ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

10 de setembro de 2015 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência judiciária e execução de decisões em matéria civil e comercial — Regulamento (CE) n.o 44/2001 — Artigo 5.o, n.o 1 — Competência em matéria contratual — Artigo 5.o, n.o 3 — Competência em matéria extracontratual — Artigos 18.° a 21.° — Contrato individual de trabalho — Contrato de administrador de uma sociedade — Cessação do contrato — Motivos — Execução incorreta do mandato e comportamento ilícito — Ação declarativa e de responsabilidade civil — Conceito de ‘contrato individual de trabalho’»

No processo C‑47/14,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos), por decisão de 24 de janeiro de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 30 de janeiro de 2014, no processo

Holterman Ferho Exploitatie BV,

Ferho Bewehrungsstahl GmbH,

Ferho Vechta GmbH,

Ferho Frankfurt GmbH

contra

Friedrich Leopold Freiherr Spies von Büllesheim,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, A. Ó Caoimh, C. Toader (relatora), E. Jarašiūnas e C. G. Fernlund, juízes,

advogado‑geral: P. Cruz Villalón,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 21 de janeiro de 2015,

vistas as observações apresentadas:

em representação de Holterman Ferho Exploitatie BV, Ferho Bewehrungsstahl GmbH, Ferho Vechta GmbH e Ferho Frankfurt GmbH, por P. A. Fruytier, advocaat,

em representação de F. L. F. L. F Spies von Büllesheim, por E. Jacobson e B. Verkerk, advocaten,

em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Kemper, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por A.‑M. Rouchaud‑Joët, M. Wilderspin e G. Wils, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 7 de maio de 2015,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 5.o, n.os 1 e 3, do capítulo II, secção 5 (artigos 18.° a 21.°) e do artigo 60.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe, por um lado, a Holterman Ferho Exploitatie BV (a seguir «Holterman Ferho Exploitatie»), a Ferho Bewehrungsstahl GmbH (a seguir «Ferho Bewehrungsstahl»), a Ferho Vechta GmbH (a seguir «Ferho Vechta»), e a Ferho Frankfurt GmbH (a seguir «Ferho Frankfurt») (a seguir, em conjunto, «quatro sociedades») e, por outro, F. L. F Spies von Büllesheim, a propósito da responsabilidade deste último enquanto gerente das referidas sociedades e de um pedido de condenação do mesmo numa indemnização.

Quadro jurídico

Direito da União

Convenção de Bruxelas

3

O artigo 5.o da Convenção de 27 de setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE F1 01 p. 186), conforme alterada pelas sucessivas convenções relativas à adesão de novos Estados‑Membros a esta Convenção (a seguir «Convenção de Bruxelas»), tem a seguinte redação:

«O requerido com domicílio no território de um Estado contratante pode ser demandado num outro Estado contratante:

1.

Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi ou deva ser cumprida; em matéria de contrato individual de trabalho, esse lugar é o lugar onde o trabalhador efetua habitualmente o seu trabalho e, se o trabalhador não efetuar habitualmente o seu trabalho no mesmo país, a entidade patronal pode igualmente ser demandada perante o tribunal do lugar onde se situa ou se situava o estabelecimento que contratou o trabalhador;

[...]»

Regulamento n.o 44/2001

4

O considerando 13 do Regulamento n.o 44/2001 dispõe:

«No respeitante aos contratos de seguro, de consumo e de trabalho, é conveniente proteger a parte mais fraca por meio de regras de competência mais favoráveis aos seus interesses do que a regra geral.»

5

O artigo 5.o do Regulamento n.o 44/2001 tem a seguinte redação:

«Uma pessoa com domicílio no território de um Estado‑Membro pode ser demandada noutro Estado‑Membro:

1.

a)

Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;

b)

Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será:

no caso da venda de bens, o lugar num Estado‑Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues,

no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado‑Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados;

c)

Se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a);

2.

[...]

3.

Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso;

[...]»

6

O artigo 18.o, que faz parte da secção 5, intitulada «Competência em matéria de contratos individuais de trabalho», do capítulo II do Regulamento n.o 44/2001 prevê, no seu n.o 1:

«Em matéria de contrato individual de trabalho, a competência será determinada pela presente secção, sem prejuízo do disposto no artigo 4.o e no ponto 5 do artigo 5.o»

7

O artigo 20.o, n.o 1, do referido regulamento dispõe:

«Uma entidade patronal só pode intentar uma ação perante os tribunais do Estado‑Membro em cujo território o trabalhador tiver domicílio.»

8

O artigo 60.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001 dispõe:

«Para efeitos da aplicação do presente regulamento, uma sociedade ou outra pessoa coletiva ou associação de pessoas singulares e coletivas tem domicílio no lugar em que tiver:

a)

A sua sede social;

b)

A sua administração central; ou

c)

O seu estabelecimento principal.»

Direito neerlandês

9

O Código Civil (Burgerlijk Wetboek, a seguir «BW») contém um livro 2, intitulado «Pessoas coletivas», que prevê, no seu artigo 2:9:

«1.   Os administradores devem cumprir corretamente a sua missão para com a pessoa coletiva. Fazem parte dessa missão todas as tarefas de gestão que não foram atribuídas a um ou mais outros administradores pela lei ou pelos estatutos.

2.   Todos os administradores são responsáveis pela condução geral dos negócios da sociedade. São inteiramente responsáveis pela má gestão, exceto se, tendo em conta, designadamente, as funções atribuídas a outrem, não puderem ser censurados e não tenha sido feita prova de negligência na adoção das medidas destinadas a prevenir as consequências da má gestão.»

10

O livro 6 do BW, dedicado ao «[r]egime geral do direito das obrigações», contém um título 3, intitulado «Responsabilidade extracontratual», que prevê, no seu artigo 6:162:

«1.   Quem cometer contra outrem um ato ilícito que lhe possa ser imputado deve reparar o dano sofrido por essa pessoa.

2.   São considerados ilícitos, salvo facto justificativo, a violação de um direito, bem como o ato ou a omissão contrários a uma obrigação legal ou a uma regra não escrita que enuncia o que é admitido na vida em sociedade.

3.   Um ato ilícito pode ser imputado ao seu autor quando puder ser atribuído a culpa sua ou a uma circunstância pela qual deva responder por força da lei ou das conceções prevalecentes na sociedade.»

11

No livro 7 do BW, intitulado «Contratos especiais», o título 10, relativo ao «[c]ontrato de trabalho», dispõe, no seu artigo 7:661:

«1.   O trabalhador que, durante a execução do seu contrato, cause um dano ao empregador ou a um terceiro que o empregador deva indemnizar por esse dano não é responsável pelo mesmo perante o empregador, a não ser que o dano resulte de dolo ou de negligência consciente. Tendo em conta, designadamente, a natureza do contrato, pode ser tirada das circunstâncias do caso uma conclusão diferente da enunciada na frase anterior.

2.   Só é possível uma derrogação do n.o 1 e do artigo 170.o, n.o 3, do livro 6 em detrimento do trabalhador em virtude de convenção escrita e na medida em que o trabalhador esteja segurado a esse respeito.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12

Resulta do pedido de decisão prejudicial que a Holterman Ferho Exploitatie é uma sociedade holding estabelecida nos Países Baixos. Detém três filiais de direito alemão, a saber, a Ferho Bewehrungsstahl, a Ferho Vechta e a Ferho Frankfurt, todas com sede na Alemanha.

13

Por decisão de 25 de abril de 2011, a assembleia geral da Holterman Ferho Exploitatie nomeou F. L. F Spies von Büllesheim, um nacional alemão que tem o seu domicílio na Alemanha e que era também gerente e mandatário das três filiais alemãs, administrador da sociedade.

14

Em 7 de maio de 2001, a Holterman Ferho Exploitatie e F. L. F Spies von Büllesheim celebraram uma convenção, redigida em língua alemã, que confirmava a sua nomeação como administrador («Geschäftsführer») e descrevia os seus direitos e obrigações a esse respeito (a seguir «contrato de 7 maio de 2001»).

15

Em 20 de julho de 2001, F. L. F Spies von Büllesheim tornou‑se gerente da Holterman Ferho Exploitatie.

16

Conforme resulta dos elementos fornecidos pelas partes na audiência, F. L. F Spies von Büllesheim teria igualmente detido ações da Holterman Ferho Exploitatie, sendo, no entanto, a maioria das ações desta sociedade detidas por M. Holterman.

17

Em 31 de dezembro de 2005, foi posto fim ao contrato entre F. L. F Spies von Büllesheim e a Ferho Frankfurt e, em 31 de dezembro de 2006, aos contratos que o ligavam à Holterman Ferho Exploitatie, à Ferho Bewehrungsstahl e à Ferho Vechta.

18

Devido a alegadas irregularidades graves no exercício das suas funções, as quatro sociedades intentaram uma ação declarativa e de responsabilidade civil contra F. L. F Spies von Büllesheim perante o Rechtbank Almelo (Países Baixos).

19

As referidas sociedades alegam, a título principal, que F. L. F Spies von Büllesheim exerceu incorretamente o seu mandato de gerente e que, por essa via, é responsável perante elas por força do artigo 2:9 do BW. Invocaram também dolo ou negligência consciente na execução do seu contrato de trabalho, nos termos do artigo 7:661 do BW. A título subsidiário, as quatro sociedades alegam que as irregularidades cometidas por F. L. F Spies von Büllesheim no exercício das suas funções constituem um comportamento ilícito, nos termos do artigo 6:162 do BW.

20

F. L. F Spies von Büllesheim alega que os tribunais neerlandeses não são competentes para conhecer do litígio.

21

O Rechtbank Almelo decidiu que não era competente por força do artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, nem por força do n.o 3 do referido artigo.

22

O Gerechtshof te Arnhem confirmou a decisão do Rechtbank Almelo.

23

Relativamente ao pedido da Holterman Ferho Exploitatie, fundado na má gestão da mesma por F. L. F Spies von Büllesheim, o Gerechtshof te Arnhem decidiu que o Regulamento n.o 44/2001 não designa os tribunais de nenhum foro em particular, pelo que, em princípio, é a regra constante do artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001 que se aplica. Assim, F. L. F Spies von Büllesheim só pode ser demandado perante os tribunais alemães.

24

No que diz respeito ao pedido da Holterman Ferho Exploitatie, fundado na responsabilidade de F. L. F Spies von Büllesheim por execução incorreta do contrato de 7 de maio de 2011, o Gerechtshof te Arnhem considera que o referido contrato deve ser qualificado de «contrato individual de trabalho» na aceção do artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001. Por força do artigo 20.o, n.o 1, deste regulamento, a ação do empregador apenas pode ser proposta perante os tribunais do Estado‑Membro em cujo território o trabalhador tem o seu domicílio. Na medida em que F. L. F Spies von Büllesheim tem o seu domicílio na Alemanha, não seria reconhecida nenhuma competência ao juiz neerlandês para conhecer das ações propostas.

25

Segundo o Gerechtshof te Arnhem, este raciocínio vale igualmente para a parte da ação da Holterman Ferho Exploitatie respeitante à responsabilidade extracontratual. Uma ação de responsabilidade extracontratual que apresente uma conexão com o pedido em matéria de «contratos individuais de trabalho» na aceção do artigo 18.o do Regulamento n.o 44/2001 não é suscetível de determinar a competência do juiz neerlandês, porquanto o capítulo II, secção 5, do referido regulamento contém uma regra especial de competência que derroga as regras contidas no artigo 5.o, n.os 1 e 3, do referido regulamento.

26

As quatro sociedades interpuseram recurso da decisão do Gerechtshof te Arnhem perante o órgão jurisdicional de reenvio.

27

No seu recurso, alegam que o Gerechtshof te Arnhem cometeu um erro de direito ou que não fundamentou de forma suficiente o seu acórdão. Estas alegações têm por objeto a interpretação e a aplicação das regras de competência pertinentes previstas no Regulamento n.o 44/2001, a saber, as disposições conjugadas dos artigos 5.°, pontos 1, alínea a), e 3, 18.°, n.o 1, e 20.°, n.o 1, deste regulamento. As quatro sociedades criticam, em particular, o Gerechtshof te Arnhem por ter considerado que o juiz neerlandês não era competente, na medida em que os seus pedidos se fundam no incumprimento por F. L. F Spies von Büllesheim das suas obrigações no quadro das funções de administrador da Holterman Ferho Exploitatie.

28

O Hoge Raad der Nederlanden salienta que, em direito neerlandês, é feita uma distinção entre, por um lado, a responsabilidade de um particular na qualidade de gerente de uma sociedade a título de incumprimento da obrigação de executar corretamente as tarefas que lhe incumbem em direito das sociedades, por força do artigo 2:9 do BW, ou a título de um «comportamento ilícito» na aceção do artigo 6:162 do BW e, por outro, a responsabilidade que incumbe a essa mesma pessoa enquanto «trabalhador assalariado» dessa sociedade, independentemente da sua qualidade de gerente, a título «de dolo ou negligência consciente na execução do seu contrato de trabalho» na aceção do artigo 7:661 do BW.

29

A questão de saber se os tribunais neerlandeses são ou não competentes para conhecer do processo necessita, na opinião do Hoge Raad der Nederlanden, de uma análise da relação existente entre, por um lado, as regras de competência previstas no capítulo II, secção 5 (artigos 18.° a 21.°) do Regulamento n.o 44/2001 e, por outro, as definidas no artigo 5.o, pontos 1, alínea a), e 3, deste regulamento. Em especial, a questão que se coloca é a de saber se a referida secção 5 se opõe a que as disposições do mencionado artigo 5.o, pontos 1, alínea a), e 3, se apliquem num caso como o do processo principal, no qual o requerido é demandado por uma sociedade não apenas na sua qualidade de gerente, mas também, independentemente dessa qualidade, com fundamento no dolo ou negligência consciente na execução do contrato de trabalho celebrado com a referida sociedade.

30

Nestas condições, o Hoge Raad der Nederlanden decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem as disposições da secção 5 do capítulo II (artigos 18.° a 21.°) do Regulamento […] n.o 44/2001 ser interpretadas no sentido de que se opõem a que um órgão jurisdicional aplique o artigo 5.o, proémio e [ponto] 1, alínea a), ou o artigo 5.o, proémio e [ponto] 3, desse regulamento numa situação como a presente, em que o demandado é responsabilizado por uma sociedade, não apenas na qualidade de [gerente] dessa sociedade, com fundamento no desempenho inadequado das suas funções ou na prática de atos ilícitos mas também independentemente dessa qualidade, com fundamento na negligência culposa ou consciente na execução do contrato de trabalho celebrado entre si e aquela sociedade?

2)

(a)

Em caso de resposta negativa à [primeira questão], deve o conceito de ‘matéria contratual’ do artigo 5.o, [proémio e ponto] 1, alínea a), do Regulamento […] n.o 44/2001 ser interpretado no sentido de que também abrange uma situação como a presente, em que uma sociedade responsabiliza uma pessoa na qualidade de [gerente] dessa sociedade com fundamento na violação do seu dever de diligência no exercício das suas funções societárias?

2)

b)

Em caso de resposta afirmativa à [segunda questão, alínea a)], deve o conceito de ‘lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão’ do artigo 5.o, [proémio e ponto] 1, alínea a), do Regulamento […] n.o 44/2001, ser interpretado no sentido de que abrange o lugar onde o [gerente] desempenhou ou devia ter desempenhado as suas funções societárias, o que, em regra, será o lugar da administração central ou do estabelecimento principal da sociedade em questão, na aceção do artigo 60.o, proémio e n.o 1, alíneas b) e c), daquele regulamento?

3)

a)

Em caso de resposta negativa à [primeira questão], deve o conceito de ‘matéria extracontratual’ do artigo 5.o, proémio e [ponto] 3, do Regulamento […] n.o 44/2001, ser interpretado no sentido de que abrange uma situação como a presente, em que uma sociedade responsabiliza uma pessoa na qualidade de [gerente] dessa sociedade com fundamento no desempenho inadequado das suas funções societárias ou na prática de atos ilícitos?

3)

b)

Em caso de resposta afirmativa à [terceira questão, alínea a)], deve o conceito de ‘lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso’ do artigo 5.o, [proémio e ponto] 3, do Regulamento […] n.o 44/2001, ser interpretado no sentido de que é aplicável ao lugar onde o [gerente] desempenhou ou devia ter desempenhado as suas funções societárias, o que, em regra, será o lugar da administração central ou do estabelecimento principal da sociedade em questão, na aceção do artigo 60.o, n.o 1, alíneas b) e c), daquele regulamento?»

Quanto às questões prejudiciais

31

A título preliminar, importa observar que, tendo‑lhe sido submetido, em conformidade com as regras do direito nacional, um recurso com vista a apurar a responsabilidade de um particular, simultaneamente na sua qualidade de administrador e de gerente de sociedade, e com base em responsabilidade extracontratual, o órgão jurisdicional de reenvio questiona o Tribunal de Justiça sobre a interpretação das disposições do Regulamento n.o 44/2001 relativas à competência judiciária, respetivamente, em matéria de contratos individuais de trabalho, na aceção do capítulo II, secção 5 (artigos 18.° a 21.°), do Regulamento n.o 44/2001, em «matéria contratual», na aceção do artigo 5.o, ponto 1, deste regulamento, e em «matéria extracontratual», na aceção do artigo 5.o, ponto 3, do mesmo.

32

A este respeito, a simples circunstância de, na sua petição, um requerente indicar vários tipos de responsabilidade não basta para se considerar que tal ação pode ser abrangida por cada uma das disposições invocadas. Com efeito, tal apenas acontece se o comportamento censurado puder ser considerado um incumprimento das obrigações decorrentes dessas disposições, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar (v., por analogia, acórdão Brogsitter, C‑548/12, EU:C:2014:148, n.o 24).

Quanto à primeira questão

33

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se as disposições do capítulo II, secção 5 (artigos 18.° a 21.°), do Regulamento n.o 44/2001 devem ser interpretadas no sentido de que, numa situação como a que está em causa no processo principal, em que uma sociedade demanda alguém que exerceu funções de administrador e de gerente dessa sociedade para obter a sua condenação pelas irregularidades cometidas no exercício das referidas funções e ser indemnizada por isso, obstam à aplicação do artigo 5.o, pontos 1 e 3, do referido regulamento.

34

Há que sublinhar, antes de mais, que a questão da aplicação das regras especiais de atribuição de competência judiciária previstas na referida secção do Regulamento n.o 44/2001 apenas se coloca, no caso concreto, se se puder considerar que F. L. F Spies von Büllesheim estava vinculado por um «contrato individual de trabalho», na aceção do artigo 18.o, n.o 1, desse regulamento, à sociedade de que foi administrador e gerente, podendo assim ser qualificado de «trabalhador» na aceção do n.o 2 do mesmo artigo.

35

É forçoso constatar que, por um lado, o Regulamento n.o 44/2001 não define o conceito de «contrato individual de trabalho» nem o de «trabalhador».

36

Por outro lado, a questão da qualificação da relação entre F. L. F Spies von Büllesheim e a referida sociedade não pode ser resolvida com base no direito nacional (v., por analogia, acórdão Kiiski, C‑116/06, EU:C:2007:536, n.o 26).

37

Com efeito, para assegurar a plena eficácia do Regulamento n.o 44/2001, nomeadamente do referido artigo 18.o, os conceitos jurídicos que nele figuram devem ser interpretados de uma maneira autónoma que seja comum à totalidade dos Estados‑Membros (acórdão Mahamdia, C‑154/11, EU:C:2012:491, n.o 42).

38

Na medida em que o Regulamento n.o 44/2001 substituiu a Convenção de Bruxelas, a interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça no que respeita às disposições desta Convenção é igualmente válida para as do referido regulamento, quando as disposições desses instrumentos comunitários possam ser qualificadas de equivalentes (acórdão Zuid‑Chemie, C‑189/08, EU:C:2009:475, n.o 18).

39

No que diz respeito ao artigo 5.o, ponto 1, da Convenção de Bruxelas, disposição que serviu de base à adoção dos artigos 18.° a 21.° do Regulamento n.o 44/2001, o Tribunal já decidiu que os contratos de trabalho apresentam certas particularidades, na medida em que criam um laço duradouro que insere o trabalhador no quadro de uma determinada organização dos negócios da empresa ou do empregador e na medida em que se situam no lugar do exercício das atividades, o qual determina a aplicação de disposições de direito imperativo e de convenções coletivas (acórdão Shenavai, 266/85, EU:C:1987:11, n.o 16).

40

Esta interpretação é corroborada pelo n.o 41 do Relatório de Jenard e Möller, sobre a Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, celebrada em Lugano em 16 de setembro de 1988 (JO 1990, C 189, p. 57), segundo o qual, relativamente ao conceito autónomo de «contrato de trabalho», se pode considerar que pressupõe uma relação de dependência do trabalhador face à entidade patronal.

41

Além disso, relativamente ao conceito de «trabalhador», o Tribunal decidiu, a propósito da interpretação do artigo 45.o TFUE e de diversos atos legislativos da União, como a Diretiva 92/85/CEE do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à implementação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no trabalho (Décima Diretiva especial na aceção do n.o 1 do artigo 16.o da Diretiva 89/391/CEE) (JO L 348, p. 1), que a característica essencial da relação de trabalho consiste na circunstância de uma pessoa realizar, durante um certo tempo, a favor de outra pessoa e sob a sua direção, prestações em contrapartida das quais recebe uma remuneração (v., no contexto da livre circulação dos trabalhadores, acórdão Lawrie‑Blum, 66/85, EU:C:1986:284, n.os 16 e 17, e, no contexto da Diretiva 92/85, acórdão Danosa, C‑232/09, EU:C:2010:674, n.o 39).

42

Há que ter em conta estes elementos também no que diz respeito ao conceito de «trabalhador» na aceção do artigo 18.o do Regulamento n.o 44/2001.

43

Relativamente à finalidade do capítulo II, secção 5, do Regulamento n.o 44/2001, basta recordar que, como resulta do considerando 13 do mesmo, este regulamento visa garantir às partes mais fracas dos contratos, entre os quais os contratos de trabalho, uma proteção reforçada, em derrogação das regras gerais de competência.

44

A este respeito, há que recordar que as disposições que constam da referida secção 5 apresentam um caráter não só específico mas também exaustivo (acórdão Glaxosmithkline e Laboratoires Glaxosmithkline, C‑462/06, EU:C:2008:299, n.o 18).

45

É à luz das considerações precedentes que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, baseando‑se nos critérios recordados nos n.os 39 e 41 do presente acórdão, se, no caso concreto, F. L. F Spies von Büllesheim, na sua qualidade de administrador e de gerente da Holterman Ferho Exploitatie, realizou durante um certo tempo, a favor da referida sociedade e sob a sua direção, prestações em contrapartida das quais recebia uma remuneração e estava ligado por um vínculo duradouro que o inseria no quadro de uma determinada organização dos negócios dessa sociedade.

46

Mais precisamente, no que respeita ao vínculo de subordinação, a sua existência deve ser apreciada em função de todos os elementos e de todas as circunstâncias que caracterizam as relações entre as partes (acórdão Balkaya, C‑229/14, EU:C:2015:455, n.o 37).

47

Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio examinar em que medida F. L. F Spies von Büllesheim estava em condições, na sua qualidade de acionista da Holterman Ferho Exploitatie, de influenciar a vontade do órgão de administração desta sociedade de que era gerente. Nessa hipótese, haverá que determinar quem era competente para lhe dar instruções e para controlar a sua execução. Caso se verifique que essa capacidade de influência de F. L. F Spies von Büllesheim sobre o referido órgão não era negligenciável, haverá que concluir pela ausência de uma relação de subordinação na aceção da jurisprudência do Tribunal sobre o conceito de trabalhador.

48

Caso o órgão jurisdicional de reenvio conclua, na sequência da análise do conjunto dos elementos acima mencionados, que F. L. F Spies von Büllesheim estava, na sua qualidade de administrador e de gerente, vinculado à Holterman Ferho Exploitatie por um «contrato individual de trabalho» na aceção do artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, competir‑lhe‑á aplicar as regras de competência previstas no capítulo II, secção 5, do Regulamento n.o 44/2001.

49

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que as disposições do capítulo II, secção 5 (artigos 18.° a 21.°), do Regulamento n.o 44/2001 devem ser interpretadas no sentido de que, numa situação como a que está em causa no processo principal, em que uma sociedade demanda alguém que exerceu funções de administrador e de gerente dessa sociedade para obter a sua condenação pelas irregularidades cometidas no exercício das suas funções e ser indemnizada por isso, obstam à aplicação do artigo 5.o, pontos 1 e 3, do referido regulamento, desde que essa pessoa tenha, na sua qualidade de administrador e de gerente, realizado durante um certo tempo, a favor da referida sociedade e sob a sua direção, prestações em contrapartida das quais recebia uma remuneração, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Quanto à segunda questão

50

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o, ponto 1, do Regulamento n.o 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que a ação de uma sociedade contra o seu antigo gerente com fundamento num pretenso incumprimento das obrigações que lhe incumbiam por força do direito das sociedades está abrangida pelo conceito de «matéria contratual». Em caso de resposta afirmativa, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi ou deva ser cumprida corresponde ao lugar previsto no artigo 60.o, n.o 1, alíneas b) e c), do referido regulamento.

51

Esta questão é pertinente para a solução do litígio no processo principal na hipótese de o órgão jurisdicional de reenvio constatar, após análise dos elementos fornecidos em resposta à primeira questão prejudicial, que F. L. F Spies von Büllesheim não exerceu as suas funções na qualidade de trabalhador da Holterman Ferho Exploitatie.

52

Para responder à primeira parte da segunda questão, há que recordar que, nos termos de uma jurisprudência constante, o conceito de «matéria contratual» previsto no artigo 5.o, ponto 1, do Regulamento n.o 44/2001 pressupõe um compromisso livremente assumido por uma parte perante a outra (v. acórdão Česká spořitelna, C‑419/11, EU:C:2013:165, n.o 46).

53

Como refere o advogado‑geral no n.o 46 das suas conclusões, F. L. F Spies von Büllesheim e a Holterman Ferho Exploitatie assumiram livremente compromissos recíprocos, na medida em que F. L. F Spies von Büllesheim escolheu dirigir e administrar a sociedade, enquanto esta assumiu a obrigação de remunerar essa atividade, pelo que se pode considerar que a sua relação é de natureza contratual e, consequentemente, que a ação da sociedade contra o seu antigo gerente em razão do alegado incumprimento da sua obrigação de exercer corretamente as funções que lhe incumbiam por força do direito das sociedades está abrangida pelo conceito de «matéria contratual» na aceção do artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001.

54

A este respeito, verifica‑se, com efeito, que a atividade de um gerente cria relações estreitas do mesmo tipo das que se estabelecem entre as partes de um contrato e que é, por conseguinte, legítimo considerar que a ação da sociedade contra o seu antigo gerente com fundamento num alegado incumprimento da sua obrigação de exercer corretamente as funções que lhe incumbem por força do direito das sociedades está abrangida pelo conceito de «matéria contratual» na aceção do artigo 5.o, ponto 1, do Regulamento n.o 44/2001 (v., por analogia, acórdão Peters Bauunternehmung, 34/82, EU:C:1983:87, n.o 13).

55

Quanto à questão do «lugar», na aceção do artigo 5.o, ponto 1, do Regulamento n.o 44/2001, em que a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi ou deva ser cumprida, importa distinguir consoante a referida ação esteja abrangida pelo artigo 5.o, ponto 1, alínea a), ou ao artigo 5.o, ponto 1, alínea b), segundo travessão, desse regulamento.

56

A este respeito, há que recordar que, tendo em conta a hierarquia entre a alínea a) e a alínea b), estabelecida pela alínea c) desta disposição, a regra de competência prevista no artigo 5.o, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.o 44/2001 só é suscetível de ser aplicada como alternativa, e supletivamente, em relação às regras de competência que figuram no artigo 5.o, ponto 1, alínea b), do mesmo (acórdão Corman‑Collins, C‑9/12, EU:C:2013:860, n.o 42).

57

Resulta da jurisprudência do Tribunal que um contrato cuja obrigação característica é uma prestação de serviços será qualificado de «prestação de serviços» na aceção do artigo 5.o, ponto 1, alínea b), segundo travessão, do mesmo regulamento (acórdão Car Trim, C‑381/08, EU:C:2010:90, n.o 32). O conceito de «serviços» implica, pelo menos, que a parte que os presta efetue uma atividade determinada em contrapartida de uma remuneração (acórdão Falco Privatstiftung e Rabitsch, C‑533/07, EU:C:2009:257, n.o 29).

58

No quadro do direito das sociedades, se a obrigação característica da relação jurídica existente entre o gerente e a sociedade administrada implicar uma atividade determinada em contrapartida de uma remuneração, essa atividade deve ser qualificada de «prestação de serviços» na aceção do artigo 5.o, ponto 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.o 44/2001.

59

É à luz destas considerações que há que determinar qual é lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi ou deva ser cumprida.

60

Tendo em conta a letra do artigo 5.o, ponto 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.o 44/2001, segundo o qual o lugar de um Estado‑Membro onde, «nos termos do contrato», os serviços foram ou deviam ter sido prestados é que é determinante, há que deduzir o lugar da prestação principal dos serviços, na medida do possível, dos próprios termos do contrato (acórdão Wood Floor Solutions Andreas Domberger, C‑19/09, EU:C:2010:137, n.o 38).

61

No processo principal, é facto assente que o contrato de 7 de maio de 2001 não continha nenhuma cláusula que exigisse que F. L. F Spies von Büllesheim exercesse necessariamente as suas atividades num local preciso.

62

No entanto, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se dos estatutos da Holterman Ferho Exploitatie ou de qualquer outro documento que defina as obrigações do gerente para com esta sociedade se pode deduzir o lugar da prestação principal dos serviços de F. L. F Spies von Büllesheim.

63

Caso nem as disposições dos estatutos da Holterman Ferho Exploitatie nem nenhum outro documento que defina as obrigações do gerente para com a sociedade permitam determinar o lugar onde os serviços foram principalmente prestados por F. Spies von Büllesheim, há que ter em consideração o facto de esses serviços terem sido prestados por conta dessa sociedade.

64

Como refere o advogado‑geral no n.o 57 das suas conclusões, na ausência de qualquer esclarecimento derrogatório nos estatutos da sociedade ou em qualquer outro documento, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar o lugar em que F. L. F Spies von Büllesheim desempenhou efetivamente, de forma preponderante, as suas atividades de execução do contrato, desde que a prestação de serviços no lugar em questão não seja contrária à vontade das partes, como esta resulta do que foi acordado entre elas. Para este efeito, pode, em particular, ter‑se em conta o tempo passado nesses lugares e a importância da atividade que aí é exercida, devendo o juiz nacional determinar a sua competência à luz dos elementos de prova que lhe são submetidos.

65

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 5.o, ponto 1, do Regulamento n.o 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que a ação de uma sociedade contra o seu antigo gerente com fundamento num pretenso incumprimento das obrigações que lhe incumbiam por força do direito das sociedades está abrangida pelo conceito de «matéria contratual». Na falta de qualquer esclarecimento derrogatório nos estatutos da sociedade ou em qualquer outro documento, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar o lugar em que o gerente desempenhou efetivamente, de forma preponderante, as suas atividades de execução do contrato, desde que a prestação de serviços no lugar considerado não seja contrária à vontade das partes, como resulta do que foi acordado entre elas.

Quanto à terceira questão

66

Com a sua terceira questão, o Hoge Raad der Nederlanden pergunta, em substância, e na medida em que o direito nacional aplicável permite demandar alguém simultaneamente com base numa relação contratual e em atos geradores de responsabilidade extracontratual, se o artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que abrange um caso, como o que está em causa no processo principal, no qual uma sociedade demanda alguém tanto na sua qualidade de gerente dessa sociedade como em razão de um comportamento ilícito. Em caso de resposta afirmativa, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso corresponde ao lugar previsto no artigo 60.o, n.o 1, alíneas b) e c), do referido regulamento.

67

À semelhança da segunda questão prejudicial, esta terceira questão é pertinente para a solução do litígio do processo principal na hipótese de o órgão jurisdicional de reenvio constatar, após análise dos elementos fornecidos em resposta à primeira questão submetida, que F. L. F Spies von Büllesheim não exerceu as suas funções na qualidade de trabalhador da Holterman Ferho Exploitatie.

68

Resulta de jurisprudência constante que o artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001 é aplicável a qualquer pedido que tenha em vista pôr em causa a responsabilidade de um demandado e que não esteja relacionada com a «matéria contratual», na aceção do artigo 5.o, ponto 1, alínea a), desse regulamento (v., designadamente, acórdão Brogsitter, C‑548/12, EU:C:2014:148, n.o 20 e jurisprudência referida).

69

Como resulta da resposta dada à segunda questão, a relação jurídica existente entre uma sociedade e o seu gerente deve ser qualificada de «matéria contratual» na aceção do artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001.

70

Consequentemente, se o direito nacional permitir fundamentar um pedido da sociedade contra o seu antigo gerente com base num alegado comportamento ilícito, tal pedido só pode ser incluído na «matéria extracontratual», na aceção da regra de competência prevista no artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001, se não estiver ligado à relação jurídica de natureza contratual entre a sociedade e o gerente.

71

Caso o comportamento censurado possa ser considerado um incumprimento das obrigações contratuais do gerente, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, haverá que concluir que o órgão jurisdicional competente para se pronunciar sobre esse comportamento é o designado no artigo 5.o, ponto 1, do Regulamento n.o 44/2001. Se tal não for o caso, aplica‑se a regra de competência enunciada no artigo 5.o, ponto 3, do referido regulamento (v., por analogia, acórdão Brogsitter, C‑548/12, EU:C:2014:148, n.os 24 a 27).

72

A este respeito, há que salientar que o artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001 deve ser interpretado de maneira autónoma e estrita (acórdão CDC Hydrogen Peroxide, C‑352/13, EU:C:2015:335; n.o 37 e jurisprudência referida). Relativamente ao lugar onde «ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso» constante do artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001, há que recordar que esta expressão se refere simultaneamente ao lugar da materialização do dano e ao lugar do evento causal que está na origem deste dano, de modo que o requerido pode ser demandado, à escolha do requerente, perante o tribunal de um ou outro destes lugares (acórdão Coty Germany, C‑360/12, EU:C:2014:1318, n.o 46).

73

Segundo jurisprudência constante, a regra de competência prevista no artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001 baseia‑se na existência de um elemento de conexão particularmente estreita entre o litígio e o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso, que justifica uma atribuição de competência a esse tribunal por razões de boa administração da justiça e de organização útil do processo (acórdão CDC Hydrogen Peroxide, C‑352/13, EU:C:2015:335, n.o 39 e jurisprudência referida).

74

Com efeito, em matéria extracontratual, o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso é normalmente o mais apto para decidir, nomeadamente, por razões de proximidade do litígio e de facilidade na recolha das provas (acórdão CDC Hydrogen Peroxide, C‑352/13, EU:C:2015:335, n.o 40).

75

A identificação de um dos elementos de conexão reconhecidos pela jurisprudência evocada no n.o 72 do presente acórdão deve, pois, permitir determinar a competência do órgão jurisdicional objetivamente mais bem posicionado para apreciar se os elementos constitutivos da responsabilidade do demandado estão reunidos, pelo que só pode ser validamente chamado a decidir o órgão jurisdicional em cuja área de jurisdição se situe o elemento de conexão pertinente (acórdão CDC Hydrogen Peroxide, C‑352/13, EU:C:2015:335, n.o 41 e jurisprudência referida).

76

Relativamente ao lugar do evento causal, como assinala o advogado‑geral no n.o 65 das suas conclusões, deve ter‑se em conta que esse lugar se pode situar no lugar onde F. L. F Spies von Büllesheim exercia as suas funções como gerente da sociedade Holterman Ferho Exploitatie.

77

Quanto ao lugar da materialização do dano, resulta da jurisprudência do Tribunal que esse lugar é aquele onde o dano alegado pela sociedade se manifesta concretamente (neste sentido, acórdão CDC Hydrogen Peroxide, C‑352/13, EU:C:2015:335; n.o 52).

78

No caso vertente, para determinar onde é que o comportamento ilícito de F. L. F Spies von Büllesheim no exercício das suas funções de gerente produziu o dano, o órgão jurisdicional de reenvio, com base nos elementos de que dispõe, deverá ter em conta o facto de o conceito de «lugar onde ocorreu o facto danoso» não poder ser interpretado de modo extensivo ao ponto de englobar todo e qualquer lugar onde se possam fazer sentir as consequências danosas de um facto que causou um dano efetivamente ocorrido noutro lugar.

79

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à terceira questão que, em circunstâncias como as do processo principal, nas quais uma sociedade demanda o seu antigo gerente em razão de um pretenso comportamento ilícito, o artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que essa ação diz respeito à matéria extracontratual quando o comportamento censurado não puder ser considerado um incumprimento das obrigações que competem ao gerente das sociedades, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Compete a este identificar, com base nas circunstâncias factuais do processo, o elemento de conexão mais estreito com o lugar do evento causal que deu origem ao dano e com o lugar da materialização do mesmo.

Quanto às despesas

80

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

1)

As disposições do capítulo II, secção 5 (artigos 18.° a 21.°) e do artigo 60.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, devem ser interpretadas no sentido de que, numa situação como a que está em causa no processo principal, em que uma sociedade demanda alguém que exerceu funções de administrador e de gerente dessa sociedade para obter a sua condenação pelas irregularidades cometidas no exercício das suas funções e ser indemnizada por isso, obstam à aplicação do artigo 5.o, pontos 1 e 3 do referido regulamento, desde que essa pessoa tenha, na sua qualidade de administrador e de gerente, realizado durante um certo tempo, a favor da referida sociedade e sob a sua direção, prestações em contrapartida das quais recebia uma remuneração, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 

2)

O artigo 5.o, ponto 1, do Regulamento n.o 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que a ação de uma sociedade contra o seu antigo gerente com fundamento num pretenso incumprimento das obrigações que lhe incumbiam por força do direito das sociedades está abrangida pelo conceito de «matéria contratual». Na falta de qualquer esclarecimento derrogatório nos estatutos da sociedade ou em qualquer outro documento, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar o lugar em que o gerente desempenhou efetivamente, de forma preponderante, as suas atividades de execução do contrato, desde que a prestação de serviços no lugar considerado não seja contrária à vontade das partes, como esta resulta do que foi acordado entre elas.

 

3)

Em circunstâncias como as do processo principal, nas quais uma sociedade demanda o seu antigo gerente em razão de um pretenso comportamento ilícito, o artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que essa ação diz respeito à matéria extracontratual quando o comportamento censurado não puder ser considerado um incumprimento das obrigações que competem ao gerente das sociedades, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Compete a este identificar, com base nas circunstâncias factuais do processo, o elemento de conexão mais estreito com o lugar do evento causal que deu origem ao dano e com o lugar da materialização do mesmo.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.