ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

22 de março de 2017 ? ( 1 )

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria penal — Diretiva 2012/13/UE — Direito à informação no âmbito dos processos penais — Direito de ser informado da acusação deduzida contra si — Notificação de um despacho condenatório — Modalidades — Nomeação obrigatória de um mandatário — Pessoa acusada não residente e sem domicílio fixo — Prazo de oposição que corre a partir da notificação do mandatário»

Nos processos apensos C‑124/16, C‑188/16 e C‑213/16,

que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Amtsgericht München (Tribunal de Primeira Instância de Munique, Alemanha), por decisões de 19 de fevereiro de 2016 (C‑124/16) e de 12 de abril de 2016 (C‑213/16), que deram entrada no Tribunal de Justiça, respetivamente, em 29 de fevereiro e 18 de abril de 2016, e pelo Landgericht München I (Tribunal Regional de Munique I, Alemanha), por decisão de 23 de março de 2016 (C‑188/16), que deu entrada no Tribunal de Justiça em 4 de abril de 2016, nos processos penais contra

Ianos Tranca (C‑124/16),

Tanja Reiter (C‑213/16)

e

Ionel Opria (C‑188/16),

sendo intervenientes:

Staatsanwaltschaft München I,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: J. L. da Cruz Vilaça, presidente de secção, A. Tizzano (relator), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, M. Berger, A. Borg Barthet e F. Biltgen, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Staatsanwaltschaft München I, por H. Kornprobst, na qualidade de agente,

em representação do Governo alemão, por T. Henze e Hellmann, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por R. Troosters e S. Grünheid, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 2.o, do artigo 3.o, n.o 1, alínea c), e do artigo 6.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 2012/13/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012, relativa ao direito à informação no âmbito do processo penal (JO 2012, L 142, p. 1).

2

Estes pedidos foram apresentados no âmbito de processos penais instaurados contra Ianos Tranca e Ionel Opria, por furto, assim como contra Tanja Reiter, por ofensas corporais e por desobediência às autoridades.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2012/13 delimita o âmbito de aplicação desta última nos seguintes termos:

«A presente diretiva é aplicável a partir do momento em que a pessoa seja comunicado pelas autoridades competentes de um Estado‑Membro de que é suspeita ou acusada da prática de uma infração penal ou que é acusada neste título e até ao termo do processo, ou seja, até ser proferida uma decisão definitiva sobre a questão de saber se o suspeito ou arguido cometeu a infração penal, incluindo, se for caso disso, até que a sanção seja decidida ou um eventual recurso seja apreciado.»

4

O artigo 3.o, n.o 1, desta diretiva define o direito de ser informado sobre os direitos do seguinte modo:

«Caso a lei de um Estado‑Membro determine que, no caso de infrações de menor gravidade, as sanções sejam impostas por uma autoridade que não é um tribunal competente em matéria penal e que a imposição dessa sanção é passível de recurso para um tribunal com essas características, a presente diretiva só se aplica à ação que correr termos nesse tribunal, na sequência do recurso:

[…]

c)

O direito de ser informado da acusação, nos termos do artigo 6.o;

[…]»

5

O artigo 6.o da referida diretiva, com a epígrafe «Direito à informação sobre a acusação», dispõe, nos seus n.os 1 e 3:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que os suspeitos ou arguidos recebam informações sobre o ato criminoso de que sejam suspeitos ou arguidos de ter cometido. Estas informações são prestadas prontamente e com os detalhes necessários, a fim de garantir a equidade do processo e de permitir o exercício efetivo dos direitos de defesa.

[…]

3.   Os Estados‑Membros asseguram que, pelo menos aquando da apresentação da fundamentação da acusação perante um tribunal, sejam prestadas informações sobre a acusação, incluindo a natureza e qualificação jurídica da infração penal, bem como a natureza da participação do arguido.»

Direito alemão

6

O § 44 do Strafprozessordnung (Código de Processo Penal, a seguir «StPO») dispõe:

«A pedido do interessado, é assegurada a reintegração na situação jurídica anterior de quem tenha sido impedido, sem culpa, de respeitar um prazo. A inobservância de um prazo de recurso deve considerar‑se não culposa quando não tiver sido prestada ao interessado a informação prevista no § 35a, primeiro e segundo períodos.»

7

O § 116 do StPO dispõe:

«1)   O juiz suspende a execução do mandado de detenção que apenas seja justificado pelo risco de fuga se houver a expectativa fundada de que medidas menos restritivas permitem alcançar o objetivo da prisão preventiva. Devem considerar‑se, nomeadamente […]

[…]

4.

a prestação de uma garantia adequada pelo arguido ou por um terceiro.»

8

O § 116a, n.o 3, do StPO tem a seguinte redação:

«O arguido que peça a suspensão da execução do mandado de detenção mediante a prestação de uma garantia e não resida no âmbito de aplicação territorial desta lei é obrigado a conferir mandato para receber notificações a uma pessoa residente na área de jurisdição do tribunal competente.»

9

O § 127a do StPO prevê:

«1)   Na eventualidade de o arguido não dispor de domicílio ou residência habitual no território onde a presente lei é aplicável, e estando reunidos os pressupostos para a sua detenção apenas por risco de fuga, poderá não ser determinada a sua detenção ou a manutenção da mesma, quando

1.

não for previsível a aplicação de uma pena de prisão ou de uma medida de segurança privativa da liberdade, e

2.

o arguido preste uma garantia adequada a cobrir a eventual pena de multa e as custas processuais.

2)   O § 116a n.os 1 e 3, aplica‑se com as devidas adaptações.»

10

O § 132, n.o 1, do StPO dispõe:

«Na eventualidade do arguido sobre quem recaia suspeita fundada de ter cometido um crime não dispor de domicílio fixo ou de residência habitual no território onde a presente lei é aplicável, e de não estarem reunidos os pressupostos para a sua detenção, pode, com vista a assegurar a tramitação do processo penal, ser determinado que o arguido:

1.

preste uma garantia adequada a cobrir a eventual pena de multa e as custas processuais, e

2.

confira mandato a uma pessoa com domicílio na comarca do tribunal competente com poderes para receber as notificações que lhe são dirigidas.»

11

O § 410 do StPO tem a seguinte redação:

«1)   O arguido pode deduzir oposição contra o mandado de detenção, por escrito ou no prazo de duas semanas a contar da data da notificação, no tribunal que tenha emitido o mandado, por escrito ou por declaração na Secretaria. […]

2)   A oposição poderá ser limitada a determinados aspetos.

3)   No caso de não ter sido deduzida oposição contra o mandado de detenção, no prazo previsto para o efeito, o mandado equivale a um acórdão transitado em julgado.»

Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

Processos C‑124/16 e C‑213/16

12

No processo C‑124/16, I. Tranca, acusado de furto, é punível com uma pena de 20 a 30 dias de multa. No processo C‑213/16, T. Reiter, acusada de ofensas corporais e de desobediência às autoridades, é punida com uma pena de 50 a 70 dias de multa. Resulta das decisões de reenvio que tanto I. Tranca como T. Reiter não têm domicílio ou residência fixa na Alemanha nem no seu país de origem.

13

O Ministério Público de Munique pediu ao juiz de instrução do Amtsgericht München (Tribunal de Primeira Instância de Munique, Alemanha) para emitir mandados de detenção contra aqueles, a fim de os manter em prisão preventiva por risco de fuga.

14

O órgão jurisdicional de reenvio afirma, a este propósito, que, ao examinar este pedido, o juiz de instrução deve, segundo o direito alemão, apreciar designadamente a proporcionalidade da detenção e, para estes fins, verificar se podem ser aplicadas medidas menos restritivas do que a detenção.

15

Com efeito, em casos como os dos processos principais, os §§ 116, 116a e 127a do StPO preveem, nomeadamente, que o juiz possa suspender a execução de um mandado de detenção fundamentado apenas no risco de fuga quando o arguido possa prestar uma garantia adequada que abranja o montante previsível da multa que lhe poderá ser aplicada.

16

Resulta igualmente destas disposições que um arguido não residente no território alemão, contra o qual tenha sido emitido um mandado de detenção, é obrigado a nomear um mandatário para receber as notificações das medidas ou dos atos que lhe digam respeito.

17

No entanto, no contexto da apreciação que precede a emissão ou a execução de um mandado de detenção, o juiz de instrução deve igualmente verificar se tais medidas alternativas permitem assegurar uma conclusão rápida do processo penal nas mesmas condições em que estaria o arguido se estivesse em prisão preventiva.

18

Ora, tal só seria o caso se fosse possível notificar um arguido de um despacho condenatório de modo a permitir que este se torne definitivo. Em particular, quando o domicílio do arguido for desconhecido, tal implica que este despacho condenatório possa ser notificado ao seu mandatário e que esta notificação faça correr o prazo de oposição, após o qual o referido despacho condenatório adquire força de caso julgado e se torna executório.

19

O órgão jurisdicional de reenvio duvida contudo que o procedimento do despacho condenatório previsto no direito alemão seja conforme com a Diretiva 2012/13, conforme interpretada pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 15 de outubro de 2015, Covaci (C‑216/14, EU:C:2015:686).

20

Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou, em especial, que o artigo 2.o, o artigo 3.o, n.o 1, alínea c), e o artigo 6.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 2012/13 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro que, no âmbito de um processo penal, impõe ao arguido que não reside nesse Estado‑Membro nomear um mandatário para efeitos da notificação do despacho condenatório que lhe diz respeito, desde que o arguido beneficie efetivamente da totalidade do prazo fixado para deduzir oposição contra o referido despacho, a saber, que não pode ser deduzido a este prazo o período necessário ao mandatário para fazer chegar o referido despacho ao seu destinatário.

21

Ora, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, esta solução, aplicada aos processos que tem pendentes, nos quais o domicílio dos arguidos é desconhecido, teria como consequência impedir que o despacho condenatório se tornasse definitivo. Com efeito, não podendo este ser pessoalmente entregue ao seu destinatário, o prazo de oposição não poderia começar a correr.

22

Assim, a questão que se coloca, segundo esse órgão jurisdicional, é a de saber se o direito alemão está em conformidade com o direito da União tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça, na medida em que o direito nacional é interpretado no sentido de que a notificação de um despacho condenatório ao mandatário de um arguido que tenha o seu domicílio desconhecido fez correr o prazo de oposição contra esse despacho, mas que, no caso de incumprimento do prazo, mantém, apesar disso, a faculdade de formular oposição contra o referido despacho.

23

O órgão jurisdicional de reenvio afirma que a alternativa a esta faculdade de recorrer a um mandatário nas circunstâncias em que o arguido tem domicílio desconhecido, que consistiria então em executar um mandado de detenção emitido contra aquele e em colocá‑lo em detenção, de modo a que fosse possível notificá‑lo do despacho condenatório, parece mais restritiva do que a interpretação proposta do direito nacional. É igualmente da opinião de que esta interpretação respeita o princípio da equidade processual, na medida em que o arguido tem conhecimento do nome e do endereço do mandatário, foi informado do papel deste e é livre de questionar este último sobre um despacho condenatório proferido contra si.

24

Neste contexto, o Amtsgericht München (Tribunal de Primeira Instância de Munique) decidiu suspender as suas decisões quanto à emissão de mandados de detenção em causa e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais, formuladas em termos idênticos nos processos C‑124/16 e C‑213/16:

«1)

O artigo 2.o bem como o artigo 6.o, n.os 1 e 3, da [Diretiva 2012/13] opõem‑se a uma disposição legislativa de um Estado‑Membro

que obrigue um arguido no âmbito do processo penal a nomear um mandatário para efeitos de receção da notificação de um despacho condenatório contra si proferido, quando este não tenha domicílio nesse Estado‑Membro

mesmo que, em consequência, o arguido não disponha da totalidade do prazo para se opor ao referido despacho condenatório,

mas também não tenha nenhum endereço para o qual lhe possa ser comunicada a decisão de modo comprovado, e a comunicação do nome do mandatário com o endereço lhe dê a possibilidade de manter o mandatário informado do endereço para o qual lhe pode ser enviada a notificação do despacho condenatório com o comprovativo de envio?

2)

O artigo 2.o, n.o 1, e o artigo 6.o, n.os 1 e 3, da Diretiva [2012/13] opõem‑se a uma disposição legislativa de um Estado‑Membro

nos termos da qual um arguido num processo penal que não tenha residência nesse Estado‑Membro tenha de nomear um mandatário para receber a notificação de um despacho condenatório contra si proferido,

bastando a simples notificação ao mandatário para desencadear a contagem do prazo para se opor a esse despacho,

se o arguido, no caso de incumprimento do prazo assim calculado, puder exigir a reintegração da sua situação anterior, bastando então como justificação o facto de o despacho lhe ter sido transmitido e de se lhe ter oposto em devido tempo após a transmissão, ou seja, se através da reintegração na sua situação jurídica puder invocar posteriormente a totalidade do prazo de oposição,

mesmo que, por regra, seja legalmente ordenada a execução do despacho condenatório no caso de incumprimento do prazo?»

Processo C‑188/16

25

I. Opria, cidadão romeno, é acusado de furto na Alemanha. Resulta da decisão de reenvio que esta pessoa não tem domicílio ou residência fixa no território alemão nem no seu país de origem.

26

I. Opria nomeou um mandatário para receber a notificação de todas as medidas penais que lhe digam respeito. A pedido do Ministério Público, o Amtsgericht München (Tribunal de Primeira Instância de Munique) proferiu, em 13 de outubro de 2015, um despacho condenatório contra aquele e aplicou‑lhe uma multa de 300 euros. Este despacho condenatório foi notificado ao mandatário nomeado, o qual acusou a receção dos documentos em 27 de outubro de 2015.

27

Não tendo dado entrada nesse tribunal nenhuma declaração do arguido no prazo de oposição previsto, o funcionário competente do referido tribunal apôs, em 11 de novembro de 2015, no referido despacho a referência ao trânsito em julgado do mesmo.

28

Referindo‑se ao acórdão de 15 de outubro de 2015, Covaci (C‑216/14, EU:C:2015:686), o Ministério Público, enquanto autoridade competente para a execução da pena, após ter sido negado provimento a outros recursos que visavam estabelecer a licitude da execução da pena, pediu ao dito funcionário para remover a referida menção. O pedido foi indeferido por decisão de 2 de fevereiro de 2016. Em seguida, o Ministério Público interpôs recurso, com este objetivo, no Amtsgericht München (Tribunal de Primeira Instância de Munique), que, por despacho de 17 de fevereiro de 2016, o declarou inadmissível. Em 22 de fevereiro de 2016 foi interposto recurso em última instância no Landgericht München I (Tribunal Regional de Munique I, Alemanha), designado «recurso imediato» (sofortige Beschwerde) deste despacho.

29

O órgão jurisdicional de reenvio considera que a solução do litígio que tem pendente, relativo à legalidade da aposição da fórmula executória no despacho condenatório em causa, depende da questão de saber se o prazo de oposição começou a correr a contar da data de notificação deste despacho condenatório ao mandatário.

30

Após ter sido constatado que, em conformidade com o acórdão de 15 de outubro de 2015, Covaci (C‑216/14, EU:C:2015:686), a obrigação, em certas circunstâncias, de um arguido no âmbito de um processo penal nomear um mandatário para efeitos de receção da notificação do despacho condenatório que lhe diga respeito é admitida desde que essa pessoa beneficie efetivamente da totalidade do prazo estabelecido para deduzir oposição ao despacho condenatório, o órgão jurisdicional de reenvio examina diferentes interpretações do direito alemão em causa que permitam cumprir esse requisito.

31

Segundo este, uma primeira interpretação consistiria em não deixar correr o prazo de oposição a partir do momento em que o arguido tenha efetivo conhecimento do despacho condenatório que lhe diz respeito. Contudo, esta interpretação será, em essência, contra legem, uma vez que o direito alemão aplicável dispõe claramente que este prazo corre a partir da notificação do despacho ao mandatário.

32

Uma segunda interpretação consistiria em considerar oficiosamente inadmissível qualquer notificação de despachos condenatórios aos seus mandatários, o que causaria danos substanciais ao sistema jurídico alemão.

33

De acordo com a terceira interpretação possível desse direito, as disposições nacionais relativas ao pedido de suspensão do prazo de recurso poderão ser lidas à luz do artigo 6.o da Diretiva 2012/13. Assim, a oposição ao despacho condenatório deverá ser oficiosamente considerada como se tivesse sido feita no momento em que tenha sido efetuada, por escrito, nas duas semanas a contar do momento em que a pessoa em causa tenha efetivamente conhecimento desse despacho.

34

O Landgericht München I (Tribunal Regional de Munique I), duvidando, contudo, que esta última interpretação seja conforme com a Diretiva 2012/13, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 2.o, n.o 1, e o artigo 6.o, n.os 1 e 3, da Diretiva [2012/13] opõem‑se a uma disposição legislativa de um Estado‑Membro, nos termos da qual um arguido num processo penal que não tenha residência nesse Estado‑Membro tenha de nomear um mandatário para receber a notificação de um despacho condenatório contra si proferido, bastando a simples notificação ao mandatário para desencadear a contagem do prazo para se opor a esse despacho, se o arguido, no caso de incumprimento do prazo assim calculado, puder exigir a reintegração da sua situação anterior, bastando então como justificação o facto de o despacho lhe ter sido transmitido e de se lhe ter oposto em devido tempo após a transmissão, ou seja, se através da reintegração na sua situação jurídica puder invocar posteriormente a totalidade do prazo de oposição, mesmo que, por regra, seja legalmente ordenada a execução do despacho condenatório no caso de incumprimento do prazo?»

Quanto às questões prejudiciais

35

Com as suas questões, às quais importa responder em conjunto, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam, em substância, se o artigo 2.o, o artigo 3.o, n.o 1, alínea c), e o artigo 6.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 2012/13 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional de um Estado‑Membro como a que está em causa nos processos principais, que, no âmbito de um processo penal, prevê que o arguido que não reside no Estado‑Membro nem dispõe de domicílio fixo neste último ou no seu Estado‑Membro de origem é obrigado a nomear um mandatário para efeitos de receber a notificação de um despacho condenatório que lhe diga respeito e que o prazo para apresentar a declaração de oposição contra esse despacho, antes de este se tornar executório, corre a partir da notificação do referido despacho ao seu mandatário, podendo a pessoa no entanto solicitar a suspensão do prazo de recurso se não tiver tido conhecimento efetivo do despacho condenatório em questão.

36

Para responder a estas questões, recorde‑se que o Tribunal de Justiça já declarou que, nomeadamente no que diz respeito aos artigos 2.o, 3.o e 6.o da Diretiva 2012/13, a notificação de um despacho condenatório, como a prevista pelo direito alemão em causa nos processos principais, deve ser considerada uma forma de comunicação da acusação formulada contra a pessoa em causa, pelo que deve respeitar os requisitos exigidos pelo mesmo artigo 6.o (acórdão de 15 de outubro de 2015, Covaci,C‑216/14, EU:C:2015:686, n.o 61).

37

Na verdade, a Diretiva 2012/13 não regula as modalidades segundo as quais a informação sobre a acusação, prevista no seu artigo 6.o, deve ser comunicada a essa pessoa (acórdão de 15 de outubro de 2015, Covaci,C‑216/14, EU:C:2015:686, n.o 62).

38

Todavia, estas modalidades não podem pôr em causa o objetivo visado nomeadamente nessa disposição, que consiste, como resulta igualmente do considerando 27 da referida diretiva, em permitir aos suspeitos ou acusados de uma infração penal preparar a sua defesa e em garantir a equidade do processo (acórdão de 15 de outubro de 2015, Covaci,C‑216/14, EU:C:2015:686, n.o 63).

39

Ora, resulta das decisões de reenvio que a legislação nacional em causa nos processos principais prevê que o despacho condenatório é notificado ao mandatário do arguido e que este último dispõe de um prazo de duas semanas para deduzir oposição contra esse despacho, que corre a partir da sua notificação ao referido mandatário. No termo desse prazo, o despacho tem força de caso julgado.

40

A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que tanto o objetivo que consiste em permitir ao acusado preparar a sua defesa como a necessidade de evitar qualquer discriminação entre, por um lado, os acusados que dispõem de uma residência abrangida pelo âmbito de aplicação da lei nacional em causa e, por outro, aqueles cuja residência não é por este abrangida, que apenas devem nomear um mandatário para efeitos da notificação das decisões judiciais, exigem que o acusado disponha da totalidade desse prazo (acórdão de 15 de outubro de 2015, Covaci,C‑216/14, EU:C:2015:686, n.o 65).

41

Nesse âmbito, é verdade que, se o prazo de duas semanas em causa nos processos principais começasse a correr a partir do momento em que o acusado tem efetivamente conhecimento do despacho condenatório, estaria assegurado que essa pessoa dispunha da totalidade desse prazo (acórdão de 15 de outubro de 2015, Covaci,C‑216/14, EU:C:2015:686, n.o 66).

42

Porém, o artigo 6.o da Diretiva 2012/13 não impõe que o referido prazo comece a correr a contar do momento em que o arguido tenha tido efetivo conhecimento do despacho condenatório que lhe diz respeito. É, em contrapartida, necessário que o processo tenha um caráter equitativo e que o exercício efetivo dos direitos de defesa seja garantido.

43

Ora, o Tribunal de Justiça já admitiu que tal é o caso quando, na hipótese em que uma regulamentação nacional preveja que o prazo de oposição comece a correr desde a notificação do despacho condenatório ao mandatário do arguido, à sua duração não seja retirado o tempo necessário para o mandatário fazer chegar tal despacho ao seu destinatário, de modo que este beneficie da totalidade do referido prazo (v. acórdão de 15 de outubro de 2015, Covaci,C‑216/14, EU:C:2015:686, n.o 67).

44

Assim, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro determinar as consequências jurídicas do decorrer de um tal prazo, e portanto, nomeadamente, as condições nas quais uma decisão em matéria penal se torna definitiva e adquire caráter executório.

45

Por conseguinte, seria manifestamente prejudicado o objetivo do artigo 6.o da Diretiva 2012/13, recordado no n.o 38 do presente acórdão, se o destinatário de um despacho condenatório, como o que está em causa nos processos principais, transitado em julgado, já não pudesse deduzir oposição ao mesmo, quando não tenha tido conhecimento da existência e do conteúdo desse despacho num momento em que poderia ter exercido os seus direitos de defesa, na medida em que, não havendo domicílio conhecido, não foi pessoalmente notificado do mesmo.

46

Com efeito, em tal situação, o destinatário de tal despacho condenatório, em vez de beneficiar da totalidade do prazo de oposição contra esse, seria completamente privado de o exercer.

47

Assim, os Estados‑Membros devem assegurar que os arguidos ou suspeitos no âmbito de um processo penal, que, em circunstâncias como as que estão em causa nos processos principais, recebam a comunicação da acusação formulada contra eles no momento da fase de execução da decisão definitiva de condenação, conservem no entanto a faculdade de exercer plenamente os seus direitos de defesa. Para estes efeitos, quando um arguido tenha tido efetivo conhecimento de uma decisão condenatória que lhe diga respeito, deve ser colocado na mesma situação em que estaria se a referida decisão lhe tivesse sido notificada pessoalmente e deve, nomeadamente, poder dispor da totalidade do prazo de oposição.

48

Ora, como indicam os órgãos jurisdicionais de reenvio, se o direito nacional prevê que um despacho condenatório transita em julgado no termo do prazo de oposição, que corre a partir da notificação do despacho ao mandatário da pessoa visada, permite igualmente que essa pessoa solicite a suspensão do prazo de recurso e que beneficie assim, de facto, de um prazo da mesma duração para deduzir oposição a esse despacho, a contar do momento em que a pessoa visada dele tomou conhecimento.

49

Incumbe, assim, aos órgãos jurisdicionais de reenvio interpretar o direito nacional, e nomeadamente o processo de suspensão do prazo de recurso e as condições às quais o exercício deste processo está subordinado, de maneira conforme com os requisitos do artigo 6.o da Diretiva 2012/13.

50

Em face das considerações anteriores, há que responder às questões prejudiciais que o artigo 2.o, o artigo 3.o, n.o 1, alínea c), e o artigo 6.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 2012/13 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa nos processos principais, que, no âmbito de um processo penal, prevê que o arguido que não reside nesse Estado‑Membro nem dispõe de domicílio fixo neste último ou no seu Estado‑Membro de origem é obrigado a nomear um mandatário para efeitos de receber a notificação de um despacho condenatório que lhe diga respeito e que o prazo para apresentar a declaração de oposição contra esse despacho, antes de este se tornar executório, corre a partir da notificação do referido despacho ao seu mandatário.

51

O artigo 6.o da Diretiva 2012/13 exige, contudo, que, ao ser dada execução ao despacho condenatório, assim que a pessoa em causa tenha tido conhecimento efetivo desse despacho, seja colocada na situação em que se encontraria se o referido despacho lhe tivesse sido notificado pessoalmente e, nomeadamente, que possa dispor da totalidade do prazo de oposição, se for caso disso beneficiando de uma suspensão do prazo de recurso.

52

Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio assegurar que o procedimento nacional de suspensão do prazo de recurso, bem como as condições a que está subordinado o exercício deste procedimento, sejam aplicados de uma forma conforme com esses requisitos e que este procedimento permita assim o exercício efetivo dos direitos que o referido artigo 6.o prevê.

Quanto às despesas

53

Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante os órgãos jurisdicionais de reenvio, compete a estes decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

O artigo 2.o, o artigo 3.o, n.o 1, alínea c), e o artigo 6.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 2012/13/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012, relativa ao direito à informação no âmbito do processo penal, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa nos processos principais, que, no âmbito de um processo penal, prevê que o arguido que não reside nesse Estado‑Membro nem dispõe de domicílio fixo neste último ou no seu Estado‑Membro de origem é obrigado a nomear um mandatário para efeitos de receber a notificação de um despacho condenatório que lhe diga respeito e que o prazo para apresentar a declaração de oposição contra esse despacho, antes de este se tornar executório, corre a partir da notificação do referido despacho ao seu mandatário.

 

O artigo 6.o da Diretiva 2012/13 exige, contudo, que, ao ser dada execução ao despacho condenatório, assim que a pessoa em causa tenha tido conhecimento efetivo desse despacho, seja colocada na situação em que se encontraria se o referido despacho lhe tivesse sido notificado pessoalmente e, nomeadamente, que possa dispor da totalidade do prazo de oposição, se for caso disso beneficiando de uma suspensão do prazo de recurso.

 

Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio assegurar que o procedimento nacional de suspensão do prazo de recurso, bem como as condições a que está subordinado o exercício deste procedimento, sejam aplicados de uma forma conforme com esses requisitos e que este procedimento permita assim o exercício efetivo dos direitos que o referido artigo 6.o prevê.

 

Assinaturas


( 1 ) ? Língua do processo: alemão.