ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

7 de setembro de 2017 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Diretiva 1999/44/CE — Venda de bens de consumo e garantias a ela relativas — Conceito de “contrato de compra e venda” — Inaplicabilidade da diretiva — Incompetência do Tribunal de Justiça»

No processo C‑247/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Landgericht Hannover (Tribunal Regional de Hanôver, Alemanha), por decisão de 22 de abril de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 29 de abril de 2016, no processo

Heike Schottelius

contra

Falk Seifert,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: M. Berger (relatora), presidente de secção, A. Borg Barthet e E. Levits, juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de H. Schottelius, por M. Burger, Rechtsanwalt,

em representação de F. Seifert, por M. Lorenz, Rechtsanwalt,

em representação do Governo alemão, por T. Henze, J. Möller e M. Hellmann, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por C. Hödlmayr e D. Roussanov, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de maio de 1999, relativa a certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas (JO 1999, L 171, p. 12).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Heike Schottelius a Falk Seifert a respeito de despesas alegadamente efetuadas por H. Schottelius para reparar os defeitos de uma obra.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 6, 7 e 10 da Diretiva 1999/44 enunciam:

«(6)

Considerando que as principais dificuldades encontradas pelos consumidores, e a principal fonte de conflitos com os vendedores, se referem à não conformidade dos bens com o contrato; que convém, portanto, aproximar as legislações nacionais relativas à venda de bens de consumo sob este aspeto, sem todavia prejudicar as disposições e os princípios das legislações nacionais relativas aos regimes de responsabilidade contratual e extracontratual;

(7)

Considerando que os bens devem, antes de mais, ser conformes às cláusulas contratuais; que o princípio da conformidade com o contrato pode ser considerado como uma base comum às diferentes tradições jurídicas nacionais; que em determinadas tradições jurídicas nacionais nem sempre é possível confiar unicamente neste princípio para garantir aos consumidores um nível mínimo de proteção; que, especialmente nessas tradições jurídicas, podem ser úteis disposições nacionais suplementares destinadas a garantir a proteção dos consumidores nos casos em que as partes não acordaram em cláusulas contratuais específicas ou em que as partes acordaram em cláusulas ou firmaram acordos que direta ou indiretamente anulam ou restringem os direitos dos consumidores e que, na medida em que esses direitos resultem da presente diretiva, não são vinculativos para os consumidores;

[…]

(10)

Considerando que, em caso de não conformidade do bem com o contrato, os consumidores devem ter o direito de obter que os bens sejam tornados conformes com ele sem encargos, podendo escolher entre a reparação ou a substituição, ou, se isso não for possível, a redução do preço ou a rescisão do contrato.»

4

O artigo 1.o desta diretiva, com a epígrafe «Âmbito de aplicação e definições», dispõe:

«1.   A presente diretiva tem por objetivo a aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas a certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar um nível mínimo uniforme de defesa dos consumidores no contexto do mercado interno.

2.   Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)

Consumidor: qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente diretiva, atue com objetivos alheios à sua atividade comercial ou profissional;

[…]

c)

Vendedor: qualquer pessoa singular ou coletiva que, ao abrigo de um contrato, vende bens de consumo no âmbito da sua atividade profissional;

[…]

4.   Para efeitos da presente diretiva, são igualmente considerados contratos de compra e venda os contratos de fornecimento de bens de consumo a fabricar ou a produzir.»

5

O artigo 2.o da referida diretiva, com a epígrafe «Conformidade com o contrato», prevê, nos seus n.os 1 e 5:

«1.   O vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda.

[…]

5.   Presume‑se que a falta de conformidade resultante de má instalação do bem de consumo é equiparada a uma falta de conformidade do bem quando a instalação fizer parte do contrato de compra e venda e tiver sido efetuada pelo vendedor, ou sob sua responsabilidade, ou quando o produto, que se prevê seja instalado pelo consumidor, for instalado pelo consumidor e a má instalação se dever a incorreções existentes nas instruções de montagem.»

6

Nos termos do artigo 3.o da mesma diretiva, com a epígrafe «Direitos do consumidor»:

«1.   O vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue.

2.   Em caso de falta de conformidade, o consumidor tem direito a que a conformidade do bem seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, nos termos do n.o 3, a uma redução adequada do preço, ou à rescisão do contrato no que respeita a esse bem, nos termos dos n.os 5 e 6.

3.   Em primeiro lugar, o consumidor pode exigir do vendedor a reparação ou a substituição do bem, em qualquer dos casos sem encargos, a menos que isso seja impossível ou desproporcionado.

[…]

A reparação ou substituição deve ser realizada dentro de um prazo razoável, e sem grave inconveniente para o consumidor, tendo em conta a natureza do bem e o fim a que o consumidor o destina.

[…]

5.   O consumidor pode exigir uma redução adequada do preço, ou a rescisão do contrato:

se o consumidor não tiver direito a reparação nem a substituição, ou

se o vendedor não tiver encontrado uma solução num prazo razoável, ou

se o vendedor não tiver encontrado uma solução sem grave inconveniente para o consumidor.»

Direito alemão

7

A Diretiva 1999/44 foi transposta para o direito alemão, no âmbito da reforma do Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil, a seguir «BGB»), pela Gesetz zur Modernisierung des Schuldrechts (Lei de modernização do direito das obrigações), de 26 de novembro de 2001 (BGBl. 2001 I, p. 3138), que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2002.

8

O § 280 do BGB, com a epígrafe «Indemnização por incumprimento de uma obrigação contratual», dispõe:

«1.   Caso o devedor não cumpra uma obrigação contratual, o credor poderá exigir a indemnização pelos prejuízos sofridos. […]

[…]

3.   O credor só pode exigir a indemnização em vez da prestação se estiverem reunidos os demais requisitos previstos nos §§ 281, 282 ou 283.»

9

O § 281 do BGB, com a epígrafe «Indemnização substitutiva da prestação em caso de incumprimento ou de cumprimento defeituoso», prevê, no seu n.o 1:

«Se o devedor não cumprir uma obrigação exigível ou a cumprir de forma defeituosa e estiverem reunidos os requisitos do n.o 1 do § 280, o credor poderá exigir uma indemnização em lugar da prestação se tiver fixado, sem sucesso, um prazo adequado para o devedor cumprir a obrigação ou corrigir o seu cumprimento. […]»

10

Nos termos do § 323 do BGB, com a epígrafe «Resolução em caso de incumprimento ou cumprimento defeituoso»:

«1.   Tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor pode resolver o contrato se o devedor não cumprir a obrigação devida ou a cumprir de forma defeituosa e o credor tiver fixado ao devedor, sem sucesso, um prazo adequado para cumprir a obrigação ou corrigir o seu cumprimento.

[…]»

11

Os §§ 634, 636 e 637 do BGB figuram no seu livro 2, secção 8, título 9, subtítulo 1, com a epígrafe «Contrato de empreitada».

12

O § 634 do BGB, com a epígrafe «Direitos do adquirente em caso de defeitos», prevê:

«Se os bens forem defeituosos, o adquirente pode, estando cumpridos os requisitos previstos nas disposições seguintes e salvo disposição em contrário,

[…]

2.

Reparar ele próprio o defeito e exigir o reembolso das despesas necessárias, em conformidade com o § 637,

3.

Nos termos dos §§ 636, 323 e 326, n.o 5, resolver o contrato […] e

4.

Nos termos dos §§ 636, 280, 281, 283 e 311a, exigir uma indemnização […]»

13

O § 637 do BGB, com a epígrafe «Sanação [dos defeitos] pelo adquirente», dispõe, no seu n.o 1:

«O adquirente pode, se o defeito subsistir no termo do prazo razoável que fixou para a sua reparação, efetuar ele próprio a reparação e exigir o reembolso das despesas necessárias, exceto se essa reparação for justificadamente recusada pelo empreiteiro.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

14

O cônjuge de H. Schottelius contratou com F. Seifert, empreiteiro, a renovação da piscina existente no jardim do casal. A entrega da obra teve lugar durante o ano de 2011, contra o pagamento do respetivo montante.

15

Resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que, por um lado, o terreno em que essa piscina foi construída pertence a H. Schottelius, pelo que esta é a sua proprietária, e que, por outro, mediante contrato de 3 e 4 de novembro de 2011, o marido lhe cedeu os direitos de garantia de que era titular relativamente ao empreiteiro. Em contrapartida, não resulta dos autos que F. Seifert tivesse, no início, vendido a piscina ao casal Schottelius.

16

Após a conclusão das obras de renovação da referida piscina, surgiram vários defeitos que só puderam ser detetados com a sua utilização. Estes defeitos afetam, em especial, o sistema de limpeza e a bomba. H. Schottelius e o marido solicitaram a respetiva reparação a F. Seifert. Uma vez que este não deu seguimento ao pedido, H. Schottelius desencadeou um procedimento probatório autónomo relativo aos referidos defeitos.

17

No âmbito desse procedimento, segundo as peças processuais de que dispõe o Tribunal de Justiça, o perito concluiu pela existência de graves defeitos e pela violação, por parte do empreiteiro, das legis artis da construção. Além disso, as obras de reparação foram finalmente efetuadas pelo marido de H. Schottelius, com a ajuda de um amigo. Para tal, o interessado teve de adquirir o material necessário.

18

Em seguida, a recorrente propôs uma ação contra F. Seifert, para obter o pagamento das despesas relativas a essas obras de reparação.

19

O Landgericht Hannover (Tribunal Regional de Hanôver, Alemanha) considera que, em princípio, esta ação não merece provimento, dado que todas as regras nacionais eventualmente aplicáveis ao caso vertente exigem que o consumidor fixe expressamente um prazo suplementar para que o empreiteiro possa reparar os defeitos do bem, exceto se essa fixação de prazo for supérflua, o que os factos e os elementos invocados no âmbito do litígio no processo principal não permitem constatar. Ora, este prazo foi fixado em tempo útil, não por H. Schottelius, titular dos direitos à garantia, mas apenas pelo seu marido, através de uma carta enviada por um advogado em 16 de novembro de 2011. Além disso, a interpelação efetuada pelo cônjuge da interessada, na qualidade de terceiro, não é válida à luz do direito alemão, uma vez que ele lhe havia cedido os seus direitos de garantia. Segundo H. Schottelius, F. Seifert dispôs, em todo o caso, de prazo suficiente para reparar os defeitos em questão.

20

Em contrapartida, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, já não há que julgar a ação improcedente se, em conformidade com o artigo 3.o, n.o 5, segundo travessão, da Diretiva 1999/44, lido em conjugação, nomeadamente, com os considerandos 7 e 10 da mesma diretiva, e contrariamente ao que prevê o direito alemão, resultar do princípio da conformidade da prestação com o contrato que a fixação de um prazo pelo consumidor para a eliminação dos defeitos não constitui um requisito para poder invocar os direitos derivados da garantia resultantes desses defeitos.

21

Nestas circunstâncias, o Landgericht Hannover (Tribunal Regional de Hanôver) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«É possível extrair do artigo 3.o, n.o [5], segundo travessão, da Diretiva [1999/44], um princípio de direito da União em matéria de consumo, nos termos do qual, em todos os negócios relativos a bens de consumo entre profissionais e consumidores é suficiente, para o exercício dos direitos derivados da garantia, que o profissional com obrigações no âmbito da garantia não tenha removido os defeitos em causa num prazo razoável, sem ser necessária a fixação expressa de um prazo para o fazer, e devem as disposições do direito nacional a este respeito, designadamente também no caso de um contrato sobre bens de consumo, ser interpretadas em conformidade e, se necessário, ser aplicadas restritivamente?»

Quanto à questão prejudicial

22

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 5, segundo travessão, da Diretiva 1999/44 deve ser interpretado no sentido de que, em conformidade com um princípio do direito da União em matéria de proteção dos consumidores, para que um consumidor que tenha celebrado com um vendedor um contrato relativo a um bem de consumo possa exercer os seus direitos derivados da garantia, basta que esse vendedor não tenha procedido à reparação num prazo razoável, sem ser necessário que esse consumidor fixe um prazo para a eliminação do defeito.

23

O Governo alemão e a Comissão Europeia arguíram uma exceção de incompetência no presente processo. Em seu entender, a Diretiva 1999/44 não é aplicável ao litígio do processo principal na medida em que, nomeadamente, o contrato em causa não é um «contrato de compra e venda», na aceção desta diretiva, mas sim um «contrato de empreitada». Ora, este último tipo de contrato não é regido pela referida diretiva.

24

A este respeito, importa salientar, desde logo, que incumbe ao Tribunal de Justiça examinar as condições em que é chamado a pronunciar‑se pelo juiz nacional, a fim de verificar a sua própria competência (v., neste sentido, despachos de 3 de julho de 2014, Tudoran, C‑92/14, EU:C:2014:2051, n.o 35 e jurisprudência aí referida, e de 4 de setembro de 2014, Szabó, C‑204/14, não publicado, EU:C:2014:2220, n.o 16).

25

Resulta também de jurisprudência assente que o Tribunal de Justiça só tem, em princípio, competência para interpretar disposições do direito da União que sejam efetivamente aplicáveis no processo principal (v., neste sentido, acórdãos de 18 de dezembro de 1997, Annibaldi, C‑309/96, EU:C:1997:631, n.o 13, e de 7 de julho de 2011, Agafiţei e o., C‑310/10, EU:C:2011:467, n.o 28 e jurisprudência aí referida, e despacho de 14 de abril de 2016, Târșia, C‑328/15, não publicado, EU:C:2016:273, n.o 19 e jurisprudência aí referida).

26

No caso vertente, há que declarar, em primeiro lugar, que o órgão jurisdicional de reenvio questiona o Tribunal de Justiça sobre a interpretação a dar ao artigo 3.o, n.o 5, segundo travessão, da Diretiva 1999/44. Parte, assim, da premissa de que esta diretiva é aplicável a uma situação como a que está em causa no processo principal.

27

Em segundo lugar, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça, em especial da decisão de reenvio, que o contrato em causa constitui, em conformidade com o direito nacional aplicável, um «contrato de empreitada».

28

Nestas condições, para determinar se o Tribunal de Justiça tem competência para responder à questão submetida, há que analisar se a Diretiva 1999/44 deve ser interpretada no sentido de que é aplicável a um contrato de empreitada, como o que está em causa no processo principal, que tem por objeto a renovação de uma piscina por um empreiteiro.

29

A este respeito, há que salientar, em primeiro lugar, que a Diretiva 1999/44, embora não defina o conceito de «contrato de compra e venda», limita o seu âmbito de aplicação a este último contrato.

30

Com efeito, resulta, nomeadamente, do artigo 1.o, n.o 1, desta diretiva que a mesma tem por objetivo a aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas a certos aspetos da «venda» de bens de consumo e das garantias a ela relativas. Além disso, também resulta desta diretiva, em especial, do seu artigo 1.o, n.o 2, que define, nomeadamente, os conceitos de «consumidor» e de «vendedor», que a mesma se aplica apenas à compra e venda celebrada entre um vendedor profissional e um comprador consumidor.

31

Em segundo lugar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, decorre da exigência de uma aplicação uniforme do direito da União que, na medida em que uma disposição do direito da União não remeta para o direito dos Estados‑Membros no que respeita a um conceito específico, este último deve ser objeto, em toda a União Europeia, de uma interpretação autónoma e uniforme, que deve ser procurada tendo em conta o contexto da disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa (v., nomeadamente, acórdão de 9 de novembro de 2016, Wathelet, C‑149/15, EU:C:2016:840, n.o 28 e jurisprudência aí referida).

32

Ora, embora o texto da Diretiva 1999/44 não forneça nenhuma definição da expressão «contrato de compra e venda», a verdade é que também não contém nenhuma remissão para os direitos nacionais no que diz respeito ao significado a reter desta expressão. Daqui se conclui, portanto, que, para efeitos de aplicação da diretiva, esta deve ser considerada como designando um conceito autónomo do direito da União, que deve ser interpretado de maneira uniforme no seu território (v., por analogia, acórdão de 18 de outubro de 2011, Brüstle, C‑34/10, EU:C:2011:669, n.o 26).

33

Em terceiro lugar, para determinar se um contrato de empreitada como o que está em causa no processo principal, que implica uma prestação de serviços, pode ser considerado um «contrato de compra e venda», na aceção desta diretiva, há que declarar que esta prevê expressamente os contratos que, por implicarem uma prestação de serviços, podem ser equiparados à compra e venda.

34

Com efeito, resulta tanto das disposições da Diretiva 1999/44 como do contexto em que esta se insere que o conceito de «compra e venda» se estende apenas a certos contratos suscetíveis de integrar outras qualificações em conformidade com os direitos nacionais, concretamente as de contratos de prestação de serviços ou de empreitada.

35

Assim, por um lado, em conformidade com o artigo 1.o, n.o 4, desta diretiva, «são igualmente considerados contratos de compra e venda os contratos de fornecimento de bens de consumo a fabricar ou a produzir». Por conseguinte, o contrato que tenha por objeto a compra e venda de um bem que, antes de mais, tem de ser fabricado ou produzido pelo vendedor está abrangido pelo âmbito de aplicação da referida diretiva.

36

Por outro lado, o artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 1999/44 equipara a falta de conformidade resultante de má instalação do bem de consumo a uma falta de conformidade do bem, quando, em especial, a instalação fizer parte do contrato de compra e venda do referido bem. Assim, quando esteja ligado à venda, o serviço de instalação do bem está abrangido pelo âmbito de aplicação desta diretiva.

37

Resulta das constatações que precedem que, por um lado, a Diretiva 1999/44 não se aplica exclusivamente a contratos de compra e venda stricto sensu, aplicando‑se também a certas categorias de contratos que impliquem uma prestação de serviços, as quais, em conformidade com o direito nacional aplicável, podem receber a qualificação de contratos de prestação de serviços ou de empreitada, a saber, os contratos de fornecimento de bens de consumo a fabricar ou a produzir e os contratos que preveem a instalação desses bens ligada à venda.

38

Por outro lado, para que estas categorias de contratos, que implicam uma prestação de serviços, possam ser qualificadas de «contratos de compra e venda», na aceção desta diretiva, a prestação de serviços deve ser apenas acessória à venda.

39

Em quarto lugar, essa interpretação do conceito de «contrato de compra e venda», na aceção da Diretiva 1999/44, é corroborada pelos trabalhos preparatórios da mesma diretiva e pela Convenção das Nações Unidas sobre os Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias, assinada em Viena, em 11 de abril de 1980, na qual esta diretiva se inspira.

40

A este respeito, importa salientar que resulta da exposição de motivos da Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à venda e às garantias dos bens de consumo [COM(95) 520 final], apresentada pela Comissão em 23 de agosto de 1996 (JO 1996, C 307, p. 8), que «a complexidade e [a] diversidade das prestações de serviços se prestam mal a uma simples extensão aos serviços das regras aplicáveis à compra e venda de bens». Assim, em razão das suas especiais características, em princípio, as prestações de serviços não devem ser abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 1999/44.

41

A equiparação explícita de certas categorias de contratos que implicam tanto uma compra e venda como uma prestação de serviços, como referida nos n.os 35 e 36 do presente acórdão, explica‑se, em especial, pela vontade do legislador da União, em primeiro lugar, de fazer face à dificuldade do consumidor em distinguir estas duas prestações fornecidas pelo profissional e, em segundo lugar, de garantir, em conformidade com o considerando 1 da Diretiva 1999/44, um elevado nível de proteção do consumidor.

42

De facto, a proposta de diretiva mencionada no n.o 40 do presente acórdão precisa, para o efeito, que as instalações de bens ligadas à compra e venda deveriam estar abrangidas pelo âmbito de aplicação desta diretiva, devido, por um lado, à dificuldade em distinguir, na prática, a prestação de serviços, consistente na instalação dos bens, da venda destes últimos e, por outro, à necessidade de proteger de forma homogénea o consumidor.

43

No que diz respeito à equiparação ao contrato de compra e venda dos contratos de fornecimento de bens de consumo a fabricar ou a produzir, referidos no artigo 1.o, n.o 4, da Diretiva 1999/44, a mesma foi introduzida aquando da primeira leitura da referida proposta de diretiva pelo Parlamento, à luz do artigo 3.o, n.o 1, da Convenção das Nações Unidas mencionada no n.o 39 do presente acórdão, para ter em conta, nomeadamente, a dificuldade na qualificação destes contratos, que implicam, simultaneamente, uma obrigação de facere, própria dos contratos de empreitada e de prestação de serviços, e uma obrigação de dare, característica do contrato de compra e venda.

44

No caso vertente, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que H. Schottelius e o marido pediram a F. Seifert, empreiteiro, que renovasse a sua piscina. Para o efeito, celebraram um contrato de empreitada com ele. No âmbito desse contrato, o empreiteiro vendeu‑lhes, é certo, diversos bens necessários à renovação dessa piscina, como, nomeadamente, um sistema de filtragem equipado com uma bomba. No entanto, impõe‑se declarar que a prestação de serviços que consistiu na instalação desses bens constitui o objeto principal desse contrato de empreitada e que a venda dos mesmos bens apresenta apenas um caráter acessório relativamente à prestação de serviços.

45

Acresce que, em face das peças processuais de que dispõe o Tribunal de Justiça, este contrato de empreitada também não pode ser qualificado de contrato de «fornecimento de bens de consumo a fabricar ou a produzir», na aceção do artigo 1.o, n.o 4, da Diretiva 1999/44, na medida em que os bens necessários à renovação da piscina em causa não tinham de ser fabricados nem produzidos pelo empreiteiro.

46

Tendo em conta o exposto, há que considerar que um contrato de empreitada como o que está em causa no processo principal não constitui um «contrato de compra e venda», na aceção da Diretiva 1999/44, e, em consequência, não está abrangido pelo âmbito de aplicação dessa diretiva.

47

Por conseguinte, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 25 do presente acórdão, o Tribunal de Justiça não tem competência para responder à questão submetida pelo Landgericht Hannover (Tribunal Regional de Hanôver).

Quanto às despesas

48

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

 

O Tribunal de Justiça da União Europeia não tem competência para responder à questão submetida a título prejudicial pelo Landgericht Hannover (Tribunal Regional de Hanôver, Alemanha), por decisão de 22 de abril de 2016.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.