ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

14 de junho de 2017 ( *1 ) ( 1 )

«Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Procedimentos de resolução alternativa de litígios (RAL) — Diretiva 2008/52/CE — Diretiva 2013/11/UE — Artigo 3.o, n.o 2 — Oposição deduzida por consumidores no âmbito de um procedimento de injunção de pagamento instaurado por uma instituição de crédito — Direito de acesso à justiça — Legislação nacional que prevê o recurso obrigatório a um processo de mediação — Obrigação de ser assistido por um advogado — Requisito de admissibilidade da ação judicial»

No processo C‑75/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunale Ordinario di Verona (Tribunal de Verona, Itália), por decisão de 28 de janeiro de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 10 de fevereiro de 2016, no processo

Livio Menini,

Maria Antonia Rampanelli

contra

Banco Popolare Società Cooperativa,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta (relatora), presidente de secção, E. Regan, J.‑C. Bonichot, C. G. Fernlund e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: R. Schiano, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 24 de novembro de 2016,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por D. Del Gaizo, avvocato dello Stato,

em representação do Governo alemão, por M. Hellmann e T. Henze, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por E. Montaguti, C. Valero e M. Wilderspin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 16 de fevereiro de 2017,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 2013/11/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2013, sobre a resolução alternativa de litígios de consumo, que altera o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 e a Diretiva 2009/22/CE (Diretiva RAL) (JO 2013, L 165, p. 63), e da Diretiva 2008/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2008, relativa a certos aspetos da mediação em matéria civil e comercial (JO 2008, L 136, p. 3).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Livio Menini e Maria Antonia Rampanelli ao Banco Popolare Società Cooperativa, a propósito do pagamento do saldo devedor de uma conta‑corrente de que L. Menini e M. A. Rampanelli são titulares no Banco Popolare, na sequência de uma abertura de crédito que lhes foi concedida por este último.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2008/52

3

Os considerandos 8 e 13 da Diretiva 2008/52 enunciam:

«(8)

O disposto na presente diretiva deverá aplicar‑se apenas à mediação em litígios transfronteiriços, mas nada deverá impedir os Estados‑Membros de aplicar igualmente estas disposições a processos de mediação internos.

[…]

(13)

A mediação prevista na presente diretiva deverá ser um processo voluntário, na medida em que as próprias partes são as responsáveis pelo processo, podendo organizá‑lo como quiserem e terminá‑lo a qualquer momento. […]»

4

De acordo com o artigo 1.o desta diretiva:

«1.   O objetivo da presente diretiva consiste em facilitar o acesso à resolução alternativa de litígios e em promover a resolução amigável de litígios, incentivando o recurso à mediação e assegurando uma relação equilibrada entre a mediação e o processo judicial.

2.   A presente diretiva é aplicável aos litígios transfronteiriços em matéria civil e comercial, exceto no que se refere aos direitos e obrigações de que as partes não possam dispor ao abrigo do direito aplicável. Não abrange, nomeadamente, as matérias fiscais, aduaneiras ou administrativas, nem a responsabilidade do Estado por atos ou omissões no exercício da autoridade do Estado (acta jure imperii).

[…]»

5

O artigo 2.o, n.o 1, da referida diretiva prevê:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por litígio transfronteiriço um litígio em que pelo menos uma das partes tenha domicílio ou residência habitual num Estado‑Membro distinto do de qualquer das outras partes, à data em que:

a)

As partes decidam, por acordo, recorrer à mediação após a ocorrência de um litígio,

b)

A mediação seja ordenada por um tribunal,

c)

A obrigação de recorrer à mediação se constitua ao abrigo do direito interno, ou,

d)

Para efeitos do artigo 5.o, seja dirigido um convite às partes.»

6

A alínea a) do artigo 3.o da referida diretiva define o conceito de «mediação» como um processo estruturado, independentemente da sua designação ou do modo como lhe é feita referência, através do qual duas ou mais partes em litígio procuram voluntariamente alcançar um acordo sobre a resolução do seu litígio com a assistência de um mediador. Este processo pode ser iniciado pelas partes, sugerido ou ordenado por um tribunal, ou imposto pelo direito de um Estado‑Membro. Este processo pode ser iniciado pelas partes, sugerido ou ordenado por um tribunal, ou imposto pelo direito de um Estado‑Membro.

7

O artigo 5.o, n.o 2, da Diretiva 2008/52 prevê:

«A presente diretiva não afeta a legislação nacional que preveja o recurso obrigatório à mediação ou o sujeite a incentivos ou sanções, quer antes, quer depois do início do processo judicial, desde que tal legislação não impeça as partes de exercerem o seu direito de acesso ao sistema judicial.»

Diretiva 2013/11

8

Nos termos dos considerandos 16, 19 e 45 da Diretiva 2013/11:

«(16)

[…] A presente diretiva deverá aplicar‑se às queixas apresentadas pelos consumidores contra os comerciantes. Não deverá aplicar‑se às queixas apresentadas por comerciantes contra consumidores nem a litígios entre comerciantes. Contudo, não deverá impedir os Estados‑Membros de aprovar ou manter em vigor disposições em matéria de procedimentos de resolução extrajudicial desse tipo de litígios.

[…]

(19)

A legislação da União atualmente em vigor inclui já algumas disposições relativas à [resolução alternativa de litígios (RAL)]. A fim de garantir a segurança jurídica, deverá prever‑se que, em caso de conflito, a presente diretiva prevaleça, salvo disposição explícita em contrário. Em especial, a presente diretiva não prejudica a Diretiva [2008/52], que já define um quadro para sistemas de mediação a nível da União, nomeadamente para litígios transfronteiriços, nem obsta à aplicação dessa diretiva a sistemas de mediação internos. A presente diretiva destina‑se a ser aplicada horizontalmente a todos os tipos de procedimentos de RAL, incluindo os procedimentos de RAL abrangidos pela Diretiva [2008/52].

[…]

(45)

O direito à ação e a um tribunal imparcial são direitos fundamentais previstos pelo artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Por conseguinte, os procedimentos de RAL não deverão ser concebidos para substituir os processos em tribunal nem privar os consumidores ou os comerciantes do seu direito de procurar obter reparação perante os tribunais. A presente diretiva não deverá impedir as partes de exercer o seu direito de acesso ao sistema judicial. Se um litígio não puder ser dirimido através de um procedimento de RAL cujo resultado não seja vinculativo, as partes não deverão ficar impedidas de instaurar um processo judicial relativo a esse litígio. Os Estados‑Membros deverão ser livres de escolher os meios adequados para alcançar este objetivo. Deverão poder prever, nomeadamente, que os prazos de prescrição ou caducidade não expirem durante o procedimento de RAL.»

9

O artigo 1.o desta diretiva tem a seguinte redação:

«O objetivo da presente diretiva é contribuir, através da realização de um elevado nível de defesa do consumidor, para o bom funcionamento do mercado interno, assegurando que os consumidores possam apresentar, voluntariamente, queixas contra os comerciantes a entidades que facultem procedimentos [de RAL] independentes, imparciais, transparentes, eficazes, céleres e equitativos de resolução de litígios. A presente diretiva aplica‑se sem prejuízo da legislação nacional que obriga à participação nesses procedimentos, desde que tal legislação não impeça as partes de exercer o seu direito de acesso ao sistema judicial.»

10

O artigo 3.o desta diretiva prevê:

«1.   Salvo disposição em contrário da presente diretiva, se uma disposição da presente diretiva entrar em conflito com uma disposição estabelecida noutra legislação da União relativa a procedimentos extrajudiciais de reparação iniciados por um consumidor contra um comerciante, prevalece a disposição da presente diretiva.

2.   A presente diretiva é aplicável sem prejuízo da Diretiva [2008/52].

[…]»

11

O artigo 4.o da mesma diretiva tem a seguinte redação:

«1.   Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)

“Consumidor”, qualquer pessoa singular que atue com fins que não se incluam no âmbito da sua atividade comercial, empresarial, artesanal ou profissional;

b)

“Comerciante”, uma pessoa singular ou coletiva, pública ou privada, quando atue, nomeadamente por intermédio de outra pessoa que atue em seu nome ou por sua conta, com fins que se incluam no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional;

c)

“Contrato de venda”, um contrato ao abrigo do qual o comerciante transfere ou se compromete a transferir a propriedade de bens para o consumidor e o consumidor paga ou se compromete a pagar o respetivo preço, incluindo qualquer contrato que tenha por objeto simultaneamente bens e serviços;

d)

“Contrato de serviços”, um contrato, com exceção de um contrato de venda, ao abrigo do qual o comerciante presta ou se compromete a prestar um serviço ao consumidor e o consumidor paga ou se compromete a pagar o respetivo preço;

e)

“Litígio nacional”, um litígio em matéria contratual resultante de um contrato de venda ou de serviços se o consumidor, no momento em que encomenda os bens ou serviços, residir no mesmo Estado‑Membro em que o comerciante está estabelecido;

f)

“Litígio transfronteiriço”, um litígio em matéria contratual resultante de um contrato de venda ou de serviços se o consumidor, no momento em que encomenda os bens ou serviços, residir num Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro em que o comerciante está estabelecido;

g)

“Procedimento de RAL”, um procedimento, tal como referido no artigo 2.o, que cumpra os requisitos previstos na presente diretiva e seja efetuado por uma entidade de RAL;

h)

“Entidade de RAL”, uma entidade, independentemente da sua designação ou referência, que esteja estabelecida com caráter duradouro, que faculte a resolução de litígios através de procedimentos de RAL e que figure na lista a que se refere o artigo 20.o, n.o 2;

i)

“Autoridade competente”, uma autoridade pública designada por um Estado‑Membro para efeitos da presente diretiva e estabelecida a nível nacional, regional ou local.

2.   Um comerciante está estabelecido:

se se tratar de uma pessoa singular, no local em que exerça a sua atividade,

se se tratar de uma empresa ou de outro tipo de pessoa coletiva, ou de uma associação de pessoas singulares ou coletivas, no local em que tenha a sua sede social ou a sua administração central ou em que exerça a sua atividade, incluindo uma sucursal, agência ou qualquer outro estabelecimento.

3.   Uma entidade de RAL está estabelecida:

se for operada por uma pessoa singular, no local em que exerça atividades de RAL,

se for operada por uma pessoa coletiva ou por uma associação de pessoas singulares ou coletivas, no local em que a pessoa coletiva ou a associação de pessoas singulares e coletivas exerça atividades de RAL ou tenha a sua sede social,

se for operada por uma autoridade ou por outro organismo público, no local em que essa autoridade ou outro organismo público tenha a sua sede.»

12

O artigo 8.o da Diretiva 2013/11 está redigido nestes termos:

«Os Estados‑Membros asseguram que os procedimentos de RAL sejam eficazes e cumpram os seguintes requisitos:

a)

Os procedimentos de RAL devem estar disponíveis e ser facilmente acessíveis, tanto em linha como por meios convencionais, para ambas as partes, independentemente do local onde estiverem;

b)

As partes devem ter acesso aos procedimentos de RAL sem ser obrigadas a recorrer a um advogado ou a um conselheiro jurídico. O procedimento não pode privar as partes do direito que lhes assiste de recorrer a aconselhamento independente ou de ser representadas ou assistidas por terceiros em qualquer fase do procedimento;

c)

Os procedimentos de RAL devem ser gratuitos ou estar disponíveis para os consumidores contra o pagamento de uma taxa nominal.

[…]»

13

Nos termos do artigo 9.o desta diretiva:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que, em procedimentos de RAL:

[…]

b)

as partes sejam informadas de que não são obrigadas a recorrer a um advogado ou conselheiro jurídico, mas podem solicitar aconselhamento independente ou ser representadas ou assistidas por terceiros em qualquer fase do procedimento;

[…]

2.   Em procedimentos de RAL que visem a resolução do litígio propondo uma solução, os Estados‑Membros asseguram que as partes:

a)

Tenham a possibilidade de se retirar do procedimento em qualquer momento se não estiverem satisfeitas com o desempenho ou com o funcionamento do procedimento. Devem ser informadas desse direito antes do início do procedimento. Caso as regras nacionais prevejam a participação obrigatória do comerciante em procedimentos de RAL, a presente alínea aplica‑se apenas ao consumidor;

30.   Caso, nos termos da legislação nacional, os procedimentos de RAL prevejam que o seu resultado é vinculativo para o comerciante assim que o consumidor tiver aceitado a solução proposta, o artigo 9.o, n.o 2, deve ser entendido como sendo aplicável apenas ao consumidor.»

14

O artigo 12.o da referida diretiva dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que as partes que, na tentativa de solucionar um litígio, recorram a procedimentos de RAL cujo resultado não é vinculativo, não sejam ulteriormente impedidas de intentar uma ação em tribunal relativamente a esse litígio devido à expiração dos prazos de prescrição e caducidade durante o procedimento de RAL.

2.   O n.o 1 não prejudica as disposições relativas aos prazos de prescrição e caducidade previstos em acordos internacionais em que os Estados‑Membros sejam partes.»

Direito italiano

15

O artigo 4.o, n.o 3, do decreto legislativo n.o 28 Attuazione dell’articolo 60 della legge 18 giugno 2009, n.o 69, in materia di mediazione finalizzata alla conciliazione delle controversie civili e commerciali (Decreto Legislativo n.o 28, adotado para a aplicação do artigo 60.o da Lei n.o 69, de 18 de junho de 2009, relativa à mediação destinada à conciliação de litígios civis e comerciais), de 4 de março de 2010 (GURI n.o 53, de 5 de março de 2010, p. 1, a seguir «Decreto Legislativo n.o 28/2010»), que transpõe a Diretiva 2008/52 para o direito italiano, na sua versão aplicável ratione temporis, prevê:

«Quando o cliente recorre a um advogado, este é obrigado a informá‑lo da possibilidade de utilizar o procedimento de mediação regulamentado no presente decreto e da flexibilidade fiscal a que se referem os artigos 17.o e 20.o O advogado informa também o cliente em casos em que a promoção do processo de mediação é um requisito da admissibilidade da ação judicial. A informação deve ser fornecida de forma clara e por escrito. No caso de violação das obrigações de informação, o contrato entre o advogado e o assistido é anulável […]»

16

O artigo 5.o do Decreto Legislativo n.o 28/2010 dispõe:

«[…]

1‑bis.   Quem pretender intentar uma ação judicial num litígio em matéria de […] contratos de seguros, de contratos bancários e financeiros deve previamente, com a assistência do seu advogado, promover o procedimento de mediação previsto pelo presente decreto, ou o procedimento de conciliação previsto pelo Decreto Legislativo de 8 de outubro de 2007, n.o 179, ou o procedimento instituído em aplicação do artigo 128.o‑A do Texto único das leis em matéria bancária e de crédito previsto no Decreto Legislativo de 1 de setembro de 1993, n.o 385, conforme posteriormente alterado, quanto aos domínios por ele regidos. A instauração do procedimento de mediação constitui uma condição de admissibilidade da ação judicial. […]

[…]

2‑bis.   Quando a instauração do procedimento de mediação constituir uma condição de admissibilidade da ação judicial, considera‑se que esta condição está satisfeita se a primeira reunião perante o mediador terminar sem acordo.

[…]

4.   Os n.os 1‑bis e 2 não se aplicam:

a)

Nos processos de injunção, incluindo a oposição, até ser proferida a decisão quanto aos pedidos de concessão e de suspensão da execução provisória;

[…]»

17

O artigo 8.o deste decreto legislativo tem a seguinte redação:

«1.   No ato da apresentação do pedido de mediação, o responsável da entidade designará um mediador e marcará a primeira reunião entre as partes num prazo não superior a trinta dias a contar da data de apresentação do pedido. O pedido e a data da primeira reunião são comunicadas à outra parte por qualquer meio que permita assegurar a sua receção, também pelo requerente. Na primeira reunião e nas reuniões seguintes [das partes com o mediador], e até ao termo do procedimento, as partes devem participar acompanhadas de um advogado. […]

[…]

4‑bis.   Da falta de participação no procedimento de mediação sem motivo justificado, o juiz pode inferir elementos de prova para efeitos da posterior decisão, nos termos do artigo 116.o, n.o 2, do Código de Processo Civil. O juiz condenará a parte que, nos casos previstos no artigo 5.o, não tenha participado no procedimento sem motivo justificado, no pagamento ao Tesouro Público de uma quantia de valor correspondente à taxa de justiça unificada devida pelo processo judicial.

[…]»

18

O decreto legislativo n.o 130 Attuazione della direttiva 2013/11/UE sulla risoluzione alternativa delle controversie dei consumatori, che modifica il regolamento (CE) n.o 2006/2004 e la direttiva 2009/22/CE (Decreto Legislativo n.o 130, que transpõe a Diretiva 2013/11/UE sobre a resolução alternativa de litígios de consumo, que altera o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 e a Diretiva 2009/22/CE), de 6 de agosto de 2015 (GURI n.o 191, de 19 de agosto de 2015, a seguir «Decreto Legislativo n.o 130/2015») introduziu, no decreto legislativo n.o 206, recante Codice del consumo (Decreto Legislativo n.o 206, de 6 de setembro de 2005, que aprova o Código do Consumo), de6 de setembro de 2005 (GURI n.o 235, de 8 de outubro de 2005, a seguir «Código do Consumo»), o título II‑bis, intitulado «Resolução extrajudicial dos litígios». O artigo 141.o deste código, conforme alterado pelo Decreto Legislativo n.o 130/2015, que figura neste novo título, prevê:

«[…]

4.   As disposições referidas no presente título são aplicáveis aos procedimentos voluntários de resolução extrajudicial, também por via telemática, de litígios nacionais e transfronteiriços, entre consumidores e comerciantes residentes e estabelecidos na União Europeia, no âmbito dos quais a entidade de RAL propõe uma solução ou reúne as partes com o objetivo de facilitar uma solução amigável e, em especial, às entidades de mediação para o tratamento dos assuntos em matéria de consumo registadas na secção especial a que se refere o artigo 16.o n.os 2 e 4, do [Decreto Legislativo n.o 28/2010], e às outras entidades de RAL instituídas ou inscritas nas listas elaboradas e controladas pelas autoridades a que se refere o n.o 1, alínea i), após verificação da existência das condições e da conformidade da sua organização e dos seus procedimentos com as disposições do presente título. […]

[…]

6.   O presente texto não prejudica as seguintes disposições que preveem a obrigatoriedade dos procedimentos de resolução extrajudicial dos litígios:

a)

Artigo 5.o, n.o 1‑bis, do [Decreto Legislativo n.o 28/2010], que regula os casos em que constitui um requisito de admissibilidade a mediação relativa à conciliação dos litígios em matéria civil e comercial;

[…]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

19

O Banco Popolare concedeu a L. Menini e a M. A. Rampanelli aberturas de crédito em conta‑corrente com base em três contratos sucessivos, a fim de lhes permitir adquirir ações, entre as quais ações emitidas pelo próprio Banco Popolare ou por outras sociedades a este pertencentes.

20

Em 15 de junho de 2015, o Banco Popolare obteve uma injunção de pagamento contra L. Menini e M. A. Rampanelli, no montante de 991848,21 euros, correspondente ao saldo que, segundo o Banco Popolare, lhe era devido ao abrigo de um contrato assinado em 16 de julho de 2009 para efeitos da abertura de uma conta‑corrente com garantia hipotecária. L. Menini e M. A. Rampanelli deduziram oposição contra esta injunção e requereram a suspensão das medidas de execução provisória associadas a esta.

21

O órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunale Ordinario di Verona (Tribunal de Verona, Itália), salienta que, por força do direito nacional, tal procedimento de oposição só é admissível se as partes tiverem previamente promovido um processo de mediação, em aplicação do artigo 5.o, n.os 1‑bis e 4, do Decreto Legislativo n.o 28/2010. Constata igualmente que o litígio que lhe cabe decidir é abrangido pelo âmbito de aplicação do Código do Consumo, conforme alterado pelo Decreto Legislativo n.o 130/2015, que transpôs para o direito italiano a Diretiva 2013/11. Com efeito, L. Menini e M. A. Rampanelli deveriam ser considerados «consumidores», na aceção do artigo 4.o, alínea a), desta diretiva, porquanto celebraram contratos qualificáveis de «contratos de serviço», na aceção do artigo 4.o, alínea d), da referida diretiva.

22

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, não se afigura claramente que o facto de a Diretiva 2013/11 referir expressamente a Diretiva 2008/52 implique que a primeira destas diretivas tenha pretendido reservar aos Estados‑Membros a faculdade de prever o recurso obrigatório a um processo de mediação em vez de ao RAL previsto na Diretiva 2013/11 em matéria de litígios que envolvam consumidores. Com efeito, o artigo 5.o, n.o 2, da Diretiva 2008/52 não tem caráter imperativo, uma vez que permite aos Estados‑Membros prever a mediação como requisito de admissibilidade das ações judiciais, deixando essa opção ao critério dos Estados‑Membros.

23

Assim sendo, o órgão jurisdicional de reenvio considera que as disposições de direito italiano em matéria de mediação obrigatória são contrárias à Diretiva 2013/11. Com efeito, esta diretiva institui um sistema único, exclusivo e harmonizado para os litígios que envolvam os consumidores, vinculando os Estados‑Membros quanto à realização do objetivo prosseguido por esta diretiva. Por conseguinte, esta última deveria aplicar‑se também aos processos abrangidos pela Diretiva 2008/52.

24

O órgão jurisdicional de reenvio sublinha igualmente o facto de o artigo 9.o, da Diretiva 2013/11 conferir às partes não só a opção de participar ou não no procedimento de RAL mas também de se retirar do mesmo a qualquer momento, pelo que o recurso obrigatório à mediação, previsto pelo direito nacional, coloca o consumidor numa posição mais desfavorável do que aquela em que se encontraria se tal recurso tivesse caráter meramente facultativo.

25

Por último, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o processo de mediação obrigatória previsto pelo direito nacional não é conforme com o artigo 9.o, n.o 2, da Diretiva 2013/11, na medida em que, no procedimento nacional, as partes não se podem retirar do processo de mediação a qualquer momento e sem condições se não estiverem satisfeitos com as prestações ou o funcionamento deste processo. Só o podem fazer se invocarem um motivo atendível, sob pena de ficarem sujeitos a uma sanção pecuniária que o juiz é obrigado a aplicar‑lhes, ainda que a parte que assim tivesse renunciado ao processo de mediação obtivesse ganho de causa no termo do processo do judicial.

26

Nestas condições, o Tribunale Ordinario di Verona (Tribunal de Verona) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2013/11, na medida em que prevê que a diretiva é aplicável “sem prejuízo da Diretiva 2008/52”, ser interpretado no sentido de que se mantém a possibilidade de os Estados‑Membros preverem a mediação obrigatória unicamente nos casos abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2013/11, isto é, nos casos a que se refere o artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 2013/11, os litígios contratuais resultantes de contratos diferentes dos de compra e venda e de prestação de serviços e litígios não respeitantes aos consumidores?

2)

Deve o artigo 1.o da Diretiva 2013/11, na parte em que assegura aos consumidores a possibilidade de apresentarem reclamações contra os comerciantes nas entidades de resolução alternativa de litígios, ser interpretado no sentido de que essa disposição se opõe a uma norma nacional que prevê o recurso à mediação, num litígio ao abrigo do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2013/11, como requisito de admissibilidade processual do pedido judicial apresentado pela parte qualificada de consumidor, e, em qualquer caso, a uma disposição nacional que preveja a assistência obrigatória de advogado, com os respetivos custos para o consumidor que participa na mediação relativa a um dos referidos litígios, bem como a possibilidade de não participar na mediação apenas no caso de haver um motivo justificado?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

27

Os Governos italiano e alemão contestam a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial por considerarem que a Diretiva 2013/11 não é aplicável ao litígio no processo principal. O Governo italiano alega que este litígio se inscreve no prolongamento de um procedimento de injunção de pagamento iniciado por um comerciante contra um consumidor, pelo que está excluído do âmbito de aplicação da Diretiva 2013/11. Por sua vez, o Governo alemão considera que o órgão jurisdicional de reenvio não especifica se o procedimento de mediação instituído pelo Decreto Legislativo n.o 28/2010 constitui um «procedimento de RAL» que decorre numa «entidade de RAL», conforme definidos pela Diretiva 2013/11, sendo só nesse caso que esta diretiva seria aplicável.

28

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a recusa, por parte deste último, de um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional só é possível quando se afigure manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem qualquer relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema é hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispõe de elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são submetidas (acórdão de 14 de março de 2013, Allianz Hungária Biztosító e o., C‑32/11, EU:C:2013:160, n.o 26 e jurisprudência referida).

29

No caso em apreço, afigura‑se, no entanto, que a questão de saber se a Diretiva 2013/11 é aplicável ao litígio no processo principal está indissociavelmente ligada às respostas que devem ser dadas ao presente pedido de decisão prejudicial. Nestas condições, o Tribunal de Justiça é competente para responder a esse pedido (v., por analogia, acórdão de 7 de março de 2017, X e X, C‑638/16 PPU, EU:C:2017:173, n.o 37 e jurisprudência referida).

Quanto à primeira questão

30

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2013/11, na medida em que prevê que esta diretiva se aplica «sem prejuízo» da Diretiva 2008/52, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê um processo de mediação obrigatória nos litígios a que se refere o artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2013/11.

31

Há que recordar que o artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2008/52 prevê que esta tem por objetivo facilitar o acesso a processos alternativos de resolução dos litígios e facilitar a resolução amigável dos litígios, incentivando o recurso à mediação. O n.o 2 do referido artigo salienta que esta diretiva é aplicável aos litígios transfronteiriços em matéria civil e comercial, a saber, em conformidade com o seu artigo 2.o, qualquer litígio em que pelo menos uma das partes tenha domicílio ou residência habitual num Estado‑Membro distinto do Estado‑Membro de qualquer das outras partes.

32

Ora, no caso vertente, é pacífico que o litígio no processo principal não constitui esse litígio transfronteiriço.

33

Na verdade, como enuncia o considerando 8 da Diretiva 2008/52, nada impede os Estados‑Membros de aplicar esta diretiva aos processos de mediação internos, opção que, como resulta do pedido de decisão prejudicial, foi escolhida pelo legislador italiano. No mesmo sentido, o considerando 19 da Diretiva 2013/11 recorda que a Diretiva 2008/52 define um quadro para os sistemas de mediação a nível da União para os litígios transfronteiriços, sem prejuízo da sua aplicação aos sistemas de mediação internos.

34

Contudo, como salientou o advogado‑geral no n.o 60 das suas conclusões, a escolha do legislador italiano de alargar a aplicação das disposições do Decreto Legislativo n.o 28/2010 aos litígios nacionais não pode ter o efeito de alargar o âmbito de aplicação da Diretiva 2008/52, conforme definido no seu artigo 1.o, n.o 2.

35

Daqui resulta que, dado que a Diretiva 2008/52 não é aplicável a um litígio como o que está em causa no processo principal, não é necessário, no presente processo, pronunciar‑se sobre a questão da articulação entre esta diretiva e a Diretiva 2013/11. Quanto à questão de saber se esta última diretiva se opõe a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, essa questão é precisamente objeto da segunda questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, pelo que deverá ser analisada nesse âmbito.

36

Atendendo às considerações precedentes, não é necessário responder à primeira questão.

Quanto à segunda questão

37

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2013/11 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê, em primeiro lugar, o recurso obrigatório ao processo de mediação, nos litígios a que se refere o artigo 2.o, n.o 1, desta diretiva, como requisito de admissibilidade da ação judicial relativa a esses mesmos litígios, em segundo lugar, que, no âmbito dessa mediação, os consumidores devem ser assistidos por um advogado e, em terceiro lugar, que os consumidores só podem eludir um recurso prévio à mediação se provarem que existe um motivo atendível que justifique essa decisão.

38

Para responder a esta questão, importa analisar, a título preliminar, se a Diretiva 2013/11 é aplicável a uma regulamentação como a que está em causa no processo principal.

39

A este respeito, cumpre referir que, em conformidade com o seu artigo 1.o, a Diretiva 2013/11 visa assegurar que os consumidores possam apresentar, voluntariamente, queixas contra os comerciantes recorrendo a procedimentos de RAL.

40

A Diretiva 2013/11 não se aplica a todos os litígios que envolvam consumidores, mas só aos procedimentos que preencham os seguintes requisitos cumulativos, a saber, em primeiro lugar, o procedimento deve ter sido iniciado por um consumidor contra um comerciante a propósito das obrigações contratuais decorrentes de contratos de venda ou de prestação de serviços; em segundo lugar, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva 2013/11, este procedimento deve cumprir os requisitos previstos nessa diretiva, designadamente, a esse título, ser independente, imparcial, transparente, eficaz, célere e equitativo; em terceiro lugar, o referido procedimento deve ser confiado a uma entidade de RAL, ou seja, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, alínea h), da mesma diretiva, a uma entidade, independentemente do modo como esta é designada, que esteja estabelecida com caráter duradouro, e que proponha a resolução de um litígio através de um procedimento de RAL, e que figure na lista fixada em conformidade com o artigo 20.o, n.o 2, da Diretiva 2013/11, a qual é notificada à Comissão Europeia.

41

Para determinar se a Diretiva 2013/11 é aplicável a um procedimento de RAL como o que está em causa no processo principal, há que analisar se estes requisitos estão preenchidos.

42

Quanto ao primeiro requisito, a questão de saber se um procedimento de RAL, como o que está em causa no processo principal, deve ser considerado como tendo sido iniciado não por um comerciante, mas por um consumidor, está sujeita à apreciação do juiz nacional e à aplicação do direito interno de cada Estado‑Membro. Por conseguinte, no que diz respeito ao processo principal, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se a oposição deduzida contra uma injunção de pagamento e o pedido de suspensão da execução provisória ligado a esta medida constituem ou não uma reclamação apresentada por um consumidor, que reveste caráter autónomo relativamente ao procedimento de injunção de pagamento instaurado por uma instituição de crédito, como a que está em causa no processo principal.

43

No que diz respeito ao segundo e terceiro requisitos, o pedido de decisão prejudicial não especifica se o processo de mediação previsto na legislação italiana decorre numa entidade de RAL, em conformidade com a Diretiva 2013/11. Além disso, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se a entidade a que se refere o artigo 141.o, n.o 4, do Código do Consumo, conforme alterado pelo Decreto Legislativo n.o 130/2015 é uma entidade de RAL, que cumpre os requisitos estabelecidos pela Diretiva 2013/11, na medida em que isso constitui um requisito da aplicação desta.

44

Daqui resulta que a Diretiva 2013/11, sem prejuízo das verificações a efetuar pelo órgão jurisdicional de reenvio, é aplicável a uma regulamentação como a que está em causa no processo principal.

45

Quanto aos três elementos contidos na questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio e, em primeiro lugar, no que diz respeito à exigência de um processo de mediação como requisito de admissibilidade de uma ação judicial relativa ao litígio que é objeto desse processo, conforme previsto no artigo 5.o, n.o 1‑bis, do Decreto Legislativo n.o 28/2010, é certo que o artigo 1.o, primeiro período, da Diretiva 2013/11 prevê a faculdade de os consumidores apresentarem, «voluntariamente», queixas contra os comerciantes perante entidades de RAL.

46

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se, seguindo uma interpretação literal deste artigo 1.o, primeiro período, os Estados‑Membros estão autorizados a manter esse recurso prévio e obrigatório à mediação apenas para os tipos de litígios que não estão abrangidos pelo âmbito de aplicação desta diretiva.

47

Contudo, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no que respeita à interpretação das disposições do direito da União, importa ter em conta não só os termos destas mas igualmente os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que as mesmas fazem parte e o seu contexto (acórdão de 15 de outubro de 2014, Hoštická e o., C‑561/13, EU:C:2014:2287, n.o 29).

48

A este respeito, ainda que o artigo 1.o, primeiro período, da Diretiva 2013/11 utilize a expressão «voluntariamente», importa referir que o segundo período deste artigo prevê expressamente a possibilidade de os Estados‑Membros tornarem obrigatória a participação nesses procedimentos de RAL, desde que tal legislação não impeça as partes de exercer o seu direito de acesso à justiça.

49

Esta interpretação é corroborada pelo artigo 3.o, alínea a), da Diretiva 2008/52, que define a mediação como um processo estruturado, independentemente da sua designação ou do modo como lhe é feita referência, através do qual duas ou mais partes em litígio procuram voluntariamente alcançar um acordo sobre a resolução do seu litígio. Com efeito, este processo pode ser iniciado pelas partes, sugerido ou ordenado por um tribunal, ou imposto pelo direito de um Estado‑Membro. Além disso, em conformidade com o artigo 5.o, n.o 2, da Diretiva 2008/52, esta aplica‑se sem prejuízo de qualquer legislação nacional que torne obrigatório o recurso à mediação, desde que tal legislação não impeça as partes de exercerem o seu direito de acesso ao sistema judicial.

50

Conforme resulta do considerando 13 da Diretiva 2008/52, o caráter voluntário da mediação reside, portanto, não na liberdade das partes de recorrer ou não a este processo, mas no facto de que «as próprias partes são as responsáveis pelo processo, podendo organizá‑lo como quiserem e terminá‑lo a qualquer momento».

51

Por conseguinte, o que importa não é o caráter obrigatório ou facultativo do sistema de mediação, mas sim o facto de que o direito de acesso à justiça das partes seja preservado. Para o efeito, conforme salientou o advogado‑geral no n.o 75 das suas conclusões, os Estados‑Membros mantêm a sua plena autonomia legislativa, desde que seja respeitado o efeito útil da Diretiva 2013/11.

52

Consequentemente, o facto de uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, não só ter introduzido um processo de mediação extrajudicial mas, além disso, ter tornado obrigatório o recurso a este, antes de recorrer a um órgão jurisdicional, não é suscetível de comprometer a realização do objetivo da Diretiva 2013/11 (v., por analogia, acórdão de 18 de março de 2010, Alassini e o., C‑317/08 a C‑320/08, EU:C:2010:146, n.o 45).

53

É indubitavelmente pacífico que, ao fazer depender a admissibilidade de ações judiciais propostas nas matérias a que se refere o artigo 5.o, n.o 1‑bis, do Decreto Legislativo n.o 28/2010 da realização de uma tentativa de mediação obrigatória, a regulamentação nacional em causa no processo principal introduz uma etapa suplementar a superar antes de poder aceder ao juiz. Este requisito poderá afetar o princípio da proteção jurisdicional efetiva (v., neste sentido, acórdão de 18 de março de 2010, Alassini e o., C‑317/08 a C‑320/08, EU:C:2010:146, n.o 62).

54

Todavia, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que os direitos fundamentais não constituem prerrogativas absolutas, mas podem comportar restrições, na condição de que estas correspondam efetivamente a objetivos de interesse geral prosseguidos pela medida em causa e não impliquem, tendo em conta o objetivo prosseguido, uma intervenção desmedida e intolerável que atente contra a própria substância dos direitos assim garantidos (acórdão de 18 de março de 2010, Alassini e o., C‑317/08 a C‑320/08, EU:C:2010:146, n.o 63 e jurisprudência referida).

55

Como salientou o advogado‑geral no n.o 81 das suas conclusões, embora o acórdão de 18 de março de 2010, Alassini e o. (C‑317/08 a C‑320/08, EU:C:2010:146), respeitasse a um procedimento de conciliação, o raciocínio adotado pelo Tribunal de Justiça no âmbito deste acórdão é transponível para legislações nacionais que tornem obrigatório o recurso a outros procedimentos extrajudiciais, tais como o procedimento de mediação em causa no processo principal.

56

Assim, como enuncia, em substância, o considerando 45 da Diretiva 2013/11, os Estados‑Membros são livres de escolher os meios que consideram adequados para evitar que o acesso ao sistema judicial seja obstruído, entendendo‑se que, por um lado, o facto de o desenlace de um procedimento de RAL não ser vinculativo para as partes e, por outro, o facto de que os prazos de prescrição ou caducidade não expiram durante esse procedimento constituem dois meios que, entre outros, serão adequados para alcançar esse objetivo.

57

No que diz respeito ao caráter vinculativo do desenlace de um procedimento de RAL, o artigo 9.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2013/11 impõe aos Estados‑Membros que assegurem que, no âmbito deste procedimento, as partes tenham a possibilidade de se retirar do procedimento em qualquer momento se não estiverem satisfeitas com o seu desenrolar ou com o seu funcionamento. Além disso, em conformidade com o artigo 9.o, n.o 2, alínea b), desta diretiva, no termo do procedimento de RAL, é somente proposta às partes uma solução, sendo estas livres de a aceitar, de a recusar ou de a seguir.

58

Apesar de o artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2013/11 estabelecer a possibilidade de as legislações nacionais preverem que o resultado dos procedimentos de RAL seja vinculativo para o comerciante, essa possibilidade exige que o consumidor tenha previamente aceitado a solução proposta.

59

Quanto aos prazos de prescrição, o artigo 12.o da Diretiva 2013/11 prevê que os Estados‑Membros devem assegurar que as partes que recorram a procedimentos de RAL para tentar resolver um litígio não sejam ulteriormente impedidas de intentar uma ação judicial pelo facto de o prazo de prescrição ter expirado no decurso do referido procedimento.

60

Além disso, nos termos do artigo 8.o, alínea a), da Diretiva 2013/11, o procedimento de RAL deve estar acessível, tanto em linha como por meios convencionais, para ambas as partes, independentemente do local onde estiverem.

61

Assim, a exigência de um processo de mediação como requisito de admissibilidade de uma ação judicial pode afigurar‑se compatível com o princípio da proteção jurisdicional efetiva, desde que esse processo não conduza a uma decisão vinculativa para as partes, não implique um atraso substancial para efeitos da propositura de uma ação judicial, suspenda a prescrição dos direitos em questão e não gere despesas, ou gere despesas de reduzida importância, para as partes, contanto que a via eletrónica não constitua o único meio de acesso ao referido processo de conciliação e que seja possível aplicar medidas provisórias nos casos excecionais em que a urgência da situação o imponha (v., neste sentido, acórdão de 18 de março de 2010, Alassini e o., C‑317/08 a C‑320/08, EU:C:2010:146, n.o 67).

62

Por conseguinte, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a legislação nacional em causa no processo principal, designadamente o artigo 5.o do Decreto Legislativo n.o 28/2010 e o artigo 141.o do Código do Consumo, conforme alterado pelo Decreto Legislativo n.o 130/2015, não impede as partes de exercerem o seu direito de acesso ao sistema judicial, em conformidade com o exigido pelo artigo 1.o da Diretiva 2013/11, por estarem cumpridos os requisitos referidos no número anterior.

63

Nesta medida, a exigência de um processo de mediação como requisito da admissibilidade de uma ação judicial é efetivamente compatível com o artigo 1.o da Diretiva 2013/11.

64

Em segundo lugar, quanto à obrigação, para o consumidor, de ser assistido por um advogado para iniciar um processo de mediação, a resposta a esta questão resulta da letra do artigo 8.o, alínea b), da Diretiva 2013/11. Com efeito, este artigo, relativo à eficácia do processo, dispõe que os Estados‑Membros devem assegurar que as partes tenham acesso aos procedimentos de RAL sem serem obrigadas a recorrer a um advogado ou a um conselheiro jurídico. Além disso, o artigo 9.o, n.o 1, alínea b), da referida diretiva prevê que as partes devem ser informadas de que não são obrigadas a recorrer a um advogado ou a um conselheiro jurídico.

65

Consequentemente, uma legislação nacional não pode exigir que o consumidor que participe num procedimento de RAL seja obrigatoriamente assistido por um advogado.

66

Por último, em terceiro lugar, quanto à questão de saber se a Diretiva 2013/11 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma disposição de direito nacional nos termos da qual os consumidores só podem retirar‑se de um processo de mediação se provarem que existe um motivo atendível que justifique essa decisão, sob pena de sanções no âmbito do processo judicial subsequente, deve considerar‑se que essa limitação é suscetível de restringir o acesso das partes à justiça, contrariamente ao objetivo prosseguido pela Diretiva 2013/11, recordado no seu artigo 1.o Com efeito, a eventual retirada do consumidor do procedimento de RAL não deve ter quaisquer consequências desfavoráveis para ele no âmbito da ação judicial relativa ao litígio que foi, ou devia ter sido, objeto desse processo.

67

Esta última consideração é corroborada pela redação do artigo 9.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2013/11, que, no que respeita aos procedimentos de RAL que visem a resolução do litígio propondo uma solução, impõe aos Estados‑Membros que assegurem que as partes tenham a possibilidade de se retirar do procedimento em qualquer momento se não estiverem satisfeitas com o desenrolar ou o funcionamento deste.

68

Esta mesma disposição especifica igualmente que, caso a legislação nacional preveja a participação obrigatória do comerciante em procedimentos de RAL, o consumidor, e apenas este, deve continuar a beneficiar desse direito de retirada.

69

Consequentemente, a Diretiva 2013/11 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que limita o direito dos consumidores de se retirarem de um processo de mediação à única hipótese de provarem que existe um motivo atendível que justifica essa decisão.

70

Assim sendo, há que observar que, na audiência, o Governo italiano declarou que a aplicação de uma sanção pelo juiz num processo posterior só está prevista em caso da falta de participação sem um motivo atendível no processo de mediação e não em caso de retirada do processo. Se for esse o caso, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, a Diretiva 2013/11 não se opõe a uma legislação nacional que só permite ao consumidor recusar‑se a participar num procedimento prévio de mediação por um motivo atendível, na medida em que pode pôr‑lhe termo sem restrições desde logo após o primeiro encontro com o mediador.

71

Atendendo às considerações precedentes, há que responder à segunda questão que:

A Diretiva 2013/11 deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê o recurso a um processo de mediação, nos litígios a que se refere o artigo 2.o, n.o 1, desta diretiva, como requisito de admissibilidade da ação judicial relativa a tais litígios, desde que essa exigência não impeça as partes de exercerem o seu direito de acesso ao sistema judicial.

Em contrapartida, a referida diretiva deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê que, no âmbito dessa mediação, os consumidores devem ser assistidos por um advogado e que só se podem retirar de um processo de mediação se provarem que existe um motivo atendível que justifica essa decisão.

Quanto às despesas

72

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

A Diretiva 2013/11/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2013, sobre a resolução alternativa de litígios de consumo, que altera o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 e a Diretiva 2009/22/CE (Diretiva RAL), deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê o recurso à mediação, nos litígios a que se refere o artigo 2.o, n.o 1, desta diretiva, como requisito de admissibilidade da ação judicial relativa a tais litígios, desde que essa exigência não impeça as partes de exercerem o seu direito de acesso ao sistema judicial.

 

Em contrapartida, a referida diretiva deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê que, no âmbito dessa mediação, os consumidores devem ser assistidos por um advogado e que só se podem retirar de um processo de mediação se provarem que existe um motivo atendível que justifica essa decisão.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.

( 1 ) O dispositivo do presente texto foi objeto de uma alteração de ordem linguística, posteriormente à sua disponibilização em linha.