ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

13 de setembro de 2017 ( *1 )

«Incumprimento de Estado — Auxílios de Estado — Decisão 2011/678/UE — Auxílio estatal para o financiamento dos testes de deteção das encefalopatias espongiformes transmissíveis (EET) nos bovinos — Auxílio incompatível com o mercado interno — Obrigação de recuperação — Incumprimento»

No processo C‑591/14,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 108.o, n.o 2, segundo parágrafo, TFUE, proposta em 19 de dezembro de 2014,

Comissão Europeia, representada por J.‑F. Brakeland, B. Stromsky, S. Noë e H. van Vliet, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

Reino da Bélgica, representado por C. Pochet, L. Van den Broeck e J.‑C. Halleux, na qualidade de agentes, assistidos por L. Van den Hende e J. Charles, avocats,

demandado,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, E. Juhász (relator), C. Vajda, K. Jürimäe e C. Lycourgos, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: V. Giacobbo‑Peyronnel, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 8 de dezembro de 2016,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 30 de março de 2017,

profere o presente

Acórdão

1

Na sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao não tomar, nos prazos fixados, todas as medidas necessárias para recuperar, junto dos beneficiários, os auxílios estatais declarados ilegais e incompatíveis com o mercado interno pelo artigo 1.o, n.os 3 e 4, da Decisão 2011/678/UE da Comissão, de 27 de julho de 2011, relativa ao auxílio estatal para o financiamento dos testes de deteção das encefalopatias espongiformes transmissíveis (EET) nos bovinos aplicado pela Bélgica [Auxílio estatal C 44/08 (ex NN 45/04)] (JO 2011, L 274, p. 36, a seguir «decisão controvertida»), e ao não ter informado a Comissão, no prazo concedido, das medidas adotadas para dar cumprimento àquela decisão, o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 288.o, quarto parágrafo, TFUE e dos artigos 2.° a 4.° da referida decisão.

Quadro jurídico

Regulamento (CE) n.o 659/1999

2

O Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.° TFUE] (JO 1999, L 83, p. 1), no seu artigo 14.o, sob a epígrafe «Recuperação do auxílio», prevê:

«1.   Nas decisões negativas relativas a auxílios ilegais, a Comissão decidirá que o Estado‑Membro em causa deve tomar todas as medidas necessárias para recuperar o auxílio do beneficiário, adiante designada “decisão de recuperação”. A Comissão não deve exigir a recuperação do auxílio se tal for contrário a um princípio geral de direito [da União].

2.   O auxílio a recuperar mediante uma decisão de recuperação incluirá juros a uma taxa adequada fixada pela Comissão. Os juros são devidos a partir da data em que o auxílio ilegal foi colocado à disposição do beneficiário e até ao momento da sua recuperação.

3.   Sem prejuízo de uma decisão do Tribunal de Justiça [da União Europeia] nos termos do artigo [278.° TFUE], a recuperação será efetuada imediatamente e segundo as formalidades do direito nacional do Estado‑Membro em causa, desde que estas permitam uma execução imediata e efetiva da decisão da Comissão. Para o efeito e na eventualidade de um processo nos tribunais nacionais, os Estados‑Membros interessados tomarão as medidas necessárias previstas no seu sistema jurídico, incluindo medidas provisórias, sem prejuízo da legislação [da União].»

Orientações EET

3

A Comissão das Comunidades Europeias adotou, no decorrer de 2002, as Orientações comunitárias para os auxílios estatais relativos aos testes de deteção de encefalopatias espongiformes transmissíveis, aos animais mortos e aos resíduos de matadouros (JO 2002, C 324, p. 2, a seguir «orientações EET»). Os pontos 23 a 25 destas orientações preveem:

«23.

A fim de incentivar a tomada de medidas de proteção da saúde animal e humana, a Comissão decidiu continuar a autorizar auxílios estatais que podem chegar a 100% para participação nos custos dos testes de deteção de EET, segundo os princípios do capítulo 11.4 das orientações para a agricultura.

24.

No entanto, a partir de 1 de janeiro de 2003, no que diz respeito à obrigatoriedade de testar, para deteção de EEB, os bovinos abatidos para consumo humano, o auxílio público total direto e indireto, incluindo os pagamentos comunitários, não pode exceder 40 euros por teste. A obrigatoriedade dos testes pode basear‑se na legislação comunitária ou na legislação nacional. Este montante diz respeito aos custos totais dos testes, incluindo: kit de teste, colheita, transporte, teste, armazenagem e destruição da amostra. Este montante pode ser reduzido futuramente, na medida em que baixem os custos dos testes.

25.

O auxílio estatal relativo aos custos dos testes de deteção de EET deve ser pago ao operador em cujas instalações tenham que ser recolhidas amostras para os testes. No entanto, para facilitar a sua administração, o auxílio pode, em vez disso, ser pago ao laboratório, desde que possa ser demonstrado que a totalidade do montante do auxílio estatal pago é transferida para o operador. Em qualquer caso, um auxílio estatal direta ou indiretamente recebido por um operador em cujas instalações tenham que ser recolhidas amostras para os testes deve refletir‑se numa redução equivalente dos preços cobrados por esse operador.»

Antecedentes do litígio e decisão controvertida

4

Durante os anos de 2001 e 2006, o Reino da Bélgica tomou a seu cargo a totalidade ou parte do custo dos testes de deteção das encefalopatias espongiformes transmissíveis nos bovinos (a seguir «testes EEB»).

5

No que respeita ao período de 1 de janeiro a 31 de dezembro de 2001, o custo dos testes EEB foi financiado integralmente pelo erário público.

6

De 1 de janeiro de 2002 a 30 de junho de 2004, estes testes foram pré‑financiados pelo Bureau d’intervention et de restitution belge (Gabinete de Intervenção e de Restituição, a seguir «BIRB»), instituto público federal dotado de personalidade jurídica.

7

De 1 de julho a 30 de novembro de 2004, os testes EEB foram financiados pela Agence fédérale pour la sécurité de la chaîne alimentaire (Agência Federal para a Segurança da Cadeia Alimentar, Bélgica) (AFSCA), instituto público dotado de personalidade jurídica.

8

No seguimento de queixas que tinha recebido, a Comissão enviou ao Reino da Bélgica, em 27 de janeiro de 2004, um pedido de informações sobre as medidas de financiamento dos testes EEB. As autoridades belgas responderam a este pedido em 6 de fevereiro e 14 de maio 2004.

9

Por carta de 23 de janeiro de 2004, o Reino da Bélgica notificou à Comissão uma medida de auxílio destinada a cobrir os custos da deteção de EET nos animais. Através desta medida, pretendia‑se efetuar o pré‑financiamento dos custos dos testes EEB, devendo esse montante ser ulteriormente reembolsado por meio de taxas parafiscais. Segundo as explicações prestadas pelo Reino da Bélgica, o mecanismo de financiamento notificado consistia apenas na reformulação de um projeto de decreto real que tinha sido aprovado, no decorrer de 2001, pela Comissão, sem que, no entanto, tivesse sido aplicado. Visto que a medida notificada já tinha sido executada, foi inscrita no registo dos auxílios não notificados, com o número NN 45/04.

10

Em 16 de setembro de 2004, as autoridades belgas notificaram um novo projeto de decreto real, que passou a ser o Decreto Real de 15 de outubro de 2004, relativo ao financiamento dos testes de despistagem das encefalopatias espongiformes transmissíveis nos animais (Moniteur belge de 8 de novembro de 2004, p. 75290). Esse decreto fixava um sistema de retribuição de 10,70 euros por cada bovino apresentado para abate.

11

Por carta de 26 de novembro de 2008, a Comissão informou o Reino da Bélgica da sua decisão de dar início ao processo previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE.

12

No considerando 121 da decisão controvertida, a Comissão salientou que o montante máximo autorizado de auxílio no quadro do financiamento dos testes EEB, fixado nas orientações EET num valor de 40 euros por testes, tinha sido ultrapassado pelo Reino da Bélgica, entre 1 de janeiro de 2003 e 30 de junho de 2004. A Comissão precisou que o montante dos auxílios que havia ultrapassado o montante máximo autorizado tinha sido estimado em 6619810,74 euros.

13

No considerando 92 desta decisão, a Comissão observou, com efeito, que: «[…] as medidas financiadas por recursos estatais, tais como as contribuições, concedem uma vantagem seletiva aos agricultores, matadouros e outras entidades que procedem à transformação, manipulação, venda ou comercialização dos produtos provenientes de bovinos sujeitos a testes obrigatórios EEB por força da legislação aplicável, dado que reduzem os custos suportados pelos beneficiários em causa. Essas vantagens não são concedidas por pagamentos diretos, mas sim mediante a tomada a cargo dos custos dos testes EEB pelas autoridades públicas, que pagam diretamente esses custos aos laboratórios que os efetuam a pedido dos matadouros e cobram os referidos custos à AFSCA».

14

A Comissão salientou, nos considerandos 99 e 100 da decisão controvertida, por um lado, que o financiamento dos testes EEB por contribuições constituía uma vantagem financiada por recursos estatais em benefício dos agricultores, dos matadouros e outras entidades que procedem ao tratamento, manipulação, venda ou comercialização dos produtos provenientes de bovinos sujeitos a testes EEB, obrigatórios por força da legislação aplicável, e, por outro lado, que essa vantagem se inseria no âmbito do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Depois de mencionar que o Reino da Bélgica não lhe tinha notificado esses auxílios, salientou que os referidos auxílios eram ilegais.

15

Nos considerandos 126 a 128 da decisão controvertida, a Comissão, estando em causa auxílios concedidos entre 1 de janeiro de 2003 e 30 de junho de 2004, examinou o regime de recuperação dos auxílios por meio das contribuições cobradas para o financiamento da AFSCA, como proposto pelo Reino da Bélgica, segundo o qual a razão do recurso a esse método global residia no facto de, na prática, ser difícil proceder a uma recuperação individual desses auxílios.

16

A Comissão sublinhou, no considerando 129 da decisão controvertida, que o regime de recuperação dos auxílios posto em prática desta forma pelo Reino da Bélgica não estava em conformidade com as exigências em matéria de recuperação de auxílios ilegais e incompatíveis com o mercado interno, na medida em que, contrariamente à jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, não obrigava o beneficiário real desses auxílios a restituir ele próprio a vantagem de que beneficiou no mercado em relação aos seus concorrentes.

17

À luz destes elementos, a Comissão, através da decisão controvertida que foi notificada ao Reino da Bélgica em 28 de julho de 2011, decidiu o seguinte:

«Artigo 1.o

1.   As medidas financiadas por meio das remunerações não constituem auxílio.

2.   O financiamento dos testes EEB por recursos estatais constitui um auxílio compatível com o mercado interno, a favor dos agricultores, matadouros e outras entidades que procedem ao tratamento, manipulação, venda ou comercialização dos produtos provenientes de bovinos sujeitos a testes obrigatórios EEB, no período de 1 de janeiro de 2001 a 31 de dezembro de 2002 e no período de 1 de julho de 2004 a 31 de dezembro de 2005.

3.   O financiamento dos testes EEB por recursos estatais no período de 1 de janeiro de 2003 a 30 de junho de 2004 constitui um auxílio compatível com o mercado interno, a favor dos agricultores. matadouros e outras entidades que procedem ao tratamento, manipulação, venda ou comercialização dos produtos provenientes de bovinos sujeitos a testes obrigatórios EEB, no que se refere aos montantes que não excedem 40 EUR por teste. Os montantes acima de 40 EUR por teste são incompatíveis com o mercado interno e devem ser objeto de recuperação, exceto no caso dos auxílios concedidos a projetos específicos, que, no momento da sua concessão, satisfaziam todas as condições fixadas no regulamento de minimis aplicável.

4.   A Bélgica efetuou ilegalmente um auxílio ao financiamento dos testes EEB, em violação do artigo 108.o, n.o 3, do TFUE, no período de 1 de janeiro de 2001 a 30 de junho de 2004.

Artigo 2.o

1.   A Bélgica deve tomar as medidas necessárias para recuperar os auxílios ilegais e incompatíveis referidos no artigo 1.o, n.os 3 e 4, junto dos beneficiários.

2.   Os auxílios a recuperar incluem juros calculados desde a data em que foram postos à disposição dos beneficiários até à data da sua recuperação.

3.   Os juros são calculados numa base composta, em conformidade com as disposições previstas no capítulo V do Regulamento (CE) n.o 794/2004 [da Comissão, de 21 de abril 2004, relativo à aplicação do Regulamento n.o 659/1999 (JO 2004, L 140, p. 1)].

4.   A recuperação é efetuada de imediato e segundo os procedimentos previstos no direito nacional, desde que estes permitam a execução imediata e efetiva da presente decisão.

Artigo 3.o

A recuperação do auxílio referido no artigo 1.o, n.os 3 e 4, é imediata e efetiva.

A Bélgica deve assegurar a aplicação da presente decisão no prazo de quatro meses a contar da data da respetiva notificação.

Artigo 4.o

1.   Dois meses após a notificação da presente decisão, a Bélgica deve apresentar à Comissão as seguintes informações:

a)

A lista dos beneficiários que receberam o auxílio a que se refere o artigo 1.o, n.os 3 e 4 e o montante total de auxílio recebido por cada um deles;

b)

O montante total (capital mais os juros até à recuperação) a recuperar dos beneficiários;

c)

Uma descrição pormenorizada das medidas já tomadas ou previstas para dar execução à presente decisão;

d)

Os documentos comprovativos de que os beneficiários foram intimados a reembolsar o auxílio.

2.   A Bélgica deve informar a Comissão dos progressos feitos na sequência das medidas nacionais adotadas para aplicar a presente decisão, até à recuperação total do auxílio referido no artigo 1.o, n.os 3 e 4.

3.   Após o período de dois meses referido no n.o 1, a Bélgica deve apresentar, a simples pedido da Comissão, um relatório relativo às medidas já adotadas e previstas para dar cumprimento à presente decisão. Desse relatório devem constar igualmente informações pormenorizadas sobre os montantes de auxílio e os juros já recuperados junto dos beneficiários.

Artigo 5.o

O Reino da Bélgica é o destinatário da presente decisão.»

Procedimento pré‑contencioso

18

Em 27 de setembro de 2011, o Reino da Bélgica comunicou à Comissão o seu desacordo com a decisão controvertida.

19

Para esse efeito, começou por indicar que reiterava que o financiamento do custo dos testes EEB pelo Estado não constituía um auxílio estatal na medida em que «não existe nenhuma regra da União que obrigue os Estados‑Membros a recuperarem, total ou parcialmente, os custos dos testes EEB junto dos agentes económicos e, em particular, daqueles que estão ativos no setor agrícola». De seguida, o Reino da Bélgica sublinhou a importância da investigação que estava a ser levada a cabo pelas autoridades da concorrência a respeito de suspeitas de práticas anticoncorrenciais desenvolvidas pelos laboratórios por ocasião dos testes EEB.

20

Relativamente à execução da decisão controvertida, alegou que, tendo em conta o grande número de pessoas designadas pelo artigo 1.o da decisão controvertida como beneficiárias dos auxílios ilegais e incompatíveis com o mercado interno, a saber, os agricultores, matadouros e outras entidades que procedem ao tratamento, manipulação, venda ou comercialização dos produtos provenientes de bovinos sujeitos a um teste EEB obrigatório, seria impossível «estabelecer uma ligação efetiva entre o animal originalmente testado para [a EET] e os beneficiários em todas as fases até à venda do produto final».

21

Por fim, o Reino da Bélgica alegou que, em qualquer caso, bastaria repartir de forma igual o montante dos referidos auxílios entre os seis setores envolvidos (criadores, vendedores de animais vivos, matadouros, produção e transformação de produtos, comércio grossista, venda a retalho) e dividi‑lo pelo número de operadores económicos ativos nesses setores para constatar que não havia lugar à sua recuperação, em aplicação do regime de minimis.

22

Em 18 de julho de 2012, a Comissão indicou ao Reino da Bélgica que o beneficiário do auxílio «é o operador sujeito à obrigação de efetuar testes EEB, e ao qual o matadouro cobra uma remuneração pelo custo dos testes EEB» e que cabia a este Estado‑Membro «verificar, durante o período em causa, se os beneficiários a título individual do serviço de testes EEB efetuado sobre os seus bovinos tinham beneficiado de um auxílio incompatível ([ou seja,] superior a 40 euros), excedendo o de minimis». A este respeito, a Comissão propôs um método de cálculo consistente, supondo que não tinham sido atribuídos outros auxílios, ao dividir o montante de minimis pelo montante que excedia o limiar de 40 euros por teste efetuado, de forma a obter no final o número de testes EEB, por operador, para lá do qual o auxílio excederia os limiares autorizados.

23

Na sequência de diversas trocas de correspondência, a respeito, em particular, do método de cálculo para determinar os montantes dos auxílios a recuperar, a Comissão, considerando que o Reino da Bélgica não tinha tomado as medidas necessárias para se conformar com a decisão controvertida, decidiu, por requerimento de 19 de dezembro de 2014, interpor o presente recurso.

24

Posteriormente à interposição deste recurso, o Tribunal Geral da União Europeia, por acórdão de 25 de março de 2015, Bélgica/Comissão (T‑538/11, EU:T:2015:188), negou provimento ao recurso de anulação interposto pelo Reino da Bélgica contra a decisão controvertida. Por acórdão de 30 de junho de 2016, Bélgica/Comissão (C‑270/15 P, EU:C:2016:489), o Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso interposto pelo Reino da Bélgica contra esse acórdão do Tribunal Geral.

Quanto à ação

Argumentos das partes

25

A Comissão sustenta que não houve lugar a qualquer recuperação dos auxílios em causa no prazo de quatro meses a contar da data de notificação da decisão controvertida, ou seja, o mais tardar em 28 de novembro de 2011, não tendo, além disso, o Reino da Bélgica apresentado prova de ter estado impossibilitado de executar aquela decisão.

26

A este respeito, a Comissão sustenta que, contrariamente ao que alega o Reino da Bélgica, a decisão controvertida permite identificar os beneficiários dos auxílios ilegais e incompatíveis com o mercado interno. Com efeito, a decisão não visava globalmente os agricultores, matadouros e outras entidades que procedem ao tratamento, manipulação, venda ou comercialização dos produtos provenientes de bovinos, antes especificando que, de entre essas pessoas, são beneficiárias dos auxílios aquelas que são obrigadas a proceder a um teste EET e às quais os referidos auxílios permitiram reduzir os respetivos custos de exploração.

27

Assim, os beneficiários reais dos auxílios ilegais e incompatíveis com o mercado interno seriam, na maior parte dos casos e à exceção de qualquer circunstância particular, os produtores primários, mas poderiam ser, noutras circunstâncias e consoante o caso, o matadouro, ou a entidade que procedeu ao tratamento ou à manipulação do animal, ou a entidade que vendeu ou comercializou os produtos provenientes dos bovinos.

28

A Comissão acrescenta que, no decurso das trocas de correspondência com o Reino da Bélgica, sugeriu continuamente métodos práticos e exequíveis de aplicação da decisão controvertida e que, contrariamente às afirmações deste Estado, a sua posição nunca variou no que respeita às pessoas que, na aceção dessa decisão, devem ser consideradas beneficiárias dos auxílios declarados ilegais e incompatíveis com o mercado interno.

29

Sublinha que o Reino da Bélgica não pode invocar o regulamento de minimis, visto ter‑se abstido de identificar os beneficiários individuais dos auxílios e, consequentemente, ser incapaz, por um lado, de provar que a cumulação desses auxílios efetivamente não excedeu o limiar autorizado pelos referidos regulamentos e, por outro lado, de estabelecer que todas as restantes condições estabelecidas por estes regulamentos foram respeitadas.

30

A Comissão acrescenta que é erradamente que o Reino da Bélgica invoca a impossibilidade absoluta de executar a decisão controvertida e que alega que, ao longo de todo o processo, fez prova de enorme lealdade, quando esse Estado não parou de se opor à execução da decisão controvertida através de uma argumentação que lhe era contrária.

31

Em resposta, o Reino da Bélgica alega, em primeiro lugar, que o financiamento dos testes EEB não deve ser qualificado de auxílio estatal, na medida em que a obrigação de proceder a estes testes encontra fundamento na proteção da saúde pública e que estes, como consequência, não podem ser considerados encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa.

32

Afirma, em segundo lugar, que existe uma certeza razoável de que os limiares de minimis não foram excedidos, de forma que não houve incumprimento das obrigações decorrentes da decisão controvertida. Para o efeito, este Estado‑Membro alega que, na medida em que a EET é uma doença que afeta o conjunto da cadeia alimentar, desde a fase de produção até à fase de venda do produto final, é impossível identificar uma relação objetiva entre o animal testado e os diferentes beneficiários em todas as fases do processo de produção e de venda do produto final. É por esta razão que este Estado‑Membro sempre sustentou, em conformidade com a decisão controvertida, nomeadamente com o seu considerando 92, que o custo dos testes EEB deveria ser repercutido nos seis setores económicos envolvidos na carne bovina, tanto mais que, caso o auxílio a recuperar fosse atribuído em partes iguais a esses setores, o montante médio da vantagem por beneficiário e por setor situar‑se‑ia claramente abaixo dos limiares de minimis, de forma que seria desrazoável exigir que um Estado desempenhe tarefas extremamente pesadas que seriam, evidentemente, inúteis.

33

O Reino da Bélgica acrescenta que, em todo o caso, só seria possível verificar se os limiares de minimis foram excedidos relativamente a cada um dos beneficiários do auxílio se a decisão controvertida permitisse efetivamente identificá‑los, o que não é o caso.

34

Para o efeito, alega que existem incoerências na decisão controvertida, as quais não permitem estabelecer se a recuperação dos auxílios ilegais e incompatíveis deve ser feita apenas junto do proprietário do animal ou de todos os operadores económicos que intervêm nos setores determinados na decisão. Estas incoerências implicam que a decisão em causa deva ser considerada inexistente ou impossível de ser executada.

35

A este respeito, este Estado‑Membro alega que não pode ser responsabilizado por não ter cooperado lealmente com a Comissão, na medida em que somente a adoção do método global de execução da decisão controvertida por si proposto era suscetível de permitir a sua execução, o que não foi permitido pela Comissão, a qual não parou de modificar as suas explicações a respeito da determinação dos auxílios ilegais e incompatíveis com o mercado interno.

Apreciação do Tribunal de Justiça

36

A título preliminar, cumpre salientar, como o advogado‑geral no n.o 55 das suas conclusões, que o Reino da Bélgica não contesta que os financiamentos qualificados de auxílios, conforme o artigo 1.o, n.os 3 e 4, da decisão controvertida, não foram objeto de nenhuma medida de recuperação, nem que as informações referidas no artigo 4.o dessa decisão não foram comunicadas à Comissão no decurso do prazo estabelecido.

37

Consequentemente, cabe examinar os fundamentos de defesa que o Reino da Bélgica invoca para justificar a falta de execução dessa decisão.

38

A este respeito, cabe salientar que, salvo nos casos em que uma decisão de recuperação tenha sido objeto de anulação nos termos do artigo 263.o TFUE, os únicos meios de defesa que podem ser invocados por um Estado‑Membro contra uma ação por incumprimento proposta pela Comissão com base no artigo 108.o, n.o 2, TFUE resultam da impossibilidade absoluta de executar a decisão de que é destinatário (v. acórdão de 9 de julho de 2015, Comissão/França, C‑63/14, EU:C:2015:458, n.o 48 e jurisprudência referida) e da inexistência da decisão de recuperação, supondo que esta padece de vícios particularmente graves e evidentes (v., neste sentido, nomeadamente, acórdão de 10 de outubro de 2013, Comissão/Itália, C‑353/12, não publicado, EU:C:2013:651, n.o 43, e de 22 de março de 2001, Comissão/França, C‑261/99, EU:C:2001:179, n.o 19).

39

No que se refere ao argumento relativo à qualificação incorreta do financiamento dos testes EEB de auxílios estatais, basta considerar que este argumento se reconduz, na realidade, a impugnar a própria existência de um auxílio estatal e, consequentemente, a validade da decisão controvertida, sem, no entanto, chegar a alegar que esta padece de inexistência. Assim, o referido argumento não pode ser invocado fora do quadro processual do recurso de anulação, como previsto pelo artigo 263.o TFUE (v., neste sentido, acórdão de 12 de fevereiro de 2015, Comissão/FrançaC‑37/14, não publicado, EU:C:2015:90, n.o 77 e jurisprudência referida).

40

Em todo o caso, cabe salientar que este argumento já foi rejeitado nos n.os 79 a 81 do acórdão de 25 de março de 2015, Bélgica/Comissão (T‑538/11, EU:T:2015:188), pelo qual o Tribunal Geral negou provimento ao recurso de anulação intentado pelo Reino da Bélgica contra a decisão controvertido, tendo esse acórdão sido confirmado pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão, de 30 de junho de 2016, Bélgica/Comissão (C‑270/15 P, EU:C:2016:489).

41

Resulta das considerações precedentes que o argumento relativo à incorreta qualificação do financiamento dos testes EEB de auxílios estatais é inadmissível.

42

No que se refere ao argumento do Reino da Bélgica, segundo o qual a decisão controvertida é inexistente, levantado na hipótese de o auxílio em causa ser recuperado exclusivamente junto dos agricultores, é de salientar que, tanto nos seus considerandos 90, 92 e 99, como no seu artigo 1.o, n.o 3, esta decisão designa os beneficiários dos auxílios como sendo aqueles a quem incumbe efetuar um teste EEB obrigatório.

43

Daqui decorre que a decisão controvertida, ainda que não tenha identificado de forma mais precisa os beneficiários segundo um setor determinado ou através de características objetivas para além da indicada no parágrafo precedente, permitia, contudo, determinar os beneficiários dos auxílios ilegais e incompatíveis com o mercado interno, sem limitar esses beneficiários exclusivamente aos agricultores. Consequentemente, a decisão não pode ser considerada inexistente.

44

Quanto ao argumento relativo às dificuldades relacionadas com a identificação dos beneficiários reais do auxílio em causa, invocado na hipótese de a obrigação de recuperar este auxílio não ser limitada aos agricultores, importa recordar que o receio de dificuldades internas, mesmo insuperáveis, relacionadas, nomeadamente, com a verificação da situação de cada empresa interessada relativamente à recuperação dos auxílios ilegais ou com a vasta difusão do regime de auxílios no tecido produtivo nacional, não pode justificar que um Estado‑Membro não respeite as obrigações que lhe incumbem por força do direito da União (v., neste sentido, acórdão de 1 de abril de 2004, Comissão/Itália, C‑99/02, EU:C:2004:207, n.os 22 e 23 e jurisprudência referida).

45

Ora, no caso em apreço, o Reino da Bélgica não demonstrou que lhe seria impossível identificar, na prática, os beneficiários reais do auxílio em causa. Com efeito, o Reino da Bélgica poderia ter contactado os laboratórios ou os operadores em cujas instalações tivessem sido recolhidas as amostras para os testes EEB, entidades referidas no ponto 25 das orientações EET, a fim de determinar os outros operadores junto dos quais o auxílio foi repercutido.

46

No que se refere ao argumento de não terem sido ultrapassados os limiares de minimis, cumpre recordar que, para determinar o beneficiário de um auxílio de Estado, importa identificar as empresas que dele usufruíram efetivamente (acórdãos de 3 de julho de 2003, Bélgica/Comissão, C‑457/00, EU:C:2003:387, n.o 55, e de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Aer Lingus e Ryanair Designated Activity, C‑164/15 P e C‑165/15 P, EU:C:2016:990, n.o 90 e jurisprudência referida). Esta jurisprudência exclui a possibilidade de calcular o montante do auxílio a recuperar efetuando uma divisão, em partes iguais, do montante global desses auxílios pelos setores económicos designados pela decisão controvertida, como propõe o Reino da Bélgica a fim de demonstrar que não foram ultrapassados os limiares de minimis.

47

Além disso, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, embora caiba à Comissão demonstrar a existência do alegado incumprimento da obrigação de recuperação, fornecendo ao Tribunal de Justiça os elementos necessários para que este verifique a existência desse incumprimento, sem poder basear‑se numa qualquer presunção, em contrapartida, cabe ao Estado‑Membro em causa, quando for demonstrada a falta de recuperação de uma parte ou da totalidade dos auxílios em causa, justificar as razões pelas quais a recuperação não foi exigida a certos beneficiários (acórdão de 12 de fevereiro de 2015, Comissão/França, C‑37/14, não publicado, EU:C:2015:90, n.o 71). Ora, à exceção do método de cálculo, excluído pela jurisprudência referida no número precedente, o Governo Belga não fornece nenhum dado preciso e concreto que permita concluir que, para os beneficiários em causa, os limites de minimis foram respeitados.

48

Tendo em conta o conjunto das considerações precedentes, há que constatar que, ao não ter adotado todas as medidas necessárias para recuperar junto dos beneficiários os auxílios estatais declarados ilegais e incompatíveis com o mercado interno pelo artigo 1.o, n.os 3 e 4, da decisão controvertida, e ao não ter informado a Comissão das medidas adotadas para dar cumprimento a esta decisão, o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 288.o, quarto parágrafo, TFUE e dos artigos 2.° a 4.° da referida decisão.

Quanto às despesas

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Nos termos do artigo 138.o, n.o 1 do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação do Reino da Bélgica e tendo este sido vencido, há que condená‑lo nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

 

1)

Ao não ter adotado todas as medidas necessárias para recuperar junto dos beneficiários dos auxílios estatais declarados ilegais e incompatíveis com o mercado interno pelo artigo 1.o, n.os 3 e 4, da Decisão 2011/678/UE da Comissão, de 27 de julho de 2011, relativa ao auxílio estatal para o financiamento dos testes de deteção das encefalopatias espongiformes transmissíveis (EET) nos bovinos, aplicado pela Bélgica [Auxílio estatal C 44/08 (ex NN 45/04)], e ao não ter informado a Comissão Europeia das medidas adotadas para dar cumprimento a esta decisão, o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 288.o, quarto parágrafo, TFUE e dos artigos 2.° a 4.° da referida decisão.

 

2)

O Reino da Bélgica é condenado nas despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.