção jurisdicional nos termos do artigo 27.o do Regulamento [Dublim III] abrange também a interpretação dos requisitos do critério previsto no artigo 13.o, n.o 1, [deste regulamento] quando um Estado‑Membro toma a decisão de não analisar o pedido de proteção internacional, outro Estado‑Membro já assumiu a responsabilidade pela análise do pedido do requerente com o mesmo fundamento e o recorrente contesta tal decisão?

2)

Deve a condição da passagem ilegal prevista no artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento [Dublim III] ser interpretada de forma independente e autónoma ou em conjugação com o artigo 3.o, ponto 2, da Diretiva [2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular (JO 2008, L 348, p. 98),] e com o artigo 5.o do [Regulamento (CE) n.o 562/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, que estabelece o código comunitário relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen) (JO 2006, L 105, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 610/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013 (JO 2013, L 182, p. 1),] que definem a passagem irregular da fronteira, e deve essa interpretação aplicar‑se ao artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento [Dublim III]?

3)

Tendo em atenção a resposta à segunda questão, deve o conceito de passagem ilegal previsto no artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento [Dublim III] ser interpretado, nas circunstâncias do presente processo, no sentido de que não há passagem ilegal da fronteira quando as autoridades púbicas de um Estado‑Membro organizam a passagem da fronteira com o objetivo de trânsito para outro Estado‑Membro […]?

4)

Em caso de resposta afirmativa à terceira questão, deve consequentemente interpretar‑se o artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento [Dublim III] no sentido de que proíbe a transferência de um nacional de um Estado terceiro para o Estado pelo qual entrou inicialmente em território da [União]?

5)

Deve o artigo 27.o do Regulamento [Dublim III] ser interpretado no sentido de que os prazos do artigo 13.o, n.o 1, e do artigo 29.o, n.o 2 [deste regulamento] não correm quando o requerente exerce o direito à proteção jurisdicional e, a fortiori, quando isso implica também uma questão prejudicial ou quando o órgão jurisdicional nacional aguarda a resposta do Tribunal de Justiça da União Europeia a uma questão desse tipo que foi submetida noutro processo? A título subsidiário, deve considerar‑se que os prazos correm em tal caso, não tendo, no entanto, o Estado‑Membro responsável o direito de recusar o acolhimento?»

Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

21

O órgão jurisdicional de reenvio pediu que fosse aplicada a tramitação prejudicial urgente prevista no artigo 107.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

22

Em 27 de setembro de 2016, o Tribunal de Justiça, mediante proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, decidiu não acolher este pedido.

23

Por decisão de 22 de dezembro de 2016, o presidente do Tribunal de Justiça concedeu tratamento prioritário ao presente processo.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

24

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III deve ser interpretado no sentido de que um requerente de proteção internacional pode invocar, no âmbito de um recurso interposto contra uma decisão de transferência tomada a seu respeito, a aplicação errada do critério de responsabilidade relativo à passagem ilegal da fronteira de um Estado‑Membro, enunciado no artigo 13.o, n.o 1, do referido regulamento.

25

O artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III precisa que o requerente de proteção internacional tem direito a uma via de recurso efetiva, sob a forma de recurso ou de pedido de revisão, de facto e de direito, contra a decisão de transferência, para um órgão jurisdicional.

26

O âmbito do recurso a que o requerente de proteção internacional tem direito contra uma decisão de transferência tomada a seu respeito é precisado no considerando 19 deste regulamento, que indica que, a fim de garantir o respeito do direito internacional, o direito efetivo de recurso contra essas decisões deverá abranger a análise da aplicação do regulamento e da situação jurídica e factual no Estado‑Membro para o qual o requerente é transferido. (v., neste sentido, acórdão de 7 de junho de 2016, Ghezelbash, C‑63/15, EU:C:2016:409, n.os 38 e 39).

27

A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou, no n.o 61 do acórdão de 7 de junho de 2016, Ghezelbash (C‑63/15, EU:C:2016:409), que, no âmbito desse recurso, o requerente de proteção internacional pode invocar a aplicação errada de um critério de responsabilidade para a análise do pedido de proteção internacional enunciado no capítulo III do Regulamento Dublim III.

28

Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça não fez nenhuma distinção entre os diferentes critérios previstos nesse capítulo, entre os quais figura o critério relativo à passagem ilegal da fronteira de um Estado‑Membro enunciado no artigo 13.o, n.o 1, deste regulamento.

29

Na verdade, apenas o critério enunciado no artigo 12.o do regulamento estava diretamente em causa no processo que deu origem ao referido acórdão.

30

Todavia, os fundamentos considerados pelo Tribunal de Justiça no mesmo acórdão são igualmente válidos, mutatis mutandis, para o critério enunciado no artigo 13.o, n.o 1, do mesmo regulamento.

31

Por conseguinte, há que salientar, em especial, que os critérios que figuram nos artigos 12.° e 13.° do Regulamento Dublim III desempenham um papel comparável na condução do processo de determinação do Estado‑Membro responsável instituído por este regulamento e, portanto, na sua aplicação (v., neste sentido, acórdão de 7 de junho de 2016, Ghezelbash, C‑63/15, EU:C:2016:409, n.os 41 a 44).

32

Do mesmo modo, as evoluções que se verificaram no sistema de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros e os objetivos deste sistema, sublinhados pelo Tribunal de Justiça nos n.os 45 a 59 do acórdão de 7 de junho de 2016, Ghezelbash (C‑63/15, EU:C:2016:409), são igualmente pertinentes para o controlo da aplicação do artigo 13.o do referido regulamento.

33

Quanto à circunstância, referida pelo órgão jurisdicional de reenvio, segundo a qual, no processo principal, outro Estado‑Membro já reconheceu ser responsável pela análise do pedido de proteção internacional em causa, importa sublinhar que, em aplicação do artigo 26.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III, a decisão de transferência apenas pode ser notificada à pessoa em questão depois de o Estado‑Membro requerido ter aceitado a tomada a cargo ou a retomada a cargo dessa pessoa.

34

Nestas condições, essa circunstância não pode implicar que a fiscalização jurisdicional da decisão de transferência quanto à aplicação dos critérios enunciados no capítulo III deste regulamento seja excluída, sob pena de privar o artigo 27.o, n.o 1, do regulamento do essencial da sua eficácia. Aliás, deve ser referido que, no processo que deu origem ao acórdão de 7 de junho de 2016, Ghezelbash (C‑63/15, EU:C:2016:409), o Estado‑Membro requerido tinha expressamente reconhecido ser responsável pela análise do pedido de proteção internacional em questão.

35

Resulta de todas as considerações precedentes que há que responder à primeira questão que o artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III, lido à luz do considerando 19 deste regulamento, deve ser interpretado no sentido de que um requerente de proteção internacional pode invocar, no âmbito de um recurso interposto contra uma decisão de transferência tomada a seu respeito, a aplicação errada do critério de responsabilidade relativo à passagem ilegal da fronteira de um Estado‑Membro, enunciado no artigo 13.o, n.o 1, do referido regulamento.

Quanto à segunda e terceira questões

36

Com a segunda e terceira questões, que há que apreciar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III, eventualmente conjugado com as disposições do Regulamento n.o 562/2006, conforme alterado pelo Regulamento n.o 610/2013, e as disposições da Diretiva 2008/115, deve ser interpretado no sentido de que se deve considerar que um nacional de um país terceiro cuja entrada foi tolerada pelas autoridades do primeiro Estado‑Membro, confrontadas com a chegada de um número excecionalmente elevado de nacionais de países terceiros que pretendem transitar por este Estado‑Membro para apresentarem um pedido de proteção internacional noutro Estado‑Membro, sem preencherem as condições de entrada em princípio exigidas no primeiro Estado‑Membro, «atravessou ilegalmente» a fronteira do referido primeiro Estado‑Membro na aceção desta disposição.

37

A título preliminar, importa salientar que resulta dos n.os 41 a 58 do acórdão proferido na presente data, Jafari (C‑646/16), que a admissão de um nacional de um país terceiro no território de um Estado‑Membro numa situação como a que está em causa no processo principal não pode ser qualificada de «visto», na aceção do artigo 12.o do Regulamento Dublim III.

38

Relativamente à interpretação do artigo 13.o, n.o 1, deste regulamento, decorre, em primeiro lugar, dos n.os 60 a 72 do referido acórdão que, embora os atos adotados pela União nos domínios do controlo nas fronteiras e da imigração constituam elementos contextuais úteis para interpretar esta disposição, também é um facto que o alcance do conceito de «passagem ilegal» da fronteira de um Estado‑Membro na aceção do referido regulamento não pode, em princípio, ser diretamente deduzido desses atos.

39

Em seguida, resulta dos n.os 73 a 92 do referido acórdão que se deve considerar que um nacional de um país terceiro admitido no território de um primeiro Estado‑Membro, sem preencher as condições de entrada em princípio exigidas nesse Estado‑Membro, para transitar para outro Estado‑Membro para aí apresentar um pedido de proteção internacional, «atravessou ilegalmente» a fronteira desse primeiro Estado‑Membro na aceção do artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III, quer essa passagem tenha sido tolerada ou autorizada em violação das normas aplicáveis, quer tenha sido autorizada invocando razões humanitárias e em derrogação das condições de entrada em princípio impostos aos nacionais de países terceiros.

40

Por último, a circunstância de a passagem da fronteira ter ocorrido numa situação caracterizada pela chegada de um número excecionalmente elevado de nacionais de países terceiros que pretendiam obter proteção internacional não é suscetível de ter incidência na interpretação ou na aplicação desta disposição (acórdão proferido na presente data, Jafari, C‑646/16, n.os 93 a 100).

41

Assim, há que recordar que, em aplicação do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento Dublim III e do artigo 4.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, a transferência de um requerente de proteção internacional para o Estado‑Membro responsável não deve ser efetuada quando essa transferência implique um risco real de o interessado ser sujeito a tratos desumanos ou degradantes na aceção do artigo 4.o da Carta (v., neste sentido, acórdão de 16 de fevereiro de 2017, C. K. e o., C‑578/16 PPU, EU:C:2017:127, n.o 65). Por conseguinte, uma transferência não pode ser efetuada se, na sequência da chegada de um número excecionalmente elevado de nacionais de países terceiros que pretendem obter proteção internacional, esse risco existisse no Estado‑Membro responsável.

42

Daqui se conclui que há que responder à segunda e terceira questões que o artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III deve ser interpretado no sentido de que se deve considerar que um nacional de um país terceiro cuja entrada foi tolerada pelas autoridades de um primeiro Estado‑Membro, confrontadas com a chegada de um número excecionalmente elevado de nacionais de países terceiros que pretendem transitar por esse Estado‑Membro para apresentarem um pedido de proteção internacional noutro Estado‑Membro, sem preencherem as condições de entrada em princípio exigidas nesse primeiro Estado‑Membro, «atravessou ilegalmente» a fronteira do primeiro Estado‑Membro na aceção desta disposição.

Quanto à quarta questão

43

Tendo em conta a resposta dada à segunda e à terceira questões, não há que responder à quarta questão.

Quanto à quinta questão

44

Através da sua quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 13.o, n.o 1, e o artigo 29.o, n.o 2, do Regulamento Dublim III devem ser interpretados no sentido de que os prazos previstos nestas disposições continuam a correr depois da interposição de um recurso contra a decisão de transferência em causa, inclusivamente quando o tribunal competente decidiu submeter um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça.

45

O artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III, que figura no capítulo III deste regulamento, relativo aos critérios de determinação do Estado‑Membro responsável, especifica, no seu segundo período, que a responsabilidade de um Estado‑Membro baseada no critério relativo à passagem ilegal da fronteira de um Estado‑Membro cessa 12 meses após a data em que teve lugar a passagem.

46

O artigo 29.o, n.o 2, do referido regulamento, que figura na secção VI do capítulo VI do mesmo regulamento, relativo às transferências, dispõe que, se a transferência do Estado‑Membro requerente para o Estado‑Membro responsável não for executada no prazo de seis meses, o Estado‑Membro responsável fica isento da sua obrigação de tomada ou retomada a cargo da pessoa em causa, e a responsabilidade é transferida para o Estado‑Membro requerente.

47

Resulta destas duas disposições que os prazos que preveem têm ambos por objetivo limitar temporalmente a responsabilidade de um Estado‑Membro em aplicação do Regulamento Dublim III.

48

Por conseguinte, resulta quer dos termos das referidas disposições quer do seu posicionamento no regulamento que elas são aplicáveis no decurso de duas fases diferentes do procedimento instituído por este regulamento.

49

Assim, o prazo mencionado no artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III constitui uma condição de aplicação do critério enunciado por esta disposição e o seu cumprimento deve ser verificado durante o procedimento de determinação do Estado‑Membro responsável no termo do qual a decisão de transferência pode eventualmente ser tomada.

50

Em contrapartida, o artigo 29.o, n.o 2, deste regulamento diz respeito à execução da decisão de transferência e só pode ser aplicado depois de a transferência ter sido decidida, ou seja, não antes de o Estado‑Membro requerido ter aceitado o pedido de tomada ou retomada a cargo.

51

Os regimes respetivos destes dois prazos devem, portanto, ser precisados tendo em consideração os seus objetivos específicos no quadro do procedimento instituído pelo referido regulamento.

52

Em primeiro lugar, quanto ao prazo previsto no artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III, importa salientar que o artigo 7.o, n.o 2, deste precisa que a determinação do Estado‑Membro responsável em aplicação dos critérios enunciados no capítulo III deste regulamento é efetuada com base na situação existente no momento em que o requerente tiver apresentado pela primeira vez o seu pedido de proteção internacional junto de um Estado‑Membro.

53

Por conseguinte, o último período do artigo 13.o, n.o 1, do referido regulamento deve ser interpretado no sentido de que implica que o Estado‑Membro cuja fronteira tenha sido atravessada ilegalmente por um nacional de um país terceiro já não poderá ser considerado responsável, com fundamento nesta disposição, se o prazo de 12 meses após a passagem ilegal já tiver expirado na data em que o requerente apresentou o seu pedido de proteção internacional pela primeira vez num Estado‑Membro.

54

Nestas circunstâncias, a interposição de um recurso contra uma decisão de transferência, que é necessariamente posterior à notificação da transferência e, portanto, posterior à apresentação de um pedido de proteção internacional, não pode, por natureza, ter nenhum efeito na contagem do prazo previsto no artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III.

55

Numa situação como a que está em causa no processo principal, em que um pedido de proteção internacional foi apresentado menos de 12 meses depois da passagem ilegal da fronteira de um Estado‑Membro, a regra enunciada no último período do artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III não obsta à aplicação deste critério de determinação do Estado‑Membro responsável.

56

Em segundo lugar, no que diz respeito ao prazo previsto no artigo 29.o, n.o 2, do Regulamento Dublim III, por um lado, a articulação entre os diferentes números deste artigo e, por outro, o facto de esta disposição não conter nenhuma indicação quanto ao ponto de partida deste prazo permitem concluir que esta disposição apenas precisa as consequências do termo do prazo de execução da transferência previsto no artigo 29.o, n.o 1, deste regulamento (v., por analogia, acórdão de 29 de janeiro de 2009, Petrosian, C‑19/08, EU:C:2009:41, n.o 50).

57

Ora, o artigo 29.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III tem em conta as consequências da eventual interposição de um recurso ao prever que o prazo de seis meses para a execução da transferência começa a contar a partir da data da decisão definitiva sobre o recurso ou revisão, nos casos em exista um efeito suspensivo no termos do artigo 27.o, n.o 3, deste regulamento.

58

Por conseguinte, a interposição de um recurso, como o que está em causa no processo principal, ao qual foi reconhecido efeito suspensivo implica que o prazo de execução da transferência só terminará, em princípio, seis meses depois de ser tomada uma decisão definitiva nesse recurso.

59

Tendo em conta todo o exposto, há que responder à quinta questão que o artigo 13.o, n.o 1, segundo período, do Regulamento Dublim III, lido em conjugação com o artigo 7.o, n.o 2, deste, deve ser interpretado no sentido de que a interposição de um recurso contra a decisão de transferência não tem efeitos na contagem do prazo previsto no artigo 13.o, n.o 1.

60

O artigo 29.o, n.os 1 e 2, do referido regulamento deve ser interpretado no sentido de que a interposição desse recurso implica que o prazo previsto nestas disposições só começa a correr a partir da decisão definitiva sobre esse recurso, inclusivamente quando o tribunal competente tenha decidido submeter um pedido prejudicial ao Tribunal de Justiça, desde que tenha sido reconhecido efeito suspensivo a esse recurso em conformidade com o artigo 27.o, n.o 3, do mesmo regulamento.

Quanto às despesas

61

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

1)

O artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento n.o 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, lido à luz do considerando 19 deste regulamento, deve ser interpretado no sentido de que um requerente de proteção internacional pode invocar, no âmbito de um recurso interposto contra uma decisão de transferência tomada a seu respeito, a aplicação errada do critério de responsabilidade relativo à passagem ilegal da fronteira de um Estado‑Membro, enunciado no artigo 13.o do referido regulamento.

 

2)

O artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento n.o 604/2013 deve ser interpretado no sentido de que se deve considerar que um nacional de um país terceiro cuja entrada foi tolerada pelas autoridades de um primeiro Estado‑Membro, confrontadas com a chegada de um número excecionalmente elevado de nacionais de países terceiros que pretendem transitar por esse Estado‑Membro para apresentarem um pedido de proteção internacional noutro Estado‑Membro, sem preencherem as condições de entrada em princípio exigidas nesse primeiro Estado‑Membro, «atravessou ilegalmente» a fronteira do primeiro Estado‑Membro na aceção desta disposição.

 

3)

O artigo 13.o, n.o 1, segundo período, do Regulamento n.o 604/2013, lido em conjugação com o artigo 7.o, n.o 2, deste, deve ser interpretado no sentido de que a interposição de um recurso contra a decisão de transferência não tem efeitos na contagem do prazo previsto no artigo 13.o, n.o 1.

O artigo 29.o, n.os 1 e 2, do referido regulamento deve ser interpretado no sentido de que a interposição desse recurso implica que o prazo previsto nestas disposições só começa a correr a partir da decisão definitiva sobre esse recurso, inclusivamente quando o tribunal competente tenha decidido submeter um pedido prejudicial ao Tribunal de Justiça, desde que tenha sido reconhecido efeito suspensivo a esse recurso em conformidade com o artigo 27.o, n.o 3, do mesmo regulamento.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: esloveno.