ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

21 de junho de 2017 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 85/374/CEE — Responsabilidade decorrente de produtos defeituosos — Artigo 4.o — Laboratórios farmacêuticos — Vacina contra a hepatite B — Esclerose múltipla — Provas do defeito da vacina e do nexo causal entre o defeito e o dano sofrido — Ónus da prova — Meios de prova — Inexistência de consenso científico — Indícios graves, precisos e concordantes deixados à apreciação do juiz que conhece do mérito — Admissibilidade — Requisitos»

No processo C‑621/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França), por decisão de 12 de novembro de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 23 de novembro de 2015, no processo

N. W,

L. W,

C. W

contra

Sanofi Pasteur MSD SNC,

Caisse primaire d’assurance maladie des Hauts‑de‑Seine,

Carpimko,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, A. Prechal (relatora), A. Rosas, C. Toader e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: V. Giacobbo‑Peyronnel, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 23 de novembro de 2016,

vistas as observações apresentadas:

em representação de N. W, L. W e C. W, por M. Jéhannin, avocate,

em representação da Sanofi Pasteur MSD SNC, por J.‑P. Chevallier e F. Monteret‑Amar, avocats,

em representação do Governo francês, por D. Colas, J. Traband e A. Maitrepierre, na qualidade de agentes,

em representação do Governo checo, por J. Vláčil e M. Smolek, na qualidade de agentes,

em representação do Governo alemão, por M. Hellmann e T. Henze, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por O. Beynet e G. Braga da Cruz, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 7 de março de 2017,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o da Diretiva 85/374/CEE do Conselho, de 25 de julho de 1985, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos (JO 1985, L 210, p. 29; EE 13 F19 p. 8).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe N. W, L. W e C. W (a seguir «W e o.»), agindo tanto em nome pessoal como na qualidade de herdeiros de J. W, à Sanofi Pasteur MSD SNC (a seguir «Sanofi Pasteur»), à Caisse primaire d’assurance maladie des Hauts‑de‑Seine e à Carpimko, uma caixa autónoma de pensões e de previdência, a respeito da eventual responsabilidade da Sanofi Pasteur por uma vacina alegadamente defeituosa produzida por ela.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O primeiro, segundo, sexto, sétimo e décimo oitavo considerandos da Diretiva 85/374 têm a seguinte redação:

«Considerando que é necessária uma aproximação das legislações em matéria de responsabilidade do produtor pelos danos causados pela qualidade defeituosa dos seus produtos, por sua disparidade ser suscetível de falsear a concorrência, de prejudicar a livre circulação das mercadorias no mercado comum e de originar diferenças relativamente ao grau de proteção do consumidor contra os danos causados à sua saúde e aos seus bens por um produto defeituoso;

Considerando que a responsabilidade não culposa do produtor é o único meio de resolver de modo adequado o problema, característico da nossa época de crescente tecnicidade, de uma justa atribuição dos riscos inerentes à produção técnica moderna;

[…]

Considerando que, com vista a proteger a integridade física do consumidor e os seus bens, a qualidade defeituosa de um produto não deve ser determinada com base numa inaptidão do produto para utilização, mas com base numa falta da segurança que o público em geral pode legitimamente esperar; que esta segurança se avalia excluindo qualquer utilização abusiva do produto que não seja razoável nas circunstâncias em causa;

Considerando que uma justa repartição dos riscos entre o lesado e o produtor implica que este último se possa eximir da responsabilidade se provar a existência de determinados factos que o isentem;

[…]

Considerando que a harmonização resultante da presente diretiva não pode, na fase atual, ser total, mas que abre caminho para uma maior harmonização; […]»

4

Nos termos do artigo 1.o da Diretiva 85/374:

«O produtor é responsável pelo dano causado por um defeito do seu produto.»

5

O artigo 4.o da referida diretiva enuncia:

«Cabe ao lesado a prova do dano, do defeito e do nexo causal entre o defeito e o dano.»

6

Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, da mesma diretiva:

«Um produto é defeituoso quando não oferece a segurança que se pode legitimamente esperar, tendo em conta todas as circunstâncias, tais como:

a)

A apresentação do produto;

b)

A utilização do produto que se pode razoavelmente esperar;

c)

O momento de entrada em circulação do produto.»

Direito francês

7

O artigo 1386‑1 do Código Civil enuncia:

«O produtor é responsável pelo dano causado por um defeito do seu produto, esteja ou não contratualmente vinculado ao lesado.»

8

O artigo 1386‑9 do Código Civil prevê:

«Cabe ao lesado a prova do dano, do defeito e do nexo causal entre o defeito e o dano.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

9

Para efeitos de vacinação contra a hepatite B, foi administrada a J. W uma vacina produzida pela Sanofi Pasteur, em três injeções, sucessivamente em 26 de dezembro de 1998, 29 de janeiro de 1999 e 8 de julho de 1999. Em agosto de 1999, J. W começou a apresentar várias perturbações que levaram, em novembro de 2000, ao diagnóstico da esclerose múltipla.

10

Em 1 de março de 2005, os peritos judiciais concluíram que, desde 20 de janeiro de 2001, J. W sofria de esclerose múltipla, que já não lhe permitia exercer uma atividade profissional. A partir daí, o estado de saúde de J. W agravou‑se progressivamente até apresentar uma incapacidade funcional de 90%, com necessidade da presença constante de uma terceira pessoa, e isto até ao momento do seu falecimento, em 30 de outubro de 2011.

11

Em 2006, J. W e W e o., a saber, três membros da sua família, apresentaram, com fundamento nos artigos 1386‑1 e seguintes do code civil (Código Civil francês), um pedido de condenação da Sanofi Pasteur na indemnização dos danos que alegam ter sofrido devido à administração da vacina em causa a J. W. Como fundamento do seu pedido, alegaram que a concomitância entre a vacina e o aparecimento da esclerose múltipla bem como a inexistência de antecedentes pessoais e familiares de J. W relacionados com esta doença são suscetíveis de dar origem a presunções graves, precisas e concordantes quanto à existência de um defeito da vacina e à existência de um nexo causal entre a sua administração e o aparecimento da referida doença.

12

A este respeito, apoiaram‑se na jurisprudência da Cour de Cassation (Tribunal de Cassação, França), nos termos da qual, como esta última expõe na decisão de reenvio, no domínio da responsabilidade dos laboratórios farmacêuticos decorrente das vacinas que produzem, a prova da existência de um defeito da vacina e de um nexo causal entre esse defeito e o dano sofrido pelo lesado pode resultar de presunções graves, precisas e concordantes apreciadas, no exercício do seu poder soberano, pelo juiz que conhece do mérito.

13

Em especial, resulta desta jurisprudência, que o juiz que conhece do mérito pode considerar, no exercício do seu poder soberano de apreciação, que os elementos de facto invocados por um demandante, tais como o prazo decorrido entre a administração da vacina e o aparecimento de uma doença bem como a inexistência de antecedentes familiares ou pessoais do paciente relacionados com a doença em causa constituem presunções fortes, precisas e concordantes que podem demonstrar o defeito da vacina e a existência de um nexo causal entre ela e a doença em causa, apesar da constatação de que a investigação médica não estabelece nenhuma relação entre a vacinação e o aparecimento desta doença.

14

Foi dado provimento ao pedido dos litigantes W pelo tribunal de grande instance de Nanterre (Tribunal de Primeira Instância de Nanterre, França) por decisão de 4 de setembro de 2009. Esta decisão foi, em seguida, anulada pela cour d’appel de Versailles (Tribunal de Recurso de Versalhes, França), que considerou, num acórdão de 10 de fevereiro de 2011, que os elementos por eles invocados eram suscetíveis de estabelecer presunções graves, precisas e concordantes quanto à existência de um nexo causal entre a administração da vacina em causa e o aparecimento da doença, mas não quanto à existência de um defeito da referida vacina.

15

Chamada a pronunciar‑se em sede de recurso, a cour de Cassation (Tribunal de Cassação) anulou o referido acórdão por acórdão de 26 de setembro de 2012. Neste último acórdão, o referido órgão jurisdicional considerou que a cour d’appel de Versailles (Tribunal de Recurso de Versailles, França), não tinha fundado a sua decisão numa base legal ao declarar, no âmbito de uma consideração de ordem geral sobre a relação benefício/risco da vacinação, depois de ter reconhecido que, em razão do excelente estado de saúde anterior de J. W, a inexistência de antecedentes familiares e a relação de proximidade temporal entre a vacinação e o aparecimento da doença, que existiam presunções graves, precisas e concordantes que permitiam afirmar que o nexo causal entre a doença e a administração da vacina estava suficientemente provado, sem examinar se as circunstâncias particulares que tinha tomado em consideração não constituíam igualmente presunções graves, precisas e concordantes suscetíveis de demonstrar o caráter defeituoso desta vacina.

16

Decidindo em sede de recurso após cassação, a cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris, França) anulou a decisão acima referida do tribunal de grande instance de Nanterre (Tribunal de Primeira Instância de Nanterre) e julgou improcedente o pedido de W e o., num acórdão de7 de março de 2014. No referido acórdão, esse órgão jurisdicional salientou, em primeiro lugar, que não havia consenso científico a favor da existência de um nexo causal entre a vacinação contra a hepatite B e o aparecimento da esclerose múltipla e que todas as autoridades sanitárias nacionais e internacionais tinham afastado a associação entre um risco de dano na mielina do sistema nervoso central ou periférico (característico da esclerose múltipla) e essa vacinação. Em segundo lugar, considerou que resultava de múltiplos estudos clínicos que a etiologia da esclerose múltipla era atualmente desconhecida. Em terceiro lugar, uma recente publicação médica concluíra que, aquando do aparecimento dos primeiros sintomas da esclerose múltipla, o processo psicopatológico provavelmente já tinha começado vários meses ou mesmo vários anos antes. Em quarto e último lugar, o referido órgão jurisdicional salientou que estudos epidemiológicos indicavam que 92% a 95% das pessoas atingidas pela referida doença não têm nenhum antecedente desse tipo nas suas famílias. Tendo em conta estes diversos elementos, a cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris) concluiu que os critérios da proximidade temporal entre a vacinação e os primeiros sintomas e a inexistência de antecedentes pessoais e familiares invocados por W e o. não podiam constituir, conjunta ou separadamente, presunções graves, precisas e concordantes que permitissem concluir pela existência de um nexo causal entre a vacinação e a doença em causa.

17

Foi neste contexto que, chamada por W e o. a pronunciar‑se sobre um novo recurso de cassação desse acórdão, a Cour de Cassation (Tribunal de Cassação) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O artigo 4.o da Diretiva [85/374] no domínio da responsabilidade dos laboratórios farmacêuticos decorrente das vacinas que produzem, opõe‑se a um meio de prova segundo o qual o juiz que conhece do mérito, no exercício do seu poder soberano de apreciação, pode considerar que os elementos de facto invocados pelo demandante constituem presunções fortes, precisas e concordantes, suscetíveis de provar o defeito da vacina e a existência de um nexo causal entre este e a doença, não obstante a constatação de que a investigação médica não estabelece nenhuma relação entre a vacinação e o aparecimento da doença?

2)

Em caso de resposta negativa à questão n.o 1, o artigo 4.o da Diretiva [85/374] opõe‑se a um regime de presunções segundo o qual se considera sempre provada a existência de um nexo causal entre o defeito atribuído a uma vacina e o dano sofrido pelo lesado quando estão reunidos determinados indícios de causalidade?

3)

Em caso de resposta afirmativa à questão n.o 1, deve o artigo 4.o da Diretiva [85/374] ser interpretado no sentido de que a prova, cujo ónus cabe ao lesado, da existência de um nexo causal entre o defeito atribuído a uma vacina e o dano sofrido só pode ser considerada feita se esse nexo for estabelecido cientificamente?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

18

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o da Diretiva 85/374 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um regime probatório nacional, como o que está em causa no processo principal, nos termos do qual, quando chamado a pronunciar‑se sobre uma ação por responsabilidade do produtor de uma vacina devido a um alegado defeito desta última, o juiz que conhece do mérito pode considerar, no exercício do poder de apreciação de que está investido a este respeito, que, apesar da constatação de que a investigação médica não estabelece nem infirma a existência de uma relação entre a administração da vacina em causa e o aparecimento da doença de que o lesado padece, certos elementos de facto invocados pelo demandante constituem indícios graves, precisos e concordantes que permitem concluir pela existência de um defeito da vacina e pela existência de um nexo causal entre esse defeito e a referida doença.

19

A título preliminar, há que recordar que, enquanto o artigo 1.o da Diretiva 85/374 enuncia o princípio segundo o qual o produtor é responsável pelo dano causado por um defeito do seu produto, o artigo 4.o desta diretiva precisa que cabe ao lesado a prova do dano, do defeito e do nexo causal entre o defeito e o dano.

20

Há igualmente que recordar que, segundo jurisprudência constante, a referida diretiva prossegue, quanto aos aspetos que regula, uma harmonização total das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros (acórdão de 20 de novembro de 2014, Novo Nordisk Pharma, C‑310/13, EU:C:2014:2385, n.o 23 e jurisprudência referida).

21

Em contrapartida, como resulta do décimo oitavo considerando da mesma diretiva, esta não se destina a harmonizar de modo exaustivo o domínio da responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos para além dos aspetos que regula (acórdão de 20 de novembro de 2014, Novo Nordisk Pharma, C‑310/13, EU:C:2014:2385, n.o 24 e jurisprudência referida).

22

A este respeito, há que salientar, antes de mais, que a Diretiva 85/374 não contém uma definição do conceito de «causal» na aceção dos seus artigos 1.° e 4.° Em contrapartida, o conceito de «defeito» na aceção destes artigos está definido no artigo 6.o desta diretiva.

23

Como resulta do artigo 6.o, n.o 1, da referida diretiva, um produto é defeituoso quando não oferece a segurança que se pode legitimamente esperar, tendo em conta todas as circunstâncias, tais como a apresentação desse produto, a utilização do produto que se pode razoavelmente esperar e o momento da sua entrada em circulação. Em conformidade com o sexto considerando da mesma diretiva, há que efetuar esta apreciação atendendo às expectativas legítimas do público em geral (acórdão de 5 de março de 2015, Boston Scientific Medizintechnik, C‑503/13 e C‑504/13, EU:C:2015:148, n.o 37).

24

Além disso, no que respeita à prova, há que sublinhar que, embora o artigo 4.o da Diretiva 85/374 preveja, como foi recordado no n.o 19 do presente acórdão, que o seu ónus incumbe ao lesado, nem o artigo 4.o nem outras disposições desta diretiva tratam dos outros aspetos relativos à administração dessa prova (v., neste sentido, acórdão de 20 de novembro de 2014, Novo Nordisk Pharma, C‑310/13, EU:C:2014:2385, n.os 25 a 29).

25

Nestas condições, cabe, nos termos do princípio da autonomia processual e sem prejuízo dos princípios da equivalência e da efetividade, à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro estabelecer as modalidades de administração da prova, os meios de prova admissíveis no órgão jurisdicional nacional competente ou ainda os princípios que regem a apreciação, por esse órgão jurisdicional, da força probatória dos elementos de prova que lhe são submetidos e o nível de prova exigido (v., por analogia, acórdão de 15 de outubro de 2015, Nike European Operations Netherlands, C‑310/14, EU:C:2015:690, n.os 27 e 28, e acórdão de 21 de janeiro de 2016, Eturas e o., C‑74/14, EU:C:2016:42, n.os 30 e 32).

26

Tratando‑se mais especialmente do princípio da efetividade, este exige, no que se refere às modalidades processuais das ações destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos que o direito da União confere aos particulares, que essas modalidades não tornem impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (v., neste sentido, designadamente, acórdão de 10 de abril de 2003, Steffensen, C‑276/01, EU:C:2003:228, n.o 60 e jurisprudência referida).

27

No que respeita, mais especificamente, à Diretiva 85/374, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que as modalidades nacionais de administração e de apreciação da prova não devem ser suscetíveis de prejudicar a repartição do ónus da prova prevista no artigo 4.o desta diretiva nem, de forma mais geral, a efetividade do regime de responsabilidade previsto pela referida diretiva ou os objetivos prosseguidos pelo legislador da União através deste regime (v., neste sentido, acórdão de 20 de novembro de 2014, Novo Nordisk Pharma, C‑310/13, EU:C:2014:2385, n.os 26 e 30 e jurisprudência referida).

28

A este respeito, é verdade que um regime probatório nacional como o que constitui o objeto da primeira questão pode facilitar a tarefa do lesado quando chamado a apresentar as provas exigidas para que o produtor incorra em responsabilidade. Com efeito, resulta em substância das declarações da decisão de reenvio que esse regime não exige que o lesado apresente, em todas as circunstâncias, provas certas e irrefutáveis da existência do defeito do produto e da existência de um nexo causal entre este último e o dano incorrido, mas permite ao juiz, se for o caso, concluir que essa existência está provada, baseando‑se num conjunto de indícios cuja gravidade, precisão e concordância lhe permitam considerar, com um grau suficientemente elevado de probabilidade, que essa conclusão corresponde à realidade.

29

No entanto, esse regime probatório não é, enquanto tal, suscetível de implicar uma inversão do ónus da prova que recai sobre o lesado na aceção do artigo 4.o da Diretiva 85/374, uma vez que lhe deixa o ónus de provar os diferentes indícios cuja conjugação permitirá, se for o caso, ao juiz chamado a pronunciar‑se sustentar a sua convicção quanto à existência de um defeito da vacina e de um nexo causal entre esse defeito e o dano sofrido (v., por analogia, acórdão de 20 de novembro de 2014, Novo Nordisk Pharma, C‑310/13, EU:C:2014:2385, n.os 26 a 28).

30

Além disso, há que precisar, tendo em conta, em especial, a circunstância, referida pelo órgão jurisdicional de reenvio, de que a investigação médica não estabeleceu nem infirmou a existência de uma relação entre a administração da vacina e o aparecimento da esclerose múltipla, que um regime probatório que excluísse o recurso a um método indiciário e previsse que, para cumprir o ónus da prova previsto no artigo 4.o da referida diretiva, o lesado devia apresentar a prova inequívoca, resultante da investigação médica, da existência de um nexo causal entre o defeito atribuído à vacina e o aparecimento da doença, violaria os requisitos decorrentes da mesma diretiva.

31

Com efeito, tal grau de exigência probatória, que corresponderia a excluir todos os meios de prova que não a prova inequívoca resultante da investigação médica, teria como efeito, como salientou o advogado‑geral no n.o 45 das suas conclusões, tornar, num número significativo de situações, excessivamente difícil ou impossível estabelecer a responsabilidade do produtor, comprometendo, deste modo, o efeito útil do artigo 1.o da Diretiva 85/374, quando, como acontece no caso em apreço, fosse pacífico que a investigação médica não permitia estabelecer nem infirmar a existência desse nexo causal (v., por analogia, acórdão de 9 de novembro de 1983, San Giorgio, 199/82, EU:C:1983:318, n.o 14).

32

Tal limitação quanto ao tipo de provas admissíveis violaria, além disso, alguns dos objetivos prosseguidos pela referida diretiva, entre os quais figuram, nomeadamente, como resulta do seu segundo e sétimo considerandos, o de assegurar a justa repartição dos riscos inerentes à produção técnica moderna entre o lesado e o produtor (v., neste sentido, acórdão de 5 de março de 2015, Boston Scientific Medizintechnik, C‑503/13 e C‑504/13, EU:C:2015:148, n.o 42) e, como decorre do primeiro e sexto considerandos da mesma diretiva, o de proteger a segurança e a saúde dos consumidores (v., neste sentido, acórdão de 5 de março de 2015, Boston Scientific Medizintechnik, C‑503/13 e C‑504/13, EU:C:2015:148, n.o 47).

33

Assim, embora resulte das considerações apresentadas nos n.os 28 a 32 do presente acórdão que um regime probatório nacional como o descrito no n.o 28 deste mesmo acórdão é, como tal, ao mesmo tempo, neutro no que respeita ao ónus da prova referido no artigo 4.o da Diretiva 85/374 e, em princípio, suscetível de preservar a efetividade do regime de responsabilidade consagrado por essa diretiva, assegurando ao mesmo tempo o respeito dos objetivos por ela prosseguidos, não é menos verdade que o alcance real desse regime deve ser determinado tomando em conta a interpretação e a aplicação feitas pelos órgãos jurisdicionais nacionais (v., por analogia, acórdão de 9 de dezembro de 2003, Comissão/Itália, C‑129/00, EU:C:2003:656, n.o 31).

34

A este respeito, os princípios que caracterizam o referido regime probatório não devem ser aplicados pelo juiz nacional de uma maneira que corresponda, na prática, a instituir, em detrimento do produtor, formas de presunções injustificadas, suscetíveis de violar o artigo 4.o da Diretiva 85/374 ou até de prejudicar a própria efetividade das regras materiais previstas por esta diretiva.

35

Tal poderia ser o caso, em primeiro lugar, como o advogado‑geral salientou nos n.os 54, 60 e 75 das suas conclusões, na hipótese de os órgãos jurisdicionais nacionais aplicarem o referido regime probatório de maneira muito pouco exigente, contentando‑se com provas não pertinentes ou insuficientes (v., por analogia, acórdão de 15 de outubro de 2015, Nike European Operations Netherlands, C‑310/14, EU:C:2015:690, n.os 29 e 43). Com efeito, nessa situação, seria violada não só a regra relativa ao ónus da prova provista no artigo 4.o da Diretiva 85/374, mas, de forma mais geral, a efetividade do regime de responsabilidade instituído no artigo 1.o desta diretiva, uma vez que a existência de dois dos três requisitos a que se encontra subordinada a responsabilidade do produtor nos termos da referida diretiva, a saber, a existência de um defeito do produto e de um nexo causal entre esse defeito e o dano sofrido pelo lesado, não seria suficientemente verificada pelo juiz nacional.

36

Em segundo lugar, a regra relativa ao ónus da prova poderia igualmente ser violada se os órgãos jurisdicionais nacionais aplicassem o regime probatório descrito no n.o 28 do presente acórdão de uma maneira que, quando um ou vários tipos de indícios factuais estivessem reunidos, se presumisse liminar e automaticamente a existência de um defeito do produto e/ou um nexo causal entre esse defeito e a ocorrência do dano. Com efeito, em tais circunstâncias, o produtor poderia ver‑se obrigado a ilidir a referida presunção, a fim de se opor com êxito ao pedido, antes mesmo de os órgãos jurisdicionais que decidiam do mérito tomarem conhecimento dos elementos de apreciação de que ele dispunha e dos argumentos por ele apresentados (v., por analogia, acórdãos de 9 de novembro de 1983, San Giorgio, 199/82, EU:C:1983:318, n.o 14, e de 9 de fevereiro de 1999, Dilexport, C‑343/96, EU:C:1999:59, n.o 52).

37

Assim, por um lado, incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais garantir que os indícios apresentados são efetivamente suficientemente graves, precisos e concordantes para permitir a conclusão de que a existência de um defeito do produto é, não obstante os elementos apresentados e os argumentos aduzidos em defesa pelo produtor, a explicação mais plausível para a ocorrência do dano, de maneira que esse defeito e esse nexo causal podem razoavelmente ser considerados provados.

38

Por outro lado, esses mesmos órgãos jurisdicionais devem fazer com que permaneça inalterado o princípio segundo o qual é ao lesado que incumbe demonstrar, através de todos os meios de prova geralmente admitidos pelo direito nacional, nomeadamente, como no caso em apreço, através da apresentação de indícios graves, precisos e concordantes, a existência de um defeito da vacina e de um nexo causal. Tal exige que o juiz garanta a preservação da sua própria liberdade de apreciação quanto à questão de saber se essa prova foi produzida ou não de forma juridicamente bastante, até ao momento em que, tendo tomado conhecimento de todos os elementos apresentados pelas duas partes e dos argumentos trocados entre elas, se considere, à luz de todas as circunstâncias pertinentes do caso que lhe é submetido, em condições de formar a sua convicção definitiva a este respeito (v., por analogia, acórdão de 9 de novembro de 1983, San Giorgio, 199/82, EU:C:1983:318, n.o 14).

39

Quanto aos elementos concretos que caracterizam o processo submetido no caso em apreço ao órgão jurisdicional de reenvio, há que recordar que o artigo 267.o TFUE não habilita o Tribunal de Justiça a aplicar as regras do direito da União a determinado caso vertente, mas apenas a pronunciar‑se sobre a interpretação dos Tratados e dos atos adotados pelas instituições da União.

40

No entanto, nos termos de jurisprudência constante, o Tribunal de Justiça pode, no âmbito da cooperação judiciária estabelecida por aquele artigo, fornecer a um órgão jurisdicional nacional, a partir dos elementos do processo, os elementos de interpretação do direito da União que lhe possam ser úteis na apreciação dos efeitos dessas disposições (v., designadamente, acórdão de 28 de setembro de 2006, Van Straaten, C‑150/05, EU:C:2006:614, n.o 37 e jurisprudência referida).

41

No caso em apreço, elementos como os invocados no âmbito do processo principal, respeitantes à proximidade temporal entre a administração de uma vacina e o aparecimento de uma doença e à inexistência de antecedentes médicos pessoais e familiares relacionados com esta doença, bem como à existência de um número significativo de casos repertoriados de aparecimento desta doença na sequência dessas administrações, parecem a priori constituir indícios cuja conjugação pode, eventualmente, levar um órgão jurisdicional nacional a considerar que um lesado cumpriu o ónus da prova que sobre ele recai nos termos do artigo 4.o da Diretiva 85/374. Tal pode ser o caso, nomeadamente, se os referidos indícios levarem o juiz a considerar, por um lado, que a administração da vacina constitui a explicação mais plausível para o aparecimento da doença e, por outro, que a referida vacina não oferece, portanto, na aceção do artigo 6.o desta diretiva, a segurança que se pode legitimamente esperar, tendo em conta todas as circunstâncias, na medida em que provoca um dano anormal e particularmente grave ao paciente, o qual, visto tratar‑se de um produto desta natureza e tendo em conta a sua função, pode, com efeito, legitimamente esperar um grau elevado de segurança (v., neste sentido, acórdão de 5 de março de 2015, Boston Scientific Medizintechnik, C‑503/13 e C‑504/13, EU:C:2015:148, n.o 39).

42

Contudo, como foi anteriormente sublinhado, essas eventuais conclusões apenas poderão ser retiradas, de maneira totalmente esclarecida, em cada caso concreto, pelo juiz que conhece do mérito de um dado litígio, depois de ter tomado devidamente em consideração todas as circunstâncias do processo que lhe é submetido e, designadamente, todos os outros elementos explicativos e argumentos aduzidos pelo produtor, destinados a contestar a pertinência dos elementos de prova invocados pelo lesado e a pôr em dúvida o grau de plausibilidade, referido no número anterior, da explicação dada pelo mesmo.

43

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 4.o da Diretiva 85/374 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a um regime probatório nacional, como o que está em causa no processo principal, nos termos do qual, quando chamado a pronunciar‑se sobre uma ação destinada a estabelecer a responsabilidade do produtor de uma vacina devido a um alegado defeito desta última, o juiz que conhece do mérito pode considerar, no exercício do poder de apreciação de que está investido a este respeito, que, apesar da constatação de que a investigação médica não estabelece nem infirma a existência de uma relação entre a administração da vacina e o aparecimento da doença de que o lesado padece, certos elementos de facto invocados pelo demandante constituem indícios graves, precisos e concordantes que permitem concluir pela existência de um defeito da vacina e de um nexo causal entre esse defeito e a referida doença. Todavia, os órgãos jurisdicionais nacionais devem garantir que a aplicação concreta que fazem do referido regime probatório não se traduza na violação da regra relativa ao ónus da prova instituída pelo referido artigo 4.o nem prejudique a efetividade do regime de responsabilidade instituído por aquela diretiva.

Quanto à segunda questão

44

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 4.o da Diretiva 85/374 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um regime probatório assente em presunções, nos termos do qual, quando a investigação médica não estabeleça nem infirme a existência de uma relação entre a administração da vacina e o aparecimento da doença de que o lesado padece, se considera sempre provada a existência de um nexo causal entre o defeito atribuído a uma vacina e o dano sofrido pelo lesado, desde que estejam reunidos certos indícios factuais de causalidade predeterminados.

45

No entanto, decorre de todo o dossiê de que o Tribunal de Justiça dispõe que, chamados a pronunciarem‑se sobre litígios cuja configuração factual era muito semelhante, os órgãos jurisdicionais que conheceram do mérito concluíram, de maneira repetida, com base em indícios análogos, ora que estes últimos revestiam o caráter de gravidade, precisão e concordância exigido para se poder presumir a existência de um nexo causal entre um defeito atribuído a uma vacina contra a hepatite B e o aparecimento da esclerose múltipla, ora que esse caráter não existia. As decisões nacionais contraditórias proferidas no processo principal, referidas nos n.os 14 a 16 do presente acórdão, constituem uma ilustração desta situação.

46

Na sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio refere, além disso, o poder soberano de apreciação de que dispõem os órgãos jurisdicionais que conhecem do mérito quanto à apreciação dos indícios factuais que lhes são assim submetidos.

47

Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio parece interrogar‑se sobre a questão de saber se lhe é possível ou, sendo o caso, ao legislador nacional, enumerar certos tipos de indícios materiais predeterminados cuja conjugação possa conduzir automaticamente, por via de presunções, ao estabelecimento de um nexo causal entre o defeito atribuído à vacina e o aparecimento da doença.

48

A este respeito, é verdade que se deve recordar que a salvaguarda dos direitos que as disposições pertinentes do Tratado conferem aos particulares depende, em larga medida, de operações sucessivas de qualificação jurídica dos factos. Há igualmente que salientar que um órgão jurisdicional chamado, à semelhança do órgão jurisdicional de reenvio no presente processo, a pronunciar‑se em última instância, é nomeadamente responsável por garantir, à escala nacional, a interpretação uniforme das regras de direito (v., neste sentido, acórdão de 13 de junho de 2006, Traghetti del Mediterraneo, C‑173/03, EU:C:2006:391, n.o 36).

49

Todavia, não é menos verdade que o Tribunal de Justiça não é competente para interpretar o direito nacional e que cabe ao juiz nacional, e só a ele, determinar o exato alcance das disposições legislativas, regulamentares ou administrativas nacionais. É o caso nomeadamente das disposições nacionais relativas à prova (v., neste sentido, acórdão de 9 de fevereiro de 1999, Dliexport, C‑343/96, EU:C:1999:59, n.o 51 e jurisprudência referida) e das disposições que fixam as competências respetivas dos diferentes órgãos jurisdicionais nacionais.

50

No que diz respeito às disposições nacionais relativas à prova, objeto da primeira questão, cabe sublinhar, todavia, que os órgãos jurisdicionais nacionais chamados a proceder à sua aplicação devem tomar em conta tanto os princípios enunciados nos n.os 37 e 38 do presente acórdão como o princípio da segurança jurídica, que tem por corolário o princípio da proteção da confiança legítima e que, nos termos de jurisprudência constante, exige, nomeadamente, que a aplicação das normas jurídicas seja previsível para os sujeitos de direito (acórdão de 2 de dezembro de 2009, Aventis Pasteur, C‑358/08, EU:C:2009:744, n.o 47 e jurisprudência referida).

51

Quanto às regras relativas à competência jurisdicional, cabe ao direito nacional, e só a ele, e ao órgão jurisdicional de reenvio determinar, tomando em conta, nomeadamente, os princípios referidos nos n.os 37, 38 e 50 do presente acórdão, em que medida as competências de que este último órgão jurisdicional está investido lhe permitem fiscalizar as apreciações efetuadas pelos órgãos jurisdicionais que conhecem do mérito relativas à gravidade, à precisão e à concordância dos indícios que lhes foram submetidos, contribuindo deste modo para garantir a maior uniformidade possível na aplicação das regras da União em causa.

52

Em contrapartida, o recurso pelo legislador nacional ou, se for o caso, pelo órgão jurisdicional nacional supremo, a um meio de prova como o evocado na segunda questão, nos termos do qual a existência de um nexo causal entre o defeito atribuído a uma vacina e o dano sofrido pelo lesado se considera sempre provada quando estiverem reunidos certos tipos de indícios concretos de causalidade predeterminados, teriam como consequência, nomeadamente, violar a regra relativa ao ónus da prova prevista no artigo 4.o da Diretiva 85/374.

53

Com efeito, por um lado, ao precisar, na sua questão, que, uma vez determinados certos factos assim pré‑identificados, a existência de tal nexo causal «se considera sempre provada», o órgão jurisdicional de reenvio parece querer referir‑se a uma presunção inilidível. Ora, esse tipo de presunção teria como consequência que, mesmo quando os factos assim pré‑identificados não fossem, por hipótese, suscetíveis de provar com certeza a existência desse nexo causal, o produtor ficaria, nesses casos, privado de qualquer possibilidade de apresentar elementos factuais ou de invocar argumentos, por exemplo de ordem científica, para tentar ilidir a presunção, e o juiz ver‑se‑ia assim privado de qualquer possibilidade de apreciar os factos à luz de tais elementos ou argumentos. Através do seu automatismo, uma situação dessa natureza não só violaria o princípio enunciado no artigo 4.o da Diretiva 85/374, que estabelece que o ónus da prova do defeito e do nexo causal incumbe ao lesado, como incorreria no risco, além disso, de prejudicar a efetividade do próprio regime de responsabilidade instituído por essa diretiva. Com efeito, a existência de um dos três requisitos a que está subordinada a responsabilidade do produtor nos termos da referida diretiva impor‑se‑ia assim ao juiz, sem que fosse sequer possível a este último examinar se os outros elementos de apreciação que lhe tinham sido submetidos eram suscetíveis de conduzir a uma conclusão contrária.

54

Por outro lado, mesmo admitindo que a presunção exposta pelo órgão jurisdicional de reenvio é ilidível, acontece que, visto os factos assim pré‑identificados pelo legislador ou pelo órgão jurisdicional nacional supremo estarem demonstrados, a existência de um nexo causal seria automaticamente presumida, de modo que o produtor nacional poderia ver‑se obrigado a ilidir a referida presunção, a fim de se opor com sucesso ao pedido, antes mesmo de o órgão jurisdicional que conhecia do mérito tomar conhecimento dos elementos de apreciação de que ele dispunha e dos argumentos por ele aduzidos. Ora, como já foi salientado no n.o 36 do presente acórdão, essa situação conduziria a uma violação da regra relativa ao ónus da prova prevista no artigo 4.o da Diretiva 85/374.

55

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 4.o da Diretiva 85/374 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um regime probatório assente em presunções, nos termos do qual, quando a investigação médica não estabeleça nem infirme a existência de uma relação entre a administração da vacina e o aparecimento da doença de que o lesado padece, se considera sempre provada a existência de um nexo causal entre o defeito atribuído a uma vacina e o dano sofrido pelo lesado, desde que estejam reunidos certos indícios factuais de causalidade predeterminados.

Quanto à terceira questão

56

Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder à terceira.

Quanto às despesas

57

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

1)

O artigo 4.o da Diretiva 85/374/CEE do Conselho, de 25 de julho de 1985, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a um regime probatório nacional, como o que está em causa no processo principal, nos termos do qual, quando chamado a pronunciar‑se sobre uma ação destinada a estabelecer a responsabilidade do produtor de uma vacina devido a um alegado defeito desta última, o juiz que conhece do mérito pode considerar, no exercício do poder de apreciação de que está investido a este respeito, que, apesar da constatação de que a investigação médica não estabelece nem infirma a existência de uma relação entre a administração da vacina e o aparecimento da doença de que o lesado padece, certos elementos de facto invocados pelo demandante constituem indícios graves, precisos e concordantes que permitem concluir pela existência de um defeito da vacina e de um nexo causal entre esse defeito e a referida doença. Todavia, os órgãos jurisdicionais nacionais devem garantir que a aplicação concreta que fazem do referido regime probatório não se traduza na violação da regra relativa ao ónus da prova instituída pelo referido artigo 4.o nem prejudique a efetividade do regime de responsabilidade instituído por aquela diretiva.

 

2)

O artigo 4.o da Diretiva 85/374 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um regime probatório assente em presunções, nos termos do qual, quando a investigação médica não estabeleça nem infirme a existência de uma relação entre a administração da vacina e o aparecimento da doença de que o lesado padece, se considera sempre provada a existência de um nexo causal entre o defeito atribuído a uma vacina e o dano sofrido pelo lesado, desde que estejam reunidos certos indícios factuais de causalidade predeterminados.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.