61999J0184

Acórdão do Tribunal de 20 de Setembro de 2001. - Rudy Grzelczyk contra Centre public d'aide sociale d'Ottignies-Louvain-la-Neuve. - Pedido de decisão prejudicial: Tribunal du travail de Nivelles - Bélgica. - Artigos 6.º, 8.º e 8.º-A do Tratado CE (que passaram, após alteração, a artigos 12.º CE, 17.º CE e 18.º CE) - Directiva 93/96/CEE do Conselho - Direito de residência dos estudantes - Legislação nacional que garante um mínimo de meios de subsistência, designado 'minimex, unicamente aos nacionais, às pessoas que beneficiam da aplicação do Regulamento (CEE) n.º 1612/68, aos apátridas e aos refugiados - Estudante estrangeiro que trabalhou para o seu sustento durante os primeiros anos dos estudos. - Processo C-184/99.

Colectânea da Jurisprudência 2001 página I-06193


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


1. Cidadania da União Europeia - Disposições do Tratado - Âmbito de aplicação pessoal - Nacional de um Estado-Membro que reside legalmente no território de outro Estado-Membro - Inclusão - Efeito - Gozo dos direitos associados ao estatuto de cidadão da União Europeia - Possibilidade de um cidadão da União que prossegue estudos universitários num Estado que não aquele de que é nacional invocar a proibição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade

[Tratado CE, artigos 6.° , 8.° e 8.° -A (que passaram, após alteração, a artigos 12.° CE, 17.° CE e 18.° CE)]

2. Livre circulação de pessoas - Direito de entrada e de permanência dos nacionais dos Estados-Membros - Directiva 93/96 - Condições exigidas para a emissão da autorização de residência - Regulamentação nacional que exige aos estudantes, nacionais dos Estados-Membros, condições de rendimentos de um determinado montante e que devem ser justificadas com documentos específicos - Inadmissibilidade - Possibilidade de o Estado-Membro de acolhimento tomar medidas para pôr termo à permanência de um estudante que recorreu à assistência social - Limites

(Directiva 93/96 do Conselho)

3. Direito comunitário - Princípios - Igualdade de tratamento - Discriminação em razão da nacionalidade - Prestação social que garante um mínimo de meios de subsistência - Legislação nacional que subordina, apenas quanto aos nacionais dos outros Estados-Membros, o benefício desta prestação à condição de inclusão no âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1612/68 - Inadmissibilidade

[Tratado CE, artigos 6.° e 8.° (que passaram, após alteração, a artigos 12.° CE e 17.° CE); Regulamento n.° 1612/68 do Conselho]

4. Questões prejudiciais - Interpretação - Efeitos no tempo dos acórdãos interpretativos - Efeito retroactivo - Limitação pelo Tribunal - Condições - Importância, para o Estado-Membro em causa, das consequências financeiras do acórdão - Critério não decisivo

[Tratado CE, artigo 177.° (actual artigo 234.° CE)]

Sumário


1. O estatuto de cidadão da União tende a ser o estatuto fundamental dos nacionais dos Estados-Membros que permite aos que entre estes se encontrem na mesma situação obter, independentemente da sua nacionalidade e sem prejuízo das excepções expressamente previstas a este respeito, o mesmo tratamento jurídico.

Um cidadão da União que reside legalmente no território do Estado-Membro de acolhimento pode invocar o artigo 6.° do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 12.° CE) em todas as situações que se incluam no domínio de aplicação ratione materiae do direito comunitário.

Estas situações compreendem nomeadamente as que se enquadram no exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado e as que se enquadram no exercício da liberdade de circular e de residir no território dos Estados-Membros conferida pelo artigo 8.° -A do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 18.° CE).

O facto de um cidadão da União prosseguir estudos universitários num Estado-Membro que não aquele de que é nacional não pode, por si só, privá-lo da possibilidade de invocar a proibição de qualquer discriminação em razão da nacionalidade, enunciada no artigo 6.° do Tratado. Com efeito, o Tratado da União Europeia introduziu a cidadania da União no Tratado e acrescentou à terceira parte do mesmo, título VIII, um capítulo 3 consagrado designadamente à educação e à formação profissional. Nada no texto do Tratado assim alterado permite considerar que os estudantes que sejam cidadãos da União, quando se desloquem para outro Estado-Membro para aí prosseguirem os estudos, sejam privados dos direitos conferidos pelo Tratado aos cidadãos da União. Além disso, o Conselho adoptou igualmente a Directiva 93/96 que prevê que os Estados-Membros reconhecerão o direito de residência a estudantes nacionais de um Estado-Membro que preencham determinadas condições.

( cf. n.os 31-33, 35-36 )

2. O artigo 1.° da Directiva 93/96, relativa ao direito de residência dos estudantes, não exige, entre as condições necessárias para obtenção do direito de residência, rendimentos de determinado montante nem requer que a existência dos mesmos seja comprovada através de documentos específicos. Apenas se faz referência a uma declaração ou a qualquer outro meio pelo menos equivalente que permita ao estudante garantir à autoridade nacional em causa que dispõe, para si próprio bem como, eventualmente, para o seu cônjuge e os seus filhos a cargo, de recursos que evitem que se tornem, durante a sua estadia, uma sobrecarga para a assistência social do Estado-Membro de acolhimento.

Esta interpretação não exclui, contudo, que o Estado-Membro de acolhimento considere que um estudante que recorreu à assistência social deixa de preencher os requisitos de que depende o seu direito de residência e adopte, com observância dos limites impostos a este respeito pelo direito comunitário, medidas quer para pôr termo à autorização de residência do referido nacional, quer para a não renovar. Contudo, essas medidas não podem em caso algum ser a consequência automática do recurso à assistência social do Estado-Membro de acolhimento por um estudante nacional de outro Estado-Membro.

Com efeito, a Directiva 93/96, aliás como as Directivas 90/354, relativa ao direito de residência, e 90/365, relativa ao direito de residência dos trabalhadores assalariados e não assalariados que cessaram a sua actividade profissional, admite, assim, uma determinada solidariedade financeira dos nacionais desse Estado-Membro com os dos outros Estados-Membros, designadamente se as dificuldades com que depara o beneficiário do direito de residência são de natureza temporária. Por outro lado, a situação financeira de um estudante pode alterar-se ao longo do tempo por razões independentes da sua vontade. A veracidade da sua declaração só pode, portanto, ser apreciada no momento em que é produzida.

( cf. n.os 40, 42-45 )

3. Os artigos 6.° e 8.° do Tratado CE (que passaram, após alteração, a artigos 12.° CE e 17.° CE) opõem-se a que o benefício de uma prestação social de um regime não contributivo, como um mínimo de meios de subsistência, dependa, no que respeita aos nacionais de Estados-Membros diferentes do Estado-Membro de acolhimento em cujo território os referidos nacionais residem legalmente, da condição de estes serem abrangidos pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1612/68, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade, quando nenhuma condição desta natureza se aplica aos nacionais do Estado-Membro de acolhimento.

( cf. n.° 46 e disp. )

4. A interpretação que o Tribunal de Justiça dá de uma disposição do direito comunitário limita-se a esclarecer e a precisar o significado e o alcance da mesma, tal como deveria ter sido entendida e aplicada desde o momento da sua entrada em vigor. Só a título excepcional o Tribunal de Justiça pode, em aplicação do princípio geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica comunitária, ser levado a limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar, para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas de boa fé, uma disposição que o Tribunal interpretou. As consequências financeiras que podem resultar para um Estado-Membro de um acórdão proferido a título prejudicial não justificam, por si sós, a limitação dos efeitos no tempo desse acórdão.

( cf. n.os 50-52 )

Partes


No processo C-184/99,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, pelo Tribunal du travail de Nivelles (Bélgica), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Rudy Grzelczyk

e

Centre public d'aide sociale d'Ottignies-Louvain-la-Neuve,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 6.° , 8.° e 8.° -A do Tratado CE (que passaram, após alteração, a artigos 12.° CE, 17.° CE e 18.° CE), bem como da Directiva 93/96/CEE do Conselho, de 29 de Outubro de 1993, relativa ao direito de residência dos estudantes (JO L 317, p. 59),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, C. Gulmann, M. Wathelet e V. Skouris, presidentes de secção, D. A. O. Edward (relator), P. Jann, L. Sevón, R. Schintgen e F. Macken, juízes,

advogado-geral: S. Alber,

secretário: D. Louterman-Hubeau, chefe de divisão,

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação do Centre public d'aide sociale d'Ottignies-Louvain-la-Neuve, por B. Liétar, advogado,

- em representação do Governo belga, por A. Snoecx, na qualidade de agente, assistida por C. Doutrelepont e M. Uyttendaele, advogados,

- em representação do Governo dinamarquês, por J. Molde, na qualidade de agente,

- em representação do Governo francês, por K. Rispal-Bellanger e C. Bergeot, na qualidade de agentes,

- em representação do Governo português, por L. Fernandes e A. C. Pedroso, na qualidade de agentes,

- em representação do Governo do Reino Unido, por R. Magrill, na qualidade de agente, assistida por P. Sales e J. Coppel, barristers,

- em representação do Conselho da União Europeia, por E. Karlsson e F. Anton, na qualidade de agentes,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por P. van Nuffel, na qualidade de agente,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações do Governo belga, representado por C. Doutrelepont, do Governo francês, representado por C. Bergeot, do Governo do Reino Unido, representado por K. Parker, QC, do Conselho, representado por E. Karlsson, e da Comissão, representada por M. Wolfcarius e D. Martin, na qualidade de agentes, na audiência de 20 de Junho de 2000,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 28 de Setembro de 2000,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por decisão de 7 de Maio de 1999, entrada no Tribunal de Justiça em 19 de Maio seguinte, o Tribunal du travail de Nivelles submeteu, nos termos do artigo 234.° CE, duas questões prejudiciais sobre a interpretação dos artigos 6.° , 8.° e 8.° -A do Tratado CE (que passaram, após alteração, a artigos 12.° CE, 17.° CE e 18.° CE), bem como da Directiva 93/96/CEE do Conselho, de 29 de Outubro de 1993, relativa ao direito de residência dos estudantes (JO L 317, p. 59).

2 Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio entre R. Grzelczyk e o Centre public d'aide sociale de Ottignies-Louvain-la-Neuve (a seguir «CPAS») a respeito da decisão do segundo de lhe retirar o benefício do pagamento do mínimo de meios de subsistência (a seguir «minimex»).

Legislação comunitária

3 O artigo 6.° , primeiro parágrafo, do Tratado dispõe:

«No âmbito de aplicação do presente Tratado, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade.»

4 O artigo 8.° do Tratado prevê:

«1. É instituída a cidadania da União.

É cidadão da União qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado-Membro.

2. Os cidadãos da União gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres previstos no presente Tratado.»

5 O artigo 8.° -A do Tratado tem a seguinte redacção:

«1. Qualquer cidadão da União goza do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros, sem prejuízo das limitações e condições previstas no presente Tratado e nas disposições adoptadas em sua aplicação.

2. O Conselho pode adoptar disposições destinadas a facilitar o exercício dos direitos a que se refere o número anterior; salvo disposição em contrário do presente Tratado, o Conselho delibera por unanimidade, sob proposta da Comissão, e após parecer favorável do Parlamento Europeu.»

6 O quarto considerando das Directivas 90/364/CEE do Conselho, de 28 de Junho de 1990, relativa ao direito de residência (JO L 180, p. 26), e 90/365/CEE do Conselho, de 28 de Junho de 1990, relativa ao direito de residência dos trabalhadores assalariados e não assalariados que cessaram a sua actividade profissional (JO L 180, p. 28), bem como o sexto considerando da Directiva 93/96 - que, no essencial, substituiu a Directiva 90/366/CEE do Conselho, de 28 de Junho de 1990, relativa ao direito de residência dos estudantes (JO L 180, p. 30), anulada pelo Tribunal de Justiça (acórdão de 7 de Julho de 1992, Parlamento/Conselho, C-295/90, Colect., p. I-4193) - referem que os beneficiários destas directivas não devem tornar-se uma sobrecarga injustificável para as finanças públicas do Estado-Membro de acolhimento.

7 Nos termos do artigo 1.° da Directiva 93/96:

«A fim de precisar as condições destinadas a facilitar o exercício do direito de residência e de garantir o acesso à formação profissional, de forma não discriminatória, de qualquer nacional de um Estado-Membro admitido num curso de formação profissional de outro Estado-Membro, os Estados-Membros reconhecerão o direito de residência a qualquer estudante nacional de um Estado-Membro que não goze desse direito com base noutra disposição de direito comunitário, bem como ao cônjuge e filhos a cargo, e que, por declaração, escolha do estudante ou por qualquer outro meio pelo menos equivalente, garanta à autoridade nacional competente dispor de recursos que evitem que se tornem, durante a sua estadia, uma sobrecarga para a assistência social do Estado-Membro de acolhimento, desde que o estudante esteja inscrito num estabelecimento homologado para nele seguir, a título principal, uma formação profissional, e que todo o agregado familiar disponha de um seguro de doença que cubra a totalidade dos riscos no Estado-Membro de acolhimento».

Legislação nacional

8 O artigo 1.° da Lei de 7 de Agosto de 1974, que institui o direito a um mínimo de meios de subsistência (Moniteur belge de 18 de Setembro de 1974, p. 11363), dispõe:

«1. Qualquer belga que tenha atingido a maioridade civil, que tenha a sua residência efectiva na Bélgica e não disponha de recursos suficientes nem esteja em condições de os obter seja através do seu esforço pessoal, seja por outros meios, tem direito a um mínimo de meios de subsistência.

O Rei determina o que se deve entender por residência efectiva.

Igual direito é reconhecido aos menores emancipados pelo casamento, bem como aos solteiros com um ou mais filhos a cargo.

2. O Rei pode, por decisão adoptada em Conselho de Ministros, alargar a aplicação da presente lei, nas condições por ele fixadas, a outras categorias de menores, bem como a pessoas que não possuam a nacionalidade belga.»

9 Nos termos do artigo 1.° do Decreto Real de 27 de Março de 1987 (Moniteur belge de 7 de Abril de 1987, p. 5086), que alarga o âmbito de aplicação da Lei de 7 de Agosto de 1974 a pessoas que não possuem a nacionalidade belga:

«O âmbito de aplicação da Lei de 7 de Agosto de 1974 que institui o direito a um mínimo de meios de subsistência é tornado extensivo às seguintes pessoas:

1° as que beneficiam da aplicação do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade;

2° os apátridas abrangidos pela Convenção relativa ao Estatuto dos Apátridas, assinada em Nova Iorque em 28 de Setembro de 1954 e aprovada pela Lei de 12 de Maio de 1960;

3° os refugiados na acepção do artigo 49.° da Lei de 15 de Dezembro de 1980 sobre o acesso ao território, residência, estabelecimento e expulsão de estrangeiros.»

O litígio no processo principal e as questões prejudiciais

10 Em 1995, R. Grzelczyk, de nacionalidade francesa, iniciou estudos universitários em educação física na Universidade Católica de Louvain-la-Neuve, vindo, por isso, residir para a Bélgica, Durante os três primeiros anos de estudos, suportou as despesas com o seu sustento, alojamento e estudos, exercendo vários pequenos trabalhos assalariados e obtendo facilidades de pagamento.

11 No início do seu quarto e último ano de estudos, requereu ao CPAS o pagamento do «minimex». No seu relatório, o CPAS salienta que R. Grzelczyk trabalhou bastante para pagar os seus estudos, mas que a elaboração de um relatório e o cumprimento do estágio de aprovação tornavam o último ano académico mais exigente que os anteriores. Por essa razão, e por decisão de 16 de Outubro de 1998, o CPAS atribuiu a R. Grzelczyk o benefício do «minimex», calculado à taxa designada «isolada», relativamente ao período de 5 de Outubro de 1998 a 30 de Junho de 1999.

12 O CPAS solicitou ao Estado belga o reembolso do montante do «minimex» pago a R. Grzelczyk. Dado que o ministério federal competente se recusou a proceder ao referido reembolso pelo facto de as condições legais exigidas para a concessão do «minimex», especialmente a condição da nacionalidade, não estarem reunidas, o CPAS, por decisão de 29 de Janeiro de 1999, revogou o benefício do «minimex» a R. Grzelczyk a partir de 1 de Janeiro de 1999, pelo seguinte motivo: «O interessado é um nacional da CEE inscrito como estudante».

13 R. Grzelczyk impugnou esta decisão no Tribunal du travail de Nivelles. Este órgão jurisdicional realça que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o «minimex» constitui uma vantagem social na acepção do artigo 7.° , n.° 2, do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77), e que, no direito belga, o benefício do «minimex» foi alargado às pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação deste regulamento. Recorda, contudo, que o CPAS entende que R. Grzelczyk não reúne as condições para requerer esta extensão do âmbito de aplicação do «minimex», dado que a sua condição de estudante não permite que seja considerado como trabalhador e a sua residência na Bélgica não resulta da aplicação do princípio da livre circulação dos trabalhadores. Por outro lado, o mesmo órgão jurisdicional, remetendo para o acórdão de 12 de Maio de 1998, Martínez Sala (C-85/96, Colect., p. I-2691), interroga-se sobre se os princípios da cidadania europeia e da não discriminação se opõem à aplicação da legislação nacional em causa no processo principal.

14 Nestas condições, o Tribunal du travail de Nivelles, tendo em conta a urgência da situação em que se encontrava R. Grzelczyk, por um lado, reconheceu a este o direito a um auxílio social sob a forma de auxílio material fixo em 20 000 BEF por mês, durante o período de 1 de Janeiro a 30 de Junho de 1999, e, por outro, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) O direito comunitário - mais especialmente os princípios da cidadania europeia e da não discriminação consagrados nos artigos 6.° e 8.° do Tratado que institui a Comunidade Europeia - opõe-se a que o direito a uma prestação social de um regime não contributivo, como o instituído pela Lei belga de 7 de Agosto de 1974 sobre o mínimo de meios de subsistência, seja reconhecido apenas aos nacionais dos Estados-Membros que beneficiam da aplicação do Regulamento (CEE) n.° 1612/68, de 15 de Outubro de 1968, e não a todos os cidadãos da União?

2) Subsidiariamente, os artigos 6.° e 8.° -A do Tratado e a Directiva [93/96], de 29 de Outubro de 1993, relativa ao direito de residência dos estudantes, devem ser interpretados no sentido de que permitem, quando o direito de residência tenha sido reconhecido, que o estudante seja ulteriormente excluído do direito às prestações de um regime não contributivo de prestações sociais, como o do mínimo de meios de existência, a cargo do país de acolhimento, e, em caso afirmativo, no sentido de que esta exclusão é geral e definitiva?»

Observações preliminares

15 As partes no processo principal, os Estados-Membros que apresentaram observações e a Comissão dedicaram uma parte substancial das suas observações escritas e das suas alegações à questão de saber se a circunstância de R. Grzelczyk ter desempenhado durante os seus três primeiros anos de estudos diversos trabalhos assalariados o inclui, enquanto trabalhador na acepção do direito comunitário, no âmbito de aplicação do Decreto Real de 27 de Março de 1987.

16 Resulta, porém, do despacho de reenvio que o órgão jurisdicional nacional subscreveu a análise do CPAS nos termos da qual R. Grzelczyk não reúne as condições para ser qualificado como trabalhador na acepção do direito comunitário. É à luz deste fundamento de facto e de direito que o órgão jurisdicional de reenvio se interroga quanto à compatibilidade da legislação belga aplicável na matéria com o direito comunitário, designadamente com os artigos 6.° , 8.° e 8.° -A do Tratado.

17 Nestas condições, cabe ao Tribunal de Justiça responder às questões do órgão jurisdicional nacional tal como foram submetidas e dentro dos limites definidos pelo mesmo órgão.

18 Compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar à luz, designadamente, das conclusões do advogado-geral se a matéria de facto e as circunstâncias do processo principal permitem considerar que R. Grzelczyk deve ou não ser qualificado como trabalhador na acepção do direito comunitário.

Quanto à primeira questão

19 Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, no essencial, saber se os artigos 6.° e 8.° do Tratado se opõem a que o benefício de uma prestação social de um regime não contributivo, como o «minimex», dependa, no que respeita aos nacionais de Estados-Membros diferentes do Estado-Membro de acolhimento no território do qual os mesmos residem legalmente, da condição de estes serem abrangidos pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1612/68, apesar de nenhuma condição dessa natureza se aplicar aos nacionais do Estado-Membro de acolhimento.

Observações apresentadas ao Tribunal

20 O CPAS alega que, no estado actual do direito comunitário, não se pode considerar que todos os cidadãos da União Europeia podem requerer o benefício de prestações sociais de um regime não contributivo, como o «minimex». Efectivamente, resulta claramente do artigo 8.° -A, n.° 1, do Tratado que esta disposição não tem efeito directo e que a sua aplicação deve sempre respeitar os limites constantes do Tratado e precisados pelo direito derivado. Ora, do direito derivado fazem designadamente parte as Directivas 90/364, 90/365 e 93/96 que fazem depender o exercício da liberdade de circulação do requisito de que seja demonstrado que a pessoa em causa dispõe de recursos suficientes e de uma cobertura social.

21 Os Governos belga e dinamarquês afirmam que a entrada em vigor dos Tratados da União Europeia e de Amsterdão não é susceptível de alterar esta interpretação. Em seu entender, a cidadania da União Europeia não implica que os cidadãos da mesma obtenham direitos novos e mais alargados do que os que já resultam do Tratado CE e do direito derivado. O princípio da cidadania da União não tem, assim, conteúdo autónomo, mas prende-se unicamente com as restantes disposições do mesmo Tratado.

22 O Governo francês considera que a ideia de alargar a todos os cidadãos da União o princípio da igualdade de tratamento em matéria de vantagens sociais, quando o benefício deste princípio está actualmente reservado apenas aos trabalhadores e aos membros das suas famílias, equivaleria a instituir uma igualdade global entre os cidadãos da União estabelecidos num Estado-Membro e os nacionais desse Estado, o que se mostra dificilmente conciliável à luz dos direitos relacionados com a nacionalidade.

23 Por seu lado, o Governo português salienta que, após a entrada em vigor do Tratado da União Europeia, os nacionais dos Estados-Membros já não são vistos pelo direito comunitário sobretudo como factores económicos numa comunidade de carácter essencialmente económico. No entender deste governo, a introdução da cidadania da União teve como consequência que as limitações e condições previstas pelo direito comunitário, das quais depende o exercício do direito de circular e de residir livremente no território dos Estados-Membros, não podem continuar a ser interpretadas como tendo em vista um direito de natureza meramente económica resultante do Tratado CE, mas respeitam apenas às excepções baseadas em razões de ordem pública, de segurança pública e de saúde pública. Além disso, se, a partir da entrada em vigor do Tratado da União Europeia, os nacionais dos Estados-Membros adquiriram a qualidade de cidadão da União e deixaram de ser considerados como agentes meramente económicos, daí resulta que a aplicação do Regulamento n.° 1612/68 deveria igualmente ser alargada a todos os cidadãos da União, tenham ou não a qualidade de trabalhadores na acepção do referido regulamento.

24 Remetendo para o acórdão Martínez Sala, já referido, o Governo do Reino Unido alega que, embora R. Grzelczyk seja objecto de uma discriminação em razão da sua nacionalidade, o artigo 6.° do Tratado CE não se aplica à sua situação, dado que qualquer eventual discriminação em relação ao mesmo é alheia ao âmbito de aplicação do Tratado. A disposição em causa não pode ter como efeito a caducidade dos limites do âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1612/68, isoladamente considerada ou conjugada com o artigo 8.° do Tratado.

25 O Governo belga acrescenta que, no processo principal, o recorrente reivindica o benefício do «minimex» apesar de este tipo de financiamento se situar fora do âmbito de aplicação do artigo 6.° do Tratado, bem como do dos artigos 126.° do Tratado CE (actual artigo 149.° CE) e 127.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 150.° CE). Efectivamente, um financiamento deste tipo constitui um instrumento de política social que não tem relação específica com o ensino profissional e que, no estado actual do direito comunitário, não é da competência da Comunidade.

26 A Comissão considera que os artigos 6.° e 8.° do Tratado devem ser interpretados no sentido de que atribuem aos cidadãos da União o direito de não sofrerem, no âmbito de aplicação ratione materiae do Tratado, discriminações efectuadas por um Estado-Membro em razão da nacionalidade, desde que a situação de cidadão da União implique um factor de vinculação permanente ao Estado-Membro em causa.

Apreciação do Tribunal

27 A fim de situar no seu contexto o problema jurídico suscitado no processo principal, deve recordar-se que, no seu acórdão de 27 de Março de 1985, Hoeckx (249/83, Recueil, p. 973), no qual estava em causa uma nacional neerlandesa desempregada que acabava de regressar à Bélgica, onde novamente requeria o benefício do «minimex», o Tribunal de Justiça decidiu que uma prestação social que garante, de modo geral, um mínimo de meios de subsistência, como a prevista na lei belga de 7 de Agosto de 1974, constitui uma vantagem social na acepção do Regulamento n.° 1612/68.

28 Na data dos factos no processo que deu lugar ao acórdão Hoeckx, já referido, beneficiavam do direito ao «minimex» todos os nacionais comunitários, devendo, contudo, os nacionais de outros Estados-Membros que não a Bélgica preencher o requisito suplementar de terem residido efectivamente no território deste Estado-Membro durante os cinco últimos anos que precediam a data da concessão do «minimex» (v. artigo 1.° do Decreto Real de 8 de Janeiro de 1976, Moniteur belge de 13 de Janeiro de 1976, p. 311). Foi o Decreto Real de 27 de Março de 1987, ao revogar o de 8 de Janeiro de 1976, que limitou o direito ao «minimex» relativamente aos nacionais dos outros Estados-Membros apenas aos beneficiários do Regulamento n.° 1612/68. A condição de residência, entretanto alterada, foi finalmente eliminada na sequência de uma acção por incumprimento proposta pela Comissão contra o Reino da Bélgica (v. acórdão de 10 de Novembro de 1992, Comissão/Bélgica, C-326/90, Colect., p. I-5517).

29 Resulta do processo que um estudante de nacionalidade belga que, sem ter a qualidade de trabalhador na acepção do Regulamento n.° 1612/68, se encontrasse em condições idênticas às de R. Grzelczyk, reuniria as condições necessárias para obter o benefício do «minimex». O facto de R. Grzelczyk não ser de nacionalidade belga constitui o único obstáculo à concessão do «minimex» ao mesmo e, por isso, é pacífico que se trata de uma discriminação apenas com base na nacionalidade.

30 No âmbito de aplicação do Tratado, uma discriminação deste tipo é, em princípio, proibida pelo artigo 6.° do mesmo. No caso vertente, este artigo deve ser lido em conjugação com as disposições do Tratado relativas à cidadania da União para apreciar o respectivo âmbito de aplicação.

31 Efectivamente, o estatuto de cidadão da União tende a ser o estatuto fundamental dos nacionais dos Estados-Membros que permite aos que entre estes se encontrem na mesma situação obter, independentemente da sua nacionalidade e sem prejuízo das excepções expressamente previstas a este respeito, o mesmo tratamento jurídico.

32 Conforme o Tribunal de Justiça decidiu no n.° 63 do acórdão Martínez Sala, já referido, um cidadão da União que reside legalmente no território do Estado-Membro de acolhimento pode invocar o artigo 6.° do Tratado em todas as situações que se incluam no domínio de aplicação ratione materiae do direito comunitário.

33 Estas situações compreendem nomeadamente as que se enquadram no exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado e as que se enquadram no exercício da liberdade de circular e de residir no território dos Estados-Membros conferida pelo artigo 8.° -A do Tratado (v. acórdão de 24 de Novembro de 1998, Bickel e Franz, C-274/96, Colect., p. I-7637, n.os 15 e 16).

34 É certo que o Tribunal de Justiça, no n.° 18 do acórdão de 21 de Junho de 1988, Brown (197/86, Colect., p. 3205), decidiu que, no estádio actual da evolução do direito comunitário, um auxílio para subsistência e formação concedido aos estudantes escapa, em princípio, ao âmbito de aplicação do Tratado CEE na acepção do seu artigo 7.° (actual artigo 6.° do Tratado CE).

35 Contudo, depois do acórdão Brown, já referido, o Tratado da União Europeia introduziu a cidadania no Tratado CE e acrescentou à terceira parte do mesmo, título VIII, um capítulo 3 consagrado designadamente à educação e à formação profissional. Nada no texto do Tratado assim alterado permite considerar que os estudantes que sejam cidadãos da União, quando se desloquem para outro Estado-Membro para aí prosseguirem os estudos, sejam privados dos direitos conferidos pelo Tratado aos cidadãos da União. Além disso, depois do acórdão Brown, já referido, o Conselho adoptou igualmente a Directiva 93/96 que prevê que os Estados-Membros reconhecerão o direito de residência a estudantes nacionais de um Estado-Membro que preencham determinadas condições.

36 O facto de um cidadão da União prosseguir estudos universitários num Estado-Membro que não aquele de que é nacional não pode, por si só, privá-lo da possibilidade de invocar a proibição de qualquer discriminação em razão da nacionalidade, enunciada no artigo 6.° do Tratado.

37 Esta proibição, conforme foi salientado no n.° 30 supra, deve ser lida no caso vertente em conjugação com o artigo 8.° -A, n.° 1, do Tratado, que proclama o «direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros, sem prejuízo das limitações e condições previstas no presente Tratado e nas disposições adoptadas em sua aplicação».

38 No que se refere a estas limitações e condições, resulta do artigo 1.° da Directiva 93/96 que os Estados-Membros podem exigir aos estudantes nacionais de um Estado-Membro que pretendam beneficiar do direito de residência no seu território, desde logo, que garantam à autoridade nacional em causa que dispõem de recursos que evitem que se tornem, durante a sua estadia, uma sobrecarga para a assistência social do Estado-Membro de acolhimento, em seguida, estejam inscritos num estabelecimento homologado para nele seguir, a título principal, uma formação profissional e, enfim, dispõem de um seguro de doença que cubra a totalidade dos riscos no Estado-Membro de acolhimento.

39 O artigo 3.° da Directiva 93/96 esclarece que a mesma não fundamenta o direito ao pagamento, pelo Estado-Membro de acolhimento, de bolsas de subsistência aos estudantes que beneficiem do direito de residência. Em contrapartida, nenhuma disposição da mesma directiva exclui das prestações sociais os seus beneficiários.

40 No que diz respeito mais em especial à questão dos recursos, o artigo 1.° da Directiva 93/96 não exige rendimentos de determinado montante nem requer que a existência dos mesmos seja comprovada através de documentos específicos. Apenas se faz referência a uma declaração ou a qualquer outro meio pelo menos equivalente que permita ao estudante garantir à autoridade nacional em causa que dispõe, para si próprio bem como, eventualmente, para o seu cônjuge e os seus filhos a cargo, de recursos que evitem que se tornem, durante a sua estadia, uma sobrecarga para a assistência social do Estado-Membro de acolhimento (acórdão de 25 de Maio de 2000, Comissão/Itália, C-424/98, Colect., p. I-4001, n.° 44).

41 Ao limitar-se a exigir uma declaração deste tipo, a Directiva 93/96 distingue-se das Directivas 90/364 e 90/365 que contêm indicações relativas ao montante mínimo dos rendimentos de que devem dispor os beneficiários destas duas últimas directivas. Estas diferenças explicam-se pelas particularidades da estadia dos estudantes em relação à dos beneficiários das Directivas 90/364 e 90/365 (v. acórdão Comissão/Itália, já referido, n.° 45).

42 Esta interpretação não exclui, contudo, que o Estado-Membro de acolhimento considere que um estudante que recorreu à assistência social deixa de preencher os requisitos de que depende o seu direito de residência e adopte, com observância dos limites impostos a este respeito pelo direito comunitário, medidas quer para pôr termo à autorização de residência do referido nacional, quer para a não renovar.

43 Contudo, essas medidas não podem em caso algum ser a consequência automática do recurso à assistência social do Estado-Membro de acolhimento por parte de um estudante nacional de outro Estado-Membro.

44 É certo que o artigo 4.° da Directiva 93/96 dispõe que o direito de residência continua a existir enquanto os beneficiários do mesmo preencherem os requisitos previstos no artigo 1.° da referida directiva. Todavia, resulta do sexto considerando da mesma que os beneficiários do direito de residência não devem tornar-se uma sobrecarga «injustificada» para as finanças públicas do Estado-Membro de acolhimento. A Directiva 93/96, aliás como as Directivas 90/354 e 90/365, admite, assim, uma determinada solidariedade financeira dos nacionais desse Estado-Membro com os dos outros Estados-Membros, designadamente se as dificuldades com que depara o beneficiário do direito de residência são de natureza temporária.

45 Por outro lado, a situação financeira de um estudante pode alterar-se ao longo do tempo por razões independentes da sua vontade. A veracidade da sua declaração só pode, portanto, ser apreciada no momento em que é produzida.

46 Resulta de tudo o que antecede que os artigos 6.° e 8.° do Tratado se opõem a que o benefício de uma prestação social de um regime não contributivo, como o «minimex», dependa, no que respeita aos nacionais de Estados-Membros diferentes do Estado-Membro de acolhimento em cujo território os referidos nacionais residem legalmente, da condição de estes serem abrangidos pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1612/68, quando nenhuma condição desta natureza se aplica aos nacionais do Estado-Membro de acolhimento.

Quanto à segunda questão

47 Tendo em conta a resposta dada à primeira questão e uma vez que a segunda questão foi submetida a título subsidiário, não é necessário dar resposta a esta.

Quanto aos efeitos no tempo do presente acórdão

48 Nas suas observações escritas, o Governo belga pede que o Tribunal de Justiça, caso considere que uma pessoa como o recorrente no processo principal pode beneficiar do «minimex», limite no tempo os efeitos do presente acórdão.

49 Em apoio deste pedido, o Governo belga alega que o acórdão do Tribunal de Justiça teria efeitos retroactivos que poriam em questão relações jurídicas estabelecidas de boa fé e em conformidade com o direito derivado. Mais em especial, o mesmo governo receia uma perturbação retroactiva dos sistemas de abonos sociais a favor de estudantes em consequência da alteração da própria economia do direito derivado resultante da nova interpretação do direito comunitário nos termos da qual um estudante pode invocar os artigos 6.° e 8.° do Tratado numa situação como a do processo principal. O princípio da segurança jurídica exige, por isso, uma limitação no tempo dos efeitos do acórdão.

50 Deve recordar-se que a interpretação que o Tribunal de Justiça dá de uma disposição do direito comunitário se limita a esclarecer e precisar o significado e o alcance da mesma, tal como deveria ter sido entendida e aplicada desde o momento da sua entrada em vigor (v. acórdãos de 11 de Agosto de 1995, Roders e o., C-367/93 a C-377/93, Colect., p. I-2229, n.° 42, e de 24 de Setembro de 1998, Comissão/França, C-35/97, Colect., p. I-5325, n.° 46).

51 Só a título excepcional o Tribunal de Justiça pode, em aplicação do princípio geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica comunitária, ser levado a limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar, para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas de boa fé, uma disposição que o Tribunal interpretou (v., designadamente, acórdão de 23 de Maio de 2000, Buchner e o., C-104/98, Colect., p. I-3625, n.° 39).

52 Além disso, é jurisprudência constante que as consequências financeiras que podem resultar para um Estado-Membro de um acórdão proferido a título prejudicial não justificam, por si sós, a limitação dos efeitos no tempo desse acórdão (v., designadamente, acórdão Buchner e o., já referido, n.° 41).

53 Efectivamente, o Tribunal de Justiça só recorreu a esta solução em circunstâncias bem precisas, quando, por um lado, existia um risco de repercussões económicas graves devidas em especial ao número elevado de relações jurídicas constituídas de boa fé com base na regulamentação considerada como estando validamente em vigor e que, por outro, se mostrava que os particulares e as autoridades nacionais tinham sido incitados a um comportamento não conforme à regulamentação comunitária em virtude de uma incerteza objectiva e importante quanto ao alcance das disposições comunitárias, incerteza para a qual tinham eventualmente contribuído os próprios comportamentos adoptados por outros Estados-Membros ou pela Comissão (v. acórdão Roders e o., já referido, n.° 43).

54 No caso presente, o Governo belga não invocou, em apoio do seu pedido de limitação no tempo dos efeitos do presente acórdão, qualquer elemento susceptível de demonstrar que uma incerteza objectiva e importante quanto ao alcance das disposições do Tratado sobre a cidadania da União, que entraram em vigor em 1 de Novembro de 1993, incitara as autoridades nacionais a um comportamento não conforme com estas disposições.

55 Por conseguinte, não há que limitar os efeitos no tempo do presente acórdão.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

56 As despesas efectuadas pelos Governos belga, dinamarquês, francês, português e do Reino Unido, bem como pelo Conselho e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Tribunal du travail de Nivelles, por decisão de 7 de Maio de 1999, declara:

Os artigos 6.° e 8.° do Tratado CE (que passaram, após alteração, a artigos 12.° CE e 17.° CE) opõem-se a que o benefício de uma prestação social de um regime não contributivo, como o mínimo de meios de subsistência previsto no artigo 1.° da Lei belga de 7 de Agosto de 1974, dependa, no que respeita aos nacionais de Estados-Membros diferentes do Estado-Membro de acolhimento em cujo território os referidos nacionais residem legalmente, da condição de estes serem abrangidos pelo âmbito de aplicação do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade, quando nenhuma condição desta natureza se aplica aos nacionais do Estado-Membro de acolhimento.