CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PAOLO MENGOZZI

apresentadas em 12 de setembro de 2017 ( 1 )

Processo C‑291/16

Schweppes SA

contra

Red Paralela SL,

Red Paralela BCN SL, anteriormente Carbòniques Montaner SL,

na presença de

Orangina Schweppes Holding BV,

Schweppes International Ltd,

Exclusivas Ramírez SL

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Juzgado de lo Mercantil n.o 8 de Barcelona (Tribunal de Comércio n.o 8 de Barcelona, Espanha)]

«Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Marcas — Diretiva 2008/95/CE — Artigo 7.o, n.o 1 — Esgotamento do direito conferido pela marca — Marcas paralelas — Cessão de marcas para uma parte do território do Espaço Económico Europeu (EEE)»

1. 

Mais de 20 anos após o acórdão de 22 de junho de 1994, IHT Internationale Heiztechnik e Danzinger (C‑9/93, EU:C:1994:261), foram novamente submetidas ao Tribunal de Justiça questões prejudiciais que incidem sobre o esgotamento do direito conferido pela marca no âmbito da fragmentação voluntária de direitos paralelos com a mesma origem existentes em vários Estados do Espaço Económico Europeu (EEE). Neste contexto, o Tribunal de Justiça é chamado a refletir, uma vez mais, sobre o equilíbrio entre a proteção do direito de marca e a livre circulação de mercadorias.

2. 

O pedido de decisão prejudicial objeto do presente processo incide, designadamente, sobre a interpretação do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2008/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, que aproxima as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas ( 2 ), bem como do artigo 36.o TFUE.

3. 

O presente pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Schweppes SA, sociedade espanhola, à Red Paralela SL e à Red Paralela BCN SL, anteriormente Carbòniques Montaner SL (a seguir, em conjunto, «sociedades Red Paralela»), a propósito da importação em Espanha, por estas, de garrafas de água tónica que ostentam a marca SCHWEPPES provenientes do Reino Unido.

Litígio no processo principal, questões prejudiciais e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

4.

A origem da marca SCHWEPPES remonta ao ano de 1783, quando Jacob Schweppe inventou o primeiro processo industrial de carbonatação da água, dando origem à bebida então conhecida pelo nome de «Schweppes’s Soda Water», e fundou a sociedade J. Schweppe & Co. em Genebra (Suíça). Ao longo dos anos, a marca SCHWEPPES adquiriu prestígio a nível mundial no mercado das águas tónicas.

5.

Na Europa, o sinal «Schweppes» está registado como uma série de marcas nacionais, nominativas e figurativas, idênticas ou praticamente idênticas, em todos os Estados‑Membros do EEE.

6.

A Cadbury Schweppes foi, durante anos, titular única destes diferentes registos. Em 1999, a Cadbury Schweppes cedeu ao grupo The Coca‑Cola Company (a seguir «Coca‑Cola») os direitos relativos às marcas SCHWEPPES em treze Estados‑Membros do EEE, mantendo a titularidade destes direitos nos outros 18 Estados ( 3 ). Em 2009, a Cadbury Schweppes, que se tornou no Orangina Schweppes Group (a seguir «grupo Orangina Schweppes»), foi adquirida pelo grupo japonês Suntory.

7.

As marcas SCHWEPPES registadas em Espanha são detidas pela Schweppes International Ltd, filial inglesa da Orangina Schweppes Holding BV, sociedade‑mãe do grupo Orangina. A Schweppes, filial espanhola da Orangina Schweppes Holding, é titular de uma licença exclusiva para a exploração destas marcas em Espanha.

8.

Em 29 de maio de 2014, a Schweppes intentou uma ação de contrafação contra as sociedades Red Paralela devido à importação e comercialização em Espanha de garrafas de água tónica que ostentam a marca SCHWEPPES provenientes do Reino Unido. Segundo a Schweppes, estes atos são ilícitos, uma vez que as referidas garrafas de água tónica foram fabricadas e colocadas no mercado não por si ou com o seu consentimento, mas sim pela Coca‑Cola, que não apresenta qualquer relação com o grupo Orangina Schweppes. A Schweppes alega, neste contexto, que, tendo em conta a identidade dos sinais e dos produtos em causa, o consumidor não está em condições de distinguir a origem comercial destas garrafas.

9.

Contra esta ação de contrafação, as sociedades Red Paralela defenderam‑se invocando o esgotamento do direito conferido pela marca que resultaria, no que respeita aos produtos munidos da marca SCHWEPPES provenientes de Estados‑Membros da União Europeia onde a Coca‑Cola é titular desta marca, de um consentimento tácito. As sociedades Red Paralela afirmam, por outro lado, que existem, incontestavelmente, relações jurídicas e económicas entre a Coca‑Cola e a Schweppes International na exploração comum do sinal «Schweppes» como marca universal ( 4 ).

10.

De acordo com as constatações efetuadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, os factos pertinentes para efeitos do presente processo são os seguintes:

a Schweppes International potenciou, apesar do facto de apenas ser titular de marcas paralelas numa parte dos Estados‑Membros do EEE, uma imagem global da marca SCHWEPPES;

a Coca‑Cola, titular de marcas paralelas registadas nos outros Estados‑Membros do EEE, contribuiu para a manutenção desta imagem de marca global;

esta imagem global é fonte de confusão para o público relevante espanhol quanto à origem comercial dos produtos que ostentam a marca SCHWEPPES;

a Schweppes International é responsável pelo sítio web europeu especificamente dedicado à marca SCHWEPPES (www.schweppes.eu), que contém não só informações genéricas sobre os produtos desta marca como também ligações para outros sítios locais e, designadamente, para o sítio do Reino Unido que é gerido pela Coca‑Cola;

a Schweppes International, que não detém qualquer direito sobre a marca SCHWEPPES no Reino Unido (onde a marca é detida pela Coca‑Cola), anuncia no seu sítio web a origem britânica da marca;

a Schweppes International e a Schweppes utilizam a imagem de produtos do Reino Unido na sua publicidade;

a Schweppes International faz, no Reino Unido, a promoção e a informação à clientela no que respeita aos produtos que ostentam a marca SCHWEPPES nas redes sociais;

a apresentação de produtos com a marca SCHWEPPES comercializados pela Schweppes International é muito semelhante — ou até, em alguns Estados‑Membros, como o Reino da Dinamarca e o Reino dos Países Baixos, idêntica — à dos produtos que ostentam a mesma marca com origem do Reino Unido;

a Schweppes International, cuja sede é no Reino Unido, e a Coca‑Cola coexistem pacificamente no território do Reino Unido;

na sequência da cessão, em 1999, de uma parte das marcas paralelas à Coca‑Cola, os dois titulares das marcas SCHWEPPES no EEE solicitaram, paralelamente, nos seus territórios específicos, o registo de novas marcas SCHWEPPES idênticas ou semelhantes para os mesmos produtos (tais como, designadamente, a marca SCHWEPPES ZERO);

embora a Schweppes International seja a titular das marcas paralelas nos Países Baixos, a exploração da marca neste país (a saber, a elaboração, o engarrafamento e a comercialização do produto) é efetuada pela Coca‑Cola na qualidade de licenciado;

a Schweppes International não se opôs a que produtos que exibem a marca com origem do Reino Unido fossem comercializados em linha em vários Estados‑Membros do EEE, nos quais aquela é titular dos direitos sobre a marca SCHWEPPES, como na Alemanha e em França. Os produtos que ostentam esta marca são, além disso, vendidos em todo o território do EEE através de portais web, sem distinção da origem;

a Coca‑Cola não se opôs, com base nos seus direitos de marca, ao pedido de registo, pela Schweppes International, de um modelo da União que continha o elemento nominativo «Schweppes».

11.

Foi nestas circunstâncias que o Juzgado de lo Mercantil n.o 8 de Barcelona (Tribunal de Comércio n.o 8 de Barcelona, Espanha) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

É compatível com o artigo 36.o do [TFUE], com o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva [2008/95] e com o artigo 15.o, n.o 1 da Diretiva [2015/2436] que o titular de uma marca em um ou mais Estados‑Membros impeça a importação paralela ou a comercialização de produtos de marca idêntica ou praticamente idêntica de que seja titular um terceiro, provenientes de outro Estado‑Membro, quando o referido titular tenha potenciado uma imagem de marca global e associada ao Estado‑Membro de onde procedem os produtos que pretende proibir?

2)

É compatível com o artigo 36.o do [TFUE], com o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva [2008/95] e com o artigo 15.o, n.o 1 da Diretiva [2015/2436] a venda de um produto com marca, sendo esta notória dentro da UE, mantendo os titulares do registo uma imagem global da marca em todo o espaço económico europeu («EEE»), causando confusão ao consumidor médio relativamente à origem [comercial] do produto?

3)

É compatível com o artigo 36.o do [TFUE], com o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva [2008/95] e com o artigo 15.o, n.o 1 da Diretiva [2015/2436] que o titular de marcas nacionais idênticas ou semelhantes em diferentes Estados‑Membros se oponha à importação para um Estado‑Membro, onde é titular da marca de produtos identificados com uma marca idêntica ou semelhante à sua, provenientes de um Estado‑Membro onde não é titular, quando pelo menos no outro Estado‑Membro onde é titular da marca tenha consentido, expressa ou tacitamente, na importação desses mesmos produtos?

4)

É compatível com o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva [2008/95], com o artigo 15.o, n.o 1 da Diretiva [2015/2436] e com o artigo 36.o do [TFUE] que o titular A de uma marca X de um Estado‑Membro se oponha à importação de produtos identificados com a referida marca, quando esses produtos sejam provenientes de outro Estado‑Membro onde esteja registada uma marca idêntica à X (Y) por outro titular B que a comercializa e:

Ambos os titulares A e B mantêm intensas relações comerciais e económicas, ainda que não de estrita dependência, no que respeita à exploração conjunta da marca X;

Ambos os titulares A e B mantêm uma estratégia coordenada no que diz respeito à marca, potenciando deliberadamente perante o público relevante, uma aparência ou imagem de marca única e global; ou

Ambos os titulares A e B mantêm intensas relações comerciais e económicas, ainda que não de estrita dependência, tendo em vista a exploração conjunta da marca X e, além disso, mantêm uma estratégia coordenada no que diz respeito à marca, potenciando deliberadamente perante o público relevante una aparência ou imagem de marca única e global?»

12.

Foram apresentadas observações escritas perante o Tribunal de Justiça pela Schweppes, pelas sociedades Red Paralela, pela Schweppes International, pela Orangina Schweppes Holding, pelos Governo grego e neerlandês, bem como pela Comissão.

13.

A Schweppes, as sociedades Red Paralela, a Schweppes International, a Orangina Schweppes Holding e a Comissão foram ouvidas nas suas alegações orais na audiência de 31 de maio de 2017.

Análise

Quanto à admissibilidade das questões prejudiciais

14.

A Schweppes, a Schweppes International e a Orangina Schweppes Holding pedem, a título principal, que o Tribunal de Justiça declare o reenvio prejudicial inadmissível.

15.

Aquelas sociedades alegam, em primeiro lugar, que o contexto factual descrito pelo órgão jurisdicional de reenvio não só enferma de erros manifestos ( 5 ), como também é incompleto, na medida em que a posição da Schweppes e da Schweppes International foram deliberada e arbitrariamente omitidas, em violação dos seus direitos de defesa ( 6 ).

16.

A este respeito, recordo que, por força de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, no âmbito de um processo nos termos do artigo 267.o TFUE, baseado numa nítida separação de funções entre os tribunais nacionais e o Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional nacional é o único competente para verificar e apreciar os factos do litígio no processo principal ( 7 ). Neste contexto, cabe unicamente ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se sobre a interpretação ou a validade do direito da União à luz da situação de facto e de direito, tal como descrita pelo órgão jurisdicional de reenvio, a fim de fornecer a este último os elementos úteis à resolução do litígio que lhe foi submetido ( 8 ). Por conseguinte, é com base nos elementos de facto indicados pelo Juzgado de lo Mercantil n.o 8 de Barcelona (Tribunal de Comércio n.o 8 de Barcelona) na sua decisão de reenvio que importa responder às questões prejudiciais colocadas por este órgão jurisdicional.

17.

Em segundo lugar, a Schweppes, a Schweppes International e a Orangina Schweppes Holding alegam que as questões prejudiciais submetidas são abstratas e assentam em afirmações genéricas e hipotéticas. O Tribunal de Justiça estaria, assim, na impossibilidade de apreciar a sua necessidade e pertinência.

18.

De acordo com jurisprudência assente, o processo instituído no artigo 267.o TFUE é um instrumento de cooperação entre o Tribunal e os órgãos jurisdicionais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União que lhes são necessários para a resolução do litígio que lhes cabe decidir ( 9 ). No âmbito dessa cooperação, o juiz nacional a quem foi submetido o litígio é, à luz das especificidades do processo, o mais bem colocado para apreciar tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que coloca ao Tribunal ( 10 ). Não deixa de ser verdade que incumbe ao Tribunal de Justiça, se for caso disso, examinar as condições em que um órgão jurisdicional nacional lhe submete questões prejudiciais, de modo a verificar a sua própria competência, e, em especial, determinar se a interpretação do direito da União que é solicitada apresenta uma relação com a realidade e com o objeto do litígio no processo principal, de modo a não ser levado a formular pareceres sobre questões gerais ou hipotéticas ( 11 ).

19.

No caso em apreço, não decorre do reenvio prejudicial, nem dos documentos apresentados pela Schweppes, que as questões prejudiciais colocadas não tenham, manifestamente, relação com a realidade e/ou com o objeto do litígio. Essa relação não pode, de resto, ter origem apenas na contestação, por uma das partes no litígio, do mérito das constatações de ordem factual efetuadas pelo juiz de reenvio.

20.

Por último, a Schweppes, a Schweppes International e a Orangina Schweppes Holding alegam que, uma vez que a jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre o esgotamento do direito conferido pela marca está estabelecida e assente, a interpretação das disposições do direito da União solicitada pelo órgão jurisdicional de reenvio está abrangida pelo ato claro. A submissão ao Tribunal de Justiça não seria, então, necessária e o reenvio deveria ser declarado inadmissível.

21.

A este respeito, limito‑me a salientar o que o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de esclarecer que o facto de uma resposta a uma questão prejudicial poder ser claramente deduzida da jurisprudência ou não deixar margem para dúvidas razoáveis na aceção do acórdão de 6 de outubro de 1982, Cilfit e o. (283/81, EU:C:1982:335) — admitindo que fosse efetivamente esse o caso no presente processo — não impede, de forma alguma, um órgão jurisdicional nacional de colocar ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial ( 12 ) e não tem por efeito tornar o Tribunal de Justiça incompetente para decidir quanto a essa questão ( 13 ). Além disso, a jurisprudência decorrente do acórdão de 6 de outubro de 1982, Cilfit e o. (283/81, EU:C:1982:335), deixa apenas ao órgão jurisdicional nacional a competência para apreciar se é obrigatória a aplicação correta do direito da União com tal evidência que não existe margem para qualquer dúvida razoável e, por conseguinte, para decidir abster‑se de submeter ao Tribunal de Justiça uma questão de interpretação do direito da União que tenha sido suscitada perante si ( 14 ) e para a decidir sob a sua própria responsabilidade ( 15 ).

22.

Tendo em conta as considerações precedentes, importa declarar o reenvio prejudicial admissível.

Quanto ao mérito

23.

Através das suas quatro questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, no essencial, saber se o artigo 36.o TFUE e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2008/95 ( 16 ) proíbem, em circunstâncias como as descritas na decisão de reenvio, que o licenciado do titular de uma marca nacional invoque o direito exclusivo, de que beneficia por força da legislação do Estado‑Membro no qual a referida marca está registada, de se opor à importação e/ou à comercialização neste Estado de produtos que ostentam uma marca idêntica proveniente de outro Estado‑Membro, onde esta marca, que era anteriormente propriedade do grupo ao qual pertencem tanto o titular da marca no Estado de importação como o seu licenciado, é detida por um terceiro que adquiriu os respetivos direitos por cessão.

24.

Estas questões serão analisadas conjuntamente. Para o efeito, começarei por recordar os princípios estabelecidos pela jurisprudência em matéria de esgotamento do direito conferido pela marca, incluindo nos casos de fragmentação de direitos paralelos em vários Estados do EEE que tenham origem no mesmo titular. de seguida, analisarei a forma como estes princípios podem aplicar‑se nas circunstâncias do litígio no processo principal. Por último, com base nesta análise, proporei uma resposta às questões prejudiciais submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

Esgotamento do direito conferido pela marca

25.

As legislações dos Estados‑Membros reconhecem, em princípio, ao titular de uma marca o direito de se opor à importação e à comercialização por terceiros de produtos munidos desta marca ( 17 ). Quando os produtos proveem de outro Estado‑Membro, o exercício deste direito dá lugar a uma restrição à livre circulação de mercadorias. Sendo justificada por razões de proteção da propriedade industrial e comercial, essa restrição cai no âmbito de aplicação da primeira frase do artigo 36.o TFUE e é, assim, autorizada, a menos que constitua «um meio de discriminação arbitrária» ou uma «restrição dissimulada ao comércio entre os Estados‑Membros», nos termos da segunda frase deste artigo.

26.

Introduzido no direito da União por via jurisprudencial, e codificado no artigo 7.o, n.o 1, da Primeira Diretiva 89/104 ( 18 ), depois no artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2008/95 e, por último, no artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2015/2436 ( 19 ), o princípio do esgotamento do direito conferido pela marca delimita o alcance dos direitos de exclusividade reconhecidos pelos Estados‑Membros, com o objetivo de evitar que estes direitos sejam exercidos de forma a compartimentar o mercado interno através de uma segmentação dos mercados nacionais.

27.

Em nome de um equilíbrio entre a territorialidade da marca e a livre circulação de mercadorias, este princípio postula que, quando um produto que ostente legalmente a marca é introduzido no mercado na União (e, mais amplamente, no EEE) com o consentimento do titular ou por ele mesmo, este não pode, utilizando o seu direito de exclusividade, opor‑se à circulação posterior deste produto.

28.

A sua primeira formulação remonta ao acórdão de 31 de outubro de 1974, Centrafarm e de Peijper (16/74, EU:C:1974:115) ( 20 ). Neste acórdão, o Tribunal de Justiça relembrou, desde logo, que, se o Tratado não afeta a existência de direitos reconhecidos pela legislação de um Estado‑Membro em matéria de propriedade industrial e comercial, o exercício destes direitos pode, contudo, ser afetado pelas proibições do Tratado ( 21 ). O Tribunal de Justiça precisa, de seguida, que, «na medida em que se trata de uma norma excecional relativamente a um dos princípios fundamentais do mercado [interno], o artigo 36.o [TFUE] apenas admite […] derrogações à livre circulação de produtos quando tais derrogações são justificadas por razões da salvaguarda de direitos que constituem o objeto específico desta propriedade» ( 22 ). O Tribunal de Justiça prossegue referindo que, em matéria de marcas, o objeto específico da propriedade comercial é, designadamente, «assegurar ao titular o direito exclusivo de utilizar a marca, quando o produto é colocado no mercado pela primeira vez, e de assim o proteger contra os concorrentes que quisessem abusar da posição e reputação da marca vendendo produtos que indevidamente usassem essa mesma marca» ( 23 ). O Tribunal de Justiça conclui, tendo em conta esse objeto, que o obstáculo que resulta do direito, reconhecido ao titular da marca pela legislação de um Estado‑Membro em matéria de propriedade industrial e comercial, de se opor à importação do produto que ostenta a marca «não se justifica […] quando o produto foi licitamente comercializado no mercado do Estado‑Membro de onde foi importado, pelo próprio titular ou com o seu consentimento, não podendo assim estar em causa qualquer possibilidade de abuso ou de contrafação de marca» ( 24 ). No caso contrário, de acordo com o Tribunal de Justiça, o titular da marca «teria a possibilidade de fechar os mercados nacionais e de criar assim uma restrição no comércio entre os Estados‑Membros, sem que essa restrição fosse necessária para lhe garantir a essência do direito exclusivo que resulta da marca» ( 25 ). Por outras palavras, o comércio sofreria, nesse caso, «entraves injustificados» ( 26 ).

29.

A implementação do princípio do esgotamento pressupõe o preenchimento de duas condições, por um lado, a colocação no mercado do EEE de produtos que exibem a marca e, por outro, o consentimento do titular da marca a esta introdução no comércio, quando esta não é diretamente efetuada por si. Por força das limitações que este princípio comporta ao direito exclusivo do titular da marca, é possível observar uma tendência do Tribunal de Justiça para interpretar restritivamente os conceitos que condicionam a sua aplicação.

30.

Assim, no que respeita à primeira das duas condições supramencionadas, o Tribunal de Justiça, ao pronunciar‑se sobre a interpretação do artigo 7.o, n.o 1, da Primeira Diretiva 89/104, declarou que apenas existe «colocação no mercado», na aceção desta disposição, quando os produtos que exibem a marca são efetivamente vendidos, uma vez que é apenas este ato de venda que permite ao titular «realizar o valor económico da marca» e aos terceiros adquirir «o direito de dispor dos produtos que ostentam a marca» ( 27 ).

31.

No que respeita à segunda condição, relativa à imputabilidade da colocação no mercado de produtos que ostentam a marca ao titular desta, o Tribunal de Justiça precisou, ao interpretar o artigo 7.o, n.o 1, da Primeira Diretiva 89/104, que o consentimento a essa colocação no mercado «constitui o elemento determinante» do esgotamento do direito exclusivo conferido pela marca ( 28 ) e deve, assim, ser expresso «de uma forma que traduza inequivocamente uma vontade de renunciar a esse direito» ( 29 ).

32.

Essa vontade resulta normalmente de uma formulação expressa do referido consentimento ( 30 ). Porém, como já foi reconhecido pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 15 de outubro de 2009, Makro Zelfbedieningsgroothandel e o. (C‑324/08, EU:C:2009:633, n.o 23), as exigências resultantes da proteção da livre circulação de mercadorias conduziram a considerar que essa regra «é suscetível de sofrer alterações».

33.

Assim, por um lado, o Tribunal de Justiça declarou que o esgotamento do direito exclusivo conferido pela marca pode ocorrer, designadamente, quando a comercialização dos produtos é efetuada por um operador economicamente ligado ao titular da marca, tal como, designadamente, um licenciado ( 31 ). Voltarei a esta hipótese adiante nas presentes conclusões.

34.

Por outro lado, também resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, mesmo na hipótese de a primeira colocação no mercado dos produtos em causa no EEE ter sido efetuada por um sujeito sem nenhuma relação económica com o titular da marca e sem o seu consentimento explícito, a vontade de renunciar ao direito exclusivo conferido pela marca pode resultar de um consentimento implícito do referido titular, podendo esse consentimento ser deduzido com base nos critérios enunciados no n.o 46 do acórdão de 20 de novembro de 2001, Zino Davidoff e Levi Strauss (C‑414/99 a C‑416/99, EU:C:2001:617) ( 32 ).

35.

Neste acórdão, que dizia respeito a uma situação de primeira colocação no mercado de produtos que exibem a marca fora do EEE, mas cujo alcance geral foi reconhecido no acórdão de 15 de outubro de 2009, Makro Zelfbedieningsgroothandel e o. (C‑324/08, EU:C:2009:633, n.os 26 e segs.), o Tribunal de Justiça precisou que o consentimento pode resultar implicitamente de elementos e de circunstâncias anteriores, contemporâneas ou posteriores a esta colocação no mercado, que, apreciadas pelo juiz nacional, traduzam, de forma inequívoca, uma renúncia do titular ao seu direito ( 33 ).

36.

Nos n.os 53 a 58 do mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça acrescentou que tal consentimento implícito deve basear‑se em elementos suscetíveis de demonstrar positivamente a renúncia do referido titular da marca a opor o seu direito exclusivo e, em especial, o referido consentimento não pode ser deduzido de um simples silêncio desse titular ( 34 ). A este respeito, o Tribunal de Justiça precisou que um consentimento tácito não pode, designadamente, resultar da não comunicação pelo titular da marca, a todos os compradores sucessivos dos produtos comercializados fora do EEE, da sua oposição a uma comercialização no EEE, da não indicação, nos produtos, de uma proibição de colocação no mercado no EEE ou, ainda, da circunstância de o titular da marca ter transferido a propriedade dos produtos que ostentam a marca, sem impor reservas contratuais, e que, segundo a lei aplicável ao contrato, o direito de propriedade transferido engloba, na ausência de tais reservas, um direito de revenda ilimitado ou, pelo menos, um direito de comercializar posteriormente os produtos no EEE ( 35 ).

37.

No que respeita ao objeto do consentimento, o Tribunal de Justiça precisou que este último apenas diz respeito à «comercialização posterior» de produtos que exibem a marca, com a consequência de o princípio do esgotamento apenas operar a respeito de exemplares determinados do produto em causa, podendo sempre o titular proibir a utilização da marca para os exemplares que não tenham sido objeto de uma primeira colocação no mercado com o seu consentimento ( 36 ).

38.

Por último, importa relembrar que o Tribunal de Justiça afirmou repetidamente que as disposições das diretivas da União sobre as marcas que consagram o princípio do esgotamento do direito conferido pela marca devem ser interpretadas à luz das normas do Tratado relativas à livre circulação de mercadorias ( 37 ).

Esgotamento do direito conferido pela marca em caso de fragmentação de direitos exclusivos paralelos que tenham uma origem comum

39.

O Tribunal de Justiça foi, por três vezes, confrontado com a questão de saber se o titular de uma marca registada em vários Estados‑Membros, pertencente originariamente à mesma pessoa e que foi posteriormente objeto de uma fragmentação, seja voluntária, seja por via de coerção pública, pode opor‑se à importação para o território no qual o seu direito é protegido de produtos que ostentam a mesma marca, colocados em circulação num Estado‑Membro onde esta marca é detida por um terceiro.

40.

No processo que conduziu ao acórdão de 3 de julho de 1974, Van Zuylen (192/73, EU:C:1974:72) — proferido anteriormente ao acórdão de 31 de outubro de 1974, Centrafarm e de Peijper (16/74, EU:C:1974:115), que, conforme antes observado, consagrou o princípio do esgotamento em matéria de marcas —, os direitos sobre a marca HAG na Bélgica e no Luxemburgo tinham sido cedidos, em 1935, pelo seu titular, HAG AG, sociedade alemã, à sua filial belga Café Hag SA. Após a segunda guerra mundial, as ações da Café Hag, colocadas sob controlo pelas autoridades belgas como produtos inimigos, foram vendidas a terceiros. Em 1971, a Café Hag tinha cedido os seus direitos sobre a marca HAG na Bélgica e no Luxemburgo à sociedade Van Zuylen Frères, a qual não produzia, por si própria, os produtos que exibem a marca, antes se abastecendo junto da Café Hag. Tendo a HAG começado a distribuir aos retalhistas luxemburgueses produtos que ostentavam a marca alemã HAG, a Van Zuylen Frères interpôs uma ação de contrafação junto do tribunal d’arrondissement de Luxembourg (Tribunal de Primeira Instância do Luxemburgo), o qual tinha submetido ao Tribunal de Justiça duas questões prejudiciais relativas à aplicação aos factos do processo principal da interpretação das regras do Tratado relativas aos cartéis e à livre circulação de mercadorias.

41.

Após ter constatado que, na sequência da expropriação da Café Hag, não existia qualquer relação jurídica, financeira, técnica ou económica entre os dois titulares das marcas resultantes do fracionamento da marca HAG, o Tribunal de Justiça rejeitou a aplicação aos factos no processo principal do artigo 85.o CEE (artigo 101.o TFUE). No que respeita à interpretação das regras relativas à livre circulação de mercadorias, o Tribunal de Justiça recordou, desde logo, por um lado, que o direito de marca protege o detentor legítimo de uma marca contra a contrafação por parte de pessoas desprovidas de qualquer título jurídico e, por outro, que o exercício deste direito é suscetível de contribuir para o isolamento dos mercados e, assim, prejudicar a livre circulação de mercadorias entre os Estados‑Membros. O Tribunal de Justiça declarou, de seguida, que a exclusividade do direito à marca não pode ser invocada pelo detentor de uma marca com o objetivo de proibir num Estado‑Membro a comercialização de mercadorias legalmente produzidas noutro Estado‑Membro com uma marca idêntica e com a mesma origem ( 38 ) (teoria denominada da «identidade da origem») ( 39 ). Ao consagrar esta solução, o Tribunal de Justiça precisou, no n.o 14 do acórdão de 3 de julho de 1974, Van Zuylen (192/73, EU:C:1974:72), que, «[e]mbora nesse [mercado único] seja útil a indicação da origem de um produto de marca, a informação dos consumidores a este respeito pode ser realizada através de outros meios que não prejudiquem a livre circulação de mercadorias».

42.

A posição adotada pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 3 de julho de 1974, Van Zuylen (192/73, EU:C:1974:72) — antecipada, sob a perspetiva das regras de concorrência, pelo acórdão de 18 de fevereiro de 1971, Sirena (40/70, EU:C:1971:18, n.o 11), e confirmada pelo acórdão de 22 de junho de 1976, Terrapin (Overseas) (119/75, EU:C:1976:94, n.o 6) ( 40 ) ‐, foi refutada no acórdão de 17 de outubro de 1990, HAG GF (C‑10/89, EU:C:1990:359). O quadro factual era idêntico, com a única diferença de que, desta vez, era a HAG que pretendia opor‑se à importação para a Alemanha, pela sociedade que tinha sucedido à Van Zuylen Frères, de produtos que ostentavam a marca HAG provenientes da Bélgica. O Tribunal de Justiça considerou, contudo, ser «necessário reconsiderar a interpretação adotada neste acórdão, à luz da jurisprudência que se desenvolveu progressivamente no domínio das relações entre a propriedade industrial e comercial e as regras gerais do Tratado, nomeadamente no domínio da livre circulação de mercadorias» ( 41 ).

43.

Após ter recordado o princípio do esgotamento do direito conferido pela marca, tal como elaborado na sua jurisprudência, o Tribunal de Justiça sublinhou, antes de mais, que, para que a marca possa desempenhar o papel que lhe está atribuído no sistema de concorrência não falseado pretendido pelo Tratado, esta deve constituir a «garantia de que todos os produtos que a ostentam foram fabricados sob o controlo de uma única empresa à qual possa ser atribuída a responsabilidade pela qualidade daqueles». de seguida, o Tribunal de Justiça precisou que o objeto específico do direito de marca — para a proteção do qual são admitidas derrogações ao princípio fundamental da livre circulação de mercadorias — consiste, nomeadamente, em assegurar ao titular o direito de usar a marca para a primeira colocação do produto no mercado e que, para determinar o alcance exato deste direito exclusivo é necessário ter em atenção a função essencial desta, de garantir ao consumidor ou ao utilizador final a identidade de origem do produto que exibe a marca, permitindo‑lhe distinguir, sem confusão possível, aquele produto de outros que tenham proveniência diversa.

44.

A função de indicação de origem da marca torna‑se, no acórdão de 17 de outubro de 1990, HAG GF (C‑10/89, EU:C:1990:359), o elemento central em função do qual se aprecia a extensão do direito conferido pela marca, bem como os seus limites, enquanto, no acórdão de 3 de julho de 1974, Van Zuylen (192/73, EU:C:1974:72), o Tribunal de Justiça tinha reconhecido pouca importância a esta função na economia da sua argumentação (v. n.o 41 das presentes conclusões). Esta alteração de perspetiva conduziu o Tribunal de Justiça a considerar «a inexistência de qualquer elemento de consentimento» por parte da HAG relativamente à colocação em circulação noutro Estado‑Membro, com uma marca idêntica ou suscetível de gerar confusão, de um produto similar fabricado e comercializado «por uma empresa sem qualquer laço de dependência jurídica ou económica» com aquela, como um facto «determinante» para apreciar o direito de oposição à importação destes produtos para a Alemanha ( 42 ). Com efeito, se esse direito não fosse reconhecido ao titular de uma marca, os consumidores já não estariam em condições de identificar com certeza a origem dos produtos que exibem a marca. O titular da marca arriscar‑se‑ia a que lhe fosse «imputada a má qualidade de um produto pelo qual não seria de forma alguma responsável» ( 43 ). de acordo com o Tribunal de Justiça, o facto de as duas marcas em causa terem pertencido inicialmente ao mesmo titular não tem relevância, uma vez que, «a partir da expropriação e apesar da origem comum, cada uma das marcas cumpriu a função de garantir, no seu próprio âmbito territorial, que os produtos que a exibem provêm cada um de sua fonte de forma independente» ( 44 ).

45.

O Tribunal de Justiça abandonou definitivamente a teoria da identidade da origem no acórdão de 22 de junho de 1994, IHT Internationale Heiztechnik e Danzinger (C‑9/93, EU:C:1994:261).

46.

O contexto factual do processo principal que deu origem a este acórdão distinguia‑se do dos processos principais que conduziram aos acórdãos de 3 de julho de 1974, Van Zuylen (192/73, EU:C:1974:72), e de 17 de outubro de 1990, HAG GF (C‑10/89, EU:C:1990:359), essencialmente na medida em que o fracionamento da marca em causa resultava não de um ato da autoridade pública, mas sim de uma cessão voluntária, ocorrida no âmbito de um processo de acordo. A cessão havia incidido apenas sobre uma parte da atividade da filial francesa do grupo American Standard, que detinha, através das suas filiais alemã e francesa intermédias, a marca IDEAL‑STANDARD na Alemanha e em França. A filial alemã da American Standard havia‑se oposto à comercialização na Alemanha de produtos que ostentavam a mesma marca de que aquela era titular neste Estado‑Membro e importados de França, onde eram fabricados pela sociedade cessionária da filial francesa do grupo. Esta comercialização era efetuada por uma filial, estabelecida na Alemanha, da sociedade cessionária. Diferentemente dos processos principais que deram origem aos acórdãos de 3 de julho de 1974, Van Zuylen (192/73, EU:C:1974:72), e de 17 de outubro de 1990, HAG GF (C‑10/89, EU:C:1990:359), os produtos em causa não eram idênticos, mas apenas similares, aos fabricados pelo titular da marca na Alemanha.

47.

Na fundamentação do acórdão de 22 de junho de 1994, IHT Internationale Heiztechnik e Danzinger (C‑9/93, EU:C:1994:261), o Tribunal de Justiça sublinhou, desde logo, que os títulos nacionais em matéria de marcas não são apenas territoriais, mas também são independentes uns dos outros e que esta independência implica que o direito sobre uma marca possa ser cedido para um país sem ser simultaneamente cedido pelo seu titular para outros países ( 45 ). O Tribunal de Justiça recordou, de seguida, o objeto do direito de marca, bem como os limites que o princípio do esgotamento impõe ao exercício deste direito.

48.

Neste contexto, o Tribunal de Justiça precisou, no n.o 34 do referido acórdão, que este princípio «funciona quando o titular da marca no Estado importador e o titular da marca no Estado exportador são idênticos ou quando, mesmo que sejam pessoas distintas, estão economicamente ligados» ( 46 ), e identificou diversas situações em que o referido princípio é aplicável, a saber, para além da hipótese em que os produtos que exibem a marca são colocados em circulação pela mesma empresa, os casos em que essa colocação em circulação é efetuada por um licenciado, por uma sociedade‑mãe ou por uma filial do mesmo grupo, ou ainda por um concessionário exclusivo. de acordo com o Tribunal de Justiça, todos estes casos têm em comum o facto de os produtos que ostentam a marca serem fabricados sob o controlo de uma mesma entidade, de modo que a livre circulação destes produtos não põe em causa a função da marca. A este propósito, o Tribunal de Justiça também esclareceu que o elemento determinante é «a possibilidade de um controlo sobre a qualidade dos produtos e não o exercício efetivo deste controlo» ( 47 ).

49.

Quanto à aplicação destes princípios ao caso de cessão da marca limitada a um ou a vários Estados‑Membros, o Tribunal de Justiça precisou que esta situação deve nitidamente distinguir‑se do caso em que os produtos importados provêm de um licenciado ou de uma filial para a qual foi transmitida a titularidade do direito de marca no Estado exportador. Com efeito, tal como salienta o Tribunal de Justiça, «[e]m si mesmo, isto é, na ausência de qualquer vínculo económico, o contrato de cessão não confere […] ao cedente os meios de controlar a qualidade dos produtos comercializados e marcados pelo cessionário» ( 48 ) nem permite considerar que o cedente consentiu implicitamente a que estes produtos circulassem em territórios nos quais ainda detém o seu direito de marca ( 49 ).

50.

Com base nestas considerações, e rejeitando os argumentos contrários apresentados pela Comissão e pela sociedade importadora, o Tribunal de Justiça alargou «[a] solução do isolamento dos mercados» ( 50 ) consagrada no acórdão de 17 de outubro de 1990, HAG GF (C‑10/89, EU:C:1990:359), ao caso de fracionamento voluntário da marca.

Aplicação destes princípios às circunstâncias do litígio no processo principal

51.

É à luz dos princípios expostos que importa responder às questões prejudiciais submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio e apreciar se, nas circunstâncias do processo principal, a Schweppes se pode legitimamente opor a que um terceiro importe para Espanha, onde aquela é titular das marcas SCHWEPPES, produtos que ostentam estas marcas e são comercializados no Reino Unido pela Coca‑Cola.

52.

Importa desde já admitir que as circunstâncias do processo principal parecem, após uma primeira análise, prestar‑se a uma aplicação pura e simples do acórdão de 22 de junho de 1994, IHT Internationale Heiztechnik e Danzinger (C‑9/93, EU:C:1994:261), tal como o reclamam a Schweppes, Schweppes International e a Orangina Schweppes Holding.

53.

Com efeito, tal como no processo que deu origem ao acórdão de 22 de junho de 1994, IHT Internationale Heiztechnik e Danzinger (C‑9/93, EU:C:1994:261), estamos na presença de uma fragmentação voluntária de direitos paralelos em vários Estados‑Membros. Por outro lado, é ponto assente que a Schweppes International e a Coca‑Cola não estão ligadas por nenhuma das relações tomadas em consideração pelo Tribunal de Justiça no n.o 34 deste acórdão. A Coca‑Cola não é um licenciado, nem um concessionário exclusivo da Schweppes International no Reino Unido, não existindo entre estas duas sociedades qualquer relação de grupo.

54.

As sociedades Red Paralela e a Comissão, bem como os Governos grego e neerlandês, que fazem eco das reflexões do órgão jurisdicional de reenvio, solicitam, todavia, ao Tribunal de Justiça que aprofunde a análise e reconheça que o direito da Schweppes (na qualidade de licenciado da Schweppes International, titular das marcas em causa) de se opor à importação dos produtos em causa em Espanha poderia, tendo em conta as circunstâncias particulares do processo principal, ter‑se esgotado.

55.

Embora as suas posições coincidam substancialmente quanto ao resultado, as argumentações nas quais estes interessados se apoiam divergem em certa medida. Enquanto o Governo grego e a Comissão sugerem ao Tribunal de Justiça que precise os contornos da sua jurisprudência ligada ao acórdão de 22 de junho de 1994, IHT Internationale Heiztechnik e Danzinger (C‑9/93, EU:C:1994:261), à luz das circunstâncias do processo principal, as sociedades Red Paralela e o Governo neerlandês consideram, no essencial, que ao opor‑se, nestas circunstâncias, à importação paralela de produtos que ostentam a marca SCHWEPPES não fabricados e comercializados por si, a Schweppes e a Schweppes International cometem um abuso de direito.

56.

Antes de examinar estes diferentes pontos de vista, importa que nos detenhamos brevemente sobre um argumento invocado, a título preliminar, pela Comissão nas suas observações escritas, que tem como pano de fundo as observações que esta e, designadamente, as sociedades Red Paralela, consagraram às questões prejudiciais submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio. Segundo este argumento — que tinha sido utilizado contra o abandono da teoria da identidade da origem nos casos de cisão ou de fragmentação voluntária da marca —, a cessão de direitos paralelos sobre apenas uma parte das marcas nacionais detidas pelo cedente implica necessariamente que a função distintiva destas marcas seja posta em causa, circunstância que o cedente aceita de bom grado e cujas consequências deve suportar ( 51 ).

57.

A este respeito, importa recordar que este argumento foi firmemente rejeitado pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 22 de junho de 1994, IHT Internationale Heiztechnik e Danzinger (C‑9/93, EU:C:1994:261), no qual este excluiu explicitamente o facto de a aceitação pelo cedente do enfraquecimento da função distintiva da marca que resulta do fracionamento do direito originário sobre esta poder comportar uma renúncia ao seu direito exclusivo de se opor à importação no seu território dos produtos comercializados pelo cessionário noutro Estado do EEE ( 52 ).

58.

Com efeito, tal como o Tribunal de Justiça sublinhou, no n.o 48 do referido acórdão, a função da marca aprecia‑se por referência a um território. Assim, o facto de, na sequência de uma cessão territorialmente limitada, a função de indicação da origem da marca poder ver‑se enfraquecida para uma parte dos consumidores dos produtos que exibem a marca, a saber aqueles que se deslocam no interior do EEE entre dois Estados onde estes produtos são fabricados e comercializados por empresas distintas, não faz desaparecer o interesse de cada titular da marca ao nível nacional em manter uma exclusividade no seu próprio território com vista a preservar a função distintiva da sua marca relativamente aos consumidores estabelecidos neste território.

59.

Além disso, resulta da jurisprudência suprarreferida nas presentes conclusões que o esgotamento dos direitos conferidos pela marca apenas ocorre na fase da colocação no mercado dos produtos que ostentam a marca ( 53 ). Assim, embora seja verdade que, através de uma cessão territorialmente limitada, o titular de direitos paralelos sobre uma marca renuncia voluntariamente a ser o único que comercializa produtos que ostentam essa marca no EEE, não está associado a essa renúncia qualquer efeito de esgotamento, sendo certo que, no momento em que o consentimento à cessão é dado, ainda não ocorreu qualquer ato de comercialização de produtos que ostentam a marca cedida.

60.

Estando esta questão esclarecida, saliento que, pelo menos uma parte dos argumentos desenvolvidos pelas sociedades Red Paralela nas suas observações no Tribunal de Justiça, não é completamente estranha à lógica subjacente ao argumento invocado no n.o 56 das presentes conclusões.

61.

De acordo com as sociedades Red Paralela, uma vez que a Schweppes e a Schweppes International mantiveram um comportamento potenciador, com a cumplicidade da atitude permissiva, se não colaborativa, da Coca‑Cola, de uma imagem global e unitária da marca SCHWEPPES mesmo após a sua fragmentação, aquelas desvirtuaram a função de indicação de origem da marca que exploram em Espanha e, assim, perderam o direito de se oporem às importações paralelas neste Estado‑Membro de produtos que ostentam legalmente uma marca idêntica e que são comercializados pela Coca‑Cola noutro Estado do EEE. As sociedades Red Paralela sublinham especialmente a circunstância de a Schweppes e a Schweppes International terem ativamente, na sua política de grupo, nas suas decisões comerciais, nas suas relações com a clientela, bem como nas suas mensagens publicitárias, procurado associar a origem da sua marca ao Reino Unido, a saber, ao Estado‑Membro do qual provém a maior parte dos produtos comercializados em Espanha pelas sociedades Red Paralela.

62.

Embora seja sedutora, a argumentação das sociedades Red Paralela não me convence.

63.

Por um lado, tal como já acima referi, o enfraquecimento da função de indicação de origem da marca, pelo menos para uma parte dos consumidores em causa, é uma consequência inevitável da cessão territorialmente limitada de direitos paralelos sobre uma mesma marca. Este enfraquecimento pode ser especialmente importante quando, como é o caso no processo principal, a marca objeto de cisão foi detida durante longos anos pelo mesmo titular e adquiriu um prestígio importante enquanto marca unitária. Ora, tal como já tive oportunidade de sublinhar, não pode ser extraído desse efeito da cessão, esperado mas incontornável, uma qualquer restrição quanto ao exercício futuro, pelo cedente, dos direitos sobre as marcas paralelas que não foram objeto de cessão ( 54 ). Além disso, também não pode ser imposto ao cedente um comportamento tendente a contrastar ativamente com esse efeito.

64.

Por outro lado, o prestígio de uma marca, bem como a sua imagem e a sua força evocativa, que constituem fatores do seu valor, podem depender, em certa medida, da história desta marca e, assim, da sua origem. Nesses casos, o titular de uma marca que é objeto de vários registos nacionais, que cede apenas uma parte dos seus direitos paralelos sobre a mesma, mantém um interesse em continuar a referir‑se à história e à origem da marca unitária, uma vez que tal lhe permite preservar o valor do sinal ou dos sinais relativamente aos quais conserva a titularidade. Não pode, assim, ser‑lhe censurado o facto de continuar, após a cessão, a invocar, na apresentação dos seus produtos, nas suas mensagens publicitárias ou nas suas relações com os consumidores, a origem geográfica das marcas de que permanece titular, mesmo quando, como é o caso da marca em causa no processo principal, esta origem está ligada a um Estado no qual os direitos sobre a marca são detidos pelo cessionário. Do mesmo modo, e pelos mesmos motivos, não lhe pode ser censurado o facto de se referir a elementos da história da marca unitária quando procede a novos registos, como é o caso no processo principal no que respeita à assinatura do inventor das águas tónicas da marca SCHWEPPES.

65.

Os comportamentos acima descritos, mesmo admitindo que são suscetíveis de enfraquecer a função distintiva da marca explorada em Espanha pela Schweppes relativamente ao consumidor espanhol, inserem‑se numa estratégia que visa preservar o valor da marca destas sociedades e não revela a intenção de criar uma confusão junto do referido consumidor quanto à origem comercial (a qual não deve, aliás, ser confundida com a origem geográfica) dos produtos em causa no processo principal. Daqui decorre que, contrariamente ao que defendem as sociedades Red Paralela, o facto de as referidas sociedades agirem em contrafação com vista a oporem‑se à importação, no território no qual a sua marca é protegida, de produtos que ostentam uma marca idêntica não pode constituir uma utilização abusiva dos direitos conferidos pela referida marca ( 55 ).

66.

Importa ainda referir que, mesmo admitindo que se pudesse considerar que os produtos comercializados, respetivamente, pela Schweppes, em Espanha, e pela Coca‑Cola, no Reino Unido, procedem de fontes realmente independentes, questão que será tratada posteriormente, a liberalização das importações paralelas a favor da qual reclamam as sociedades Red Paralela apenas faria aumentar o risco para o consumidor espanhol de se enganar quanto à origem comercial destes produtos. Ora, não creio que o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2008/95 avalize esse efeito.

67.

Resta examinar o argumento das sociedades Red Paralela segundo o qual a Schweppes International exerce os seus direitos de marca de forma a operar uma discriminação arbitrária entre os diferentes Estados‑Membros, uma vez que permite a importação paralela de produtos comercializados pela Coca‑Cola no Reino Unido em determinados territórios onde aquela é titular da marca SCHWEPPES e não noutros, como em Espanha.

68.

A este respeito, é suficiente salientar que o simples facto, para o titular de uma marca, de tolerar a importação, no Estado no qual a sua marca é protegida, de produtos que ostentam uma marca idêntica provenientes de outro Estado‑Membro no qual foram colocados no mercado por um terceiro sem o seu consentimento não permite considerar que este titular renunciou implicitamente a opor‑se à importação de produtos que tenham a mesma proveniência noutro Estado‑Membro no qual detém direitos paralelos. Com efeito, por um lado, tal como já o indiquei no n.o 36 das presentes conclusões, o silêncio ou uma atitude passiva do titular da marca não é suficiente, em princípio, para presumir o seu consentimento à colocação no mercado de produtos que ostentam uma marca idêntica ou que se prestam a confusão. Isto vale ainda mais quando essa atitude é invocada, como o fazem as sociedades Red Paralela, para apoiar uma liberalização generalizada das importações paralelas provenientes de um determinado território. Por outro lado, tal como também já expus acima, no n.o 37 das presentes conclusões, os direitos conferidos pela marca apenas se esgotam, por força do consentimento implícito ou explícito do titular, para os produtos para os quais este consentimento foi dado. Por último, observo, a título incidental, que a renúncia da Schweppes a exercer os seus direitos com vista a opor‑se às importações paralelas provenientes do Reino Unido em determinados territórios nos quais as suas marcas estão registadas não parece, tendo em conta as informações dadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, ter um caráter sistemático e é limitada apenas ao canal de distribuição através da Internet.

69.

Após ter discutido os argumentos desenvolvidos pelas sociedades Red Paralela, importa, agora, abordar a tese da Comissão.

70.

De acordo com esta, o esgotamento do direito conferido pela marca é suscetível de ocorrer não só nas situações enumeradas no n.o 34 do acórdão de 22 de junho de 1994, IHT Internationale Heiztechnik e Danzinger (C‑9/93, EU:C:1994:261), mas também quando o fabrico e a comercialização de produtos que ostentam marcas idênticas paralelas são submetidos a uma política e a uma estratégia comerciais únicas conduzidas pelos titulares destas marcas.

71.

Esta tese merece, a meu ver, a atenção do Tribunal de Justiça.

72.

Contrariamente ao que alegam a Schweppes, a Schweppes International e a Orangina Schweppes Holding, esta tese está alinhada com a jurisprudência ligada ao acórdão de 22 de junho de 1994, IHT Internationale Heiztechnik e Danzinger (C‑9/93, EU:C:1994:261).

73.

Embora nenhum elemento do texto do acórdão de 22 de junho de 1994, IHT Internationale Heiztechnik e Danzinger (C‑9/93, EU:C:1994:261), indique explicitamente que o esgotamento do direito conferido pela marca pode ocorrer noutras hipóteses para além das especificadas no n.o 34 deste acórdão, o raciocínio seguido pelo Tribunal de Justiça permite facilmente considerar esta lista como meramente indicativa.

74.

Com efeito, tal como é corretamente colocado em evidência pela Comissão, o critério no qual o referido acórdão se apoia para colocar em prática o princípio do esgotamento quando não existe identidade entre a pessoa que detém os direitos sobre a marca no Estado importador e a pessoa que colocou em circulação os produtos que exibem a marca no Estado exportador refere‑se à existência, entre estas duas pessoas, de «relações económicas».

75.

Embora o Tribunal de Justiça não defina o conceito de «relações económicas», limitando‑se a afirmar que tais relações existem nas três situações visadas no n.o 34 do acórdão de 22 de junho de 1994, IHT Internationale Heiztechnik e Danzinger (C‑9/93, EU:C:1994:261) — a saber no caso de uma licença ou de uma concessão de marca, ou ainda quando as duas entidades em causa fazem parte do mesmo grupo —, a lógica que inspira os motivos deste acórdão, bem como a linguagem empregue pelo Tribunal de Justiça fornecem indicações a este propósito.

76.

Este acórdão marca, antes de mais, uma evolução terminológica relativamente à jurisprudência anterior. Se, nos acórdãos que o precedem, o Tribunal de Justiça fazia depender o esgotamento do direito de oposição à importação de produtos colocados no mercado no EEE por um terceiro da existência de «relações de dependência jurídica ou económica» entre este terceiro e o titular da marca ( 56 ), no acórdão de 22 de junho de 1994, IHT Internationale Heiztechnik e Danzinger (C‑9/93, EU:C:1994:261), o Tribunal de Justiça abandona esta formulação para se referir simplesmente a «ligações económicas», conceito que permite abranger um espetro potencialmente mais amplo de relações entre as empresas na vida comercial ( 57 ).

77.

Esta evolução terminológica reflete, no plano conceptual, a passagem de um critério formal, onde o controlo sobre a utilização da marca, exigida para efeitos de esgotamento, apenas é considerado suscetível de ser exercido no âmbito de uma relação de estrita dependência entre as entidades em causa (existência de ligações proprietárias ou de contratos que formalizam uma relação de autoridade, que conferem um poder de direção ou de gestão a uma das partes, à qual a outra se deve submeter), a um critério mais substancial, por força do qual o que importa não é tanto a natureza das relações que mantêm as referidas entidades, mas o facto de, graças a essas relações, a marca ficar sob controlo único ( 58 ).

78.

Ora, esse critério é suscetível de abranger não só as hipóteses clássicas ilustradas no n.o 34 do acórdão de 22 de junho de 1994, IHT Internationale Heiztechnik e Danzinger (C‑9/93, EU:C:1994:261), em que a utilização da marca está sob o controlo de uma única pessoa (o licenciante ou o fabricante) ou de uma entidade que constitui uma unidade económica (o grupo), mas também as situações nas quais esta utilização é, no Estado importador e no Estado exportador, submetida ao controlo conjunto de duas pessoas distintas — cada uma titular de direitos reconhecidos ao nível nacional — que atuam, na exploração da marca, como um único centro de interesse.

79.

Nessas situações, como nos casos invocados no n.o 34 do acórdão de 22 de junho de 1994, IHT Internationale Heiztechnik e Danzinger (C‑9/93, EU:C:1994:261), a marca encontra‑se sob um controlo único, podendo a fabricação e a comercialização dos produtos que a ostentam ser atribuídas a um único centro decisório. Esta unicidade do controlo exclui o facto de as legislações nacionais sobre o direito de marcas poderem ser invocadas com vista a restringir a circulação dos referidos produtos ( 59 ).

80.

Assim, quando dois ou mais titulares de marcas paralelas estiverem de acordo com vista ao exercício de um controlo conjunto sobre a utilização dos seus sinais, tenham ou não uma origem comum, cada um deles renuncia a exercer o seu direito de oposição à importação, no seu próprio território, de produtos que exibem a marca e que são colocados no mercado no Estado exportador por um dos outros titulares que participam no acordo, devendo esta colocação no mercado ser considerada efetuada com o seu consentimento.

81.

No entanto, para que tal efeito de esgotamento se produza, importa que o acordo preveja a possibilidade de determinar direta ou indiretamente os produtos sobre os quais a marca é aposta e de controlar a sua qualidade. Esta exigência, claramente expressa nos n.os 37 e 38 do acórdão de 22 de junho de 1994, IHT Internationale Heiztechnik e Danzinger (C‑9/93, EU:C:1994:261), bem como no n.o 13 do acórdão de 17 de outubro de 1990, HAG GF (C‑10/89, EU:C:1990:359), está associada à função essencial da marca enquanto indicador da origem comercial dos produtos (ou dos serviços) que a ostentam. A este respeito, importa sublinhar que, no contexto do controlo único sobre a marca, exercido conjuntamente por dois ou mais titulares de direitos paralelos, esta função deve ser entendida no sentido de que a origem que a marca se destina a garantir deve ser relacionada, não com a empresa responsável pela fabricação dos bens, mas sim com o centro do qual emanam as escolhas estratégicas relativas à oferta destes bens.

82.

Sob reserva da precisão anteriormente formulada, relativa ao objeto do controlo, considero, assim, em consonância com a Comissão, que não se pode excluir que os titulares de marcas paralelas derivadas da fragmentação de uma marca única na sequência da cessão territorialmente limitada desta possam ser considerados como estando «economicamente ligados» para efeitos da aplicação do princípio do esgotamento quando aqueles coordenam as suas políticas comerciais com o objetivo de exercer um controlo conjunto sobre a utilização das suas marcas respetivas ( 60 ).

83.

Os argumentos contra esta posição suscitados no decurso do presente processo não me parecem poder afastá‑la.

84.

Em primeiro lugar, contrariamente ao que é defendido, esta posição não significa que os acórdãos de 17 de outubro de 1990, HAG GF (C‑10/89, EU:C:1990:359), e de 22 de junho de 1994, IHT Internationale Heiztechnik e Danzinger (C‑9/93, EU:C:1994:261), sejam postos em causa.

85.

Com efeito, a solução adotada nestes acórdãos estava sujeita à condição de que, após a cessão, independentemente da sua origem comum, cada uma das marcas preenchesse de forma independente a sua função de garantir que os produtos que exibiam a marca proviessem de uma única fonte ( 61 ). Só se esta condição estiver preenchida é que o direito de oposição à livre circulação dos produtos que exibem a marca — direito que o titular da marca unitária não detém, por si só, no momento da sua fragmentação — pode ser reconhecido relativamente aos titulares das marcas paralelas derivadas desta fragmentação, com a consequência de o comércio paralelo destes produtos, autorizado antes da cessão, ser proibido. Ora, a referida condição claramente não está preenchida quanto o cedente e o (ou os) cessionário(s) estão de acordo em explorar as suas marcas de forma conjunta e adotam uma estratégia comercial que visa preservar e manter a imagem de marca unitária dos seus sinais no mercado.

86.

Aplicar o princípio do esgotamento nesse caso concreto é não só coerente com os acórdãos de 17 de outubro de 1990, HAG GF (C‑10/89, EU:C:1990:359), e de 22 de junho de 1994, IHT Internationale Heiztechnik e Danzinger (C‑9/93, EU:C:1994:261), como também cumpre o objetivo que guiou o Tribunal de Justiça nestes acórdãos, a saber, a procura de um correto equilíbrio entre os objetivos antagónicos da livre circulação de mercadorias e da proteção dos direitos conferidos pela marca. Tal como o Tribunal de Justiça esclarece no n.o 39 do acórdão de 22 de junho de 1994, IHT Internationale Heiztechnik e Danzinger (C‑9/93, EU:C:1994:261), as disposições do Tratado sobre a livre circulação de mercadorias obstam à aplicação de legislações nacionais que permitem o recurso ao direito de marcas para impedir a livre circulação de um produto que ostenta uma marca cuja utilização se encontra sob controlo único. Com efeito, o objeto do direito de marca não é o de permitir aos seus titulares a compartimentação dos mercados nacionais e, desse modo, favorecer a manutenção das diferenças de preços que possam existir entre os Estados‑Membros ( 62 ).

87.

Em segundo lugar, não se sustentar que a relação existente entre os titulares de marcas paralelas que acordam numa gestão em comum dos seus sinais não é assimilável àquela que mantêm o licenciante e os seus licenciados, o fabricante e os seus concessionários ou, ainda, as sociedades que fazem parte do mesmo grupo. Com efeito, como sublinhei acima nas presentes conclusões, é a unicidade do controlo sobre a marca que resulta de todas estas relações, e não os seus aspetos formais, que provocam o esgotamento.

88.

É, certamente, verdade que o titular da marca beneficia de um lucro, direto ou indireto, da primeira colocação em circulação do produto que exibe a marca por parte do seu licenciado, do seu concessionário ou de uma sociedade do mesmo grupo, o que não é, em contrapartida, o caso quando a colocação em circulação é efetuada pelo titular de uma marca paralela. Na falta desse lucro, pode argumentar‑se que efetivamente ocorreu uma colocação no mercado suscetível de esgotar o direito do titular da marca. A jurisprudência relativa ao conceito de «colocação no mercado», recordada no n.o 30 das presentes conclusões, parece oferecer uma base neste sentido.

89.

A este respeito, saliento que a perceção de uma remuneração aquando da primeira comercialização do produto não constitui, diferentemente de outros objetos de propriedade intelectual ou industrial, tais como, designadamente, a patente, o objeto específico do direito da marca, sendo este, como referi acima, «o direito de utilizar a marca para a primeira colocação em circulação de um produto» ( 63 ). Daqui decorre que, tal como salientou o advogado‑geral F. G. Jacobs no n.o 61 das suas conclusões nos processos Bristol‑Myers Squibb e o. (C‑427/93, C‑429/93, C‑436/93, C‑71/94 e C‑232/94, EU:C:1995:440), o que releva para a aplicação do princípio do esgotamento não é a questão de saber se o titular do direito obtém uma justa contrapartida pela venda efetuada, mas sim se nela consente. A jurisprudência invocada no n.o 30 das presentes conclusões deve, assim, ser considerada no sentido de que visa precisar o momento a partir do qual os produtos que ostentam a marca são colocados em circulação, mais do que estabelecer uma condição sine qua non do esgotamento ( 64 ).

90.

Em terceiro lugar, contrariamente ao que alega, designadamente, a Schweppes, a cessão territorialmente limitada da marca enquanto regime autorizado de transferência dos direitos sobre a marca já não seria posta em causa se o Tribunal de Justiça seguir, como sugiro, a posição defendida pela Comissão. Permanece, com efeito, possível para as partes nessa cessão preverem, sob reserva do respeito das regras de concorrência, uma proibição recíproca de venda nos seus territórios respetivos, como é o caso no contrato de licença exclusiva. A circulação de produtos que exibem uma marca de um território para outro apenas seria, assim, possível, sem violação do contrato de cessão, quando a operação de importação fosse efetuada por um terceiro.

91.

Em quarto lugar, e trata‑se do aspeto mais delicado, debateu‑se no Tribunal de Justiça a questão de saber a quem incumbiria o ónus da prova da existência de uma coordenação entre os titulares das marcas paralelas suscetíveis de dar lugar a uma unicidade de controlo na aceção atrás precisada.

92.

Por um lado, uma vez que essa prova se pode revelar objetivamente difícil de conseguir por um terceiro, parece razoável adaptar, tal como sugere a Comissão, a regra segundo a qual incumbe, em princípio, ao importador paralelo provar os factos que justificam o esgotamento dos direitos conferidos pela marca ( 65 ). A este respeito, recordo que uma inversão do ónus da prova é, em especial, admitida pelo Tribunal de Justiça quando a aplicação desta regra permite ao titular da marca a compartimentação dos mercados nacionais, favorecendo desse modo a manutenção das diferenças de preços que possam existir entre os Estados‑Membros ( 66 ).

93.

Por outro lado, tal como solicitam as sociedades do grupo Schweppes, importa estabelecer regras claras em matéria de prova, sob pena de criar uma situação de incerteza em detrimento dos titulares de marcas nacionais paralelas.

94.

Ora, embora fosse excessivo, em situações como as do processo principal, pedir ao importador paralelo que fizesse a prova de que a marca no Estado exportador e no Estado importador está sujeita a um controlo único, incumbe, ainda assim, a este indicar um conjunto de indícios precisos e concordantes que permitam inferir a existência desse controlo. Os factos descritos pelo órgão jurisdicional de reenvio e invocados no n.o 10 das presentes conclusões são circunstâncias suscetíveis de constituir esses indícios.

95.

Na presença de um feixe de indícios precisos e concordantes, competirá ao titular que pretende opor‑se à importação dos produtos que exibem a marca no seu território provar que não existiu qualquer acordo ou coordenação com o titular da marca no Estado exportador com vista a submeter a marca a um controlo único.

96.

Competirá ao juiz nacional, à luz do conjunto das circunstâncias do caso específico, e após ter, se for caso disso, solicitado a apresentação do contrato de cessão e de outros documentos relevantes com vista a esclarecer as relações que unem os titulares das marcas paralelas, apreciar se as condições para o esgotamento do direito do titular da marca no Estado importador estão preenchidas relativamente aos produtos em causa.

97.

A este respeito, é importante recordar que estas condições apenas se podem considerar preenchidas se o controlo único sobre a marca conferir às entidades que o exercem a possibilidade de determinar direta ou indiretamente os produtos sobre os quais a marca é aposta e de controlar a sua qualidade.

Resposta às questões prejudiciais

98.

Com base na análise que precede, importa, em meu entender, responder conjuntamente às questões prejudiciais submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio no sentido de que o artigo 36.o TFUE e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2008/95 se opõem a que o licenciado do titular de uma marca nacional invoque o direito exclusivo de que este beneficia por força da legislação do Estado‑Membro no qual a referida marca está registada para se opor à importação e/ou à comercialização neste Estado de produtos que ostentam uma marca idêntica provenientes de outro Estado‑Membro, onde esta marca, que anteriormente era propriedade do grupo ao qual pertencem tanto o titular da marca no Estado importador como o seu licenciado, é detida por um terceiro que adquiriu os seus direitos por cessão, quando, tendo em conta as relações económicas existentes entre o titular da marca no Estado importador e o titular da marca no Estado exportador, estas marcas estiverem sob controlo único e o titular da marca no Estado importador tiver a possibilidade de determinar direta ou indiretamente os produtos sobre os quais a marca no Estado exportador é aposta, bem como controlar a sua qualidade.

Conclusão

99.

À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo às questões prejudiciais submetidas pelo Juzgado de lo Mercantil n.o 8 de Barcelona (Tribunal de Comércio n.o 8 de Barcelona, Espanha):

O artigo 36.o TFUE e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2008/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, que aproxima as legislações em matéria de marcas, opõem‑se a que o licenciado do titular de uma marca nacional invoque o direito exclusivo de que este beneficia por força da legislação do Estado‑Membro no qual a referida marca está registada para se opor à importação e/ou à comercialização neste Estado de produtos que ostentam uma marca idêntica provenientes de outro Estado‑Membro, onde esta marca, que anteriormente era propriedade do grupo ao qual pertencem tanto o titular da marca no Estado importador como o seu licenciado, é detida por um terceiro que adquiriu os seus direitos por cessão, quando, tendo em conta as relações económicas existentes entre o titular da marca no Estado importador e o titular da marca no Estado exportador, estas marcas estiverem sob controlo único e o titular da marca no Estado importador tiver a possibilidade de determinar direta ou indiretamente os produtos sobre os quais a marca no Estado exportador é aposta, bem como controlar a sua qualidade.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) JO 2008, L 299, p. 25; retificação no JO 2009, L 11, p. 86. A Diretiva 2008/95 é revogada com efeitos a partir de 15 de janeiro de 2019 pela Diretiva (UE) 2015/2436 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2015, que aproxima as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 2015, L 336, p. 1), que entrou em vigor em 12 de janeiro de 2016, cujo artigo 15.o corresponde, no essencial, ao artigo 7.o da Diretiva 2008/95.

( 3 ) Nas suas observações escritas, a Schweppes salientou que a cessão à Coca‑Cola da marca SCHWEPPES a nível mundial, inicialmente prevista pela Cadbury Schweppes, teve a oposição da Comissão Europeia e que foi na sequência desta oposição que se procedeu a uma fragmentação da marca no território do EEE.

( 4 ) Perante o órgão jurisdicional de reenvio, as sociedades Red Paralela apresentaram um pedido reconvencional tanto contra a Schweppes, como contra a Orangina Schweppes Holding e a Schweppes International, por um lado, por violação do 101.o TFUE e, por outro, por concorrência desleal. Aquelas sociedades, de seguida, desistiram da primeira destas duas acusações pelo facto de, na sequência de uma queixa sua apresentada junto da Comisión Nacional de los Mercados y la Competencia (Comissão Nacional das Marcas e da Concorrência, Espanha), esta ter dado início a um processo de infração contra a Schweppes devido a comportamentos potencialmente anticoncorrenciais que consistiam na celebração de acordos com os seus distribuidores independentes em Espanha, nomeadamente a Exclusivas Ramírez SL, sociedade contra a qual também havia sido dirigido o pedido reconvencional, com o objetivo de restringir a distribuição e a comercialização em Espanha de produtos designados pela marca SCHWEPPES, que não tinham sido fabricados por esta sociedade, e de limitar as importações paralelas destes produtos (Expediente S/DC/0548/15 SCHWEPPES). Em 29 de junho de 2017, na sequência da aceitação pela SCHWEPPES de um determinado número de compromissos que modificavam o conteúdo dos referidos acordos, este processo foi encerrado sem verificação de infração (a decisão de encerramento está publicada no sítio de Internet da Comisión Nacional de los Mercados y la Competencia no endereço https://www.cnmc.es/sites/default/files/1724145_1.pdf).

( 5 ) A Schweppes, a Schweppes International e a Orangina Schweppes Holding negam, designadamente, que existam relações económicas e jurídicas entre o grupo Orangina Schweppes e a Coca‑Cola, em especial no sentido de uma dependência económica e/ou jurídica, que os produtos fabricados pela Coca‑Cola surjam numa qualquer página web hospedada sob um dos domínios pertencentes ao grupo Orangina Schweppes, que este se tenha apropriado do território do Reino Unido a respeito da marca SCHWEPPES, que utilize os produtos fabricados pela Coca‑Cola na sua publicidade institucional, que não defenda os seus direitos de propriedade industrial no mercado e que permita que se gere uma confusão aos olhos dos consumidores e que prossiga, com a Coca‑Cola, uma política concertada de registo de direitos de propriedade industrial.

( 6 ) A este respeito, a Schweppes, a Schweppes International e a Orangina Schweppes Holding salientam que a decisão de reenvio foi objeto de um recurso de nulidade de atos judiciais, apresentado pela Schweppes, que o órgão jurisdicional de reenvio declarou inadmissível e o qual poderia, posteriormente, ter sido objeto de um recurso de amparo (recurso por violação de direitos constitucionais) perante o Tribunal Constitucional (Tribunal Constitucional, Espanha).

( 7 ) V., designadamente, acórdãos de 25 de outubro de 2012, Rintisch (C‑553/11, EU:C:2012:671, n.o 15), e de 28 de julho de 2016, Kratzer (C‑423/15, EU:C:2016:604, n.o 27).

( 8 ) V., designadamente, acórdãos de 9 de novembro de 2006, Chateignier (C‑346/05, EU:C:2006:711, n.o 22), e de 28 de julho de 2016, Kratzer (C‑423/15, EU:C:2016:604, n.o 27).

( 9 ) V., neste sentido, designadamente, acórdãos de 16 de julho de 1992, Meilicke (C‑83/91, EU:C:1992:332, n.o 22); de 27 de novembro de 2012, Pringle (C‑370/12, EU:C:2012:756, n.o 83); e de 24 de outubro de 2013, Stoilov i Ko (C‑180/12, EU:C:2013:693, n.o 36).

( 10 ) V., neste sentido, designadamente, acórdãos de 16 de julho de 1992, Lourenço Dias (C‑343/90, EU:C:1992:327, n.o 15); de 21 de fevereiro de 2006, Ritter‑Coulais (C‑152/03, EU:C:2006:123, n.o 14); de 24 de outubro de 2013, Stoilov i Ko (C‑180/12, EU:C:2013:693, n.o 37); e de 28 de julho de 2016, Association France Nature Environnement (C‑379/15, EU:C:2016:603, n.o 46).

( 11 ) V., neste sentido, designadamente, acórdãos de 16 de dezembro de 1981, Foglia (244/80, EU:C:1981:302, n.os 18 e 21); de 30 de setembro de 2003, Inspire Art (C‑167/01, EU:C:2003:512, n.o 45); e de 24 de outubro de 2013, Stoilov i Ko (C‑180/12, EU:C:2013:693, n.o 38).

( 12 ) V., neste sentido, acórdão de 6 de outubro de 1982, Cilfit e o. (283/81, EU:C:1982:335, n.os 15 e segs.).

( 13 ) Acórdão de 11 de setembro de 2008, UGT‑Rioja e o. (C‑428/06 à C‑434/06, EU:C:2008:488, n.os 42 e 43).

( 14 ) V. acórdãos de 15 de setembro de 2005, Intermodal Transports (C‑495/03, EU:C:2005:552, n.o 37), e de 9 de setembro de 2015, X e van Dijk (C‑72/14 e C‑197/14, EU:C:2015:564, n.o 58).

( 15 ) Acórdão de 9 de setembro de 2015, X e van Dijk (C‑72/14 e C‑197/14, EU:C:2015:564, n.o 58).

( 16 ) O artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2015/2436, também visado pelas questões prejudiciais, não é aplicável aos factos do litígio no processo principal.

( 17 ) Importa recordar que as regras relativas aos direitos conferidos pela marca, bem como os direitos de que beneficiam os titulares de marcas na União, são objeto de uma harmonização completa. A este respeito, v., no que respeita à Primeira Diretiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1), acórdão de 3 de junho de 2010, Coty Prestige Lancaster Group (C‑127/09, EU:C:2010:313, n.o 27 e jurisprudência referida), v., também, acórdão de 16 de julho de 1998, Silhouette International Schmied (C‑355/96, EU:C:1998:374, n.os 25 e 29).

( 18 ) V. nota 17 das presentes conclusões.

( 19 ) V., também, artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca [da União Europeia] (JO 2009, L 78, p. 1), bem como artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, sobre a marca da União Europeia (JO 2017, L 154, p. 1), que substitui o Regulamento n.o 207/2009 a partir de 1 de outubro de 2017.

( 20 ) O mesmo princípio já havia sido consagrado em matéria de direitos conexos com o direito de autor no acórdão de 8 de junho de 1971, deutsche Grammophon Gesellschaft (78/70, EU:C:1971:59, n.o 12). Em matéria de patentes, v. acórdão de 31 de outubro de 1974, Centrafarm e de Peijper (15/74, EU:C:1974:114, n.os 10 a 12).

( 21 ) V. acórdão de 31 de outubro de 1974, Centrafarm e de Peijper (16/74, EU:C:1974:115, n.o 6).

( 22 ) V. acórdão de 31 de outubro de 1974, Centrafarm e de Peijper (16/74, EU:C:1974:115, n.o 7).

( 23 ) V. acórdão de 31 de outubro de 1974, Centrafarm e de Peijper (16/74, EU:C:1974:115, n.o 8).

( 24 ) V. acórdão de 31 de outubro de 1974, Centrafarm e de Peijper (16/74, EU:C:1974:115, n.o 10).

( 25 ) V. acórdão de 31 de outubro de 1974, Centrafarm e de Peijper (16/74, EU:C:1974:115, n.o 11).

( 26 ) V. conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs nos processos Bristol‑Myers Squibb e o. (C‑427/93, C‑429/93, C‑436/93, C‑71/94 e C‑232/94, EU:C:1995:440, n.os 60 e 61).

( 27 ) V. acórdão de 30 de novembro de 2004, Peak Holding (C‑16/03, EU:C:2004:759, n.os 40 e 42). V., também, acórdão de 14 de julho de 2011, Viking Gas (C‑46/10, EU:C:2011:485, n.o 32).

( 28 ) O ato de primeira colocação no mercado do produto pelo próprio titular (venda ou outro ato de transferência da propriedade) constitui esse consentimento. Neste caso, o esgotamento produz‑se unicamente por essa colocação no mercado e não está subordinado a um consentimento do titular à comercialização posterior dos produtos, v. acórdão de 30 de novembro de 2004, Peak Holding (C‑16/03, EU:C:2004:759, n.os 52 e 53).

( 29 ) V. acórdãos de 23 de abril de 2009, Copad (C‑59/08, EU:C:2009:260, n.o 42), e de 15 de outubro de 2009, Makro Zelfbedieningsgroothandel e o. (C‑324/08, EU:C:2009:633, n.o 22).

( 30 ) V. acórdãos de 20 de novembro de 2001, Zino Davidoff e Levi Strauss (C‑414/99 a C‑416/99, EU:C:2001:617, n.o 46), e de 23 de abril de 2009, Copad (C‑59/08, EU:C:2009:260, n.o 42).

( 31 ) V., neste sentido, acórdãos de 22 de junho de 1994, IHT Internationale Heiztechnik e Danzinger (C‑9/93, EU:C:1994:261, n.o 34); de 23 de abril de 2009, Copad (C‑59/08, EU:C:2009:260, n.o 43); de 15 de outubro de 2009, Makro Zelfbedieningsgroothandel e o. (C‑324/08, EU:C:2009:633, n.o 24).

( 32 ) V. acórdãos de 15 de outubro de 2009, Makro Zelfbedieningsgroothandel e o. (C‑324/08, EU:C:2009:633, n.o 25), e de 3 de junho de 2010, Coty Prestige Lancaster Group (C‑127/09, EU:C:2010:313, n.o 37).

( 33 ) V. acórdãos de 20 de novembro de 2001, Zino Davidoff e Levi Strauss (C‑414/99 a C‑416/99, EU:C:2001:617, n.o 46), conforme clarificado pelo acórdão de 15 de outubro de 2009, Makro Zelfbedieningsgroothandel e o. (C‑324/08, EU:C:2009:633, n.o 35 e dispositivo).

( 34 ) V., também, acórdão de 15 de outubro de 2009, Makro Zelfbedieningsgroothandel e o. (C‑324/08, EU:C:2009:633, n.o 19).

( 35 ) V. acórdãos de 20 de novembro de 2001, Zino Davidoff e Levi Strauss (C‑414/99 a C‑416/99, EU:C:2001:617, n.o 60), e de 3 de junho de 2010, Coty Prestige Lancaster Group (C‑127/09, EU:C:2010:313, n.o 39). Do mesmo modo, segundo o Tribunal de Justiça, a aplicação das regras relativas à oponibilidade a terceiros de restrições de venda não podem ser invocadas para atribuir ao silêncio do titular da marca um efeito extintivo de direitos conferidos por esta, v. acórdão de 20 de novembro de 2001, Zino Davidoff e Levi Strauss (C‑414/99 a C‑416/99, EU:C:2001:617, n.o 65).

( 36 ) V. acórdão de 1 de julho de 1999, Sebago e Maison Dubois (C‑173/98, EU:C:1999:347, n.os 19 e 20).

( 37 ) V. acórdãos de 11 de julho de 1996, Bristol‑Myers Squibb e o. (C‑427/93, C‑429/93 e C‑436/93, EU:C:1996:282, n.o 27), e de 20 de março de 1997, Phytheron International (C‑352/95, EU:C:1997:170, n.o 18).

( 38 ) V. acórdão de 3 de julho de 1974, Van Zuylen (192/73, EU:C:1974:72, n.os 4,5 e 10 a 12).

( 39 ) V. conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo HAG GF (C‑10/89, não publicadas, EU:C:1990:112, n.o 7).

( 40 ) Neste acórdão, o Tribunal de Justiça declarou compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de mercadorias o facto de uma empresa estabelecida num Estado‑Membro se opor, por força de um direito de marca protegida pela legislação deste Estado, à importação de produtos de uma empresa estabelecida noutro Estado‑Membro, que ostentavam, por força da legislação deste Estado, uma denominação suscetível de ser confundida com a marca da primeira empresa, sob condição, no entanto, de não existir entre as empresas em causa qualquer forma de cartel restritivo da concorrência ou relação de dependência, jurídica ou económica, e de os seus direitos respetivos terem sido criados independentemente uns dos outros.

( 41 ) V. acórdão de 17 de outubro de 1990, HAG GF (C‑10/89, EU:C:1990:359, n.o 10).

( 42 ) V. acórdão de 17 de outubro de 1990, HAG GF (C‑10/89, EU:C:1990:359, n.o 15).

( 43 ) V. acórdão de 17 de outubro de 1990, HAG GF (C‑10/89, EU:C:1990:359, n.o 16).

( 44 ) V. acórdão de 17 de outubro de 1990, HAG GF (C‑10/89, EU:C:1990:359, n.o 17).

( 45 ) V. acórdão de 22 de junho de 1994, IHT Internationale Heiztechnik e Danzinger (C‑9/93, EU:C:1994:261, n.o 26).

( 46 ) No mesmo sentido, v., também, acórdão de 20 de março de 1997, Phytheron International (C‑352/95, EU:C:1997:170, n.o 21).

( 47 ) V. acórdão de 22 de junho de 1994, IHT Internationale Heiztechnik e Danzinger (C‑9/93, EU:C:1994:261, n.os 37 e 38) (o sublinhado é meu). Neste sentido, v., também, acórdão de 23 de abril de 2009, Copad (C‑59/08, EU:C:2009:260, n.os 44 a 46).

( 48 ) V. acórdão de 22 de junho de 1994, IHT Internationale Heiztechnik e Danzinger (C‑9/93, EU:C:1994:261, n.o 41).

( 49 ) V. acórdão de 22 de junho de 1994, IHT Internationale Heiztechnik e Danzinger (C‑9/93, EU:C:1994:261, n.o 43).

( 50 ) É a expressão empregue pelo Tribunal de Justiça no n.o 44 do acórdão de 22 de junho de 1994, IHT Internationale Heiztechnik e Danzinger (C‑9/93, EU:C:1994:261).

( 51 ) Foi essencialmente ao basear‑se neste argumento que, tal como relembra a Comissão, o advogado‑geral C. Gulmann, nas suas conclusões no processo IHT Internationale Heiztechnik e Danzinger (C‑9/93, EU:C:1994:48, n.os 92 e 101), tinha proposto ao Tribunal de Justiça dar primazia às regras do Tratado relativas à livre circulação de mercadorias sobre o interesse do cedente em conservar o seu direito exclusivo de comercializar os produtos que ostentam a marca no seu próprio território. O próprio Tribunal de Justiça, no acórdão de 22 de junho de 1976, Terrapin (Overseas) (119/75, EU:C:1976:94, n.o 6), apoiou‑se, entre outros, nesse argumento para justificar e confirmar, ao estendê‑la ao caso de fracionamento voluntário, a doutrina da origem comum consagrada no acórdão de 3 de julho de 1974, Van Zuylen (192/73, EU:C:1974:72).

( 52 ) V. acórdão de 22 de junho de 1994, IHT Internationale Heiztechnik e Danzinger (C‑9/93, EU:C:1994:261, n.os 47 e 48).

( 53 ) V. n.o 30 das presentes conclusões.

( 54 ) V. n.os 57 a 59 das presentes conclusões.

( 55 ) É jurisprudência assente que os interessados não podem fraudulosamente ou abusivamente prevalecer‑se de normas do direito da União e que os órgãos jurisdicionais nacionais podem, casuisticamente, baseando‑se em elementos objetivos, ter em conta o comportamento abusivo ou fraudulento das pessoas interessadas para lhes recusarem, se necessário, o benefício das disposições do referido direito (v., designadamente, acórdãos de 9 de março de 1999, Centros, C‑212/97, EU:C:1999:126, n.o 25; de 21 de fevereiro de 2006, Halifax e o., C‑255/02, EU:C:2006:121, n.o 68; e de 20 de setembro de 2007, Tum e Dari, C‑16/05, EU:C:2007:530, n.o 64). A este respeito, o Tribunal de Justiça precisou que a prova de uma prática abusiva requer, por um lado, um conjunto de circunstâncias objetivas das quais resulte que, apesar do respeito formal das condições previstas na legislação da União, o objetivo pretendido por essa legislação não foi alcançado e, por outro, um elemento subjetivo que consiste na vontade de obter um benefício resultante da legislação da União, criando artificialmente as condições exigidas para a sua obtenção — acórdãos de 16 de outubro de 2012, Hungria/Eslováquia (C‑364/10, EU:C:2012:630, n.o 58 e jurisprudência referida), e de 12 de março de 2014, O. e B., EU:C:2014:135, n.o 58); v., também, acórdão de 18 de dezembro de 2014, McCarthy e o. (C‑202/13, EU:C:2014:2450, n.o 54).

( 56 ) V., inter alia, acórdãos de 9 de julho de 1985, Pharmon (19/84, EU:C:1985:304, n.o 22), e de 17 de outubro de 1990, HAG GF (C‑10/89, EU:C:1990:359, n.o 12 e jurisprudência referida).

( 57 ) Saliento que, por diversas vezes, o Tribunal de Justiça se referiu, na sua jurisprudência em matéria de marcas, a conceitos similares, cujos contornos parecem dever interpretar‑se de forma flexível. V., designadamente, a referência a uma «relação comercial» ou a uma «relação especial», nos acórdãos de 23 de fevereiro de 1999, BMW (C‑63/97, EU:C:1999:82, n.o 51), e de 17 de março de 2005, Gillette Company e Gillette Group Finland (C‑228/03, EU:C:2005:177, n.o 42), a uma «conexão material na vida comercial», nos acórdãos de 12 de novembro de 2002, Arsenal Football Club (C‑206/01, EU:C:2002:651), e de 16 de novembro de 2004, Anheuser‑Busch (C‑245/02, EU:C:2004:717, n.o 60), ou, ainda, ao conceito de «empresa economicamente ligada», no acórdão de 25 de janeiro de 2007, Adam Opel (C‑48/05, EU:C:2007:55, n.o 60).

( 58 ) V., designadamente, acórdão de 22 de junho de 1994, IHT Internationale Heiztechnik e Danzinger (C‑9/93, EU:C:1994:261, n.o 39).

( 59 ) V., neste sentido, acórdão de 22 de junho de 1994, IHT Internationale Heiztechnik e Danzinger (C‑9/93, EU:C:1994:261, n.o 39).

( 60 ) Saliento que uma tese semelhante foi avançada, em 2006, pela Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) [Tribunal de Recurso (Inglaterra e País de Gales) (Divisão Civil), Reino Unido], no processo Doncaster Pharmaceutical Group Ltd v. Bolton Pharmaceutical 100 Ltd. [2006] EWCA civ. 661. Tendo ocorrido uma transação entre as partes, o processo não deu lugar a um reenvio prejudicial.

( 61 ) V. acórdão de 17 de outubro de 1990, HAG GF (C‑10/89, EU:C:1990:359, n.o 18).

( 62 ) V., inter alia, acórdão de 11 de julho de 1996, MPA Pharma (C‑232/94, EU:C:1996:289, n.o 19).

( 63 ) V. n.o 28 das presentes conclusões.

( 64 ) V., no entanto, conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen no processo L’Oréal e o. (C‑324/09, EU:C:2010:757, n.os 47 e 73).

( 65 ) V. acórdão de 8 de abril de 2003, Van Doren + Q (C‑244/00, EU:C:2003:204, n.os 35 e 36).

( 66 ) V. acórdão de 8 de abril de 2003, Van Doren + Q (C‑244/00, EU:C:2003:204, n.o 38), que se refere a situações nas quais o titular da marca comercializa os seus produtos no EEE através de um sistema de distribuição exclusiva.