ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

18 de janeiro de 2017 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2003/96/CE — Tributação dos produtos energéticos e da eletricidade — Reduções fiscais — Âmbito de aplicação material — Incentivos relativos aos montantes devidos para cobrir os custos gerais do sistema elétrico — Artigo 17.o — Empresas com utilização intensiva de energia — Incentivos concedidos apenas a empresas do setor transformador — Admissibilidade»

No processo C‑189/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália), por decisão de 17 de março de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 24 de abril de 2015, no processo

Istituto di Ricovero e Cura a Carattere Scientifico (IRCCS) — Fondazione Santa Lucia

contra

Cassa conguaglio per il settore elettrico,

Ministero dello Sviluppo económico,

Ministero dell’Economia e delle Finanze,

Autorità per l’energia elettrica e il gás,

sendo interveniente:

2M SpA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: E. Juhász, presidente de secção, C. Vajda (relator) e C. Lycourgos, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Istituto di Ricovero e Cura a Carattere Scientifico (IRCCS) — Fondazione Santa Lucia, por G. Pellegrino, avvocato,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por A. Vitale e P. Gentili, avvocati dello Stato,

em representação da Comissão Europeia, por K. Herrmann, M. Owsiany‑Hornung e F. Tomat, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 21 de abril de 2016,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade (JO 2003, L 283, p. 51).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Istituto di Ricovero e Cura a Carattere Scientifico (IRCCS) — Fondazione Santa Lucia [Instituto de Alojamento e de Cuidados de Caráter Científico (IRCCS) — Fundação Santa Luzia, a seguir «Fundação»] à Cassa conguaglio per il settore elettrico (Caixa de Compensação para o Setor da Eletricidade, Itália), ao Ministero dello Sviluppo economico (Ministério do Desenvolvimento Económico, Itália), ao Ministero dell’Economia e delle Finanze (Ministério da Economia e das Finanças, Itália) e à Autorità per l’energia elettrica e il gas (Autoridade para a Energia Elétrica e o Gás, Itália) a respeito da recusa das autoridades italianas competentes de concederem à Fundação o benefício do regime nacional de incentivos relativos aos montantes devidos para cobrir os custos gerais do sistema elétrico italiano (a seguir «custos gerais do sistema elétrico»).

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 9, 10 e 11 da Diretiva 2003/96 enunciam:

«(9)

Deverá ser concedida aos Estados‑Membros a necessária flexibilidade para definirem e aplicarem políticas adaptadas aos contextos nacionais.

(10)

Os Estados‑Membros desejam introduzir ou manter diferentes tipos de impostos sobre os produtos energéticos e a eletricidade, devendo para o efeito ser‑lhes permitido respeitar os níveis de tributação mínimos comunitários entrando em linha de conta com a totalidade dos impostos indiretos que tenham decidido cobrar (excluindo o [imposto sobre o valor acrescentado] IVA)

(11)

Cada Estado‑Membro é livre de decidir que disposições fiscais aplicará para pôr em prática o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade, bem como de decidir não aumentar para o efeito a sua carga fiscal global se considerar que a implementação deste princípio de neutralidade fiscal poderá contribuir para a reestruturação e modernização dos seus regimes fiscais, incentivando comportamentos conducentes a uma maior proteção do ambiente e a uma utilização acrescida do fator trabalho.»

4

O artigo 1.o da Diretiva 2003/96 prevê:

«Os Estados‑Membros devem tributar os produtos energéticos e a eletricidade de acordo com o disposto na presente diretiva.»

5

Nos termos do artigo 4.o desta diretiva:

«1.   Os níveis de tributação aplicados pelos Estados‑Membros aos produtos energéticos e à eletricidade enumerados no artigo 2.o não podem ser inferiores aos níveis mínimos previstos na presente diretiva.

2.   Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por ‘nível da tributação’, o montante total dos impostos indiretos cobrados (excluindo o IVA), calculados direta ou indiretamente com base na quantidade de produtos energéticos e de eletricidade à data de introdução no consumo.»

6

O artigo 8.o, n.o 2, da referida diretiva dispõe:

«O presente artigo será aplicável às seguintes utilizações industriais e comerciais:

[…]

b)

Motores fixos;

c)

Equipamento e maquinaria utilizados na construção, na engenharia civil e nas obras públicas;

[…]»

7

O artigo 11.o da mesma diretiva tem a seguinte redação:

«1.   Na aceção da presente diretiva, entende‑se por ‘utilização profissional’, o uso feito por uma entidade empresarial, identificada de acordo com o n.o 2, que efetue a título independente, em qualquer local, o fornecimento de bens e de serviços, quaisquer que sejam o objetivo ou os resultados dessas atividades económicas.

As atividades económicas incluem todas as atividades dos produtores, dos comerciantes e de quaisquer pessoas que forneçam serviços, incluindo as atividades mineiras e agrícolas, e as atividades das profissões liberais.

[…]

2.   Para efeitos da presente diretiva, a entidade empresarial não pode ser de dimensão inferior à de uma parte de uma sociedade ou um organismo com personalidade jurídica que, do ponto de vista organizativo, constitua uma exploração autónoma, ou seja, um conjunto capaz de funcionar pelos seus próprios meios.

[…]

4.   Os Estados‑Membros podem limitar o âmbito de aplicação do nível reduzido de tributação para a utilização profissional.»

8

O artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2003/96 prevê:

«Desde que sejam respeitados em média os níveis de tributação mínimos para cada empresa previstos na presente diretiva, os Estados‑Membros poderão aplicar reduções de impostos sobre o consumo de produtos energéticos utilizados para aquecimento ou para os fins previstos nas alíneas b) e c) do n.o 2 do artigo 8.o e sobre a eletricidade nos seguintes casos:

a)

A favor de empresas com utilização intensiva de energia.

Entende‑se por ‘empresa com utilização intensiva de energia’, uma entidade empresarial, tal como referida no artigo 11.o, cujos custos de aquisição de produtos energéticos e eletricidade ascendam, no mínimo, a 3,0% do valor da produção ou para a qual o imposto nacional a pagar sobre a energia ascenda, pelo menos, a 0,5% do valor acrescentado. No âmbito desta definição, os Estados‑Membros poderão aplicar critérios mais restritivos, incluindo o valor das vendas, o processo de fabrico e o setor industrial.

[…]»

9

O artigo 26.o, n.os 1 e 2, desta diretiva enuncia:

«1.   Os Estados‑Membros devem informar a Comissão das medidas tomadas nos termos do artigo 5.o, do n.o 2 do artigo 14.o e dos artigos 15.° e 17.o

2.   Medidas como isenções e reduções fiscais, taxas diferenciadas e reembolsos de impostos na aceção da presente diretiva são suscetíveis de constituir auxílios estatais, devendo, nesses casos, a Comissão ser delas notificada nos termos do n.o 3 do artigo 88.o do Tratado.

As informações fornecidas à Comissão com base na presente diretiva não dispensam os Estados‑Membros da obrigação de notificação nos termos do n.o 3 do artigo 88.o do Tratado.»

10

O artigo 1.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE (JO 2009, L 9, p. 12), dispõe:

«1.   A presente diretiva estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem direta ou indiretamente sobre o consumo dos seguintes produtos, adiante designados ‘produtos sujeitos a impostos especiais de consumo’:

a)

Produtos energéticos e eletricidade, abrangidos pela Diretiva 2003/96/CE;

[…]

2.   Os Estados‑Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções.»

Direito italiano

11

O decreto legislativo n. 26 (Decreto legislativo n.o 26), de 2 de fevereiro de 2007 (suplemento ordinário ao GURI n.o 68, de 22 de março de 2007), transpôs a Diretiva 2003/96 para o direito interno.

12

O decreto‑legge n. 83 (Decreto‑Lei n.o 83), de 22 de junho de 2012 (suplemento ordinário ao GURI n.o 147, de 26 de junho de 2012), convertido, com alterações, em lei (a seguir «Decreto‑Lei n.o 83/2012»), prevê medidas urgentes para o desenvolvimento do país.

13

O artigo 39.o do Decreto‑Lei n.o 83/2012, intitulado «Critérios de revisão do sistema de impostos especiais sobre a eletricidade e sobre os produtos energéticos e dos custos gerais do sistema elétrico para as empresas com utilização intensiva de energia — Regimes tarifários especiais para as empresas industriais com utilização intensiva de energia elétrica», dispõe, nos seus n.os 1 a 3:

«1.   O Ministro da Economia e das Finanças, em concertação com o Ministro do Desenvolvimento Económico, adota, o mais tardar até 31 de dezembro de 2012, um ou vários decretos que definem, em aplicação do artigo 17.o da Diretiva 2003/96 […], as empresas com utilização intensiva de energia, com base em condições e critérios referentes aos níveis mínimos de consumo e à incidência do custo da energia sobre o valor da atividade da empresa.

2.   Os decretos referidos no n.o 1 destinam‑se a determinar em seguida um sistema simplificado e equitativo de taxas de impostos especiais sobre a eletricidade e sobre os produtos energéticos utilizados como combustíveis, no respeito das condições previstas pela Diretiva 2003/96 […]; este sistema deve assegurar a manutenção das receitas fiscais […]

3.   Nos 60 dias seguintes à adoção dos decretos referidos no n.o 1, a Autoridade para a Energia Elétrica e o Gás fixa os novos montantes que são devidos para cobrir os custos gerais do sistema elétrico e os seus critérios de reparação a cargo dos consumidores finais, de forma a ter em conta a definição de empresa com utilização intensiva de energia contida nos decretos referidos no n.o 1 e no respeito pelas condições referidas no n.o 2, segundo as linhas orientadoras estabelecidas pelo Ministro do Desenvolvimento Económico […]»

14

O decreto ministeriale — Definizione delle imprese a forte consumo di energia (Decreto ministerial — Definição de empresas com utilização intensiva de energia), de 5 de abril de 2013 (GURI n.o 91, de 18 de abril de 2013), foi adotado para a execução do artigo 39.o do Decreto‑Lei n.o 83/2012.

15

O artigo 3.o deste decreto ministerial prevê que a redefinição dos custos gerais do sistema elétrico se destina a instaurar um sistema de benefícios a favor das empresas com utilização intensiva de energia, na sequência do estabelecimento de linhas orientadoras ministeriais referidas no artigo 39.o, n.o 3, do Decreto‑Lei n.o 83/2012. O n.o 2 do referido artigo 3.o enuncia que «os custos gerais do sistema elétrico são redefinidos de acordo com critérios decrescentes em função dos consumos de eletricidade […], eventualmente também por referência aos setores de atividade designados pelos códigos ATECO [sistema nacional de classificação das atividades económicas]».

16

As linhas orientadoras do Ministro do Desenvolvimento Económico de 24 de julho de 2013 foram adotadas para executar o artigo 39.o, n.o 3, do Decreto‑Lei n.o 83/2012 e o artigo 3.o do referido decreto ministerial. Essas linhas orientadoras encarregaram a Autoridade para a Energia Elétrica e o Gás (atualmente Autoridade para a Energia Elétrica, o Gás e o Sistema Hídrico), nomeadamente, de redefinir os montantes destinados a cobrir os custos gerais do sistema elétrico, limitando a concessão dos benefícios previstos no referido artigo 3.o apenas às empresas consumidoras de energia (empresas com utilização intensiva de energia) do setor transformador.

17

Essas linhas orientadoras foram aplicadas por três decisões da Autoridade para a Energia Elétrica e o Gás, adotadas em outubro de 2013, que limitaram efetivamente o benefício desses incentivos apenas às empresas do setor transformador.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

18

A Fundação é um instituto de internamento hospitalar e de cuidados de caráter científico que atua, nomeadamente, no setor da prestação de serviços de saúde. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, pode ser qualificada de «entidade empresarial» na aceção do artigo 11.o da Diretiva 2003/96.

19

Durante o ano de 2014, a Fundação recorreu ao Tribunale amministrativo regionale della Lombardia (Tribunal Administrativo Regional da Lombardia, Itália) para pedir a anulação dos atos através dos quais as autoridades competentes lhe recusaram o beneficio do regime de incentivos relativos aos montantes devidos para cobrir os custos gerais do sistema elétrico. Esse órgão jurisdicional declarou o recurso da Fundação inadmissível por razões relativas à data da sua interposição.

20

Em sede de recurso, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália) considerou que o recurso da Fundação era admissível. Por conseguinte, analisou o processo quanto ao mérito, o qual levanta questões relativas, nomeadamente, ao direito da União.

21

Uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio considera estar em condições de resolver as questões relativas aos artigos 107.° e 108.° TFUE, colocadas pelo litígio no processo principal, sem submeter uma questão ao Tribunal de Justiça, o seu pedido de decisão prejudicial tem por objeto, em particular, a interpretação do artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2003/96.

22

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se os incentivos associados aos custos gerais do sistema elétrico estão abrangidos pelo âmbito de aplicação desse artigo 17.o, n.o 1, relativo a reduções fiscais. A este respeito, explica que os referidos custos se destinam a financiar objetivos de interesse geral, como a promoção das fontes de energia renováveis (componente A3) e da eficiência energética (componente UC7), os custos da segurança nuclear e as compensações territoriais (componente A2 e MCT), os regimes tarifários especiais para a Sociedade Nacional dos Caminhos de Ferro (componente A4), as compensações destinadas às pequenas empresas do setor da eletricidade (componente UC4), o apoio à investigação aplicada ao setor da eletricidade (componente A5) assim como a cobertura do «bónus eletricidade» (componente As) e dos incentivos concedidos às empresas com utilização intensiva de eletricidade (componente Ae). Segundo o referido órgão jurisdicional, os custos gerais do sistema elétrico são imputados aos consumidores de eletricidade e repartidos entre estes, incluindo as empresas, através da sua inscrição nas faturas de eletricidade.

23

Na medida em que os incentivos associados aos custos gerais do sistema elétrico devem ser considerados reduções fiscais, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2003/96 permite aos Estados‑Membros que introduzem essas reduções a título dessa disposição concedê‑las apenas a algumas empresas consumidoras de energia que operam nos setores designados pelas autoridades nacionais, para prosseguirem objetivos de interesse geral.

24

Nestas condições, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Está abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva [2003/96] uma disposição nacional (como a que está em causa no processo principal) que — por um lado — estabelece uma definição de ‘empresas com utilização intensiva de energia’ compatível com a da diretiva e que — por outro — reserva a essa categoria de empresas incentivos [relativos aos montantes devidos] para a cobertura dos custos gerais do sistema elétrico (e não incentivos relativos à tributação dos produtos energéticos e da eletricidade enquanto tal)?

2)

O ordenamento jurídico da União, especialmente os artigos 11.° e 17.° da Diretiva [2003/96], opõe‑se a uma norma e a uma prática administrativa (como a que está em vigor na ordenamento jurídico italiano e descrita no âmbito do presente despacho) que — por um lado — introduz um sistema de vantagens ligadas ao consumo de produtos energéticos (eletricidade) por parte das empresas ‘com utilização intensiva de energia’ na aceção do referido artigo 17.o e — por outro — reserva [o benefício de] tais vantagens [apenas] às empresas ‘consumidoras de energia’ que operam no setor [transformador], excluindo as empresas que operam noutros setores produtivos?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

25

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2003/96 deve ser interpretado no sentido de que estão abrangidos pelo conceito de «reduções fiscais» os incentivos concedidos pelo direito nacional às empresas com utilização intensiva de energia, conforme definidas nesta disposição, relativos aos montantes devidos para cobrir os custos gerais do sistema elétrico, como os que estão em causa no processo principal.

26

A resposta a esta questão depende de saber se os montantes devidos para cobrir os custos gerais do sistema elétrico revestem caráter fiscal e, mais precisamente, constituem impostos indiretos no sentido do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2003/96.

27

Com efeito, por um lado, o artigo 17.o, n.o 1, desta diretiva subordina a aplicação de reduções fiscais sobre o consumo de produtos energéticos e de eletricidade ao respeito dos níveis mínimos comunitários de tributação estabelecidos pela referida diretiva. Por outro lado, o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2003/96 define o conceito de «nível de tributação», para efeitos dessa diretiva, como o montante total dos impostos indiretos cobrados.

28

O Governo italiano considera que montantes devidos para cobrir os custos gerais do sistema elétrico não têm natureza fiscal, mas sim tarifária, uma vez que são cobertos através das componentes da tarifa da eletricidade.

29

Todavia, há que recordar que a qualificação de uma tributação, um imposto, uma taxa ou um direito, à luz do direito da União, compete ao Tribunal de Justiça, em função das características objetivas da imposição, independentemente da qualificação que lhe é dada em direito nacional (v. acórdãos de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C‑446/04, EU:C:2006:774, n.o 107, e de 24 de junho de 2010, P. Ferrero e C. e General Beverage Europe, C‑338/08 e C‑339/08, EU:C:2010:364, n.o 25).

30

Por conseguinte, há que analisar as características objetivas dos montantes devidos para cobrir os custos gerais do sistema elétrico.

31

Em primeiro lugar, cabe referir que, conforme resulta da decisão de reenvio, os montantes devidos para cobrir os custos gerais do sistema elétrico estão previstos pelo direito italiano, nomeadamente, no artigo 39.o, n.o 3, do Decreto‑Lei n.o 83/2012.

32

Além disso, para efeitos da qualificação dos montantes devidos para cobrir os custos gerais do sistema elétrico de imposto, tem de existir uma obrigação de pagar esses montantes e, em caso de incumprimento dessa obrigação, o devedor deve ser alvo de ação judicial pelas autoridades competentes, uma vez que, no caso de um imposto indireto, a pessoa juridicamente devedora desses pagamentos não é necessariamente o consumidor final em quem os referidos montantes foram repercutidos (v., por analogia, no que respeita ao IVA, acórdão de 14 de janeiro de 2016, Comissão/Bélgica, C‑163/14, EU:C:2016:4, n.o 44).

33

Parece ser esse o caso dos montantes devidos para cobrir os custos gerais do sistema elétrico. Com efeito, à luz das observações apresentadas pelo Governo italiano, as entidades que utilizam os serviços da rede elétrica têm uma obrigação jurídica de pagar esses montantes à Caixa de Compensação para o Setor da Eletricidade. Incumbe, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio confirmar a existência dessa obrigação e fiscalizar o seu cumprimento pelas autoridades competentes.

34

Em segundo lugar, conforme resulta também da decisão de reenvio, os montantes devidos para cobrir os custos gerais do sistema elétrico não se destinam a financiar necessariamente os custos de produção e de distribuição da eletricidade, mas sim objetivos de interesse geral, segundo os critérios de repartição fixados pelas autoridades públicas, com base nas linhas orientadoras do Ministro do Desenvolvimento Económico de 24 de julho de 2013 e nas decisões da Autoridade para a Energia Elétrica e o Gás adotadas em outubro de 2013, no âmbito do sistema elétrico nacional. Entre esses objetivos figuram a promoção das fontes de energia renováveis e da eficiência energética, a segurança nuclear e as compensações territoriais, os regimes tarifários especiais para a Sociedade Nacional dos Caminhos de Ferro, as compensações destinadas às pequenas empresas do setor da eletricidade, o apoio à investigação aplicada ao setor da eletricidade assim como a cobertura do «bónus eletricidade» e dos incentivos concedidos às empresas com utilização intensiva de eletricidade.

35

Neste contexto, há que salientar que o facto de os montantes devidos para cobrir os custos gerais do sistema elétrico não se destinarem ao orçamento geral nacional, mas, como menciona o Governo italiano, serem depositados nas contas de gestão da Caixa de Compensação para o Setor da Eletricidade, a fim de serem afetados a certas categorias de operadores para uma utilização especial, não pode, em si mesmo, excluí‑los do âmbito da fiscalidade (v., por analogia, acórdão de 15 de abril de 2010, CIBA, C‑96/08, EU:C:2010:185, n.o 23).

36

Em terceiro lugar, no que respeita, mais precisamente, aos impostos indiretos, há que sublinhar que esses direitos são habitualmente repercutidos no consumidor final do bem ou do serviço prestado, através da sua inclusão no montante que figura na fatura que lhe é dirigida (v., neste sentido, acórdão de 14 de janeiro de 2016, Comissão/Bélgica, C‑163/14, EU:C:2016:4, n.o 39).

37

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que os custos gerais do sistema elétrico são imputados aos consumidores de eletricidade e repartidos entre estes, incluindo as empresas, através da sua inscrição nas faturas de eletricidade. Isto é confirmado pelo artigo 39.o, n.o 3, do Decreto‑Lei n.o 83/2012, nos termos do qual os montantes devidos para cobrir esses custos são repercutidos nos consumidores finais.

38

Além disso, os referidos montantes estão associados à eletricidade consumida, uma vez que, nos termos do artigo 3.o, n.o 2, do Decreto ministerial de 5 de abril de 2013, os custos gerais do sistema elétrico são decrescentes, em função dos consumos de eletricidade.

39

Por estas razões, os montantes devidos para cobrir os referidos custos não podem ser comparados com o imposto em causa no processo que deu origem ao acórdão de 4 de junho de 2015, Kernkraftwerke Lippe‑Ems (C‑5/14, EU:C:2015:354), no qual o Tribunal de Justiça entendeu que não se podia considerar que esse imposto era calculado, direta ou indiretamente, sobre a quantidade de eletricidade à data da introdução desse produto no consumo, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2003/96. Com efeito, o Tribunal de Justiça baseou esta conclusão nas considerações que figuram nos n.os 62 e 63 desse acórdão, segundo as quais a referida taxa era calculada, nomeadamente, sobre a quantidade de combustível nuclear utilizada para efeitos da produção de eletricidade e esta quantidade não condicionava diretamente a quantidade de eletricidade produzida, pelo que este mesmo imposto podia ser cobrado sem que uma quantidade de eletricidade fosse necessariamente produzida e, por conseguinte, consumida.

40

Tendo em conta as considerações anteriores e sob reserva de verificação, pelo órgão jurisdicional de reenvio, dos elementos de facto e das regras do direito nacional em que elas assentam, deve concluir‑se que os montantes devidos para cobrir os custos gerais do sistema elétrico constituem impostos indiretos na aceção do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2003/96.

41

Por outro lado, como a Comissão referiu nas suas observações escritas, na medida em que os montantes devidos para cobrir os custos gerais do sistema elétrico constituem impostos indiretos, as condições impostas pelo direito da União no que respeita aos produtos, como a eletricidade, que, conforme resulta do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2008/118, estão sujeitos ao regime geral dos impostos especiais que esta diretiva prevê devem ser respeitadas.

42

Em termos mais precisos, a eletricidade pode, em conformidade com o artigo 1.o, n.o 2, desta diretiva, ser objeto de um imposto indireto diferente do imposto especial de consumo instituído pela referida diretiva, se, por um lado, esse imposto prosseguir uma ou várias finalidades específicas e, por outro, respeitar as regras de tributação aplicáveis em matéria de impostos especiais de consumo ou de IVA para a determinação da base tributável, o cálculo, a exigibilidade e o controlo do imposto, não incluindo essas regras as disposições relativas às isenções.

43

Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se os montantes devidos para cobrir os custos gerais do sistema elétrico cumprem estas condições.

44

Tendo em conta as considerações anteriores, há que responder à primeira questão que o artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2003/96 deve ser interpretado no sentido de que estão abrangidos pelo conceito de «reduções fiscais» os incentivos concedidos pelo direito nacional às empresas com utilização intensiva de energia, conforme definidas nesta disposição, relativos aos montantes devidos para cobrir os custos gerais do sistema elétrico, como os que estão em causa no processo principal, sob reserva de verificação, pelo órgão jurisdicional de reenvio, dos elementos de facto e das regras do direito nacional em que assenta esta resposta do Tribunal de Justiça.

Quanto à segunda questão

45

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2003/96 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que prevê reduções fiscais sobre o consumo de eletricidade apenas a favor de empresas com utilização intensiva de energia, na aceção desta disposição, pertencentes ao setor transformador.

46

A este respeito, resulta da decisão de reenvio que, nos termos da regulamentação nacional em causa no processo principal, apenas empresas designadas de «consumidoras de energia» do setor transformador beneficiam das vantagens relativas aos montantes devidos para cobrir os custos gerais do sistema elétrico.

47

Em conformidade com o artigo 17.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96, os Estados‑Membros podem aplicar reduções de impostos sobre o consumo de eletricidade a favor de empresas com utilização intensiva de energia, desde que sejam respeitados, em média, os níveis de tributação mínimos da União para cada empresa previstos nessa diretiva.

48

Esta disposição também define o conceito de «empresa com utilização intensiva de energia» e precisa, no quadro desta definição, que os Estados‑Membros podem aplicar critérios mais restritivos, incluindo o valor das vendas, o processo de fabrico e o setor industrial.

49

Resulta daí que, para efeitos da referida disposição, os Estados‑Membros são livres de limitar o benefício de reduções fiscais a favor das empresas com utilização intensiva de energia às empresas de um ou vários setores industriais. Por conseguinte, esta mesma disposição não se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que concede vantagens relativas aos montantes devidos para cobrir os custos gerais do sistema elétrico apenas ao setor transformador.

50

Esta interpretação é corroborada pelo exame dos objetivos da Diretiva 2003/96. Com efeito, resulta dos considerandos 9 e 11 desta diretiva que esta visa conceder aos Estados‑Membros uma certa flexibilidade para definir e aplicar políticas adaptadas aos contextos nacionais e que cada Estado‑Membro é livre de decidir que disposições aplicará para pôr em prática a referida diretiva.

51

Todavia, há que sublinhar que o facto de uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, que limita o benefício de uma redução fiscal a um setor industrial, não ser contrária ao artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2003/96 não afeta, conforme resulta do artigo 26.o, n.o 2, desta diretiva, a questão de saber se essa regulamentação constitui um auxílio estatal. Contudo, conforme referiu expressamente o órgão jurisdicional de reenvio, esta questão não é objeto do presente reenvio prejudicial.

52

Tendo em conta as considerações anteriores, há que responder à segunda questão que o artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2003/96 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que prevê reduções fiscais sobre o consumo de eletricidade apenas a favor de empresas com utilização intensiva de energia, na aceção desta disposição, pertencentes ao setor transformador.

Quanto às despesas

53

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

 

1)

O artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade, deve ser interpretado no sentido de que estão abrangidos pelo conceito de «reduções fiscais» os incentivos concedidos pelo direito nacional às empresas com utilização intensiva de energia, conforme definidas nesta disposição, relativos aos montantes devidos para cobrir os custos gerais do sistema elétrico italiano, como os que estão em causa no processo principal, sob reserva de verificação, pelo órgão jurisdicional de reenvio, dos elementos de facto e das regras do direito nacional em que assenta esta resposta do Tribunal de Justiça.

 

2)

O artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2003/96 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que prevê reduções fiscais sobre o consumo de eletricidade apenas a favor de empresas com utilização intensiva de energia, na aceção desta disposição, pertencentes ao setor transformador.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.