ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

14 de dezembro de 2016 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Contratos públicos de serviços — Diretiva 2004/18/CE — Artigo 45.o, n.o 2 — Situação pessoal do candidato ou do proponente — Causas de exclusão facultativas — Falta grave em matéria profissional — Regulamentação nacional que prevê uma análise caso a caso, de acordo com o princípio da proporcionalidade — Decisões das entidades adjudicantes — Diretiva 89/665/CEE — Fiscalização jurisdicional»

No processo C‑171/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos), por decisão de 27 de março de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 15 de abril de 2015, no processo

Connexxion Taxi Services BV

contra

Staat der Nederlanden – Ministerie van Volksgezondheid, Welzijn en Sport,

Transvision BV,

Rotterdamse Mobiliteit Centrale RMC BV,

Zorgvervoercentrale Nederland BV,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, E. Juhász (relator), C. Vajda, K. Jürimäe e C. Lycourgos, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 27 de abril de 2016,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Connexxion Taxi Services BV, por J. van Nouhuys, advocaat,

em representação da Transvision BV, da Rotterdamse Mobiliteit Centrale RMC BV e da Zorgvervoercentrale Nederland BV, por J. P. Heering e P. Heemskerk, advocaten,

em representação do Governo neerlandês, por H. M. Stergiou, M. K. Bulterman, M. A. M. de Ree e J. Langer, na qualidade de agentes,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por S. Varone e F. Di Matteo, avvocati dello Stato,

em representação da Comissão Europeia, por A. Tokár e S. Noë, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 30 de junho de 2016,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do disposto no artigo 45.o, n.o 2, da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO 2004, L 134, p. 114), e da extensão da fiscalização jurisdicional das decisões das entidades adjudicantes.

2

O pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Connexxion Taxi Services BV (a seguir «Connexxion») ao Staat der Nederlanden – Ministerie van Volksgezondheid, Welzijn en Sport (Estado neerlandês – Ministério da Saúde, do Bem‑Estar e dos Desportos, Países Baixos, a seguir «Ministério») e à associação de empresas constituída pela Transvision BV, pela Rotterdamse Mobiliteit Centrale RMC BV e pela Zorgvervoercentrale Nederland BV (a seguir, em conjunto, «associação de empresas»), a respeito da regularidade da decisão do Ministério de atribuir um contrato público de serviços a essa associação de empresas.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O considerando 2 da Diretiva 2004/18 enuncia:

«A adjudicação de contratos celebrados nos Estados‑Membros por conta do Estado, das autarquias locais e regionais e de outros organismos de direito público deve respeitar os princípios do Tratado, nomeadamente os princípios da livre circulação de mercadorias, da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços, assim como os princípios deles resultantes, tais como os princípios da igualdade de tratamento, da não discriminação, do reconhecimento mútuo, da proporcionalidade e da transparência. Todavia, no que se refere aos contratos públicos que ultrapassem um determinado valor, é aconselhável estabelecer disposições que instituam uma coordenação comunitária dos procedimentos nacionais para a adjudicação dos contratos públicos que se baseiem nesses princípios por forma a garantir os seus efeitos e a abertura à concorrência dos contratos públicos. Por conseguinte, tais disposições de coordenação devem ser interpretadas em conformidade com as regras e princípios atrás referidos, bem como com as restantes regras do Tratado.»

4

O artigo 2.o dessa diretiva, sob a epígrafe «Princípios de adjudicação dos contratos», dispõe:

«As entidades adjudicantes tratam os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação e agem de forma transparente.»

5

A secção 2 do título II, capítulo VII, dessa diretiva é dedicada aos «Critérios de seleção qualitativa». Inclui o artigo 45.o da referida diretiva, com a epígrafe «Situação pessoal do candidato ou do proponente». O n.o 1 desse artigo enumera as causas de exclusão obrigatória do candidato ou do proponente de um contrato. O n.o 2 do mesmo artigo enumera as causas de exclusão facultativas de um contrato e tinha a seguinte redação:

«Pode ser excluído do procedimento de contratação:

[…]

d)

Tenham cometido falta grave em matéria profissional, comprovada por qualquer meio que as entidades adjudicantes possam apresentar;

[…]

Em conformidade com a sua legislação nacional e na observância do direito comunitário, os Estados‑Membros especificarão as condições de aplicação do presente número.»

6

O anexo VII A da mesma diretiva, intitulado «Informações que devem constar dos anúncios de concurso», refere‑se, no seu ponto 17, aos «critérios de seleção relativos à situação pessoal dos operadores económicos que possam levar à sua exclusão [e] [à]s informações necessárias que provem que não estão abrangidos pelos casos que justificam a exclusão […]».

7

Com a epígrafe «Âmbito de aplicação e acesso ao recurso», o artigo 1.o da Diretiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos procedimentos de recurso em matéria de celebração dos contratos de direito público de fornecimentos e de obras (JO 1989, L 395, p. 33), conforme alterada pela Diretiva 2007/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2007 (JO 2007, L 335, p. 31), enuncia, no seu n.o 1, terceiro parágrafo:

«Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que, no que se refere aos contratos abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2004/18/CE, as decisões das entidades adjudicantes possam ser objeto de recursos eficazes e, sobretudo, tão céleres quanto possível, nos termos dos artigos 2.° a 2.o‑F da presente diretiva, com fundamento na violação, por tais decisões, do direito comunitário em matéria de contratos públicos ou das normas nacionais de transposição desse direito.»

8

A Diretiva 2004/18 foi substituída pela Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, sobre contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18 (JO 2004, L 94, p. 65). De acordo com o artigo 91.o da Diretiva 2014/24, a revogação da Diretiva 2004/18 produzia efeitos a partir de 18 de abril de 2016.

Direito neerlandês

9

A Diretiva 2004/18 foi transposta para o direito neerlandês pelo Besluit houdende regels betreffende de procedures voor het gunnen van overheidsopdrachten voor werken, leveringen en diensten (Decreto que aprova as normas relativas aos procedimentos de adjudicação de contratos públicos de empreitada, de fornecimento e de serviços) de 16 de julho de 2005 (Stb. 2005, p. 408, a seguir «decreto»).

10

O artigo 45.o, n.o 2, alínea d), dessa diretiva foi transposto para o direito neerlandês pelo artigo 45.o, n.o 3, alínea d), do decreto, que refere o seguinte:

«A entidade adjudicante pode excluir da participação no contrato qualquer operador económico:

[…]

d)

que tenha cometido uma falta grave em matéria profissional, comprovada por qualquer meio que a entidade adjudicante possa apresentar;

[…]»

11

A exposição de motivos do decreto precisa, a respeito do seu artigo 45.o, n.o 3:

«A questão de saber se deve efetivamente proceder‑se à exclusão e durante quanto tempo essa exclusão será aplicável deve, tendo em conta as considerações gerais da diretiva, receber sempre uma resposta proporcionada e não discriminatória. O termo ‘proporcionada’ significa que a exclusão e a duração dessa exclusão devem ser proporcionais à gravidade do comportamento culposo. Do mesmo modo, a exclusão e a sua duração devem ser proporcionais à importância do contrato público. Consequentemente, a fixação de um prazo absoluto em que uma empresa que tenha agido de forma ilícita fica liminarmente excluída de qualquer procedimento de adjudicação de contratos públicos pelo Estado não respeita o princípio da proporcionalidade. Isto significa igualmente que está em causa uma análise individual, pois a entidade adjudicante deve sempre verificar caso a caso e relativamente a cada contrato público se, num caso concreto, deve excluir uma dada empresa (em função da natureza e da importância do contrato, da natureza e da importância da fraude e das medidas que a empresa entretanto tomou).»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12

Em 10 de julho de 2012, o Ministério lançou um procedimento de adjudicação de um contrato de fornecimento de um «[s]erviço de transporte suprarregional para fins sociais e recreativos destinado a pessoas com mobilidade reduzida». Esse serviço destinava‑se a permitir que as pessoas com mobilidade reduzida viajassem livremente, atribuindo‑lhes anualmente um orçamento de deslocação expresso em quilómetros de táxi. O contrato tem a duração mínima de três anos e nove meses e representa um valor anual de cerca de 60000000 euros.

13

O procedimento de adjudicação desse contrato está descrito em pormenor num documento designado «Documento descritivo», cujo número intitulado «Causas de exclusão e requisitos de aptidão» refere, nomeadamente, no ponto 3.1:

«As propostas a que seja aplicável uma causa de exclusão são rejeitadas e o seu conteúdo não será apreciado.»

14

Relativamente às causas de exclusão, o documento descritivo remete para a «Declaração pessoal» que deverá ser preenchida pelos proponentes e junta à proposta como anexo obrigatório. O documento descritivo especifica que:

«A esse respeito […] o proponente, ao assinar a Declaração pessoal uniforme referente aos concursos públicos, declara que não se lhe aplicam quaisquer causas de exclusão (v. pontos 2 e 3 da declaração).»

15

Nessa declaração, o proponente declara, nomeadamente, que «a sua empresa ou os seus gerentes não cometeram qualquer falta grave no exercício da sua profissão».

16

Participaram no procedimento de concurso, designadamente, a Connexxion e a associação de empresas. Por carta de 8 de outubro de 2012, o Ministério comunicou à Connexxion que a sua proposta tinha ficado em segundo lugar e que tencionava adjudicar o contrato à associação de empresas.

17

Em 20 de novembro de 2012, a Nederlandse Mededingingsautoriteit (Autoridade Neerlandesa da Concorrência, Países Baixos) aplicou coimas a duas empresas dessa associação e a quadros dessas empresas, por violação da lei neerlandesa da concorrência. As infrações detetadas respeitavam a acordos celebrados com outras empresas nos períodos entre 18 de dezembro de 2007 e 27 de agosto de 2010 e entre 17 de abril de 2009 e 1 de março de 2011. O Ministério considerou que isso era uma falta profissional grave, mas manteve a sua decisão de atribuir o contrato à associação de empresas com o fundamento de que a sua exclusão por causa dessa falta seria desproporcionada.

18

Em sede de procedimento cautelar, a Connexxion pediu que o Ministério fosse proibido de atribuir o contrato à associação de empresas. Por decisão de 17 de abril de 2013, o voorzieningenrechter te Den Haag (juiz de procedimentos cautelares de Haia, Países Baixos) deferiu o pedido, considerando que o Ministério, ao apurar a existência de uma falta profissional grave, deixava de poder proceder a um exame de proporcionalidade.

19

Por decisão de 3 de setembro de 2013, o Gerechtshof Den Haag (Tribunal de Segunda Instância de Haia, Países Baixos) anulou a decisão do juiz de procedimentos cautelares e autorizou o Ministério a atribuir o contrato em causa no processo principal à associação de empresas, considerando que o direito da União não proíbe que uma entidade adjudicante verifique, em conformidade com o princípio da proporcionalidade, se um proponente ao qual seja aplicável uma causa de exclusão facultativa deve ser excluído e que, ao proceder a esse exame de proporcionalidade, o Ministério não violou os princípios da igualdade de tratamento e da transparência.

20

A Connexxion interpôs recurso de revista dessa decisão para o Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos).

21

Esse tribunal observa que o processo principal se caracteriza pelo facto de, por um lado, a entidade adjudicante ter indicado, nas condições do concurso, que as propostas sujeitas a uma causa de exclusão seriam rejeitadas sem exame do conteúdo e de, por outro, não obstante, a decisão de adjudicar o contrato a um determinado proponente ser mantida depois de a entidade adjudicante ter verificado que esse proponente tinha cometido uma falta profissional grave na aceção das condições do concurso.

22

O tribunal de reenvio salienta que o artigo 45.o, n.o 3, do decreto reproduz integralmente as causas de exclusão facultativas previstas no artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2004/18. Ora, no que respeita à aplicação dessas causas de exclusão, resulta da exposição de motivos relativamente a essa disposição do decreto que, atendendo aos princípios gerais dessa diretiva, a questão de saber se se procede efetivamente à exclusão deve ser sempre apreciada de forma proporcionada e não discriminatória. Assim, as entidades adjudicantes devem verificar caso a caso se uma empresa deve ser excluída do procedimento de adjudicação de contratos públicos em causa, tendo em conta a natureza e a importância do contrato, a natureza e a importância da fraude e as medidas que a empresa entretanto tomou.

23

Consequentemente, entende que o direito nacional obriga a entidade adjudicante, após constatar que foi cometida uma falta profissional grave, a decidir, em aplicação do princípio da proporcionalidade, se o autor dessa falta deve ser efetivamente excluído.

24

Assim, entende que a obrigação de proceder a um exame de proporcionalidade pode ser considerada uma flexibilização, prevista no direito nacional, dos critérios de aplicação das causas de exclusão facultativas, na aceção dos acórdãos de 9 de fevereiro de 2006, La Cascina e o. (C‑226/04 e C‑228/04,EU:C:2006:94, n.o 21), e de 10 de julho de 2014, Consorzio Stabile Libor Lavori Pubblici (C‑358/12, EU:C:2014:2063, n.os 35 e 36). Decorre do artigo 45.o, n.o 2, segundo parágrafo, da Diretiva 2004/18 que essa flexibilização, prevista no direito nacional, deverá observar o direito da União, designadamente os princípios da igualdade de tratamento e da transparência. No processo principal, o Ministério, enquanto entidade adjudicante, ao detetar a falta cometida, verificou, de acordo com o princípio da proporcionalidade, se a honestidade profissional e a fiabilidade da associação de empresas podiam ser garantidas na execução do contrato em causa. Entende que a associação tomou medidas para o efeito.

25

O tribunal de reenvio observa que o Tribunal de Justiça ainda não teve de responder à questão de saber se o direito da União, em especial o artigo 45.o, n.o 2, da referida diretiva, se opõe a uma legislação nacional que obriga uma entidade adjudicante, por força do princípio da proporcionalidade, a apreciar se um proponente que tenha cometido uma falta profissional grave deve ser efetivamente excluído. O Tribunal de Justiça também nunca se pronunciou sobre a questão de saber se, a esse respeito, é importante que a entidade adjudicante tenha previsto nas condições do concurso a rejeição, sem exame do conteúdo, de qualquer proposta sujeita a uma causa de exclusão. Além disso, a mesma diretiva não contém qualquer disposição sobre a extensão da fiscalização jurisdicional das decisões das entidades adjudicantes.

26

Nestas condições, o Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos) suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

a)

O direito da União, em especial, o artigo 45.o, n.o 2, da Diretiva [2004/18], opõe‑se a uma legislação nacional que obriga as entidades adjudicantes a apreciar, em aplicação do princípio da proporcionalidade, se um proponente que cometeu uma falta grave em matéria profissional deve ser efetivamente excluído?

b)

Neste contexto, é relevante que uma entidade adjudicante tenha previsto nas condições do concurso que as propostas a que seja aplicável uma causa de exclusão são eliminadas e deixam de ser elegíveis para a apreciação de conteúdo?

2)

Em caso de resposta negativa à [primeira questão, alínea a)]: o direito da União opõe‑se a que o juiz nacional, em vez de proceder a uma fiscalização ‘plena’ da apreciação feita à luz do princípio da proporcionalidade pela entidade adjudicante no caso concreto, apenas realiz[e] uma fiscalização (‘formal’) no sentido de saber se a entidade adjudicante podia razoavelmente ter decidido não excluir um proponente, apesar de este ter cometido uma falta grave em matéria profissional, nos termos do artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva [2004/18]?»

Quanto às questões prejudiciais

27

A título preliminar, há que observar que os factos em causa no processo principal, conforme referidos nos n.os 12 a 17 do presente acórdão, são anteriores a 18 de abril de 2016, o termo do prazo de transposição da Diretiva 2014/24 pelos Estados‑Membros. Daí resulta que as questões prejudiciais devem ser apreciadas ratione temporis unicamente à luz da Diretiva 2004/18, conforme interpretada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça.

Quanto à primeira questão, alínea a)

28

De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, quanto aos contratos públicos abrangidos pela Diretiva 2004/18, o artigo 45.o, n.o 2, dessa diretiva deixa aos Estados‑Membros a aplicação dos sete casos de exclusão que refere, relativos à honestidade profissional, à solvabilidade ou à fiabilidade dos candidatos de um contrato, como revela a expressão «[p]ode ser excluído do procedimento de contratação» que consta do início dessa disposição [v., no que respeita ao artigo 29.o da Diretiva 92/50/CEE do Conselho de 18 de junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO 1992, L 209, p. 1), acórdão de 9 de fevereiro de 2006, La Cascina e o., C‑226/04 e C‑228/04, EU:C:2006:94, n.o 21]. Além disso, por força desse artigo 45.o, n.o 2, segundo parágrafo, os Estados‑Membros especificarão as condições de aplicação desse n.o 2 em conformidade com o seu direito nacional e na observância do direito da União (v., neste sentido, acórdão de 10 de julho de 2014, Consorzio Stabile Libor Lavori Pubblici,C‑358/12, EU:C:2014:2063, n.o 35).

29

Por conseguinte, o artigo 45.o, n.o 2, da Diretiva 2004/18 não prevê uma aplicação uniforme das causas de exclusão aí indicadas, ao nível da União, na medida em que os Estados‑Membros têm a faculdade de não aplicar de modo nenhum essas causas de exclusão ou de as integrar na regulamentação nacional com um grau de rigor que poderá variar consoante os casos, em função de considerações de ordem jurídica, económica ou social que prevaleçam a nível nacional. Neste contexto, os Estados‑Membros têm o poder de moderar ou de flexibilizar os critérios estabelecidos nessa disposição (acórdão de 10 de julho de 2014, Consorzio Stabile Libor Lavori Pubblici,C‑358/12, EU:C:2014:2063, n.o 36 e jurisprudência aí referida).

30

No caso, refira‑se que, quanto à faculdade de exclusão de um operador económico por falta profissional grave, o Reino dos Países Baixos não precisou na lei os pressupostos de aplicação do artigo 45.o, n.o 2, segundo parágrafo, dessa diretiva, mas, pelo decreto, confiou o exercício dessa faculdade às entidades adjudicantes. Com efeito, a regulamentação neerlandesa em causa no processo principal confere às entidades adjudicantes a faculdade de declarar aplicáveis a um procedimento de adjudicação de um contrato público as causas de exclusão facultativas previstas no artigo 45.o, n.o 2, da mesma diretiva.

31

Quanto à causa de exclusão de um proponente de um contrato, por falta profissional grave, resulta da decisão de reenvio que essa regulamentação obriga a entidade adjudicante em questão que tenha detetado a existência dessa falta desse proponente a analisar, de acordo com o princípio da proporcionalidade, se se deve efetivamente proceder a essa exclusão.

32

Verifica‑se, assim, que esse exame da proporcionalidade da exclusão flexibiliza a aplicação da causa de exclusão relativa a uma falta profissional grave prevista no artigo 45.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2004/18, de acordo com a jurisprudência referida no n.o 29 do presente acórdão. Resulta ainda do considerando 2 dessa diretiva que o princípio da proporcionalidade se aplica, de forma geral, aos procedimentos de adjudicação de contratos públicos.

33

Assim, há que responder à primeira questão, alínea a), que o direito da União, em particular o artigo 45.o, n.o 2, da Diretiva 2004/18, não se opõe a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, que obriga uma entidade adjudicante a analisar, de acordo com o princípio da proporcionalidade, se se deve efetivamente proceder à exclusão de um candidato a um contrato público que tenha cometido uma falta profissional grave.

Quanto à primeira questão, alínea b)

34

Com a primeira questão, alínea b), o tribunal de reenvio pergunta, em substância, se as disposições da Diretiva 2004/18, lidas à luz do princípio da igualdade de tratamento e do dever de transparência dele resultante, devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a que uma entidade adjudicante decida atribuir um contrato público a um proponente que tenha cometido uma falta profissional grave, com o fundamento de a exclusão desse proponente do procedimento de adjudicação ser contrário ao princípio da proporcionalidade, quando, segundo as condições do concurso desse contrato, um proponente que tenha cometido uma falta profissional grave deve ser necessariamente excluído sem se ter em conta o caráter proporcionado ou não dessa sanção.

35

Resulta da regulamentação nacional em causa no processo principal que as entidades adjudicantes dispõem de um amplo poder de apreciação quanto à introdução, nos documentos do concurso, das condições de aplicação do artigo 45.o, n.o 2, da Diretiva 2004/18, que prevejam o caso de exclusão facultativa por falta profissional grave cometida por um operador económico, e quanto à sua efetiva aplicação.

36

Não se pode excluir a possibilidade de, logo na redação dos documentos do contrato em causa, a entidade adjudicante considerar, em função da natureza do contrato e do caráter sensível das prestações que dele são objeto e ainda dos requisitos em matéria de honestidade profissional e de fiabilidade dos operadores económicos que daí resultem, que a prática de uma falta grave em matéria profissional se deve traduzir na rejeição automática da proposta e na exclusão do proponente culpado dessa falta, desde que esteja assegurado o respeito do princípio da proporcionalidade na apreciação da gravidade dessa falta.

37

Essa cláusula, inserida nos documentos do contrato e formulada inequivocamente, como é o caso do procedimento do contrato em causa no processo principal, é suscetível de permitir a todos os operadores económicos razoavelmente informados e normalmente diligentes tomarem conhecimento das exigências da entidade adjudicante e das condições do contrato, para agirem em conformidade.

38

Quanto à questão de saber se a entidade adjudicante tem a obrigação ou a faculdade, nos termos da regulamentação nacional relevante, de analisar, depois da apresentação das propostas ou mesmo após a seleção dos proponentes, se a exclusão efetuada por força de uma cláusula de exclusão por falta profissional grave respeita o princípio da proporcionalidade, apesar de, segundo as condições do concurso desse contrato, um proponente que tenha cometido uma falta profissional grave deva ser necessariamente excluído sem se ter em conta o caráter proporcionado ou não dessa sanção, há que lembrar que a entidade adjudicante deve observar estritamente os critérios que ela própria fixou (v., neste sentido, acórdão de 10 de outubro de 2013, Manova,C‑336/12, EU:C:2013:647, n.o 40 e jurisprudência aí referida), nomeadamente tendo em conta o anexo VII A, ponto 17, da Diretiva 2004/18.

39

Além disso, o princípio da igualdade de tratamento impõe que os operadores económicos interessados num contrato público disponham das mesmas possibilidades na formulação das suas propostas e possam saber exatamente quais os condicionalismos do procedimento e ter a real garantia de que as mesmas exigências valem para todos os concorrentes (v., neste sentido, acórdão de 2 de junho de 2016, Pizzo,C‑27/15, EU:C:2016:404, n.o 36).

40

De igual modo, o dever de transparência implica que todas as condições e modalidades do processo de adjudicação sejam formuladas de forma clara, precisa e unívoca no anúncio de concurso ou no caderno de encargos, para que todos os operadores económicos razoavelmente informados e normalmente diligentes possam compreender o seu alcance exato e interpretá‑las da mesma maneira (v., neste sentido, acórdão de 2 de junho de 2016, Pizzo,C‑27/15, EU:C:2016:404, n.o 36 e jurisprudência aí referida).

41

Quanto ao exame da proporcionalidade da exclusão em causa no processo principal, refira‑se que alguns operadores económicos interessados, embora conhecendo a cláusula de exclusão inserida nos documentos do contrato e estando conscientes de ter cometido uma falta profissional suscetível de ser qualificada de grave, poderiam ser tentados a apresentar uma proposta na esperança de serem isentados da exclusão com base num exame posterior da sua situação ao abrigo do princípio da proporcionalidade, de acordo com a regulamentação nacional em causa no processo principal, enquanto outros, que se encontrassem em situação comparável, não apresentariam essa proposta por acreditarem nos termos dessa cláusula de exclusão, que não mencionava esse exame de proporcionalidade.

42

Esta hipótese pode dizer particularmente respeito aos operadores económicos de outros Estados‑Membros, menos familiarizados com os termos e formas de aplicação da regulamentação nacional relevante. Isto vale ainda mais numa situação, como a que está em causa no processo principal, em que o dever de a entidade adjudicante proceder a um exame da proporcionalidade de uma exclusão por falta profissional grave resulta não dos termos do próprio artigo 45.o, n.o 3, do decreto mas apenas da exposição de motivos relativa a essa disposição. Ora, segundo as indicações dadas pelo Governo neerlandês no processo no Tribunal de Justiça, essa exposição de motivos não é vinculativa por si própria, devendo apenas ser tida em consideração na interpretação dessa disposição.

43

Assim, a análise da exclusão em causa à luz do princípio da proporcionalidade, apesar de as condições do concurso do contrato considerado preverem a rejeição, sem análise à luz desse princípio, das propostas abrangidas por essa causa de exclusão, pode criar incerteza nos operadores económicos interessados e ir contra o princípio da igualdade de tratamento e o respeito do dever de transparência.

44

Em face destas considerações, há que responder à primeira questão, alínea b), que as disposições da Diretiva 2004/18, nomeadamente as do seu artigo 2.o e do seu anexo VII A, ponto 17, lidas à luz do princípio da igualdade de tratamento e do dever de transparência dele resultante, devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a que uma entidade adjudicante decida atribuir um contrato público a um proponente que tenha cometido uma falta profissional grave, pelo facto de a exclusão desse proponente do procedimento de adjudicação ser contrária ao princípio da proporcionalidade, quando, segundo as condições do concurso desse contrato, um proponente que tenha cometido uma falta profissional grave deve ser necessariamente excluído sem se ter em conta o caráter proporcionado ou não dessa sanção.

Quanto à segunda questão

45

Visto que a resposta à primeira questão, alínea b), fornece os elementos necessários para o tribunal nacional poder decidir a causa que lhe está submetida, não há que responder à segunda questão.

Quanto às despesas

46

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

1)

O direito da União, em particular o artigo 45.o, n.o 2, da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, não se opõe a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, que obriga uma entidade adjudicante a analisar, de acordo com o princípio da proporcionalidade, se se deve efetivamente proceder à exclusão de um candidato a um contrato público que tenha cometido uma falta profissional grave.

2)

As disposições da Diretiva 2004/18, nomeadamente as do seu artigo 2.o e do seu anexo VII A, ponto 17, lidas à luz do princípio da igualdade de tratamento e do dever de transparência dele resultante, devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a que uma entidade adjudicante decida atribuir um contrato público a um proponente que tenha cometido uma falta profissional grave, pelo facto de a exclusão desse proponente do procedimento de adjudicação ser contrária ao princípio da proporcionalidade, quando, segundo as condições do concurso desse contrato, um proponente que tenha cometido uma falta profissional grave deve ser necessariamente excluído sem se ter em conta o caráter proporcionado ou não dessa sanção.

 

Assinaturas


( *1 ) * Língua do processo: neerlandês.