ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

6 de outubro de 2015 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Artigo 267.o TFUE — Competência do Tribunal de Justiça — Caráter jurisdicional do órgão de reenvio — Independência — Jurisdição vinculativa — Diretiva 89/665/CEE — Artigo 2.o — Instância responsável pelos processos de recurso — Diretiva 2004/18/CE — Artigos 1.°, n.o 8, e 52.° — Procedimentos de adjudicação dos contratos públicos — Conceito de ‘entidade pública’ — Administrações públicas — Inclusão»

No processo C‑203/14,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunal Català de Contractes del Sector Públic (Espanha), por decisão de 25 de março de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 23 de abril de 2014, no processo

Consorci Sanitari del Maresme

contra

Corporació de Salut del Maresme i la Selva,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, K. Lenaerts, vice‑presidente, A. Tizzano, R. Silva de Lapuerta, T. von Danwitz, A. Ó Caoimh, J.‑C. Bonichot, C. Vajda e S. Rodin, presidentes de secção, A. Arabadjiev, M. Berger (relatora), E. Jarašiūnas, C. G. Fernlund, J. L. da Cruz Vilaça e F. Biltgen, juízes,

advogado‑geral: N. Jääskinen,

secretário: L. Carrasco Marco, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 12 de maio de 2015,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo espanhol, por M. Sampol Pucurull, na qualidade de agente,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por S. Varone, avvocato dello Stato,

em representação da Comissão Europeia, por A. Tokár e D. Loma‑Osorio Lerena, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 7 de julho de 2015,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 1.°, n.o 8, e 52.° da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO L 134, p. 114).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Consorci Sanitari del Maresme (Consórcio Sanitário do Distrito de Maresme) à Corporació de Salut del Maresme i la Selva (Agrupamento dos Serviços de Saúde dos Distritos de Maresme e de Selva), a propósito de uma decisão que recusou ao Consorci a autorização para participar num concurso para a adjudicação de serviços de ressonância magnética destinados aos centros de cuidados geridos por este último.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O considerando 4 da Diretiva 2004/18 dispõe:

«Os Estados‑Membros devem velar por que a participação de um proponente que seja um organismo de direito público num processo de adjudicação de contratos públicos não cause distorções de concorrência relativamente a proponentes privados.»

4

O artigo 1.o, n.o 8, da diretiva dispõe:

«Os termos ‘empreiteiro’, ‘fornecedor’ e ‘prestador de serviços’ designam qualquer pessoa singular ou coletiva, entidade pública ou agrupamento de tais pessoas e/ou organismos que, respetivamente, realize empreitadas e/ou obras, forneça produtos ou preste serviços no mercado.

O termo ‘operador económico’ abrange simultaneamente as noções de empreiteiro, fornecedor e prestador de serviços e é usado unicamente por motivos de simplificação do texto.

[...]»

5

Nos termos do artigo 2.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Princípios de adjudicação dos contratos»:

«As entidades adjudicantes tratam os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação e agem de forma transparente.»

6

O artigo 52.o da Diretiva 2004/18, sob a epígrafe «Listas oficiais de operadores económicos aprovados e certificação por organismos de direito público ou privado», dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros podem instituir listas oficiais de empreiteiros, fornecedores ou prestadores de serviços aprovados ou uma certificação por organismos de certificação públicos ou privados.

Os Estados‑Membros devem adaptar as condições de inscrição nestas listas, assim como as condições para a emissão de certificados pelos organismos de certificação, ao n.o 1 e às alíneas a) a d) e g) do n.o 2 do artigo 45.o, ao artigo 46.o, aos n.os 1, 4 e 5 do artigo 47.o, aos n.os 1, 2, 5 e 6 do artigo 48.o, ao artigo 49.o e, eventualmente, ao artigo 50.o

[...]

5.   Para a inscrição de operadores económicos de outros Estados‑Membros numa lista oficial ou para a sua certificação pelos organismos referidos no n.o 1 não pode ser exigida nenhuma prova ou declaração para além das exigidas aos operadores económicos nacionais e em caso algum poderá ser exigido qualquer elemento para além dos previstos nos artigos 45.° a 49.° e, eventualmente, no artigo 50.o

Contudo, essa inscrição ou certificação não pode ser imposta aos operadores dos outros Estados‑Membros com vista à sua participação num concurso público. As entidades adjudicantes reconhecem os certificados equivalentes dos organismos estabelecidos noutros Estados‑Membros. Aceitam igualmente outros meios de prova equivalentes.

6.   Os operadores podem solicitar a qualquer momento a sua inscrição numa lista oficial ou a emissão do certificado. Devem ser informados, num prazo razoavelmente curto, da decisão da autoridade que elabora a lista ou do organismo de certificação competente.

[...]»

7

O artigo 2.o da Diretiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos procedimentos de recurso em matéria de adjudicação dos contratos de direito público de fornecimentos e de obras (JO L 395, p. 33), conforme alterada pela Diretiva 2007/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2007 (JO L 335, p. 31, a seguir «Diretiva 89/665»), prevê:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que as medidas tomadas relativamente aos recursos a que se refere o artigo 1.o prevejam poderes para:

a)

Decretar, no mais curto prazo, mediante processo de urgência, medidas provisórias destinadas a corrigir a alegada violação ou a impedir que sejam causados novos danos aos interesses em causa, designadamente medidas destinadas a suspender ou a mandar suspender o procedimento de adjudicação do contrato público em causa ou a execução de quaisquer decisões tomadas pela entidade adjudicante;

b)

Anular ou mandar anular as decisões ilegais, incluindo suprimir as especificações técnicas, económicas ou financeiras discriminatórias que constem do convite à apresentação de propostas, dos cadernos de encargos ou de qualquer outro documento relacionado com o procedimento de adjudicação do contrato em causa;

c)

Conceder indemnizações aos lesados por uma violação.

2.   Os poderes referidos no n.o 1 e nos artigos 2.°‑D e 2.°‑E podem ser atribuídos a instâncias distintas responsáveis por aspetos diferentes do recurso.

[...]

9.   Caso as instâncias responsáveis pelo recurso não sejam de natureza jurisdicional, as suas decisões devem sempre ser fundamentadas por escrito. Além disso, nesse caso, devem ser aprovadas disposições para garantir que os processos segundo os quais qualquer medida alegadamente ilegal tomada pela instância de recurso ou qualquer alegado incumprimento no exercício dos poderes que lhe tenham sido conferidos possam ser objeto de recurso jurisdicional ou de recurso para outra instância que seja um órgão jurisdicional na aceção do artigo [267.° TFUE] e que seja independente em relação à entidade adjudicante e à instância de recurso.

A nomeação dos membros de tal instância independente e a cessação das suas funções ficam sujeitas às mesmas condições que as aplicáveis aos juízes, no que se refere à autoridade responsável pela sua nomeação, à duração do seu mandato e à sua exoneração. Pelo menos o presidente da instância independente deve possuir as mesmas qualificações jurídicas e profissionais que um juiz. A instância independente toma as suas decisões na sequência de um processo contraditório e essas decisões são juridicamente vinculativas, nos termos determinados por cada Estado‑Membro.»

Direito espanhol

8

Segundo o artigo 40.o, n.os 1 e 6, do Decreto Real Legislativo 3/2011, que aprovou o Texto Consolidado da Lei de Contratos do Setor Público (Real Decreto Legislativo 3/2011 por el que se aprueba el Texto Refundido de la Ley de Contrados del Sector Público), de 14 de novembro de 2011 (a seguir «Decreto Legislativo 3/2011»), o recurso especial em matéria de contratos públicos, antes da interposição de um recurso contencioso administrativo, tem caráter facultativo.

9

Nos termos do artigo 62.o do referido decreto legislativo, sob a epígrafe «Exigência de capacidade»:

«1.   Para celebrarem contratos com o setor público, os empresários deverão provar que reúnem os requisitos mínimos de capacidade económica e financeira e profissional ou técnica determinados pela entidade adjudicante. Este requisito será substituído pelo da classificação, quando esta for exigível nos termos desta lei.

2.   Os requisitos mínimos de capacidade que o empresário deve preencher e os documentos exigidos para os comprovar são indicados no anúncio de concurso e especificados no caderno de encargos. Estes requisitos devem estar ligados ao objeto do concurso e ser proporcionais ao mesmo.»

10

O artigo 65.o do Decreto Legislativo 3/2011, sob a epígrafe «Exigência de classificação», dispõe:

«1.   Para celebrar contratos com a Administração Pública relativos à execução de contratos de empreitada de obras cujo valor estimado seja igual ou superior a 350000 euros, ou de contratos de prestação de serviços cujo valor estimado seja igual ou superior a 120000 euros, o empresário deve imperativamente estar devidamente classificado. [...]

[...]

5.   As entidades do setor público que não tenham o caráter de Administração Pública podem exigir uma determinada classificação aos proponentes para definir os requisitos de capacidade requeridos para celebrar o respetivo contrato.»

11

O artigo 8.o do Decreto 221/2013 da Generalidad da Catalunha, de 3 de setembro de 2013, relativo à instauração, à organização e ao funcionamento do Tribunal Català de Contractes del Sector Públic (Diari Oficial de la Generalitat de Catalunya n.o 6454, de 5 de setembro de 2013), sob a epígrafe «Estatuto pessoal», dispõe:

«O estatuto pessoal dos membros do Tribunal é o seguinte:

1.

Os membros do Tribunal estão sujeitos ao mesmo regime de incompatibilidades que os altos cargos da Generalidad.

[...]

4.

Os membros do Tribunal são inamovíveis, ainda que possam ser destituídos ou demitidos pelas seguintes causas:

morte;

fim do mandato sem recondução;

renúncia [...];

perda do estatuto de funcionário;

violação grave dos deveres;

[...]

incapacidade de exercer as funções;

perda da nacionalidade.

[...]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12

O Consorci Sanitari del Maresme candidatou‑se num concurso para a adjudicação de serviços de ressonância magnética destinados aos centros de cuidados geridos pela Corporació de Salut del Maresme i la Selva. Os cadernos de encargos deste concurso impunham que os proponentes provassem a sua capacidade para contratar apresentando um certificado denominado «de classificação».

13

Aquando da abertura das propostas, o comité de avaliação constatou que o Consorci Sanitari del Maresme não tinha apresentado o certificado exigido e solicitou que o fizesse. O Consorci Sanitari del Maresme não apresentou o referido certificado, mas forneceu uma declaração pela qual se obrigava a afetar recursos provenientes de uma sociedade comercial e uma declaração que certificava a sua qualidade de entidade pública. Nestas condições, em 28 de novembro de 2013, a entidade adjudicante notificou o Consorci Sanitari del Maresme da sua exclusão do procedimento por não ter sanado, pela forma imposta e nos prazos exigidos, os vícios detetados nos documentos apresentados.

14

Em 10 de dezembro de 2013, o Consorci Sanitari del Maresme interpôs um recurso especial em matéria de contratos públicos contra a decisão da entidade adjudicante no órgão de reenvio. Alegou que, atenta a sua qualidade de Administração Pública, o requisito de classificação empresarial não lhe é aplicável. Requereu, por um lado, ser admitido no concurso em causa e, por outro, a suspensão do mesmo.

15

Nestas circunstâncias, o Tribunal Català de Contractes del Sector Públic decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve considerar‑se que, em conformidade com a Diretiva 2004/18[…], as Administrações Públicas são entidades públicas?

2)

Em caso afirmativo, deve considerar‑se que, em conformidade com a referida Diretiva 2004/18[…], as Administrações Públicas são operadores económicos e, por conseguinte, podem participar em concursos públicos?

3)

Em caso afirmativo, deve considerar‑se que, em conformidade com a referida Diretiva 2004/18[…], as Administrações Públicas podem e devem ser admitidas nas listas oficiais de empreiteiros, fornecedores ou prestadores de serviços aprovados ou admitidas à certificação por parte de organismos de certificação públicos ou privados, o que, no âmbito do direito espanhol, é designado por sistema de classificação empresarial?

4)

Deve considerar‑se que, em conformidade com a referida Diretiva 2004/18[…], esta foi incorretamente transposta para a legislação nacional espanhola, pelo Real Decreto Legislativo 3/2011 […] e, se for este o caso, que o legislador espanhol limitou, através dos artigos 62.° e 65.° do referido Real Decreto Legislativo 3/2011 […], o acesso das Administrações Públicas aos registos de classificação empresarial?

5)

Quais os meios que — em conformidade com a referida Diretiva 2004/18[…] — as Administrações Públicas podem utilizar para demonstrarem a sua aptidão para contratar caso se considere que podem participar em concursos mas que não podem ser admitidas a classificação empresarial?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à competência do Tribunal de Justiça

16

Antes de responder às questões submetidas, há que examinar a competência do Tribunal para lhes responder.

17

Em primeiro lugar, relativamente à apreciação do caráter de «órgão jurisdicional» do órgão de reenvio, na aceção do artigo 267.o TFUE, questão que é unicamente do âmbito do direito da União, o Tribunal de Justiça tem em conta um conjunto de elementos, como a origem legal do órgão, a sua permanência, o caráter vinculativo da sua jurisdição, a natureza contraditória do processo, a aplicação, pelo órgão, das regras de direito, bem como a sua independência (v., designadamente, acórdãos Vaassen‑Göbbels, 61/65, EU:C:1966:39, e Umweltanwalt von Kärnten, C‑205/08, EU:C:2009:767, n.o 35 e jurisprudência referida). Há que salientar que, ainda que, como decorre da decisão de reenvio, o Tribunal Català de Contractes del Sector Públic seja considerado, em direito espanhol, um órgão administrativo, este facto não é, em si mesmo, determinante para efeitos desta apreciação.

18

Em primeiro lugar, quanto aos critérios relativos à origem legal do órgão de reenvio, à sua permanência, à natureza contraditória do processo e à aplicação, pelo órgão, das regras de direito, os autos de que o Tribunal dispõe não contêm nenhum elemento suscetível de pôr em causa o caráter de órgão jurisdicional, na aceção do artigo 267.o TFUE, do Tribunal Català de Contractes del Sector Públic.

19

De seguida, relativamente ao critério da independência, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que o Tribunal Català de Contractes del Sector Públic tem a qualidade de terceiro em relação à autoridade que adotou a decisão objeto do recurso no processo principal (v. acórdãos Corbiau, C‑24/92, EU:C:1993:118, n.o 15, e Wilson, C‑506/04, EU:C:2006:587, n.o 49). Neste contexto, tudo indica que o referido tribunal exerce as suas funções com total autonomia, sem relação de subordinação a quem quer que seja e sem receber ordens ou instruções de qualquer origem (v. acórdão Torresi, C‑58/13 e C‑59/13, EU:C:2014:2088, n.o 22), estando assim protegido contra as intervenções ou as pressões externas suscetíveis de pôr em risco a independência de julgamento dos seus membros (acórdãos Wilson, C‑506/04, EU:C:2006:587, n.o 51, e TDC, C‑222/13, EU:2014:2265, n.o 30).

20

Além disso, é facto assente que o tribunal em questão realiza as suas tarefas no pleno respeito da objetividade e da imparcialidade face às partes no litígio e aos seus interesses respetivos quanto ao objeto do mesmo. Por outro lado, ao abrigo do artigo 8.o, n.o 4, do Decreto 221/2013 da Generalidad da Catalunha, os membros deste órgão são inamovíveis e só podem ser destituídos pelas causas que aí são expressamente enumeradas (v. acórdãos Wilson, C‑506/04, EU:C:2006:587, n.os 52 e 53, e TDC, C‑222/13, EU:2014:2265, n.os 31 e 32).

21

O órgão de reenvio satisfaz, portanto, o critério de independência.

22

Finalmente, no que diz respeito ao caráter vinculativo da jurisdição do órgão de reenvio, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 267.o TFUE, há com efeito que constatar que a competência do órgão de reenvio tem, por força do artigo 40.o, n.o 6, do Decreto Legislativo 3/2011, caráter facultativo. Assim, quem interponha um recurso em matéria de contratos públicos pode optar entre o recurso especial no órgão de reenvio e o recurso contencioso administrativo.

23

A este respeito, há no entanto que recordar, por um lado, que as decisões do órgão de reenvio, cuja competência não depende do acordo das partes, são vinculativas para as mesmas (v. despacho Merck Canada, C‑555/13, EU:C:2014:92, n.o 18 e jurisprudência referida, e acórdão Ascendi Beiras Litoral e Alta, Auto Estradas das Beiras Litoral e Alta, C‑377/13, EU:C:2014:1754, n.o 28).

24

Por outro lado, na audiência, o Governo espanhol esclareceu que, na prática, os proponentes nos procedimentos de adjudicação de contratos públicos geralmente não utilizam a possibilidade de interpor diretamente um recurso contencioso administrativo, sem terem previamente interposto no Tribunal Català de Contractes del Sector Públic o recurso especial em causa no processo principal. Em substância, os tribunais administrativos intervêm portanto, regra geral, como segunda instância, pelo que cabe em primeiro lugar ao órgão de reenvio garantir o respeito do direito da União em matéria de contratos públicos na comunidade autónoma da Catalunha.

25

Nestas condições, o Tribunal Català de Contractes del Sector Públic satisfaz também o critério do caráter vinculativo da sua jurisdição.

26

Por fim, há que recordar que o Tribunal de Justiça, no contexto da apreciação do estatuto jurídico das instâncias nacionais referidas no artigo 2.o, n.o 9, da Diretiva 89/665, responsáveis pelos recursos em matéria de adjudicação de contratos públicos, já confirmou o caráter de «jurisdição» de vários outros órgãos nacionais em substância comparáveis ao órgão de reenvio no presente processo (v., nomeadamente, acórdãos Dorsch Consult, C‑54/96, EU:C:1997:413, n.o 22 a 38; Köllensperger e Atzwanger, C‑103/97, EU:C:1999:52, n.os 16 a 25; e Bundesdruckerei, C‑549/13, EU:C:2014:2235, n.o 22 e jurisprudência referida).

27

Portanto, o Tribunal Català de Contractes del Sector Públic tem o caráter de «órgão jurisdicional», na aceção do artigo 267.o TFUE.

28

Em segundo lugar, o Governo espanhol salienta que a obrigação de «classificação» imposta pelo direito espanhol não é aplicável às empresas estabelecidas em Estados‑Membros distintos do Reino de Espanha. As questões prejudiciais têm, assim, caráter puramente interno e a sua resolução não requer a aplicação nem a interpretação do direito da União.

29

A este respeito, há que recordar que o Tribunal de Justiça não é, em princípio, competente para responder a uma questão colocada a título prejudicial quando seja manifesto que a disposição de direito da União cuja interpretação é pedida não seja aplicável (acórdãos Caixa d’Estalvis i Pensions de Barcelona, C‑139/12, EU:C:2014:174, n.o 41, e Wojciechowski, C‑408/14, EU:C:2015:591, n.o 26; v., igualmente, despachos Parva Investitsionna Banka e o., C‑488/13, EU:C:2014:2191, n.o 26, e De Bellis e o., C‑246/14, EU:C:2014:2291, n.o 14).

30

Não obstante, o facto de a obrigação de «classificação» em causa no processo principal não ser aplicável às empresas estabelecidas em Estados‑Membros distintos do Reino de Espanha é irrelevante quanto à competência do Tribunal de Justiça. Com efeito, o Tribunal já decidiu que nenhum elemento das Diretivas 89/665 e 2004/18 permite considerar que a aplicabilidade das suas disposições dependa da existência de uma ligação efetiva com a livre circulação entre os Estados‑Membros. Com efeito, estas diretivas não subordinam a sujeição dos processos de adjudicação de contratos públicos às suas disposições a nenhuma condição relativa à nacionalidade ou ao estabelecimento dos concorrentes (v., neste sentido, acórdão Michaniki, C‑213/07, EU:C:2008:731, n.o 29).

31

Tendo em conta as considerações precedentes, o Tribunal de Justiça é competente para responder às questões submetidas.

Quanto à primeira e segunda questões

32

Com a sua primeira e segunda questões, que há que tratar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o, n.o 8, da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «operador económico» que figura no segundo parágrafo desta disposição inclui as administrações públicas e se estas podem participar, a esse título, em concursos públicos.

33

A este respeito, resulta do considerando 4 da Diretiva 2004/18, que evoca expressamente a possibilidade de um «organismo de direito público» participar como proponente num processo de adjudicação de um contrato público, e do artigo 1.o, n.o 8, da referida diretiva, que reconhece expressamente a qualidade de «operador económico» a qualquer «entidade pública», que a Diretiva 2004/18 não exclui as administrações públicas da participação nos concursos.

34

Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que pode apresentar uma proposta ou candidatar‑se qualquer pessoa ou entidade que, tendo em conta os requisitos estabelecidos no anúncio de concurso, se considere apta a assegurar a execução desse contrato, diretamente ou recorrendo à subcontratação, independentemente do seu estatuto de direito privado ou de direito público e da questão de saber se é sistematicamente ativa no mercado ou se apenas intervém ocasionalmente, ou se é subvencionada por fundos públicos ou não (v. acórdão CoNISMa, C‑305/08, EU:C:2009:807, n.o 42, e, neste sentido, acórdão Data Medical Service, C‑568/13, EU:C:2014:2466, n.o 35).

35

Se e na medida em que certas entidades estejam habilitadas a prestar determinados serviços no mercado mediante remuneração, mesmo a título ocasional, os Estados‑Membros não as podem proibir de participar em processos de adjudicação de contratos públicos relativos à prestação dos mesmos serviços [v., neste sentido, acórdãos CoNISMa, C‑305/08, EU:C:2009:807, n.os 47 a 49; Ordine degli Ingegneri della Provincia di Lecce e o., C‑159/11, EU:C:2012:817, n.o 27; v. também, neste sentido, quanto às disposições correspondentes da Diretiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO L 209, p. 1), acórdão Data Medical Service, C‑568/13, EU:C:2014:2466, n.o 36].

36

Consequentemente, há que responder à primeira e segunda questões que o artigo 1.o, n.o 8, da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «operador económico» que figura no segundo parágrafo desta disposição inclui as administrações públicas, as quais podem, portanto, participar em concursos públicos se e na medida em que estejam habilitadas a prestar serviços no mercado mediante remuneração.

Quanto à terceira questão

37

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 52.o da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido de que as administrações públicas nacionais podem ser inscritas nas listas oficiais de empreiteiros, fornecedores ou prestadores de serviços aprovados ou admitidas à certificação por parte de organismos de certificação públicos ou privados.

38

Relativamente aos Estados‑Membros que escolheram elaborar listas oficiais de empreiteiros, fornecedores ou prestadores de serviços aprovados, ou uma certificação por organismos de certificação públicos ou privados, há que considerar que, embora o artigo 52.o, n.os 1 e 5, da Diretiva 2004/18 contenha certas exigências relativamente à determinação dos requisitos para a inscrição nessas listas e para essa certificação, esta diretiva não determina em que medida as entidades públicas podem ser inscritas nas listas oficiais em causa ou beneficiar da referida certificação, nem se a inscrição ou certificação em causa é obrigatória ou não.

39

Todavia, há que recordar que, como resulta, em substância, do n.o 36 do presente acórdão, as entidades públicas que, com fundamento no direito nacional, estão autorizadas a fazer as obras, fornecer os produtos ou prestar os serviços visados pelo anúncio de concurso em causa têm também o direito de participar em concursos públicos.

40

Ora, uma legislação nacional que recusa a inscrição nas listas ou a certificação em causa às administrações públicas autorizadas, enquanto operadores económicos, a fazer as obras, fornecer os produtos ou prestar os serviços referidos no anúncio de concurso em causa, reservando o direito de participar num concurso público aos outros operadores económicos que estão inscritos nessas listas ou que beneficiam dessa certificação, priva o direito de tais entidades públicas participarem nesses concursos de qualquer efeito útil e não pode, portanto, ser considerada conforme ao direito da União.

41

Nestas circunstâncias, há que responder à terceira questão que o artigo 52.o da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido de que, embora contenha certas exigências relativamente à determinação dos requisitos para a inscrição dos operadores económicos nas listas oficiais nacionais e para a certificação, não define de forma exaustiva os requisitos para a inscrição desses operadores económicos nas listas oficiais nacionais ou os requisitos para a sua admissão à certificação, nem os direitos e os deveres das entidades públicas a este respeito. Em qualquer caso, a Diretiva 2004/18 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional nos termos da qual, por um lado, as administrações públicas nacionais autorizadas a fazer as obras, fornecer os produtos ou prestar os serviços visados pelo anúncio de concurso em causa não podem ser inscritas nessas listas ou não podem beneficiar dessa certificação, quando, por outro lado, o direito de participar no concurso público em causa é reservado apenas aos operadores que figuram nas referidas listas ou têm a referida certificação.

Quanto à quarta questão

42

Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o Decreto Legislativo 3/2011 transpôs corretamente a Diretiva 2004/18 para o direito espanhol e, se for este o caso, se o legislador espanhol limitou, através dos artigos 62.° e 65.° desse decreto legislativo, o acesso das administrações públicas aos registos de classificação empresarial.

43

A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, não compete ao Tribunal de Justiça, no âmbito de um processo prejudicial, apreciar a conformidade de uma legislação nacional com o direito da União nem interpretar disposições legislativas ou regulamentares nacionais (v., nomeadamente, acórdão Ascafor e Asidac, C‑484/10, EU:C:2012:113, n.o 33 e jurisprudência referida).

44

Consequentemente, o Tribunal de Justiça não é competente para responder à quarta questão.

Quanto à quinta questão

45

Com a sua quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, no caso de as administrações públicas poderem participar em concursos públicos, mas não poderem ser inscritas numa lista de operadores económicos aprovados nem beneficiar de uma certificação por um organismo de certificação, por que meios podem atestar a sua aptidão para celebrar um dado contrato em conformidade com a Diretiva 2004/18.

46

Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio limita‑se a solicitar, no caso de o direito espanhol dever ser interpretado conforme ao direito da União, uma interpretação da Diretiva 2004/18 em geral, sem precisar se e, sendo esse o caso, por que razão o direito espanhol não pode ser interpretado conforme ao direito da União. Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio não menciona disposições concretas desta diretiva cuja interpretação pelo Tribunal de Justiça seja necessária para decidir o litígio que lhe foi submetido.

47

Consequentemente, esta questão não preenche os requisitos previstos no artigo 94.o, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, em virtude do qual o pedido de decisão prejudicial deve conter uma exposição das razões que conduziram o órgão jurisdicional de reenvio a interrogar‑se sobre a interpretação ou a validade de certas disposições do direito da União, bem como o nexo que esse órgão jurisdicional estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável no litígio no processo principal.

48

Nestas circunstâncias, a quinta questão deve ser julgada inadmissível.

Quanto às despesas

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Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

1)

O artigo 1.o, n.o 8, da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «operador económico» que figura no segundo parágrafo desta disposição inclui as administrações públicas, as quais podem, portanto, participar em concursos públicos se e na medida em que estejam habilitadas a prestar serviços no mercado mediante remuneração.

 

2)

O artigo 52.o da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido de que, embora contenha certas exigências relativamente à determinação dos requisitos para a inscrição dos operadores económicos nas listas oficiais nacionais e para a certificação, não define de forma exaustiva os requisitos para a inscrição desses operadores económicos nas listas oficiais nacionais ou os requisitos para a sua admissão à certificação, nem os direitos e os deveres das entidades públicas a este respeito. Em qualquer caso, a Diretiva 2004/18 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional nos termos da qual, por um lado, as administrações públicas nacionais autorizadas a fazer as obras, fornecer os produtos ou prestar os serviços visados pelo anúncio de concurso em causa não podem ser inscritas nessas listas ou não podem beneficiar dessa certificação, quando, por outro lado, o direito de participar no concurso público em causa é reservado apenas aos operadores que figuram nas referidas listas ou têm a referida certificação.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: espanhol.