61995C0269

Conclusões do advogado-geral Ruiz-Jarabo Colomer apresentadas em 20 de Fevereiro de 1997. - Francesco Benincasa contra Dentalkit Srl. - Pedido de decisão prejudicial: Oberlandesgericht München - Alemanha. - Convenção de Bruxelas - Conceito de consumidor - Pacto atributivo de jurisdição. - Processo C-269/95.

Colectânea da Jurisprudência 1997 página I-03767


Conclusões do Advogado-Geral


1 O Oberlandesgericht München (Alemanha) coloca no presente processo três questões prejudiciais relativas à interpretação dos artigos 13._, 14._ e 17._ da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (1) (a seguir «Convenção de Bruxelas»), na redacção que lhe foi dada pela Convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte (2).

2 As questões prejudiciais, apresentadas em conformidade com o protocolo de 3 de Junho de 1971 relativo à interpretação pelo Tribunal de Justiça da Convenção de Bruxelas (3), versam sobre o conceito de contrato celebrado por um consumidor para efeitos do artigo 13._ da referida Convenção; sobre as vendas a prestações, na acepção do mesmo artigo, e sobre o foro competente para conhecer da impugnação de um pacto atributivo de jurisdição, previsto no artigo 17._ da citada Convenção.

Matéria de facto e tramitação processual do processo principal, de acordo com o despacho de reenvio

3 A Dentalkit Srl é uma sociedade com sede em Florença (Itália) que desenvolveu, em regime de franquia, uma cadeia de estabelecimentos especializados na venda de produtos de higiene dentária.

4 A Dentalkit e F. Benincasa, de nacionalidade italiana, celebraram em Florença, a 28 de Setembro de 1992, um contrato de franquia para abertura e exploração de um estabelecimento em Munique, cidade em que F. Benincasa afirmava ter o seu domicílio.

5 Por força da cláusula n._ 2 do contrato, a Dentalkit comprometeu-se, designadamente, a: a) autorizar a utilização da marca Dentalkit para identificação do estabelecimento; b) conceder exclusividade na utilização da marca Dentalkit numa área predeterminada, c) prestar a assistência necessária para a abertura do estabelecimento; d) fornecer a lista dos produtos; e) fornecer os bens; f) prestar assistência para a distribuição dos produtos; g) proporcionar as informações e conhecimentos técnico-comerciais de que dispõe; h) prestar assistência no estudo de iniciativas publicitárias e de promoção local; i) fornecer determinado material gráfico; l) assegurar um curso de preparação teórica e prática; m) desenvolver à escala nacional uma campanha publicitária de promoção; n) não abrir outro estabelecimento na zona objecto da concessão exclusiva.

6 Por seu lado, F. Benincasa comprometeu-se, de acordo com a cláusula n._ 3 do contrato, ao cumprimento das seguintes obrigações: a) obter a inscrição no registo comercial e respectivas autorizações; b) obter a disponibilidade do local durante a duração do contrato; c) arranjar o estabelecimento de acordo com as regras seguidas nos demais estabelecimentos Dentalkit já existentes; d) vender exclusivamente os produtos fornecidos pela Dentalkit e manter stocks adequados dos mesmos; e) assinalar a oportunidade de introduzir novos produtos da linha de acordo com a gama oferecida; f) manter o local em condições correctas e oferecer ao público um serviço qualificado e eficiente; g) utilizar os sinais distintivos de acordo com as indicações dadas pela Dentalkit, sem outras modificações; h) manter sigilo quanto às informações e documentação relativas ao «sistema Dentalkit»; i) efectuar, a expensas suas, campanhas publicitárias e de promoção local, previamente acordadas com a Dentalkit.

7 Por último, F. Benincasa comprometeu-se a pagar à Dentalkit um montante de 8 milhões de LIT, como contrapartida pelas despesas de assistência técnica-empresarial com a abertura do estabelecimento, e 3% do volume de negócios anual, como contrapartida pelo uso dos sinais distintivos concedidos em regime de exclusividade para a zona fixada, com exclusão dos doze primeiros meses de actividade comercial.

8 Para a celebração do contrato, cuja duração inicial era de três anos, prorrogáveis por recondução tácita, as partes assinaram um documento redigido em italiano, que é utilizado geralmente, para estes efeitos, pela Dentalkit.

9 F. Benincasa abriu o seu estabelecimento, pagou a quantia inicial de 8 milhões de LIT e efectuou diversas aquisições que, porém, não pagou. Entretanto cessou a sua actividade. Mais tarde, veio intentar no Landgericht München I uma acção contra Dentalkit, em que pedia:

a) a condenação da demandada a restituir-lhe 8 milhões de LIT, acrescidos de 12% de juros desde a data de notificação do pedido (27 de Dezembro de 1993);

c) a declaração de que o contrato de franquia, celebrado pelas partes em 28 de Setembro de 1992, era nulo e que, por conseguinte, os contratos de compra e venda celebrados ao abrigo deste também eram nulos.

10 A tese de F. Benincasa quanto à nulidade do contrato de franquia baseia-se, por um lado, em que tal contrato é contrário ao § 138 do BGB (código civil alemão) e, além disso, estabelece um período de vinculação superior a dois anos, sem respeitar o estabelecido na alínea a) do n._ 12 do § 11, em conjugação com o § 6 da lei alemã sobre condições gerais de contratação. Impugna também o contrato por erro, de acordo com o § 119 do BGB, e dolo, de acordo com o § 123 do BGB.

11 Dentalkit contestou o pedido solicitando a sua improcedência e, a título prévio, contestou a competência internacional e local do Landgericht München I, no qual tinha sido intentada a acção. Em sua opinião, por força do pacto atributivo de jurisdição acordado por ambas as partes (cláusula n._ 12 do contrato), os tribunais de Florença eram os únicos competentes para conhecer do litígio.

12 Em resposta a esta excepção, F. Benincasa alegou, em resumo:

a) que o Landegericht München I era o tribunal do lugar do cumprimento da obrigação, na acepção do ponto 1 do artigo 5._ da Convenção de Bruxelas;

b) que o pacto atributivo de jurisdição em favor dos tribunais de Florença não justificava qualquer excepção de competência para conhecer do pedido, já que o que pretende é que seja declarada a nulidade de todo o contrato, ou seja, igualmente da referida cláusula;

c) que, além disso, os artigos 13._, primeiro parágrafo, ponto 1, e 14._, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas se opõem à aplicação do pacto atributivo de jurisdição, de modo que, de acordo com o n._ 3 do artigo 17._ em conjugação com o artigo 15._ da Convenção de Bruxelas, a referida cláusula não produz efeitos.

13 Como fundamento desta última alegação, F. Benincasa afirma que, no momento da celebração do contrato de franquia, ainda não tinha iniciado uma actividade comercial, pelo que devia ser considerado um consumidor na acepção do primeiro parágrafo do artigo 13._ da Convenção de Bruxelas. Isso mesmo resultaria de uma interpretação teleológica da referida norma, à luz do objectivo, traçado pelo Tratado CE, de garantir uma elevada protecção do consumidor final.

14 Por decisão de 19 de Julho de 1993, o Landgericht München I acolheu a excepção deduzida pela Dentalkit e, por conseguinte, declarou o pedido inadmissível, por falta de competência internacional.

15 A decisão do Landgericht München I considerou, portanto, válido o pacto atributivo de jurisdição constante do contrato de franquia e, em conformidade com o artigo 17._ da Convenção de Bruxelas, reconheceu a competência dos tribunais de Florença.

16 A decisão negou tratar-se de um contrato celebrado por um consumidor, o que redundou na não oponibilidade do artigo 13._ da Convenção de Bruxelas, neste caso, ao pacto atributivo de jurisdição. Quer pelo próprio teor literal do primeiro parágrafo do artigo 13._ da Convenção de Bruxelas, quer pelo seu sentido, um contrato em virtude do qual se cria uma situação profissional ou empresarial tem que considerar-se celebrado para um uso relacionado com a actividade profissional.

17 No entender do Landgericht München I, os demais efeitos da aplicação da lei alemã sobre crédito ao consumo são irrelevantes para a interpretação do artigo 13._ da Convenção de Bruxelas, que deve ser interpretada de forma autónoma. Finalmente, no contrato em análise, faltariam os demais requisitos próprios de um contrato celebrado pelos consumidores.

18 F. Benincasa interpôs recurso da decisão de primeira instância, a cuja procedência se opõe Dentalkit. No recurso, ambas as partes repetiram, basicamente, as suas alegações sobre a competência internacional dos tribunais alemães.

19 Face às dúvidas suscitadas quanto à interpretação da Convenção de Bruxelas, o órgão jurisdicional nacional de recurso submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) O demandante deve ser, também, considerado como consumidor na acepção dos artigos 13._, primeiro parágrafo, 14._, primeiro parágrafo da Convenção de Bruxelas, quando a acção tem por objecto um contrato que o demandante celebrou não em relação a uma actividade comercial que já exerce, mas em função de uma actividade comercial a exercer apenas no futuro (neste caso: contrato de franquia para criar um estabelecimento comercial próprio)?

2) Em caso de resposta afirmativa à primeira questão: inclui-se no artigo 13._, primeiro parágrafo, ponto 1 da Convenção de Bruxelas (venda a prestações de bens móveis corpóreos) um contrato de franquia no qual contém as obrigações do recorrente de, durante um período de vários anos (três), comprar ao outro contraente os objectos e mercadorias necessários para a instalação e funcionamento de um estabelecimento (sem previsão de pagamento em prestações), de efectuar um pagamento inicial e de a partir do segundo ano de actividade pagar um direito de licença (royality) no montante de 3% do volume de negócios?

3) Tem competência exclusiva o tribunal de um Estado-Membro indicado num pacto atributivo de jurisdição, nos termos do artigo 17._, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas, quando com o litígio se pretende, além do mais, a declaração da invalidade do contrato de que faz parte (com referência específica aos artigos 1341._ e 1342._ do código civil italiano) o pacto atributivo de jurisdição com a seguinte redacção: `Para todos os litígios sobre a interpretação, execução ou qualquer outra questão relativa ao presente contrato é competente o foro de Florença'?»

As disposições da Convenção de Bruxelas objecto de interpretação

20 A secção 4 da Convenção de Bruxelas tem por epígrafe «Competência em matéria de contratos celebrados pelos consumidores».

21 Integrado na referida secção, o artigo 13._ dispõe:

«Em matéria de contrato celebrado por uma pessoa para finalidade que possa ser considerada estranha à sua actividade comercial ou profissional, a seguir denominada `o consumidor', a competência será determinada pela presente secção, sem prejuízo do disposto no artigo 4._ e no ponto 5 do artigo 5._:

1) Quando se trate de venda a prestações de bens móveis corpóreos;

2) Quando se trata de empréstimo a prestações ou de outra operação de crédito relacionados com o financiamento da venda de tais bens;

3) Relativamente a qualquer outro contrato que tenha por objecto a prestação de serviços ou o fornecimento de bens móveis corpóreos se:

a) a celebração do contrato tiver sido precedida no Estado do domicílio do consumidor de uma proposta que lhe tenha sido especialmente dirigida ou de anúncio publicitário; e

e) o consumidor tiver praticado nesse Estado os actos necessários para a celebração do contrato.

O co-contratante do consumidor que, não tendo domicílio no território de um Estado contratante, possua sucursal, agência ou qualquer outro estabelecimento num Estado contratante será considerado, quanto aos litígios relativos à exploração daqueles, como tendo domicílio no território desse Estado.

...»

22 O artigo 14._ da Convenção de Bruxelas preceitua:

«O consumidor pode intentar uma acção contra a outra parte no contrato, quer perante os tribunais do Estado contratante em cujo território estiver domiciliada essa parte, quer perante os tribunais do Estado contratante em cujo território estiver domiciliado o consumidor.

A outra parte no contrato só pode intentar uma acção contra o consumidor perante os tribunais do Estado contratante em cujo território estiver domiciliado o consumidor.

Estas disposições não prejudicam o direito de formular um pedido reconvencional perante o tribunal em que tiver sido instaurada a acção principal nos termos da presente secção.»

23 Por último, o artigo 17._ da Convenção de Bruxelas, integrado na secção 6, com a epígrafe «Extensão de competência», estatui:

«Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado contratante, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado contratante têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência exclusiva. Este pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:

a) por escrito ou verbalmente com confirmação escrita

ou

b) em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si

ou

c) no comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado.

Sempre que tal pacto atributivo de jurisdição for celebrado por partes das quais nenhuma tenha domicílio num Estado contratante, os tribunais dos outros Estados contratantes não podem conhecer do litígio, a menos que o tribunal ou os tribunais escolhidos se tenham declarado incompetentes.

...

Os pactos atributivos de jurisdição... não produzirão efeitos se forem contrários ao disposto nos artigos 12._ e 15._, ou se os tribunais cuja competência pretendam afastar tiverem competência exclusiva por força do artigo 16._

Se um pacto atributivo de jurisdição tiver sido concluído a favor apenas de uma das partes, esta mantém o direito de recorrer a qualquer outro tribunal que seja competente, por força da presente Convenção.

...»

Quanto à primeira questão prejudicial

24 Para responder à primeira questão prejudicial, o Tribunal de Justiça tem de decidir se um contrato de franquia, subscrito por uma pessoa que até então não se tinha dedicado ao comércio, deve ou não ser qualificado como contrato «para finalidade que possa ser considerada estranha à sua actividade comercial ou profissional», na acepção que a esta expressão dá o artigo 13._ da Convenção de Bruxelas.

25 As nossas considerações quanto a esta questão partirão da análise dos contratos de franquia, para, em seguida, recordar a jurisprudência do Tribunal de Justiça acerca do conceito de «contratos celebrados pelos consumidores», constante do artigo 13._ da Convenção de Bruxelas; finalmente, poderemos concluir que o referido conceito é inaplicável àquele tipo de contratos.

i) Os contratos de franquia

26 Os contratos de franquia, como fórmula mercantil amplamente difundida, são aqueles em que uma empresa (franqueador) cede a outra (franqueado) o direito de explorar um sistema próprio de comercialização de bens ou de serviços.

27 As pessoas singulares ou colectivas que desenvolvem a actividade de franqueador costumam implantar uma rede de franquias num determinado sector de actividade comercial. Oferecem aos futuros franqueados a incorporação nessa rede, que é levada a cabo mediante a assinatura do contrato contendo os elementos essenciais do acordo bilateral. Na maioria dos casos, trata-se de um contrato de adesão.

28 A parte franqueada é juridicamente autónoma: trata-se de um verdadeiro comerciante independente que explora o seu próprio comércio e realiza actos de comércio (compra ao seu fornecedor para revender aos clientes).

29 O Tribunal de Justiça foi confrontado com este fenómeno comercial, analisando-o na óptica da livre concorrência, no acórdão Pronuptia (4), relativo a contratos atípicos de franquia de distribuição, por força dos quais o franqueado se limita a vender determinados produtos num estabelecimento que apresenta os sinais distintivos do franqueador.

30 No n._ 15 do referido acórdão, o Tribunal de Justiça precisou os traços essenciais da relação entre franqueador e franqueado, sublinhando o carácter mercantil e a independência destes últimos:

«Num tal sistema de licenças de distribuição (contratos de franquia), uma empresa que se instalou como distribuidora num mercado e pôde assim aperfeiçoar um conjunto de métodos comerciais, concede a comerciantes independentes, mediante remuneração, a possibilidade de se estabelecerem noutros mercados, utilizando a sua insígnia e os métodos comerciais que lhe asseguraram o êxito. Mais do que um sistema de distribuição, trata-se de uma forma de explorar financeiramente, sem envolver capitais próprios, um conjunto de conhecimentos. Por outro lado, este sistema abre a comerciantes desprovidos da necessária experiência o acesso a métodos que não teriam podido adquirir senão mediante longos esforços de pesquisa e permitir-lhes beneficiar da reputação da marca (5)».

31 O artigo 1._ do Regulamento (CEE) n._ 4087/88 da Comissão, de 30 de Novembro de 1988, relativo à aplicação do n._ 3 do artigo 85._ do Tratado a certas categorias de acordos de franquia (6), considera, igualmente, que o contrato de franquia de distribuição exige a participação de duas «empresas», ou seja, de duas unidades económicas que actuam em regime mercantil (7).

ii) A jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre os «contratos celebrados pelos consumidores»

32 O acórdão Shearson Lehaman Hutton (8) estabeleceu com clareza em que termos se pode falar deste tipo de contratos e qual a posição que os órgãos jurisdicionais nacionais devem adoptar ao interpretar o artigo 13._ da Convenção de Bruxelas.

33 O acórdão começa por lembrar «o princípio, consagrado pela jurisprudência (v., designadamente, acórdãos de 21 de Junho de 1978, Bertrand, 150/77, Colect., p. 487, n.os 14 a 16 e 19, e de 17 de Junho de 1992, Handte, C-26/91, Colect., p. I-3967, n._ 10), segundo o qual, com vista a assegurar a aplicação uniforme da convenção em todos os Estados contratantes, os conceitos utilizados por esta, que podem ter um conteúdo diferente consoante o direito interno dos Estados contratantes, devem ser interpretados de forma autónoma, por referência principalmente ao sistema e aos objectivos da convenção. Assim, deve nomeadamente acontecer com o conceito de `consumidor', na acepção dos artigos 13._ e seguintes da Convenção, nas situações em que é tal conceito que influência a determinação das regras de competência jurisdicional (9)».

34 Seguidamente, o acórdão descreve a interacção entre os princípios gerais e os princípios especiais da atribuição de competência:

- no sistema da convenção, o princípio geral, enunciado no seu artigo 2._, primeiro parágrafo, é a competência dos órgãos jurisdicionais do Estado contratante em cujo território o requerido tem o seu domicílio;

- só por derrogação a esse princípio geral a convenção prevê os casos, taxativamente enumerados nas secções 2 a 6 do título II, em que o requerido domiciliado ou estabelecido no território do Estado contratante pode, quando a situação é abrangida por uma regra de competência especial, ou deve, quando abrangida por uma regra de competência exclusiva ou de uma extensão de competência, ser demandando perante um órgão jurisdicional de outro Estado contratante;

- em consequência, as normas de competência derrogatórias a esse princípio geral não podem dar lugar a uma interpretação que extravase as hipóteses previstas pela convenção.

35 Segundo o n._ 17 do acórdão, «tal interpretação impõe-se por maioria de razão a propósito de uma regra de competência, como a do artigo 14._ da convenção, que permite ao consumidor, na acepção do artigo 13._ dessa convenção, demandar o requerido perante os órgãos jurisdicionais do Estado contratante em cujo território o requerente tem o seu domicílio. Com efeito, fora dos casos expressamente previstos, a Convenção é hostil à admissão da competência de órgãos jurisdicionais do domicílio do requerente (v. acórdão de 11 de Janeiro de 1990, Dumez France e Tracoba, C-220/88, Colect., p. I-49, n.os 16 e 19)».

36 O acórdão, uma vez feitas estas precisões quanto aos critérios de interpretação das regras de competência, precisa a noção de consumidor para efeitos dos artigos 13._ e 14._ da Convenção de Bruxelas: «Resulta da redacção e da função destas disposições que elas se aplicam ao consumidor final privado, não envolvido em actividades comerciais ou profissionais (v., também neste sentido, o acórdão Bertrand, já referido, n._ 21, e o relatório de peritos elaborado por ocasião da adesão à convenção do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, JO 1979, C 59, p. 71, n._ 153; a versão portuguesa deste relatório foi publicada no JO 1990, C 189, p. 184), que esteja vinculado por um dos contratos enumerados no artigo 13._ e que seja parte na acção judicial, em conformidade com o artigo 14._»

iii) A aplicação desta doutrina aos contratos de franquia

37 A partir destas considerações, não é possível continuar a defender que os sujeitos do contrato de franquia podem ser considerados «consumidores» para efeitos do artigo 13._ da Convenção de Bruxelas.

38 A condição de consumidor a que se refere o artigo 13._ da Convenção de Bruxelas não é determinada por uma situação subjectiva preexistente: uma mesma pessoa singular pode ser considerada consumidor para determinados efeitos e empresário para outros. Não são, portanto, as condições pessoais do sujeito que importam, mas a sua posição dentro de determinado contrato, atento o alcance e a finalidade deste.

39 Quando se trata de contratos como os de franquia, com uma natureza comercial manifesta, caracterizados necessariamente por respeitarem a uma actividade «profissional» (10) das partes, as circunstâncias pessoais destas, anteriores a execução do contrato, são irrelevantes para os efeitos do artigo 13._ da Convenção de Bruxelas.

40 Contrariamente à tese da demandante - exposta de modo mais desenvolvido na audiência -, não consideramos, em absoluto, que o Tribunal de Justiça deva prescindir, ou fazer um uso moderado, do princípio tradicional da interpretação autónoma dos conceitos utilizados pela Convenção de Bruxelas, entre os quais o de consumidor.

41 A interpretação autónoma do conceito do consumidor, a que nos referimos anteriormente com base no acórdão Shearson Lehman Hutton, é, em nossa opinião, preferível a uma interpretação que se atenha às legislações nacionais, e isto por duas razões:

a) as legislações nacionais não têm que ser coincidentes entre si, sendo susceptíveis de incorporar cambiantes diferentes, consoante os casos: o optar por uma ou outra (qual seria o critério de escolha?) seria sempre em detrimento da segurança jurídica que a Convenção de Bruxelas pretende garantir;

b) mesmo no interior de um ordenamento jurídico nacional, pode acontecer que os conceitos de «consumidor» sejam diferentes consoante o sector desse ordenamento em que se inserem.

42 No entendimento da defesa da demandante, o Tribunal de Justiça deveria dar primazia ao conceito alemão de consumidor, derivado da lei nacional sobre crédito ao consumo (Verbraucherkreditgesetz) (11), que qualifica como consumidores os mutuários que solicitam um crédito para iniciarem uma actividade que, até então, não tinham desenvolvido.

43 Não compartilhamos este raciocínio, ao qual também se opõe o próprio Governo alemão nas suas observações escritas, salientando que esta ampliação do conceito de consumidor, levada a cabo pelo legislador nacional, ultrapassou, consciente e expressamente, o nível mínimo imposto pela directiva que a Verbraucherkreditgesetz pretendia pôr em prática (12), com o fim de garantir um nível de protecção ao consumidor superior ao previsto pela norma comunitária.

44 Tal como afirma o referido governo, ficam excluídos do conceito comunitário de consumidor, nos termos da directiva relativa ao crédito ao consumo (13), não só quem seja parte em contratos relativos a actividades profissionais ou comerciais «já exercidas» (como literalmente dispõe a Verbraucherkreditgesetz), mas, em geral, quem seja parte em contratos celebrados para fins profissionais.

45 Quanto ao restante, nas mesmas observações, o Governo alemão sublinha que o seu ordenamento jurídico utiliza, noutras disposições relativas à protecção do consumidor, uma noção mais restrita desta figura: assim, por exemplo, na lei sobre a rescisão de vendas a domicílio (Haustürwiderrufsgesetz).

46 Tudo isto mais não faz do que corroborar a necessidade de manter a interpretação autónoma da noção de consumidor do artigo 13._ da Convenção de Bruxelas, noção que não tem que estar ligada aos conceitos utilizados, em cada caso, pelos ordenamentos nacionais.

47 Finalmente, a inclusão no Tratado CE de um novo título XI (14) sobre defesa dos consumidores, cujo artigo 129._-A fixa como objectivo da Comunidade «um nível elevado de defesa dos consumidores», não é obstáculo à tese que propomos. Por um lado, o alcance jurídico desse preceito é limitado (15), e, por outro, o n._ 3 do preceito permite, expressamente, que cada um dos Estados-Membros mantenha e adopte medidas de protecção mais estritas. Estas considerações implicam, logicamente, que o nível de protecção comunitário não se tem que identificar com o vigente em um ou vários dos Estados-Membros.

48 Em resumo, a interpretação autónoma do conceito de consumidores, utilizada na Convenção de Bruxelas, deve manter-se, em nossa opinião, tal como o Tribunal de Justiça declarou no acórdão Shearson Lehman Hutton, o que obriga a restringir o referido conceito aos consumidores finais privados que não participam em contratos relativos a actividades comerciais ou profissionais.

49 É certo que os franqueados nem sempre possuem experiência comercial anterior, mas isso não permite qualificar a actividade objecto do contrato de franquia como alheia ao âmbito profissional ou comercial. E é precisamente a actividade em jogo - e não, insistimos, a situação pessoal anterior do sujeito - o factor a que atende o artigo 13._ da Convenção de Bruxelas para instaurar um regime específico em matéria de competência jurisdicional no que respeita a determinados contratos.

50 A redacção do artigo 13._ não permite, portanto, ampliar o seu âmbito de referência ao ponto de nele incluir qualquer contrato, independentemente do seu objecto e finalidade, em que exista uma parte economicamente mais débil face a outra em situação de superioridade, objectiva ou circunstancialmente.

51 O equilíbrio prévio dos contratantes costuma ser inexistente no campo das relações comerciais, e não é por isso que contratos deste género, inclusive contratos-tipo ou de adesão, subscritos por empresários, beneficiam da regra especial do artigo 13._ Este preceito, se bem que inspirado no objectivo de proteger a parte mais fraca da relação contratual, limita o seu alcance aos contratos em que uma pessoa actua com propósitos alheios à actividade profissional, ou seja, quando actua como «consumidor final privado que não participa em actividades comerciais ou profissionais».

52 Noutros termos, a mera situação de inferioridade de uma das partes num contrato celebrado com vista ao desempenho de uma actividade mercantil ou profissional, ou no âmbito de semelhantes actividades, como acontece no caso das franquias, não é vista pela Convenção de Bruxelas como necessitando de uma especial protecção na atribuição da competência jurisdicional.

53 Consideramos, portanto, que a resposta ao Tribunal de Justiça à primeira questão deve ser no sentido da inaplicabilidade do artigo 13._ da Convenção de Bruxelas a um contrato como o ora em análise.

Quanto à segunda questão prejudicial

54 O órgão jurisdicional de reenvio coloca a segunda questão apenas para o caso de a resposta do Tribunal de Justiça à primeira ser no sentido da aplicabilidade do artigo 13._ da Convenção de Bruxelas a um contrato como o em apreço. Atendendo à resposta que sugerimos à primeira questão prejudicial, não haveria, em nossa opinião, que responder à segunda.

55 No caso contrário, ou seja, se o Tribunal de Justiça responder pela afirmativa quanto à aplicabilidade do artigo 13._ da Convenção de Bruxelas, deverá pronunciar-se sobre a segunda questão prejudicial, em que o Oberlandesgericht München se interroga quanto à interpretação do n._ 1 do ponto 1 do artigo 13._ relativo à venda a prestações de bens móveis corpóreos.

56 Em concreto, o tribunal a quo pretende saber se a categoria jurídica expressa nos termos «venda a prestações de bens móveis corpóreos» abrange, ou não, os acordos de franquia em que uma parte se obriga, durante um período de três anos, a comprar ao franqueador os objectos e os produtos necessários para a instalação e funcionamento de um estabelecimento, sem que tenha acordado o pagamento em prestações de tais objectos e produtos. As únicas obrigações do franqueado, a esse respeito, são o pagamento inicial e, a partir do segundo ano de actividade, o pagamento de um direito de franquia correspondente a 3% do volume de negócios.

57 O interesse da segunda questão prejudicial reside no facto de que o artigo 13._ da Convenção de Bruxelas exige não só que o contrato tenha sido celebrado com uma finalidade que possa ser considerada estranha à actividade comercial ou profissional, mas também que integre uma das categorias indicadas nos n.os 1, 2 e 3 do primeiro parágrafo. A primeira é constituída pelos contratos «de venda a prestações de bens móveis corpóreos».

58 Em nossa opinião, a resposta a esta questão deve ser igualmente negativa. Não se podem confundir os contratos de venda a prestações de bens móveis corpóreos com outros que, ainda que tendo como objecto prestações sucessivas, apresentam uma configuração bem diferente da figura jurídica da compra e venda a prestações.

59 No caso dos autos, o próprio tribunal de reenvio sublinha que as compras de produtos ao franqueador, que o franqueado se obriga a efectuar durante os três anos de vigência do contrato, não estão sujeitas ao regime de venda a prestações: não se prevê o pagamento diferido do produto em datas sucessivas e predeterminadas.

60 O facto de um contrato contemplar um regime de obrigações sucessivas, a cargo de uma ou de ambas as partes, não permite, sem mais, equipará-lo a uma «venda a prestações de bens móveis corpóreos».

61 Em concreto, as aquisições periódicas de produtos que o franqueado terá de efectuar, nos termos do contrato de franquia, são uma consequência ou efeito decorrente do contrato inicial que, em si mesmo, em nada se assemelha à venda a prestações, para efeitos do artigo 13._ da Convenção de Bruxelas.

62 Tais aquisições periódicas, além do mais, nem sequer estão, no caso vertente, sujeitas, enquanto tais, ao regime das vendas a prestações.

63 Ainda menos se pode considerar que exista uma venda de bens a prestações pelo facto de o franqueado ter de pagar, periodicamente, uma quantia calculada em 3% do seu volume anual de negócios como contraprestação pelo uso dos sinais distintivos do franqueador. É claro que não há, nesse caso, uma relação bilateral de compra e venda de mercadorias, nem a prestações nem à vista.

64 Se houvesse, portanto, que responder à segunda questão prejudicial, consideramos que o Tribunal de Justiça o deveria fazer em sentido negativo.

Quanto à terceira questão prejudicial

65 A terceira questão prejudicial tem um alcance mais amplo. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em resumo, se, nos termos do primeiro parágrafo do artigo 17._ da Convenção de Bruxelas, o «tribunal com competência exclusiva», designado pelas partes num pacto atributivo (16), é também competente para julgar um litígio em que se pretenda a declaração de nulidade do contrato que inclui a cláusula atributiva de jurisdição.

66 Começaremos por sublinhar, para estes efeitos, dois pontos que nos parecem importantes:

a) não se contesta que o pacto atributivo incluído no contrato dos autos respeita as formalidades impostas pelo artigo 17._ da Convenção de Bruxelas (17);

b) o pacto está redigido em termos os mais gerais possíveis, pois respeita a «qualquer litígio quanto à interpretação, execução ou outros aspectos do presente contrato», controvérsia que há que dirimir, precisamente, nos tribunais de Florença.

67 Em nossa opinião, uma cláusula atributiva de jurisdição como a dos autos, formalmente válida de acordo com a redacção da Convenção de Bruxelas, adoptada pelas partes para dirimir qualquer futura controvérsia sobre qualquer aspecto do contrato, é aplicável aos litígios que possam surgir, inclusive sobre as condições de validade do contrato em que foi incluída.

68 No acórdão Effer (18), deparou-se ao Tribunal de Justiça um problema análogo, que dizia então respeito ao âmbito de aplicação do artigo 5._ da Convenção de Bruxelas. Colocava-se a questão de saber se o foro territorial correspondente ao lugar de cumprimento do contrato era aplicável quando o litígio entre as partes girava em torno da própria existência, ou das condições de formação, do contrato principal.

69 O Tribunal de Justiça entendeu que a competência do juiz nacional para decidir das questões relativas a um contrato incluía a de apreciar a existência dos elementos constitutivos do próprio contrato, pois essa apreciação era indispensável ao órgão jurisdicional para verificar se era, ou não, competente por força do artigo 5._ da Convenção de Bruxelas.

70 O argumento foi reforçado com a consideração dos efeitos nocivos que para a segurança jurídica (19) decorreriam da solução oposta: comprometer-se-ia a eficácia das disposições da Convenção de Bruxelas se se admitisse que o simples facto de uma parte alegar a inexistência do contrato era suficiente para impedir a aplicação daquelas disposições.

71 Ao invés, acrescentou o Tribunal de Justiça, o respeito dos objectivos e do espírito da Convenção de Bruxelas exige uma interpretação das suas regras que permita ao tribunal nacional, quando chamado a resolver um litígio derivado de um contrato, verificar, mesmo oficiosamente, as condições essenciais determinantes da sua competência, apreciando a existência ou inexistência do contrato com base nos elementos de apreciação apresentados pelas partes.

72 Estes mesmos argumentos são aplicáveis, por analogia, à hipótese dos autos, em que se discute a validade, e não a existência, do contrato. A diferença entre este caso e o examinado no acórdão Effer, já referido, é que o foro territorial era então determinado não por uma cláusula convencional atributiva de jurisdição, mas por um critério legal (o lugar do cumprimento da obrigação). Ora, o raciocínio jurídico então usado é, em nossa opinião, igualmente aplicável em ambas as situações.

73 A idêntica conclusão se pode chegar analisando a natureza das cláusulas de eleição do foro previstas no artigo 17._ da Convenção de Bruxelas. Em nossa opinião, há que reconhecer-lhes uma certa autonomia relativamente ao contrato em que se inserem.

74 Quanto a este aspecto, é verdade que existe um debate doutrinal conhecido (20) cuja solução não é pacífica. Consideramos, não obstante, que, no que concerne ao artigo 17._ da Convenção de Bruxelas, o Tribunal de Justiça, na mesma linha do acórdão Effer, deveria propender para a tese mais favorável à segurança jurídica e, concretamente, ser a favor do reconhecimento do foro escolhido na cláusula de atribuição (sempre que, naturalmente, esta respeite as condições do artigo 17._ da Convenção de Bruxelas) como foro competente, inclusive quando se alegue a nulidade do contrato onde se inscreve a referida cláusula.

75 Esta solução assenta em vários argumentos. Em primeiro lugar, os pactos atributivos de jurisdição não obedecem aos mesmos factores económicos ou jurídicos que estão na base dos contratos, nem a «causa» destes é idêntica à dos pactos atributivos, cuja finalidade é meramente processual (estabelecer um foro determinado para a solução de eventuais litígios futuros). As causas de nulidade que afectam os elementos materiais do contrato não deveriam ter incidência, portanto, nos pactos atributivos.

76 Em segundo lugar, se uma parte alega a existência de vícios do consentimento contratual - por exemplo, erro relativamente às condições essenciais do objecto, que determina a nulidade das prestações recíprocas -, o pacto atributivo de jurisdição não é necessariamente afectado, pois o erro não recai sobre a escolha expressa do tribunal competente. A fortiori, o mesmo sucederia quando as alegadas causas de nulidade do contrato se referissem à sua compatibilidade, ou incompatibilidade, com as normas de direito material de um determinado ordenamento nacional.

77 Em terceiro lugar, admitir que outro tribunal, que não o designado pelos contratantes num pacto atributivo de jurisdição, pudesse julgar da validade do contrato em geral, teria consequências práticas bastante desconcertantes. Se o resultado do julgamento fosse, por exemplo, favorável à validade geral do contrato, aquele tribunal deveria, seguidamente, declinar a sua competência a favor do escolhido pelos contraentes, único competente para dirimir os litígios respectivos. Dificilmente poderia negar-se a este último tribunal competência para declarar, por seu turno, inclusive contra a decisão do anterior, que o contrato, ou algumas das suas cláusulas essenciais, não era válido.

78 Por último, a tese que propomos apresenta a vantagem de evitar a multiplicação de litígios e a fraude ao próprio sistema da unicidade do foro, em que se inspira a Convenção de Bruxelas. Qualquer das partes, alegando a nulidade do contrato em que se insere a cláusula, provocaria a deslocação dos critérios de competência, tornando ineficaz o artigo 17._ Tal facto é, sem dúvida, contrário à certeza e previsibilidade na fixação do foro competente.

79 Cabe recordar, neste ponto, que nenhuma das partes no litígio suscitou qualquer problema relativamente à validade do pacto atributivo de jurisdição, em si mesmo considerado, nem por razões de fundo (21), nem por razões de forma. F. Benincasa apenas alega a nulidade do contrato de franquia, em geral, por razões baseadas no direito material alemão (alegada violação do BGB e da lei alemã das condições gerais de contratação) (22).

80 A resposta a essas alegações, isto é, o juízo quanto à validade do contrato de franquia dependerá da lei material que lhe seja aplicável. No entanto, consideramos que o foro competente para se pronunciar sobre essa validade, uma vez que as partes celebraram o pacto atributivo de jurisdição em termos tão genéricos, deve ser, precisamente, o previamente acordado por elas.

81 Com efeito, a vontade das partes, expressa na cláusula de atribuição, é inequívoca: «qualquer litígio» sobre qualquer «aspecto» do contrato (e nesta expressão há que incluir os litígios quanto à sua validade) cabe aos tribunais de Florença .

82 A este respeito, é inevitável que a resposta do Tribunal de Justiça não se limitará a efectuar uma interpretação abstracta do artigo 17._ da Convenção de Bruxelas, desprovida de ligações com o litígio objecto da questão principal. Sem pretender substituir o tribunal nacional competente na interpretação do contrato celebrado entre as partes no litígio, a utilidade da resposta do Tribunal de Justiça, dentro do mecanismo do reenvio prejudicial, exige a análise do conteúdo do pacto atributivo da jurisdição para, atentas as suas características, proporcionar ao tribunal a quo a interpretação da Convenção de Bruxelas que este solicitou.

Conclusão

83 Propomos, em consequência, ao Tribunal de Justiça que responda às questões que lhe foram submetidas neste processo pelo Oberlandesgericht München nos seguintes termos:

«1) As partes num contrato de franquia cujo objecto é a abertura futura de um estabelecimento comercial não podem considerar-se consumidores para efeitos do primeiro parágrafo do artigo 13._ e do primeiro parágrafo do artigo 14._ da Convenção de Bruxelas.

2) O tribunal designado no pacto atributivo de jurisdição para dirimir `todos os litígios sobre a interpretação, execução ou qualquer outra questão relativa ao presente contrato' é o único tribunal competente, em conformidade com a primeira frase do primeiro parágrafo do artigo 17._ da Convenção de Bruxelas, mesmo quando o objecto do pedido seja, entre outros, a declaração de invalidade do contrato onde se inscreve a referida cláusula.»

(1) - JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186.

(2) - JO L 304, p. 1, e - texto modificado - p. 77; EE 01 F2 p. 131.

(3) - JO 1975, L 204, p. 28; EE 01 F2 p. 28.

(4) - Acórdão de 28 de Janeiro de 1986 (161/84, Colect., p. 353).

(5) - Sublinhado nosso.

(6) - JO L 359, p. 46.

(7) - De acordo com o citado artigo, deve entender-se por franquia «um conjunto de direitos de propriedade industrial ou intelectual relativos a marcas, designações comerciais, insígnias comerciais, modelos de utilidade, desenhos, direitos de autor, saber-fazer ou patentes, a explorar para a revenda de produtos ou para a prestação de serviços a utilizadores finais». O acordo de franquia aparece definido no referido artigo como um acordo «pelo qual uma empresa, o franqueador, concede a outra, o franqueado, mediante uma contrapartida financeira directa ou indirecta, o direito de explorar uma franquia para efeitos da comercialização de determinados tipos de produtos e/ou de serviços».

(8) - Acórdão de 19 de Janeiro de 1993 (C-89/91, Colect., p. I-139).

(9) - N._ 13.

(10) - A expressão «actividade profissional» deve ser entendida numa acepção ampla que, certamente, compreende a actividade comercial. A versão inglesa do artigo 13._ da Convenção de Bruxelas é mais expressiva, nesse mesmo sentido, pois refere-se a contratos «concluded by a person for a purpose which can be regarded as being outside his trade or profession» (sublinhado nosso). A versão alemã do citado artigo também inclui, igualmente, «der beruflichen oder gewerblichen Tätigkeit».

(11) - A aplicação analógica desta norma aos contratos de franquia constituía um dos argumentos do pedido apresentado por F. Benincasa no tribunal alemão de primeira instância.

(12) - Directiva 87/102/CEE do Conselho, de 22 de Dezembro de 1986, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros relativas ao crédito ao consumo (JO 1987, L 42, p. 48).

(13) - Quanto ao demais, este é também o critério utilizado pela Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO L 95, p. 29). De acordo com o teor do seu artigo 2._, por «consumidor» entende-se «qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente directiva, actue com fins que não pertençam ao âmbito da sua actividade profissional»; «profissional» é, ao invés, «qualquer pessoa singular ou colectiva que, nos contratos abrangidos pela presente directiva, seja activa no âmbito da sua actividade profissional, pública ou privada».

(14) - Aditado pelo n._ 38 do artigo G do Tratado da União Europeia.

(15) - Assim o reconhece o n._ 19 do acórdão de 7 de Março de 1996, El Corte Inglés (C-192/94, Colect., p. I-1281). No n._ 20 do mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça afirma que o artigo 129._-A se limita a impor à Comunidade um objectivo e a atribuir-lhe competência, para o efeito, «sem, além disso, criar obrigações aos Estados-Membros ou aos particulares...».

(16) - Usaremos indistintamente as expressões «pacto atributivo», «cláusula de atribuição», «cláusula de eleição do foro», «extensão da competência», «cláusula atributiva de jurisdição» ou «pacto atributivo de jurisdição». Todas se referem ao mesmo fenómeno jurídico, ou seja, ao acordo de vontades entre as partes num contrato, que decidem submeter os seus diferendos a um órgão jurisdicional determinado, nos casos em que a competência territorial não seja indisponível.

(17) - Tão pouco se discute a sua adequação formal às leis italianas, pois trata-se de uma cláusula que foi aprovada separadamente, em conformidade com os artigos 1341._ e 1342._ do Código Civil italiano. Em todo o caso, não se trata aqui da aplicação de normas nacionais, italianas ou alemãs, mas de analisar a conformidade da cláusula com a Convenção de Bruxelas.

(18) - Acórdão de 4 de Março de 1982 (38/81, Recueil, p. 825).

(19) - Garantir a segurança jurídica - concretizada na certeza ou previsibilidade na fixação do foro competente - é precisamente o objectivo da Convenção de Bruxelas. Pretende-se com esta «a uniformização das regras de competência dos órgãos jurisdicionais dos Estados contratantes, evitando, na medida do possível, a multiplicação da titularidade da competência judiciária a respeito de uma mesma relação jurídica, e em reforçar a protecção jurídica das pessoas domiciliadas na Comunidade, permitindo, simultaneamente, ao requerente identificar facilmente o órgão jurisdicional nacional a que se pode dirigir e ao requerido prever razoavelmente aquele perante o qual pode ser demandado» (acórdão de 13 de Julho de 1993, Mulox IBC, C-125/92, Colect., p. I-4075).

(20) - Quanto ao seu conteúdo, v. os recentes trabalhos de Blanchin, C.: L'autonomie de la clause compromissoire: un modèle pour la clause attributive de jurisdiction?, Paris, 1995, e Rodríguez Benot, A.: Los acuerdos atributivos de competencia judicial internacional en Derecho comunitario europeo, Madrid, 1994.

(21) - Podia acontecer que determinado ordenamento nacional subordinasse a determinadas condições de fundo a validade do pacto atributivo de jurisdição. Seria discutível se tais prescrições se conciliariam ou não com o disposto no artigo 17._ da Convenção de Bruxelas. Relativamente às condições formais, é claro que o referido artigo constitui o único ponto de referência admissível.

(22) - V. n._ 10 destas conclusões.