ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

2 de Abril de 2009 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância — Auxílios de Estado — Artigo 88.o, n.o 2, CE — Condições para o início de um procedimento formal de exame — Dificuldades sérias — Critérios constitutivos de um auxílio de Estado — Recursos de Estado — Princípio da não discriminação»

No processo C-431/07 P,

que tem por objecto o recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância, interposto ao abrigo do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça, entrado em 18 de Setembro de 2007,

Bouygues SA, com sede em Paris (França),

Bouygues Télécom SA, com sede em Boulogne-Billancourt (França),

representadas por F. Sureau, D. Théophile, S. Perrotet, A. Bénabent, J. Vogel e L. Vogel, avocats,

recorrentes,

sendo as outras partes no processo:

Comissão das Comunidades Europeias, representada por C. Giolito, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida em primeira instância,

República Francesa, representada por G. de Bergues, O. Christmann e A.-L. Vendrolini, na qualidade de agentes,

Orange France SA, representada por S. Hautbourg, S. Quesson e L. Olza Moreno, avocats,

Société française du radiotéléphone — SFR, representada por A. Vincent, avocat, e C. Vajda, QC,

intervenientes em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: P. Jann, presidente de secção, M. Ilešič, A. Tizzano (relator), A. Borg Barthet e J.-J. Kasel, juízes,

advogada-geral: V. Trstenjak,

secretário: M.-A. Gaudissart, chefe de unidade,

vistos os autos e após a audiência de 11 de Setembro de 2008,

ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 8 de Outubro de 2008,

profere o presente

Acórdão

1

No presente recurso, a Bouygues Télécom SA (a seguir «Bouygues Télécom») e a Bouygues SA pedem ao Tribunal de Justiça a anulação do acórdão de Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 4 de Julho de 2007, Bouygues e Bouygues Télécom/Comissão (T-475/04, Colect., p. II-2097, a seguir «acórdão recorrido»), que negou provimento ao recurso de anulação da Decisão da Comissão de , relativa à modificação das taxas devidas pela Orange e pela SFR respeitantes às licenças UMTS (Universal Mobile Telecommunications System) (Auxílio de Estado NN 42/2004 — França) (a seguir «decisão controvertida»).

Quadro jurídico comunitário

2

A Directiva 97/13/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de Abril de 1997, relativa a um quadro comum para autorizações gerais e licenças individuais no domínio dos serviços de telecomunicações (JO L 117, p. 15), em vigor à época dos factos do litígio, previa no artigo 8.o, n.o 4:

«Os Estados-Membros podem alterar as condições associadas a uma licença individual em casos objectivamente justificados e de modo proporcionado. Para o efeito, devem anunciar com a devida antecedência a sua intenção de o fazer e permitir que as partes interessadas apresentem as suas observações sobre as alterações previstas.»

3

O artigo 9.o, n.o 2, primeiro travessão, da mesma directiva tinha a seguinte redacção:

«Caso um Estado-Membro tencione conceder licenças individuais, deve fazê-lo:

através de procedimentos abertos, não discriminatórios e transparentes e, para esse efeito, deve submeter todos os requerentes ao mesmo procedimento, a menos que exista um motivo objectivo para diferenciação.»

4

O artigo 10.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da referida directiva dispunha:

«Os Estados-Membros devem conceder licenças individuais com base em critérios de selecção objectivos, não discriminatórios, proporcionais, transparentes e pormenorizados. A selecção deve ter em devida conta a necessidade de promover o desenvolvimento da concorrência e maximizar os benefícios para os utilizadores.»

5

O artigo 11.o da Directiva 97/13 enunciava:

«1.   Os Estados-Membros devem zelar por que quaisquer taxas cobradas a empresas no quadro dos processos de autorização se destinem apenas a cobrir os custos administrativos decorrentes da emissão, gestão, controlo e aplicação das licenças individuais. As taxas relativas a uma licença individual devem ser proporcionais ao trabalho envolvido e devem ser publicadas de modo adequado e suficientemente pormenorizado, por forma a facilitar o acesso a essas informações.

2.   Não obstante o n.o 1, quando forem utilizados recursos escassos, os Estados-Membros poderão permitir que as suas autoridades reguladoras nacionais imponham encargos que reflictam a necessidade de assegurar a utilização óptima desses recursos. Esses encargos devem ser não discriminatórios e devem ter particularmente em conta a necessidade de fomentar o desenvolvimento de serviços inovadores e a concorrência.»

6

A Decisão n.o 128/1999/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de Dezembro de 1998, relativa à introdução coordenada de um sistema de comunicações móveis e sem fios (UMTS) de terceira geração na Comunidade (JO 1999, L 17, p. 1), ainda em vigor à data dos factos do litígio, visava, nos termos do seu artigo 1.o, «[…] facilitar a introdução rápida e coordenada de redes e serviços UMTS compatíveis entre si na Comunidade […]».

7

O artigo 3.o, n.o 1, desta mesma decisão dispunha:

«Os Estados-Membros tomarão todas as medidas necessárias para, nos termos do artigo 1.o da Directiva 97/13/CE, permitir a introdução coordenada e progressiva de serviços UMTS no seu território o mais tardar a partir de 1 de Janeiro de 2002 […]»

Antecedentes do litígio

8

Em 28 de Julho de 2000, o Ministro da Indústria, dos Correios e das Telecomunicações francês abriu um concurso para atribuição de quatro licenças para a introdução na França metropolitana de sistemas de comunicações móveis e sem fios UMTS. A data-limite para apresentação das candidaturas foi fixada em , podendo estas ser retiradas até .

9

Uma vez que apenas foram apresentados dois processos de candidatura, a saber, o da Société française du radiotéléphone — SFR (a seguir «SFR») e o da sociedade France Télécom mobiles, que passou, alguns meses depois, a sociedade Orange France SA (a seguir «Orange»), as autoridades francesas consideraram necessário abrir novo concurso com o objectivo de assegurar uma concorrência efectiva.

10

Por duas cartas de 22 de Fevereiro de 2001, redigidas em termos idênticos, o Ministro da Economia e das Finanças e o Secretário de Estado da Indústria deram garantias aos dirigentes da SFR e da Orange de que «as modalidades [do concurso complementar] […] garanti[ria] um tratamento igualitário dos operadores a quem no final ser[iam] atribuídas licenças».

11

Sem esperar pela abertura do concurso complementar, as duas primeiras licenças UMTS foram emitidas para a SFR e a Orange, por despachos de 18 de Julho de 2001. Estas duas licenças foram atribuídas mediante o pagamento de taxas no montante total de 4954593000 euros, a pagar em fases, vencendo-se a primeira fase em e a última em .

12

Na sequência da abertura do concurso complementar, foi atribuída uma terceira licença UMTS à Bouygues Télécom, em 3 de Dezembro de 2002. Por falta de candidatos, não foi atribuída a quarta licença.

13

A terceira licença foi atribuída mediante o pagamento de taxas que comportam uma parte fixa, no montante de 619209795,27 euros, a pagar em 30 de Setembro do ano da emissão da licença ou no momento da respectiva emissão se esta se verificasse posteriormente a essa data, e uma parte variável, a pagar anualmente até 30 de Junho do ano em curso pela utilização das frequências do ano anterior e calculada percentualmente em função do volume de negócios realizado com a utilização das referidas frequências.

14

Além disso, por dois outros despachos datados também de 3 de Dezembro de 2002 (JORF de , pp. 20498 e 20499), relativos, respectivamente, à SFR e à Orange, o Ministro Delegado da Indústria alterou, designadamente, as disposições relativas às taxas de disponibilização e de gestão das frequências, adoptando disposições idênticas às aplicadas à Bouygues Télécom, conforme descritas no número anterior do presente acórdão.

15

Em 31 de Janeiro de 2003, a Comissão das Comunidades Europeias, na sequência de uma denúncia das recorrentes sobre um conjunto de medidas de auxílio adoptadas pelas autoridades francesas a favor da France Télécom, deu início ao procedimento de exame previsto no artigo 88.o, n.o 2, CE, relativamente a algumas destas medidas, entre as quais não figurava a medida de alinhamento das taxas devidas pela SFR e a Orange pelas fixadas para a Bouygues Télécom.

16

Pela decisão controvertida, a Comissão decidiu, com base nas disposições do artigo 88.o CE, não levantar objecções à referida medida de alinhamento das ditas taxas, uma vez que a mesma não continha elementos de auxílio na acepção do artigo 87.o, n.o 1, CE.

17

Em 24 de Novembro de 2004, as recorrentes interpuseram recurso para o Tribunal de Primeira Instância, pedindo a anulação da decisão controvertida.

Acórdão recorrido

18

Em apoio do recurso de anulação, as recorrentes invocaram, designadamente, dois fundamentos relativos à violação pela Comissão, por um lado, do artigo 87.o, n.o 1, CE, visto a alteração das taxas devidas pela Orange e a SFR constituir, em seu entender, um auxílio de Estado na acepção desta disposição e, por outro, do artigo 88.o, n.o 2, CE, na medida em que, suscitando o processo dificuldades sérias, a Comissão deveria ter dado início ao processo formal previsto no dito artigo 88.o

19

O Tribunal de Primeira Instância abordou conjuntamente estes dois fundamentos, pronunciando-se unicamente quanto à existência de dificuldades sérias. Com efeito, no n.o 93 do acórdão recorrido, considerou que, se tais dificuldades existissem, a decisão controvertida poderia ser anulada exclusivamente por esse motivo, devido à omissão do exame contraditório e aprofundado previsto pelo Tratado CE, mesmo que não se demonstrasse que as apreciações da Comissão quanto à materialidade dos factos padeciam de erros de direito ou de facto.

20

No âmbito deste exame, nos n.os 95 a 126 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância rejeitou, em primeiro lugar, os argumentos que tinham como objectivo demonstrar a existência de uma vantagem selectiva, de ordem temporal, de que a Orange e a SFR teriam beneficiado por terem obtido as duas primeiras licenças UMTS antes de a Bouygues Télécom ter obtido a terceira licença. Considerou também, no n.o 126 do mesmo acórdão, que tal análise não constituía uma dificuldade séria.

21

A este propósito, o Tribunal de Primeira Instância constatou, antes de mais, nos n.os 100 e 106 do acórdão recorrido, que as ditas licenças tinham um valor económico e que, por conseguinte, devia ser dada razão às recorrentes quanto ao facto de as autoridades francesas, ao reduzirem as taxas devidas pela Orange e a SFR, terem renunciado a recursos estatais numa proporção significativa.

22

Contudo, o Tribunal de Primeira Instância realçou, seguidamente, no n.o 107 do acórdão recorrido, que os créditos sobre a Orange e a SFR, a que o Estado francês renunciou, não eram certos. Com efeito «por um lado, no âmbito do procedimento relativo ao primeiro concurso, estes dois operadores podiam ter retirado as respectivas candidaturas até 31 de Maio de 2001 caso não lhes fosse garantido que seriam tratados de forma igualitária relativamente aos outros operadores […] e, por outro, os referidos operadores podiam sempre renunciar posteriormente ao benefício das respectivas licenças e, consequentemente, deixar de pagar a taxa, sobretudo se se considerassem vítimas de um tratamento desigual relativamente à Bouygues Télécom».

23

Por outro lado, o Tribunal de Primeira Instância observou, no n.o 111 do acórdão recorrido, que, de todo o modo, a renúncia aos créditos em questão escapava à qualificação de auxílio de Estado, devido às especificidades do direito comunitário das telecomunicações face ao direito comum dos auxílios de Estado.

24

Por último, o Tribunal de Primeira Instância, nos n.os 113 e 116 do acórdão recorrido, entendeu que, embora existisse uma diferença objectiva entre, por um lado, a situação da Orange e da SFR e, por outro, a da Bouygues Télécom, quanto ao momento em que as licenças lhes tinham sido respectivamente atribuídas, problemas ligados à tecnologia UMTS e a um contexto económico pouco favorável ao desenvolvimento desta não tinham permitido às primeiras empresas a quem foram atribuídas as licenças aceder ao mercado e, portanto, retirar lucros, na prática, do benefício que a anterioridade da obtenção dessas licenças lhes poderia proporcionar.

25

Em qualquer caso, o Tribunal de Primeira Instância concluiu, no n.o 123 do acórdão recorrido, que «a vantagem virtualmente conferida à Orange e à SFR era a única forma de evitar a adopção, em violação da Directiva 97/13, de uma medida que, perante a diferença significativa entre os dois regimes de taxas sucessivamente concebidos pelas autoridades nacionais, seria discriminatória em relação a esses dois operadores, quando, por um lado, na data da modificação em causa, por força do atraso da Orange e da SFR na implementação dos seus serviços UMTS, nenhum outro operador estava presente no mercado […] e, por outro lado, as características das licenças dos três operadores concorrentes são idênticas».

26

Em segundo lugar, nos n.os 127 a 156 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância não acolheu as alegações das recorrentes que visavam demonstrar que a alteração das taxas violava o princípio da não discriminação e considerou que a apreciação do respeito deste princípio também não constituía uma dificuldade séria que exigisse o início do procedimento de exame previsto no artigo 88.o CE.

27

Por um lado, nos n.os 134 e 136 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância decidiu que, não obstante as modalidades da sua organização material, o processo de atribuição das licenças UMTS tinha constituído um processo único, tendo por objectivo a atribuição de quatro licenças e que, por conseguinte, o respeito do princípio da não discriminação se devia aplicar tomando em consideração globalmente os dois concursos sucessivos.

28

Por outro lado, no n.o 148 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância considerou que, sendo o conteúdo das licenças idêntico e não tendo nenhum operador acedido ao mercado à data da modificação das taxas devidas pela Orange e pela SFR, a solução adoptada, que consistiu em alterar retroactivamente essas taxas, tinha permitido às autoridades francesas não só assegurar a igualdade de tratamento entre os três operadores em causa mas também evitar atrasos no lançamento dos serviços UMTS previsto na Directiva 97/13.

29

Em terceiro lugar, nos n.os 157 e 158 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância decidiu também que nem a complexidade do processo nem a duração do procedimento perante a Comissão eram tais que se pudesse daí inferir que o exame da medida de alinhamento das taxas apresentava dificuldades sérias.

30

Com base nestas considerações, o Tribunal de Primeira Instância negou provimento ao recurso que lhe tinha sido submetido.

Pedidos das partes

31

No presente recurso, as recorrentes pedem ao Tribunal de Justiça que:

anule o acórdão recorrido e remeta o processo ao Tribunal de Primeira Instância, para que este decida de novo tendo em conta o ponto de vista jurídico expresso pelo Tribunal de Justiça;

condene a Comissão nas despesas.

32

A Comissão, a República Francesa, a Orange e a SFR concluem pedindo que seja negado provimento ao recurso e que as recorrentes sejam condenadas nas despesas.

Quanto ao pedido de reabertura da fase oral do processo

33

Por requerimento apresentado na Secretaria em 17 de Novembro de 2008, as recorrentes solicitaram ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 61.o do Regulamento de Processo, a reabertura da fase oral do processo.

34

Em apoio do seu pedido, alegam que determinados pontos suscitados pela advogada-geral nas suas conclusões são novos e susceptíveis de influenciar a decisão do Tribunal de Justiça.

35

A este respeito, deve recordar-se que o Tribunal de Justiça pode, oficiosamente ou por proposta do advogado-geral, ou ainda a pedido das partes, ordenar a reabertura da fase oral do processo, em conformidade com o disposto no artigo 61.o do seu Regulamento de Processo, se considerar que não está suficientemente esclarecido ou que a causa deve ser decidida com base num argumento que não foi debatido entre as partes (v., designadamente, despacho de 4 de Fevereiro de 2000, Emesa Sugar, C-17/98, Colect., p. I-665, n.o 18; acórdãos de , Comissão/Kvaerner Warnow Werft, C-181/02 P, Colect., p. I-5703, n.o 25, e de , Burda, C-284/06, Colect., p. I-4571, n.o 37).

36

No entanto, no caso presente, ouvida a advogada-geral, o Tribunal de Justiça considera que dispõe de todos os elementos necessários para conhecer do recurso interposto pelas recorrentes e que esses elementos foram objecto de debate em juízo. Por conseguinte, deve ser indeferido o pedido de reabertura da fase oral do processo.

Quanto ao presente recurso

37

Em apoio do recurso, as recorrentes suscitam quatro fundamentos, relativos, respectivamente, a violação do dever de fundamentação, a um erro de direito quanto à inexistência de dificuldades sérias, a erros na qualificação jurídica dos factos e, por último, a vários erros de direito na aplicação do artigo 87.o CE.

Quanto ao primeiro fundamento, relativo a violação do dever de fundamentação respeitante à aplicação da excepção baseada na natureza e na economia do sistema

Argumentos das partes

38

Com o seu primeiro fundamento, as recorrentes queixam-se de o Tribunal de Primeira Instância não ter apresentado fundamentação suficiente no que concerne à aplicação, ao caso concreto, da excepção baseada na natureza e na economia do sistema, enquanto disposição derrogatória do princípio segundo o qual uma diferenciação que favorece uma ou várias empresas constitui necessariamente uma vantagem selectiva. Mais concretamente, o acórdão recorrido não contém uma fundamentação suficientemente explícita quer no que se refere ao conteúdo desta excepção quer no que respeita ao nexo de causalidade entre esta e a renúncia a recursos de Estado numa proporção significativa.

39

Em especial, as recorrentes evocam diferentes hipóteses que, em seu entender, podem justificar a referência ao conceito de economia do sistema no presente processo, a saber, a especificidade do direito comunitário das telecomunicações face ao direito comum dos auxílios de Estado, a necessidade de respeitar a data de lançamento de 1 de Janeiro de 2002, prevista no artigo 3.o, n.o 1, da Decisão n.o 128/1999, ou ainda a procura de quatro operadores a fim de assegurar uma concorrência suficiente. Contudo, as recorrentes consideram que nenhuma destas hipóteses é determinante ou, em todo o caso, suficientemente fundamentada pelo Tribunal de Primeira Instância.

40

A Comissão, a República Francesa, a Orange e a SFR entendem, em contrapartida, que o acórdão recorrido está suficientemente fundamentado neste ponto, ao remeter abundantemente para o quadro jurídico e para a jurisprudência pertinente a fim de apreciar a referida excepção.

41

Quanto às hipóteses invocadas pelas recorrentes, a Comissão e a SFR sustentam que a sua apreciação se enquadra na análise do mérito do acórdão e não do cumprimento do dever de fundamentação. A República Francesa alega, a este propósito, que, contrariamente ao que afirmam as recorrentes, essas hipóteses são perfeitamente coerentes e complementares. A SFR acrescenta que, de todo o modo, o primeiro fundamento é inadmissível porque as recorrentes contestam, na realidade, a apreciação da matéria de facto efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância.

Apreciação do Tribunal de Justiça

42

Importa lembrar desde logo que o dever de fundamentação dos acórdãos que incumbe ao Tribunal de Primeira Instância por força dos artigos 36.o e 53.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça não obriga a que este faça uma exposição que acompanhe exaustiva e individualmente todos os passos do raciocínio articulado pelas partes no litígio. A fundamentação pode, portanto, ser implícita, na condição de permitir aos interessados conhecerem as razões por que as medidas em questão foram tomadas e ao Tribunal de Justiça dispor dos elementos suficientes para exercer a sua fiscalização (acórdãos de 18 de Maio de 2006, Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, C-397/03 P, Colect., p. I-4429, n.o 60, e de , Groupe Danone/Comissão, C-3/06 P, Colect., p. I-1331, n.o 46).

43

Ora, importa observar que, no caso concreto, o Tribunal de Primeira Instância indicou as razões pelas quais considerou que a renúncia aos créditos em causa escapava ao conceito de auxílio de Estado incompatível com o direito comunitário, tendo em conta a economia do sistema do direito das telecomunicações.

44

Com efeito, nos n.os 108 a 110 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância esclareceu amplamente as características do enquadramento comunitário dos serviços de telecomunicações resultante da Directiva 97/13 e da Decisão n.o 128/1999. Em particular, considerou que este enquadramento exige que os Estados-Membros, embora sejam livres de escolher o procedimento de atribuição das licenças UMTS, devem, não obstante, respeitar o princípio da igualdade de tratamento dos operadores, tendo em conta o momento em que cada um dos operadores em causa acede ao mercado.

45

Além disso, segundo o n.o 109 do acórdão recorrido, a jurisprudência comunitária interpretou já o artigo 11.o, n.o 2, da referida directiva no sentido de que exige que as taxas impostas aos diferentes operadores devem ser equivalentes em termos económicos.

46

Daí que, de acordo com o Tribunal de Primeira Instância, as autoridades francesas, nas circunstâncias do caso vertente, não tinham outra possibilidade senão reduzir o montante das taxas devidas pela Orange e a SFR e, portanto, renunciar aos créditos em causa, com o objectivo de tornar este montante equivalente ao devido pela Bouygues Télécom.

47

Por conseguinte, resulta claramente dos n.os 108 a 110, já referidos, que as circunstâncias que justificam, no caso vertente, a aplicação da excepção baseada na economia do sistema, a saber, a obrigação do cumprimento, por parte das autoridades nacionais, das exigências de igualdade de tratamento especificamente impostas pelo direito comunitário das telecomunicações, foram claramente identificadas pelo Tribunal de Primeira Instância.

48

Por outro lado, as restantes hipóteses alegadas pelas recorrentes resultam de uma leitura errada do acórdão recorrido.

49

Com efeito, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, por um lado, o Tribunal de Primeira Instância não examinou minimamente a necessidade de respeitar a data de 1 de Janeiro de 2002, prevista no artigo 3.o, n.o 1, da Decisão n.o 128/1999, como sendo aquela em que os serviços UMTS deviam ser introduzidos no território dos Estados-Membros, enquanto característica do sistema. Na realidade, apenas tomou em consideração este elemento no n.o 141 do acórdão recorrido, para apreciar as razões pelas quais as autoridades francesas decidiram não retomar ab initio o procedimento de atribuição.

50

Por outro lado, resulta expressamente dos n.os 11 e 138 do acórdão recorrido que a necessidade de «seleccionar um número suficiente de operadores para garantir que a concorrência no sector pudesse ser efectivamente salvaguardada» foi tomada em consideração pelo Tribunal de Primeira Instância não como uma característica do sistema mas apenas para concluir que o primeiro concurso não tinha levado a um resultado satisfatório, atenta a necessidade de garantir que a concorrência fosse salvaguardada num sector, e que, por conseguinte, deviam ser procurados outros operadores.

51

Por último, no que toca à insuficiência da fundamentação do acórdão recorrido quanto ao nexo de causalidade entre a natureza do sistema e a renúncia aos créditos sobre a Orange e a SFR, basta observar que o Tribunal de Primeira Instância, no n.o 123 do mesmo acórdão, especificou as razões pelas quais tinha concluído pela existência de tal nexo, ao considerar que, visto as características das três licenças UMTS serem idênticas, a manutenção do montante inicial das taxas devidas pela Orange e a SFR teria necessariamente levado a uma violação, em detrimento destas, das obrigações especificamente impostas em matéria de igualdade de tratamento pelo direito comunitário das telecomunicações.

52

Atentas as considerações que precedem, há que concluir que a fundamentação do acórdão recorrido permite, de modo juridicamente bastante, compreender as razões que levaram o Tribunal de Primeira Instância a considerar que, tendo em conta a economia do sistema, a redução das taxas devidas pela Orange e a SFR e, consequentemente, a renúncia aos créditos sobre estas não podiam ser consideradas um auxílio de Estado.

53

Por conseguinte, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto ao segundo fundamento, relativo a um erro de direito quanto à inexistência de dificuldades sérias

Argumentos das partes

54

Com o seu segundo fundamento, as recorrentes alegam que o Tribunal de Primeira Instância confundiu a apreciação da existência de uma dificuldade séria com a da justeza da decisão controvertida. Em especial, para demonstrar que a Comissão não estava obrigada a iniciar a fase de exame aprofundado, o Tribunal de Primeira Instância limitou-se a acrescentar formalmente, no final do exame da pertinência de cada um dos fundamentos invocados pelas partes, que esse exame não constituía uma dificuldade séria.

55

Na realidade, a existência de dificuldades sérias é confirmada pelo facto de, no acórdão recorrido, o próprio Tribunal de Primeira Instância ter substituído pela sua apreciação a da Comissão quanto a várias questões complexas, desautorizando em parte a análise contida na decisão controvertida.

56

A Comissão contesta a admissibilidade do dito fundamento na medida em que este não foi suscitado em primeira instância. Por seu turno, a República Francesa alega que, no Tribunal de Primeira Instância, as recorrentes apenas a título subsidiário é que tinham sustentado a necessidade de iniciar o procedimento formal de exame dos auxílios previsto no artigo 88.o CE.

57

Quanto ao mérito, a Comissão, a República Francesa, a SFR e a Orange sustentam que a abordagem seguida pelo Tribunal de Primeira Instância é juridicamente correcta e não resulta de uma confusão. Além disso, no entendimento da Orange, o Tribunal de Primeira Instância efectuou precisamente uma análise do tipo da exigida pelas recorrentes. A Comissão acrescenta que os elementos que serviram de base à decisão do Tribunal de Primeira Instância são os mesmos em que assenta a decisão controvertida. Isto prova que esses elementos eram suficientes para decidir as questões a que se referem as recorrentes.

58

Quanto à alegada desautorização da análise da Comissão, a República Francesa sustenta que o Tribunal de Primeira Instância não fez prevalecer a sua própria apreciação sobre a da Comissão, dado que o acórdão recorrido está amplamente fundamentado na análise constante da decisão controvertida. A Comissão, a SFR e a Orange entendem, além disso, que as diferentes apreciações feitas pelo Tribunal de Primeira Instância visavam apenas responder aos argumentos invocados pelas recorrentes no recurso. Em especial, a SFR acrescenta que o Tribunal de Primeira Instância não teria podido apreciar a inexistência de uma dificuldade, séria sem proceder a uma análise mais detalhada dos elementos de que a Comissão dispunha. De todo o modo, segundo esta última, tal argumentação é não só inadmissível, na parte em que versa sobre a apreciação da matéria de facto, como também nem sequer demonstra em que é que uma apreciação do Tribunal de Primeira Instância diferente da da Comissão poderia ter consequências no que se refere à existência de dificuldades sérias e à validade do acórdão recorrido.

Apreciação do Tribunal de Justiça

59

Há desde já que observar que, contrariamente ao que sustenta a Comissão, este fundamento não critica a validade da decisão controvertida, mas aponta ao Tribunal de Primeira Instância um erro de direito cometido na apreciação do conteúdo da referida decisão com o objectivo de verificar a existência de dificuldades sérias.

60

Em consequência, o segundo fundamento é admissível.

61

No que toca à justeza deste fundamento, importa recordar que, de acordo com jurisprudência assente, o procedimento previsto no artigo 88.o, n.o 2, CE é indispensável sempre que a Comissão depare com dificuldades sérias para apreciar se um auxílio é compatível com o mercado comum. A Comissão só pode, portanto, limitar-se à fase de análise preliminar prevista no artigo 88.o, n.o 3, CE para adoptar uma decisão favorável a um auxílio, se tiver a convicção, no termo de uma primeira análise, de que esse auxílio é compatível com o mercado comum. Pelo contrário, se essa primeira análise a tiver levado à convicção oposta, ou não tiver permitido ultrapassar todas as dificuldades suscitadas pela apreciação da compatibilidade desse auxílio com o mercado comum, a Comissão tem o dever de obter todos os pareceres necessários e dar início, para o efeito, ao procedimento previsto no artigo 88.o, n.o 2, CE (v., designadamente, acórdãos de 19 de Maio de 1993, Cook/Comissão, C-198/91, Colect., p. I-2487, n.o 29; de , Comissão/Sytraval e Brink’s France, C-367/95 P, Colect., p. I-1719, n.o 39; e de , Athinaïki Techniki/Comissão, C-521/06 P, Colect., p. I-5829, n.o 34).

62

No caso concreto, como resulta igualmente do próprio título da parte em questão do acórdão recorrido, que trata do «[…] segundo e terceiro fundamentos, relativos, respectivamente, à violação do artigo 87.o, n.o 1, CE e do artigo 88.o, n.o 2, CE», o Tribunal de Primeira Instância apreciou, nos n.os 95 a 160 do acórdão recorrido, o segundo fundamento do recurso, baseado na violação do artigo 87.o, n.o 1, CE, e relativo à interpretação do conceito de vantagem selectiva e do princípio da não discriminação, concomitantemente com o terceiro fundamento do recurso, por sua vez, baseado na violação do artigo 88.o, n.o 2, CE, devido ao facto de a Comissão não ter dado início à fase formal de exame, embora esse exame da medida de alinhamento das taxas apresentasse dificuldades sérias.

63

Esta abordagem é justificada tomando em consideração que, como observou a advogada-geral nos n.os 208 e 214 das suas conclusões, revestindo a noção de dificuldades sérias carácter objectivo, a existência destas deve ser averiguada não só em função das circunstâncias da adopção do acto impugnado mas também das apreciações em que a Comissão se baseou (v., a este propósito, acórdão Cook/Comissão, já referido, n.os 30 e 31).

64

Ora, o Tribunal de Primeira Instância procedeu precisamente a um exame desse tipo quando analisou as razões pelas quais a Comissão considerou que a medida de alinhamento das taxas não constituía uma vantagem selectiva e não violava o princípio da não discriminação.

65

Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito quando examinou as apreciações da Comissão, com o objectivo de avaliar se estas tinham sido elaboradas com base em informações suficientes e susceptíveis de excluir a existência de qualquer dificuldade séria.

66

Acresce que, no seu recurso, as próprias recorrentes reconhecem que o Tribunal de Primeira Instância, no n.o 93 do acórdão recorrido, deduziu correctamente da jurisprudência que havia que «analisar os argumentos desenvolvidos pelas recorrentes contra a decisão recorrida à luz da existência de uma dificuldade séria. Com efeito, se tais dificuldades existirem, a decisão pode ser anulada exclusivamente por esse motivo, devido à omissão do exame contraditório e aprofundado previsto pelo Tratado, mesmo que não se demonstre que as apreciações da Comissão quanto à materialidade dos factos padecem de um erro de direito ou de facto».

67

De todo o modo, a abordagem conjunta dos dois fundamentos do recurso exigia que o Tribunal de Primeira Instância se não limitasse unicamente a apreciar a existência de dificuldades sérias, mas que respondesse também aos argumentos invocados pelas recorrentes, em apoio do seu segundo fundamento de anulação, que se referem à própria justeza das apreciações da Comissão.

68

Ora, importa constatar, a este respeito, que as substituições de fundamentos alegadas pelas recorrentes mais não são, na realidade, do que respostas aos seus argumentos.

69

Assim, não procede, em primeiro lugar, a argumentação das recorrentes de acordo com a qual o Tribunal de Primeira Instância fez prevalecer a sua própria apreciação sobre a fundamentação da decisão controvertida, quando considerou, nos n.os 105, 109 e 110 do acórdão recorrido, que os serviços UMTS têm um valor de mercado.

70

Com efeito, como resulta do referido n.o 105 e como observou a advogada-geral no n.o 222 das suas conclusões, foi apenas no decurso da audiência no Tribunal de Primeira Instância que a Comissão sustentou a posição contrária, a saber, que os ditos serviços não têm valor económico, ao passo que a decisão controvertida se baseava noutras considerações. Nestas condições, não pode ter havido substituição de fundamentos por parte do Tribunal de Primeira Instância.

71

O mesmo sucede no que concerne, em segundo lugar, à afirmação de acordo com a qual o Tribunal de Primeira Instância teria feito prevalecer a sua apreciação sobre a fundamentação da decisão controvertida, quando, nos n.os 113 a 121 do acórdão recorrido, entendeu que a Orange e a SFR beneficiaram de uma vantagem temporal potencial, devido à anterioridade da emissão das respectivas licenças.

72

Com efeito, mesmo admitindo que, ao responder a um argumento das recorrentes, o Tribunal de Primeira Instância tenha chegado a uma conclusão diferente da adoptada pela Comissão na decisão controvertida, não é menos certo que, a título subsidiário e sem operar uma substituição de fundamentos, confirmou, nos n.os 123 a 125 do acórdão recorrido, a fundamentação da Comissão segundo a qual a inexistência de uma vantagem selectiva resultava da aplicação das regras do enquadramento comunitário dos serviços de telecomunicações.

73

Em terceiro lugar, também não pode ser acolhida a argumentação das recorrentes quando alegam que o Tribunal de Primeira Instância substituiu a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação, ao considerar, nos n.os 131 e 132 do acórdão recorrido, que a Orange e a SFR, por um lado, e a Bouygues Télécom, por outro, não se encontravam numa situação comparável, uma vez que esta sociedade suportou o risco de não poder desenvolver os seus serviços UMTS ou de apenas o poder fazer com atraso.

74

A este respeito, é de notar que a decisão controvertida tinha excluído qualquer discriminação em função não da natureza comparável da situação dos três operadores em causa mas da aplicação do enquadramento comunitário dos serviços de telecomunicações, que exigiu a solução tomada pelas autoridades francesas. Consequentemente, a existência ou a ausência de uma situação comparável entre estes operadores, tendo em conta os riscos assumidos pelos mesmos, não era um elemento susceptível de influenciar a posição da Comissão.

75

Em quarto e último lugar, carece também de fundamento a alegação segundo a qual o Tribunal de Primeira Instância fez prevalecer a sua apreciação sobre a da Comissão, quando analisou, nos n.os 137 a 153 do acórdão recorrido, as diversas opções que se colocavam às autoridades francesas e as suas repercussões na igualdade de tratamento das empresas às quais foram atribuídas licenças.

76

Na realidade, como observou a advogada-geral no n.o 225 das suas conclusões, a Comissão tinha já analisado estas opções na decisão controvertida, pelo que o Tribunal de Primeira Instância de maneira nenhuma fez prevalecer a sua apreciação sobre a da Comissão.

77

À luz das considerações que precedem, é, por conseguinte, de concluir que, embora o Tribunal de Primeira Instância, na apreciação de determinados argumentos suscitados pelas recorrentes em primeira instância, tenha chegado a conclusões diferentes das da Comissão na decisão controvertida, nenhuma das apreciações do Tribunal de Primeira Instância é susceptível de pôr em causa a justeza daquela nem de revelar a existência de dificuldades sérias.

78

Por conseguinte, improcede o segundo fundamento invocado pelas recorrentes em apoio do recurso.

Quanto ao quarto fundamento, relativo a erros cometidos na aplicação do artigo 87.o CE

79

O quarto fundamento, que há que apreciar antes do terceiro, está dividido em três partes.

Quanto à primeira e segunda partes do quarto fundamento

— Argumentos das partes

80

Na primeira parte deste fundamento, as recorrentes alegam que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao concluir que a excepção baseada na economia do sistema tornava inevitável, no caso concreto, a renúncia aos créditos sobre a Orange e a SFR, por parte do Estado francês. Na realidade, dado que a economia do sistema requer a procura de um maior número de operadores, as autoridades francesas teriam podido retomar na íntegra o processo ab initio ou, como no caso presente, lançar um novo concurso.

81

Todavia, neste último caso, as referidas autoridades deveriam ter aplicado condições económicas diferentes. Com efeito, contrariamente ao que o Tribunal de Primeira Instância decidiu, estas não teriam causado nenhuma discriminação, uma vez que as empresas às quais foram inicialmente atribuídas licenças não se encontravam numa situação idêntica àquela em que se contrariam os que seriam seleccionadas na sequência de um novo concurso, uma vez que, por um lado, essas empresas tinham a garantia de conservar a sua licença UMTS, sem que tal pudesse ser posto em causa por novos candidatos, e, por outro, dispunham de uma anterioridade que constituía por si só uma vantagem evidente.

82

Segundo a Orange e a SFR, esta parte do segundo fundamento é inadmissível na medida em que visa obter uma nova apreciação dos fundamentos invocados em primeira instância.

83

De todo o modo, a Comissão, a República Francesa, a SFR e a Orange sustentam que o Tribunal examinou as outras opções susceptíveis de serem consideradas pelas autoridades francesas e concluiu, à luz da necessidade de respeitar não só os princípios da igualdade de tratamento e da livre concorrência mas também a data-limite de 1 de Janeiro de 2002 prevista no artigo 3.o, n.o 1, da Decisão n.o 128/1999, que a opção finalmente adoptada por aquelas autoridades era a única que permitia assegurar o respeito destes princípios e que, portanto, se impunha como «inevitável».

84

Com a segunda parte do quarto fundamento, as recorrentes sustentam que o Tribunal de Primeira Instância cometeu vários erros de direito quando concluiu pela inexistência de uma vantagem selectiva a favor da Orange e da SFR.

— Apreciação do Tribunal de Justiça

85

Há que realçar desde já que são inadmissíveis os dois argumentos suscitados pelas recorrentes em apoio da sua afirmação de que a imposição de taxas UMTS à Orange e à SFR, de montante diferente das exigidas à Bouygues Télécom, não implicou uma discriminação em detrimento das duas primeiras empresas.

86

Com efeito, resulta dos artigos 225.o CE, 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça e 112.o, n.o 1, alínea c), do seu Regulamento de Processo que o recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância deve indicar de modo preciso os elementos contestados do acórdão cuja anulação é pedida, bem como os argumentos jurídicos em que se apoia especificamente esse pedido (despacho de 11 de Novembro de 2003, Martinez/Parlamento, C-488/01 P, Colect., p. I-13355, n.o 40, e acórdão de , Lindorfer/Conselho, C-227/04 P, Colect., p. I-6767, n.o 45 e jurisprudência referida).

87

Ora, em apoio do primeiro destes dois argumentos, segundo o qual a Orange e a SFR tinham a garantia de conservar a sua licença sem que esta pudesse ser posta em causa por outros candidatos, as recorrentes não alegam nenhum erro de direito quanto à parte da fundamentação do acórdão recorrido, em especial o seu n.o 144, na qual o Tribunal de Primeira Instância considerou que os três operadores se encontravam numa situação comparável.

88

Quanto ao segundo dos ditos argumentos, de acordo com o qual a SFR e a Orange tinham beneficiado de uma vantagem resultante da anterioridade da atribuição das suas licenças, importa observar também que as recorrentes não invocam nenhum argumento susceptível de pôr em causa a apreciação feita pelo Tribunal de Primeira Instância a este propósito, designadamente nos n.os 115 a 122 do acórdão recorrido.

89

No que concerne aos restantes argumentos suscitados na segunda parte do quarto fundamento, importa realçar que, contrariamente às alegações da Orange e da SFR, não se limitam a reiterar os fundamentos invocados em primeira instância, visando, na realidade, uma parte essencial da fundamentação do acórdão recorrido, designadamente os n.os 108 a 111 deste, e que, por isso, são admissíveis.

90

Quanto à justeza destes argumentos, é de lembrar que o Tribunal de Primeira Instância concluiu, no n.o 108 do acórdão recorrido, que a Directiva 97/13 e a Decisão n.o 128/1999 deixam aos Estados-Membros uma margem de apreciação quanto à escolha do procedimento de atribuição das licenças, desde que sejam respeitados os princípios da livre concorrência e da igualdade de tratamento.

91

O Tribunal de Primeira Instância deduziu desta conclusão, sem ser contestado neste particular pelas recorrentes, que os Estados-Membros podiam optar por um processo de selecção comparativa, dado que o essencial é que aos operadores seja aplicado o mesmo tratamento, nomeadamente em matéria de taxas.

92

No caso presente, as autoridades francesas, na aplicação da referida margem de apreciação, decidiram atribuir licenças UMTS mediante, precisamente, um processo de selecção comparativa. Como realçou o Tribunal de Primeira Instância no n.o 12 do acórdão recorrido, foi apenas devido ao insucesso parcial do primeiro concurso, que não tinha permitido conceder o número de licenças suficiente para garantir uma verdadeira concorrência no mercado dos serviços de telecomunicações, que estas autoridades se viram na necessidade de procurar outros candidatos a licença.

93

Ora, nessa situação, apresentavam-se três opções às ditas autoridades, como as próprias recorrentes admitem, a saber, recomeçar o processo ab initio, lançar um novo concurso complementar sem alterar retroactivamente o montante das taxas UMTS devidas pela Orange e a SFR, ou ainda abrir um novo concurso acompanhado de uma alteração retroactiva das referida taxas.

94

Nas circunstâncias do caso vertente, como o Tribunal de Primeira Instância considerou no n.o 141 do acórdão recorrido, a opção pelo recomeço ab initio do processo teria comprometido o respeito da data de 1 de Janeiro de 2002, fixada no artigo 3.o, n.o 1, da Decisão n.o 128/1999, como sendo a data em que a Directiva 97/13 devia ser aplicada pelos Estados-Membros no que se refere à introdução coordenada e progressiva dos serviços UMTS no seu território. Do mesmo modo, como o Tribunal de Primeira Instância referiu correctamente nos n.os 144 e 145 do dito acórdão, a opção que consistia em exigir à Orange e à SFR o pagamento de taxas largamente superiores às pedidas à Bouygues Télécom, quando nenhum dos três operadores tinha ainda, por razões que não dependiam unicamente da sua vontade, acedido ao mercado, sendo as características dessas licenças idênticas, teria constituído uma discriminação em prejuízo da Orange e da SFR.

95

Por outras palavras, a aplicação de uma destas duas opções não teria permitido às autoridades francesas cumprir as exigências do direito comunitário.

96

Nestas condições, no âmbito da opção finalmente seleccionada pelas referidas autoridades, tornava-se inevitável a renúncia aos créditos em causa, resultante da medida de alinhamento retroactivo das taxas UMTS devidas pela Orange e a SFR pelas impostas à Bouygues Télécom.

97

Com efeito, só esta opção era susceptível, à época dos factos, por um lado, de reduzir os riscos de um lançamento tardio dos serviços UMTS, uma vez que permitia assegurar que pelo menos duas licenças fossem atribuídas na data prevista no artigo 3.o, n.o 1, da Decisão n.o 128/1999. Por outro, esta opção permitia também excluir que os três operadores sofressem uma discriminação, tendo em conta que o alinhamento das taxas tinha por objectivo preciso atender à circunstância de que, no momento da atribuição da licença à Bouygues Télécom, nenhum dos três operadores tinha ainda, por razões independentes da sua vontade, acedido ao mercado, pelo que a sua situação era, por esse motivo, comparável.

98

Daqui resulta que, nestas circunstâncias, o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito ao decidir que o enquadramento comunitário dos serviços de telecomunicações, e designadamente o princípio da não discriminação, exigia que as autoridades francesas alinhassem as taxas devidas pela Orange e a SFR pelas devidas pela Bouygues Télécom.

99

Por conseguinte, há que julgar parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente a primeira parte do quarto fundamento.

100

Devendo esta primeira parte ser afastada, daí resulta que a segunda parte do quarto fundamento deve ser julgada inoperante.

101

Efectivamente, há que recordar que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, a qualificação do auxílio exige que todas as condições a que se refere o artigo 87.o, n.o 1, do Tratado estejam preenchidas (v. acórdão de 15 de Julho de 2004, Pearle e o., C-345/02, Colect., p. I-7139, n.o 32 e jurisprudência referida).

102

O artigo 87.o, n.o 1, CE enuncia quatro condições cumulativas. Em primeiro lugar, deve tratar-se de uma intervenção do Estado ou por meio de recursos de Estado. Em segundo lugar, essa intervenção deve ser susceptível de afectar as trocas comerciais entre os Estados-Membros. Em terceiro lugar, deve atribuir uma vantagem ao seu beneficiário. Em quarto lugar, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (acórdão Pearle e o., já referido, n.o 33 e jurisprudência referida).

103

Ora, como resulta da análise da primeira parte do quarto fundamento, o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito, quando, no n.o 111 do acórdão recorrido, entendeu que, no caso concreto, a renúncia aos recursos de Estado não era susceptível de caracterizar a existência de um auxílio de Estado, na medida em que a renúncia aos créditos sobre a Orange e a SFR era inevitável por força da economia do sistema.

104

Daí que, no caso presente, não se verifica a primeira das condições mencionadas no n.o 102 do presente acórdão, necessárias para demonstrar a existência de um auxílio de Estado.

105

Por conseguinte, a segunda parte do quarto fundamento, relativo à existência de uma vantagem a favor da Orange e da SFR, não é, em todo o caso, susceptível de afectar a justeza da conclusão do Tribunal de Primeira Instância quanto à inexistência, no caso presente, de um auxílio de Estado.

Quanto à terceira parte do quarto fundamento

— Argumentos das partes

106

Na terceira parte do quarto fundamento, as recorrentes alegam que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito na aplicação do princípio da não discriminação.

107

Desde logo, sustentam que a Orange e a SFR, por um lado, e a Bouygues Télécom, por outro, não se encontravam na mesma situação no momento em que se procedeu ao alinhamento das taxas, uma vez que as licenças UMTS foram emitidas para o exercício de uma actividade em datas diferentes. Além disso, a modificação dos critérios de atribuição das licenças era juridicamente impossível, à luz quer do princípio da intangibilidade destas no âmbito de um processo de concorrência quer da Directiva 97/13. Por último, o respeito dos objectivos prescritos pelas directivas comunitárias, designadamente pela Directiva 97/13, não figura entre as derrogações taxativamente enumeradas no artigo 87.o, n.o 2, CE.

108

Em contrapartida, de acordo com a Orange e a Comissão, as três empresas a quem foram atribuídas licenças UMTS encontravam-se de facto na mesma situação, não tendo a Orange e a SFR beneficiado materialmente destas licenças. Nestas condições, o princípio da não discriminação impunha, inevitavelmente, o alinhamento retroactivo das taxas. De todo o modo, a Orange contesta a admissibilidade desta parte do quarto fundamento na medida em que a aplicação do princípio da não discriminação tinha já sido contestada, com base nos mesmos argumentos, no Tribunal de Primeira Instância.

109

Quanto à licitude da alteração das condições de atribuição das licenças, por um lado, a Comissão realça que o Tribunal de Primeira Instância observou que o referido princípio da intangibilidade não consta da Directiva 97/13 nem de nenhuma outra disposição aplicável do direito comunitário. De todo o modo, de acordo com a Orange, tal princípio não é susceptível de pôr em causa o dever de respeitar o princípio da não discriminação. Por outro lado, no entender da Comissão, da SFR e da Orange, a possibilidade de alterar as condições de atribuição das licenças está expressamente prevista na Directiva 97/13. A República Francesa alega, a este respeito, que essa alteração era não só possível mas mesmo obrigatória, na acepção do artigo 11.o, n.o 2, da referida directiva, segundo o qual as taxas deviam ser não discriminatórias.

110

Por último, a Comissão, a República Francesa, a SFR e a Orange defendem que o Tribunal de Primeira Instância não considerou a Directiva 97/13 como uma derrogação, a acrescer às já previstas no artigo 87.o, n.o 2, CE, à proibição de auxílios incompatíveis visada no n.o 1 do mesmo artigo. Ao invés, o Tribunal referiu-se a esta directiva apenas para proporcionar uma base jurídica à impossibilidade de qualificar de auxílio de Estado a medida de alinhamento das taxas.

— Apreciação do Tribunal de Justiça

111

No que se refere, antes de mais, ao argumento das recorrentes segundo o qual o Tribunal de Primeira Instância considerou erradamente que a Orange e a SFR, por um lado, e a Bouygues Télécom, por outro, se encontravam na mesma situação, há que referir que, contrariamente ao sustentado pela Orange, este argumento é admissível.

112

A este propósito, importa recordar que, quando um recorrente contesta a interpretação ou a aplicação do direito comunitário feita pelo Tribunal de Primeira Instância, as questões de direito examinadas em primeira instância podem ser de novo discutidas no âmbito de um recurso de anulação (v. acórdão de 13 de Julho de 2000, Salzgitter/Comissão, C-210/98 P, Colect., p. I-5843, n.o 43). Com efeito, se um recorrente não pudesse basear o seu recurso em fundamentos e argumentos já utilizados no Tribunal de Primeira Instância, o processo de recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância ficaria privado de uma parte do seu sentido (v., designadamente, acórdão de , Interporc/Comissão, C-41/00 P, Colect., p. I-2125, n.o 17, e despacho Martinez/Parlamento, já referido, n.o 39).

113

Ora, o argumento relativo à identidade da situação dos três operadores em causa responde a essas exigências, na medida em que visa, precisamente, contestar a análise dessa situação feita pelo Tribunal de Primeira Instância à luz do princípio da não discriminação.

114

Quanto ao mérito, importa realçar que, como lembram correctamente as recorrentes, de acordo com jurisprudência assente, uma discriminação só pode consistir na aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou na aplicação da mesma regra a situações diferentes (acórdãos de 14 de Fevereiro de 1995, Schumacker, C-279/93, Colect., p. I-225, n.o 30, e de , Laval un Partneri, C-341/05, Colect., p. I-11767, n.o 115).

115

No caso presente, a anterioridade das licenças UMTS atribuídas à Orange e à SFR só poderia justificar, ou mesmo exigir, a fixação de taxas correspondentes, num montante superior ao da taxa devida pela Bouygues Télécom, se o valor económico destas licenças pudesse ser considerado, pelo simples facto dessa anterioridade, como superior ao da licença atribuída à última sociedade.

116

Todavia, é indiscutível que tal não se verifica no presente caso.

117

Com efeito, o Tribunal de Primeira Instância constatou, no n.o 116 do acórdão recorrido, que a Orange e a SFR não puderam utilizar as licenças que lhes tinham sido atribuídas.

118

Ora, como o Tribunal de Primeira Instância recordou correctamente nos n.os 100 e 110 do acórdão recorrido, embora seja verdade, é certo, que uma licença tem um valor económico, este valor depende do momento de acesso ao mercado de cada um dos operadores em causa (v., igualmente, acórdão de 22 de Maio de 2003, Connect Austria, C-462/99, Colect., p. I-5197, n.o 93).

119

Por outras palavras, o valor económico de uma licença resulta, em especial, da possibilidade de que dispõe o respectivo titular de invocar os direitos decorrentes da referida licença, a saber, no caso concreto, a possibilidade de ocupar o domínio público hertziano com vista à exploração da tecnologia UMTS.

120

Ora, como o Tribunal de Primeira Instância observou no referido n.o 116 do acórdão recorrido, sem ser contestado pelas recorrentes no âmbito do presente recurso, é pacífico que, à data da atribuição da licença à Bouygues Télécom, em 3 de Dezembro de 2002, a Orange e a SFR ainda não tinham podido lançar os seus serviços UMTS e, portanto, explorar as respectivas licenças, devido a razões alheias à sua vontade, a saber, problemas ligados à tecnologia UMTS e um contexto económico pouco favorável ao seu desenvolvimento. Por conseguinte, o valor económico das licenças atribuídas à Orange e à SFR não podia, pelo simples facto da sua anterioridade, ser superior ao da licença concedida à Bouygues Télécom.

121

Além disso, nos n.os 119 a 121 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância afastou igualmente, sem que as recorrentes ponham em causa tal apreciação no âmbito do presente recurso, os argumentos destas no sentido de demonstrar que a anterioridade da atribuição das licenças à Orange e à SFR lhes tinha proporcionado vantagens no que se refere à apropriação de locais, à imagem de marca e à conquista de quotas de mercado.

122

Por conseguinte, o facto de as licenças terem sido atribuídas em datas diferentes aos três operadores em causa não permite considerar que estes, à data da atribuição da licença à Bouygues Télécom, se encontravam numa situação diferente em relação ao objectivo da Directiva 97/13, a saber, o de assegurar que os operadores acedam ao mercado UMTS nas mesmas condições.

123

Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito ao considerar que os três operadores em causa se encontravam na mesma situação.

124

No que toca, seguidamente, à alegada existência de um princípio da intangibilidade dos critérios de atribuição, há que observar que, por um lado, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, o Tribunal de Justiça, no n.o 60 do acórdão de 7 de Dezembro de 2000, Telaustria e Telefonadress (C-324/98, Colect., p. I-10745), limitou-se a confirmar que as entidades adjudicantes estão obrigadas a respeitar o princípio da não discriminação, mesmo quando celebram contratos que estão excluídos do âmbito de aplicação da Directiva 93/38/CEE do Conselho, de , relativa à coordenação dos processos de celebração de contratos nos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações (JO L 199, p. 84), sem, de qualquer modo, estabelecer a existência desse princípio da intangibilidade.

125

Por outro lado, como salientou a advogada-geral no n.o 192 das suas conclusões, resulta do artigo 11.o, n.o 2, da Directiva 97/13 que o montante das taxas deve levar em conta a necessidade de promover o desenvolvimento dos serviços inovadores e da concorrência. Ora, no caso presente, não oferece contestação que se as autoridades francesas não tivessem adoptado a medida de alinhamento das taxas UMTS, ficariam expostas a um risco sério de retirada das candidaturas da Orange e da SFR. Por conseguinte, foi precisamente com vista a garantir o desenvolvimento da concorrência que as taxas devidas pelas duas primeiras empresas foram alteradas para as alinhar pelas da Bouygues Télécom.

126

Por último, também não procede o argumento segundo o qual o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao considerar que a Directiva 97/13 introduziu uma derrogação ao artigo 87.o, n.o 1, CE, que acresce às taxativamente enunciadas no n.o 2 do mesmo artigo.

127

Com efeito, como observou a advogada-geral no n.o 196 das suas conclusões, importa lembrar que o artigo 87.o, n.o 2, CE enuncia as derrogações à regra da incompatibilidade dos auxílios de Estado com o Tratado.

128

Ora, ao concluir, à luz nomeadamente da Directiva 97/13, que a medida de alinhamento das taxas devidas pela Orange e a SFR pelas cobradas à Bouygues Télécom não constituía um auxílio de Estado, o Tribunal de Primeira Instância não podia ampliar o conteúdo do artigo 87.o, n.o 2, CE, dado esta disposição apenas se aplicar às medidas que constituem, precisamente, um auxílio de Estado.

129

Nenhuma das três partes do quarto fundamento sendo susceptível de ser acolhida, deve este ser julgado improcedente.

Quanto ao terceiro fundamento, relativo a erros cometidos na qualificação jurídica dos factos

130

O terceiro fundamento invocado pelas recorrentes, relativo a erros alegadamente cometidos pelo Tribunal de Primeira Instância na qualificação jurídica dos factos, está também dividido em três partes.

131

A República Francesa e a SFR contestam, a título preliminar, a admissibilidade deste fundamento na medida em que visa, em cada uma das suas partes, criticar a apreciação dos factos feita pelo Tribunal de Primeira Instância.

Quanto à primeira parte do terceiro fundamento

— Argumentos das partes

132

Na primeira parte do seu terceiro fundamento, as recorrentes alegam que, ao qualificar como processo único os dois processos sucessivos de atribuição das licenças UMTS, o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro na qualificação jurídica dos factos. Em especial, nos termos do artigo 11.o da Directiva 97/13, o Tribunal de Primeira Instância dever-se-ia ter limitado à análise das modalidades de organização material do procedimento e deveria por isso ter concluído que se tratava, efectivamente, de dois procedimentos distintos. Ora, foi com base neste erro que o Tribunal de Primeira Instância concluiu erradamente pela não discriminação, ao considerar que a situação das três empresas a quem foram atribuídas as referidas licenças era semelhante, quando, na realidade, era diferente.

133

A Comissão, a título principal, e a República Francesa, a SFR e a Orange, a título subsidiário, entendem que o Tribunal de Primeira Instância podia considerar que o procedimento de atribuição das licenças UMTS tinha constituído, na realidade, um procedimento único. A este respeito, o referido Estado-Membro, a SFR e a Orange observam que a referência ao artigo 11.o da Directiva 97/13 não é pertinente no presente caso.

134

De todo o modo, no entender da Comissão, esta parte do fundamento é inoperante, uma vez que o carácter único do procedimento não foi determinante para a apreciação do respeito do princípio da igualdade de tratamento pelo Tribunal de Primeira Instância, tendo este tomado em consideração não só as modalidades de organização do concurso mas também os efeitos deste. Além disso, a Comissão afirma que o princípio da não discriminação deve ser aplicado considerando globalmente os dois concursos sucessivos.

135

A SFR considera que o Tribunal de Primeira Instância interpretou correctamente o princípio da igualdade de tratamento ao basear-se no contexto do mercado emergente de UMTS e ao considerar que nenhum dos operadores em causa tinha acedido a esse mercado.

136

Por último, a Comissão alega que, no quadro de um novo procedimento de atribuição, seriam atribuídas licenças UMTS em condições idênticas, aos mesmos operadores.

— Apreciação do Tribunal de Justiça

137

Importa recordar que resulta dos artigos 225.o CE e 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça que o recurso para o Tribunal de Justiça de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância é limitado às questões de direito. Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância somente tem competência para apurar a matéria de facto, excepto no caso de a inexactidão material das suas conclusões resultar dos documentos dos autos que lhe foram apresentados, e para apreciar esses factos. Salvo no caso de desvirtuação dos elementos de prova produzidos perante o Tribunal de Primeira Instância, a apreciação da matéria de facto não constitui uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça (acórdãos de 2 de Março de 1994, Hilti/Comissão, C-53/92 P, Colect., p. I-667, n.o 42; de , Moccia Irme e o./Comissão, C-280/99 P a C-282/99 P, Colect., p. I-4717, n.o 78; e de , Wunenburger/Comissão, C-362/05 P, Colect., p. I-4333, n.o 66).

138

Ora, no caso presente, importa realçar que o Tribunal de Primeira Instância, a fim de concluir pela unicidade do procedimento, não aplicou minimamente, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, o artigo 11.o da Directiva 97/13, o qual, aliás, não fornece nenhum critério jurídico para apreciar se um procedimento de atribuição de licenças é único ou compreende várias fases sucessivas. Na realidade, limitou-se a declarar, por um lado, no n.o 11 do acórdão recorrido, que o procedimento de atribuição de licenças tinha por objectivo conceder quatro licenças e, por outro, nos n.os 12, 14 e 15 do mesmo acórdão, que, uma vez que as autoridades francesas não tinha alcançado este objectivo inicial, que era atribuir essas quatro licenças, procederam à abertura de um «concurso complementar».

139

Foi no âmbito da apreciação que fez destas circunstâncias que o Tribunal de Primeira Instância deduziu, no n.o 134 do acórdão recorrido, que, «apesar das suas modalidades de organização material, o procedimento de atribuição das licenças UMTS, iniciado no mês de Julho de 2000 pelas autoridades francesas, constituiu, na realidade, um procedimento único».

140

Nestas condições, saber se as referidas autoridades organizaram um único ou dois procedimentos é uma questão que tem a ver com a apreciação dos factos feita pelo Tribunal de Primeira Instância, e não, como sustentam as recorrentes, uma questão de direito ligada à qualificação jurídica desses factos à luz do artigo 11.o da Directiva 97/13.

141

Não tendo as recorrentes alegado que o Tribunal de Primeira Instância desvirtuou factos ou elementos de prova que lhe tinham sido apresentados, a primeira parte do terceiro fundamento deve, por conseguinte, ser julgada inadmissível.

Quanto à segunda parte do terceiro fundamento

— Argumentos das partes

142

Na segunda parte do terceiro fundamento, as recorrentes criticam o Tribunal de Primeira Instância por ter cometido um erro na qualificação jurídica dos factos, ao considerar que os créditos em causa, aos quais o Estado francês renunciou, eram incertos.

143

A este respeito, as recorrentes alegam, por um lado, que as licenças UMTS foram emitidas para a Orange e a SFR por dois decretos de 18 de Julho de 2001, ou seja, posteriormente ao termo do prazo no qual podia ser exercida a faculdade de retirada das candidaturas, tendo este prazo terminado em . Sustentam, por outro lado, que a mera faculdade de os operadores renunciarem aos lucros da sua licença não permite concluir que os créditos em causa eram incertos, uma vez que, de acordo com jurisprudência assente, um crédito apenas é incerto quando a sua existência está condicionada pela ocorrência de um acontecimento futuro e eventual ou pela realização de uma condição suspensiva.

144

Ao invés, a Comissão, a República Francesa, a SFR e a Orange entendem que os referidos créditos eram incertos.

145

Sustentam em particular que, sem as garantias de acordo com as quais a Orange e a SFR seriam objecto de um tratamento equitativo, constantes dos ofícios ministeriais de 22 de Fevereiro de 2001, estas duas sociedades teriam provavelmente retirado as suas candidaturas, dado que nessa data não tinha ainda terminado o prazo para o exercício dessa faculdade. Além disso, no entender da Comissão, os ditos créditos, antes da atribuição das licenças às referidas sociedades pelos decretos de , não eram ainda exigíveis.

146

A Orange acrescenta que, no que toca a autorizações de ocupação do domínio público, a faculdade de retirada mantinha-se após 31 de Maio de 2001, uma vez que os contemplados com as licenças podiam renunciar a estas a qualquer momento e, por conseguinte, deixar de pagar as respectivas taxas.

147

Em todo o caso, de acordo com a Comissão, a República Francesa e a Orange, esta segunda parte do terceiro fundamento é inoperante na medida em que é dirigida contra um fundamento supérfluo do acórdão recorrido, dado que o Tribunal de Primeira Instância também baseou a sua apreciação de acordo com a qual a renúncia aos créditos em causa não constituía um auxílio de Estado em fundamentos que têm a ver com a excepção relativa à economia do sistema.

— Apreciação do Tribunal de Justiça

148

Importa recordar que as acusações contra um fundamento supérfluo de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância não podem conduzir à anulação desta decisão e são, portanto, inoperantes (v., designadamente, acórdão de 28 de Junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C-189/02 P, C-202/02 P, C-205/02 P a C-208/02 P e C-213/02 P, Colect., p. I-5425, n.o 148 e jurisprudência referida).

149

Ora, por um lado, como realçou a advogada-geral no n.o 131 das suas conclusões, embora o Tribunal de Primeira Instância, no n.o 106 do acórdão recorrido, tenha reconhecido que as autoridades francesas tinham, no caso concreto, renunciado a recursos de Estado numa proporção significativa, observando, no entanto, que estes apresentavam carácter incerto, a verdade é que este Tribunal, no n.o 111 do mesmo acórdão, decidiu que «a circunstância de o Estado ter renunciado a recursos e de daí ter podido resultar uma vantagem para os beneficiários da redução da taxa não é suficiente para determinar a existência de um auxílio de Estado incompatível com o mercado comum, tendo em conta todas as especificidades do direito comunitário das telecomunicações, face ao direito comum dos auxílios de Estado. Com efeito, a renúncia do crédito aqui em causa era inevitável por força da economia do sistema, para além do facto […] de o referido crédito não ser certo».

150

Há, por outro lado, que recordar que, pelas razões expostas nos n.os 87 a 95 do presente acórdão, improcede o fundamento das recorrentes dirigido contra a fundamentação do acórdão recorrido e relativo à justificação baseada na natureza e na economia do sistema no que se refere à renúncia a recursos de Estado.

151

Nestas condições, mesmo pressupondo que fosse admissível e fundamentada a afirmação das recorrentes de que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao qualificar os créditos em causa como incertos, importa observar que esse erro, ainda que fosse demonstrado, não seria, em todo o caso, susceptível de infirmar a conclusão a que o Tribunal de Primeira Instância chegou no n.o 111 do acórdão recorrido.

152

Por conseguinte, há que rejeitar, por ser inoperante, a segunda parte do terceiro fundamento.

Quanto à terceira parte do terceiro fundamento

— Argumentos das partes

153

Na terceira parte do terceiro fundamento, as recorrentes alegam que o Tribunal de Primeira Instância desvirtuou o teor dos ofícios ministeriais de 22 de Fevereiro de 2001 ao enunciar que estes se referiam a uma promessa de «tratamento igualitário» com os outros operadores, quando, na realidade, a garantia visava um «tratamento equitativo». Ora, o compromisso ministerial de um tratamento equitativo não pode constituir uma promessa de alinhamento retroactivo do montante das taxas devidas pelos primeiros titulares de licenças UMTS pelo da licença atribuída posteriormente. Tal desvirtuação do teor dos ofícios em causa é de molde a viciar a totalidade do acórdão do Tribunal de Primeira Instância.

154

No entender da Comissão, este argumento é inadmissível devido ao facto de a questão da equivalência semântica dos termos «equidade» e «igualdade» constituir um argumento novo. A Orange entende também que este argumento é inadmissível, uma vez que põe em causa uma apreciação dos factos feita pelo Tribunal de Primeira Instância.

155

De todo o modo, a Comissão entende, à semelhança do que foi observado pela Orange a título subsidiário, que esta parte do terceiro fundamento é inoperante, dado que as promessas ministeriais não desempenharam um papel essencial nas constatações e no raciocínio do Tribunal de Primeira Instância.

156

A título subsidiário, a Comissão entende que as recorrentes não conseguiram refutar as conclusões do Tribunal de Primeira Instância, de acordo com as quais as duas titulares iniciais não beneficiaram, na realidade, de uma vantagem. Por seu turno, a República Francesa e a SFR defendem que está excluído que o Tribunal de Primeira Instância tenha desvirtuado o conteúdo dos referidos ofícios.

— Apreciação do Tribunal de Justiça

157

Como alegam a Comissão e a Orange, esta parte do terceiro fundamento é também inoperante.

158

Com efeito, resulta claramente dos n.os 153 e 154 do acórdão recorrido que o Tribunal de Primeira Instância baseou a sua apreciação da necessidade de as autoridades francesas de reduzirem as taxas devidas pela SFR e a Orange no princípio da igualdade de tratamento, como é exigido pela Directiva 97/13.

159

Por outras palavras, o Tribunal de Primeira Instância não considerou de maneira alguma que a medida de alinhamento das taxas era ditada pelas garantias de «tratamento equitativo» prestadas pelas referidas autoridades nos ofícios ministeriais de 22 de Fevereiro de 2001.

160

Por conseguinte, mesmo que se considerasse admissível e fundamentado o argumento das recorrentes segundo o qual o Tribunal de Primeira Instância desvirtuou manifestamente o conteúdo desses ofícios no que se refere às ditas garantias, não é menos certo que essa desvirtuação não teria, de todo o modo, consequência alguma a justeza do acórdão recorrido.

161

Assim, atenta a jurisprudência recordada no n.o 148 do presente acórdão, há que rejeitar esta terceira parte do terceiro fundamento.

162

Não sendo susceptível de ser acolhido nenhum dos quatro fundamentos invocados pelas recorrentes em apoio do presente recurso, deve a este ser negado provimento por ser parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

Quanto às despesas

163

Por força do disposto no artigo 69.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 118.o do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

164

Tendo a Comissão, a Orange e a SFR pedido a condenação das recorrentes e tendo estas sido vencidas, há que as condenar nas despesas da presente instância.

165

Por força do artigo 69.o, n.o 4, do referido regulamento, também aplicável por força do artigo 118.o do mesmo, os Estados-Membros intervenientes no litígio suportarão as suas próprias despesas. Por conseguinte, há que decidir que a República Francesa suportará as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A Bouygues SA e a Bouygues Télécom SA são condenadas nas despesas.

 

3)

A República Francesa suportará as suas próprias despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.