61995C0167

Conclusões do advogado-geral Fennelly apresentadas em 28 de Novembro de 1996. - Maatschap M.J.M. Linthorst, K.G.P. Pouwels en J. Scheren c.s. contra Inspecteur der Belastingdienst/Ondernemingen Roermond. - Pedido de decisão prejudicial: Gerechtshof 's-Hertogenbosch - Países Baixos. - Sexta Directiva IVA - Artigo 9. - Prestação de serviços veterinários. - Processo C-167/95.

Colectânea da Jurisprudência 1997 página I-01195


Conclusões do Advogado-Geral


1 Com o presente pedido de decisão a título prejudicial pretende-se que o Tribunal interprete certas disposições do artigo 9._ da Sexta Directiva IVA (1). A questão prejudicial exige, essencialmente, que o Tribunal determine onde devem considerar-se prestados, para efeitos de IVA, os serviços veterinários prestados a empresas de criação de gado num Estado-Membro (Bélgica) por uma sociedade de veterinários que tem a sede da sua actividade económica e o seu estabelecimento estável num outro Estado-Membro (Países Baixos).

I - Enquadramento jurídico e factual

2 As disposições pertinentes do artigo 9._ da Sexta Directiva são as seguintes:

«1. Por `lugar da prestação de serviços' entende-se o lugar onde o prestador dos mesmos tenha a sede da sua actividade económica ou um estabelecimento estável a partir do qual os serviços são prestados ou, na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar do seu domicílio ou da sua residência habitual.

2. Todavia:

...

c) por lugar das prestações de serviços que tenham como objecto:

...

- peritagens relativas a bens móveis corpóreos;

- trabalhos relativos a bens móveis corpóreos,

entende-se o lugar onde as referidas prestações de serviços são materialmente executadas;

...

e) por lugar das prestações de serviços a seguir referidas, efectuadas a destinatários estabelecidos fora da Comunidade ou a sujeitos passivos estabelecidos na Comunidade, mas fora do país do prestador, entende-se o lugar onde o destinatário tenha a sede da sua actividade económica ou um estabelecimento estável para o qual o serviço tenha sido prestado ou, na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar do seu domicílio ou da sua residência habitual:

...

- prestações de serviços de consultores, engenheiros, gabinetes de estudo, advogados, peritos contabilistas e demais prestações similares, e bem assim o tratamento de dados e o fornecimento de informações;

...»

O artigo 9._, n._ 3, é também pertinente. Estipula que:

«A fim de evitar casos de dupla tributação, de não tributação ou de distorções de concorrência, os Estados-Membros podem considerar, no que diz respeito às prestações de serviços referidas [no artigo 9._], alínea e) do n._ 2...:

a) o lugar das prestações de serviços que, nos termos do presente artigo, se situa no território do país, como se estivesse situado fora da Comunidade, sempre que a utilização e a exploração efectivas se realizem fora da Comunidade;

b) o lugar das prestações de serviços que, nos termos do presente artigo, se situa fora da Comunidade, como se estivesse situado no território do país, sempre que a utilização e a exploração efectivas se realizem no território do país.»

3 Segundo o Gerechtshof te' s-Hertogenbosch (tribunal regional de segunda instância de te' s-Hertogenbosch), a Wet op de Omzetbelasting 1968 (lei neerlandesa relativa ao imposto sobre o volume de negócios, a seguir «lei») foi posteriormente modificada para se adaptar à Sexta Directiva (2). O órgão jurisdicional nacional afirma que o Tribunal pode partir do princípio de que o legislador neerlandês pretendeu estabelecer no artigo 6._ da lei as mesmas regras, quanto ao lugar da prestação de serviços, que são previstas no artigo 9._ da Sexta Directiva.

4 A sociedade Linthorst, Pouwels e Scheres, recorrente no processo principal, está estabelecida em Ell, nos Países Baixos (3). Explora um consultório de medicina veterinária geral através dos seus sócios, todos eles médicos veterinários. Para efeitos de IVA, é considerada uma empresa «ondernemer», na acepção do artigo 7._ da lei. Durante o mês de Fevereiro de 1994 (a seguir «período fiscal em questão»), cobrou a criadores de gado estabelecidos na Bélgica e sem estabelecimento estável fora deste país um total de 5 110 HFL por prestações veterinárias. Essas prestações (a seguir «prestações belgas»), que não incluíram o fornecimento de medicamentos, foram efectuados em animais que se encontravam na Bélgica, e foram prestados pela sociedade na Bélgica. Relativamente ao período fiscal em questão, a sociedade incluiu, na sua declaração de IVA que se elevava a 32 037 HFL, um montante de 894 HFL, que correspondia ao IVA, à taxa de 17,5%, sobre o montante de 5 110 HFL facturado pelas prestações belgas. A sociedade, tendo sem sucesso reclamado por via administrativa o reembolso do montante de 894 HFL, recorreu para o órgão jurisdicional nacional.

5 A Linthorst sustentou no órgão jurisdicional nacional que o lugar das prestações belgas devia entender-se, nos termos dos terceiro e quarto travessões do artigo 9._, n._ 2, alínea c) da Sexta Directiva, aquele em que as prestações tinham sido materialmente executadas, ou seja, na Bélgica. Em alternativa, que, nos termos do artigo 9._, n._ 2, alínea e), como lugar das prestações devia entender-se aquele em que os clientes tinham a sede da sua actividade económica, isto é, de novo, a Bélgica. As autoridades fiscais defenderam que era aplicável a regra principal do artigo 9._, n._ 1, e que a sociedade estava correctamente sujeita a IVA sobre as prestações belgas no lugar da sede da sua actividade económica nos Países Baixos.

6 O órgão jurisdicional nacional salienta que, uma vez que o lugar em que uma prestação de serviço se considera prestada nos termos do artigo 9._ da Sexta Directiva delimita o poder de um Estado-Membro de tributar essa prestação, é necessária uma interpretação de direito comunitário dessa disposição para obviar a situações de dupla tributação ou de não tributação que podem resultar de interpretações nacionais divergentes. Embora não esteja convencido de que qualquer das disposições do artigo 9._, n._ 2, invocadas pela recorrente no caso em apreço seja aplicável, o órgão jurisdicional nacional, verificando que as autoridades belgas são de opinião que o quarto travessão do artigo 9._, n._ 2, alínea c), se aplica à prestação de serviços veterinários, decidiu submeter ao Tribunal a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 9._ da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que se considera como lugar em que um veterinário presta os seus serviços o lugar onde está situada a sede da sua actividade económica ou onde possua um estabelecimento estável a partir do qual os serviços são prestados ou, na falta dessa sede ou estabelecimento estável, o lugar do seu domicílio ou residência habitual, ou deve interpretar-se este artigo no sentido de que o lugar em que um veterinário presta os seus serviços está situado noutro lugar, em especial, o lugar em que estas prestações sejam materialmente realizadas ou o lugar em que o destinatário dos referidos serviços tenha estabelecida a sede da sua actividade económica ou possua um estabelecimento estável ao qual é dirigida a prestação, ou, na falta de um ou de outro, o lugar do seu domicílio ou da sua residência habitual?»

II - Observações apresentadas no Tribunal

7 Foram apresentadas observações escritas pela Linthorst, pelos Governos neerlandês, alemão e italiano e pela Comissão, que, à excepção da Linthorst e do Governo alemão, apresentaram também alegações orais.

III - Análise

8 O artigo 9._, n._ 1, da Sexta Directiva enuncia uma regra segundo a qual o IVA sobre a prestação de serviços é normalmente cobrado no lugar onde o prestador tenha a sede da sua actividade económica. No entanto, o artigo 9._, n._ 2, sujeita a regras alternativas um leque amplo e heterogéneo de operações de prestação de serviços. A interpretação deste artigo, e em especial a relação entre o n._ 1 e o n._ 2 do artigo 9._, tem sido explicada pelo Tribunal.

9 Apesar de o artigo 9._, n._ 1, estabelecer «nesta matéria uma regra de carácter geral» (4), daí não resulta que o âmbito do artigo 9._, n._ 2, deva ser interpretado restritivamente, como excepção a uma regra geral (5). Pelo contrário, o Tribunal declarou no acórdão Dudda, já referido, que «o objectivo destas disposições é o de evitar, por um lado, os conflitos de competência, susceptíveis de conduzir a duplas tributações, e, por outro, a não tributação de receitas, como se declara no n._ 3 do artigo 9._, se bem que apenas quanto a situações específicas» (6). O Tribunal prosseguiu (7):

«Daqui resulta que, no que respeita à interpretação do artigo 9._, não existe qualquer proeminência do n._ 1 sobre o n._ 2 dessa disposição. A questão que se coloca em cada situação concreta é a de saber se ela é regida por um dos casos mencionados no artigo 9._, n._ 2; se o não for, inclui-se no n._ 1.»

Consequentemente, o Tribunal declarou que o âmbito do artigo 9._, n._ 2, deve ser interpretado à luz do seu objectivo, tal como foi estabelecido no sétimo considerando da Sexta Directiva (8) que leva a crer que a sua finalidade global é «estabelecer um regime especial para as prestações de serviços que sejam efectuadas entre sujeitos passivos e cujo custo esteja incluído no preço dos bens» (9).

10 No caso em apreço, os serviços prestados pela sociedade foram provavelmente incluídos directamente no preço dos produtos fornecidos pelos criadores (nomeadamente, no valor de revenda do gado ou das carcaças, se abatido antes da venda, ou no preço dos produtos lácteos, produzidos a partir dos seus animais, no caso de uma exploração leiteira). De modo mais genérico, e tal como foi referido pelo órgão jurisdicional nacional, uma parte não despicienda dos serviços dos veterinários é prestada a particulares, pelo que não se trata de prestação de serviços entre sujeitos passivos, mesmo se, conforme exporei mais adiante, os serviços veterinários se incluírem no artigo 9._, n._ 2, alínea e), terceiro travessão. No entanto, tal não parece resultar dos factos do processo em apreço, em que os serviços são prestados a criadores de gado.

i) O artigo 9._, n._ 2, alínea c), terceiro travessão - Peritagens relativas a bens móveis corpóreos

11 A parte interessada começa por sustentar que as prestações belgas devem ser classificadas «peritagens relativas a bens móveis corpóreos». Este argumento baseia-se, em primeiro lugar, no texto neerlandês do terceiro travessão do artigo 9._, n._ 2, alínea c), da Sexta Directiva, e, em especial, nas palavras «in verband met», que se podem exprimir em inglês como «in connection with», ou, em francês, como «en rapport avec». Com efeito, o texto inglês emprega a expressão «relating to», e o texto francês indica «ayant pour objet». Ambas as expressões implicam um nexo intencional ente os serviços prestados e a peritagem dos bens. Aceito a classificação dos animais como «bens móveis corpóreos», uma vez que o direito civil da maioria dos sistemas jurídicos considera a propriedade de animais semelhante à propriedade de coisas inanimadas. No entanto, concordo com o órgão jurisdicional nacional quando afirma que os serviços que o legislador teve em vista eram os de peritos de avaliações, tais como os peritos em matéria de sinistros, e não os de peritos em matéria de cuidados de saúde animal.

12 Pode dar-se o caso, esporadicamente, de um veterinário fornecer a um criador uma avaliação dos danos sofridos, por exemplo, em resultado de um surto de uma doença bovina ou, como foi indicado na audiência pelo consultor do Governo neerlandês, de ser dada ao proprietário de um cavalo uma estimativa do valor do animal. No entanto, na minha opinião, estas situações são incidentais ou ocasionais. A função principal de um médico veterinário é a de prestar cuidados veterinários, terapêuticos ou profilácticos aos animais. Na sua essência, quer quanto ao objectivo essencial desses cuidados, quer quanto aos meios e aos medicamentos usados, é muitas vezes - com algumas excepções óbvias - semelhante à função de um médico de clínica geral. Não creio que os serviços normalmente prestados pelos veterinários possam equiparar-se aos que «tenham por objecto... peritagens relativas a bens móveis corpóreos».

ii) O artigo 9._, n._ 2, alínea c), quarto travessão - Trabalhos relativos a bens móveis corpóreos

13 A Linthorst alega também que os serviços prestados pelos veterinários se podem classificar como trabalhos relativos a bens móveis corpóreos, nos termos do quarto travessão do artigo 9._, n._ 2, alínea c), da Sexta Directiva. A este respeito, além do facto de o texto neerlandês das palavras que remetem para os travessões empregar a expressão «in verband met», enquanto o texto inglês usa «relating to», o órgão jurisdicional nacional salienta que nem a redacção do texto inglês nem a do alemão (a saber, «work on movable tangible property» ou «Arbeiten an beweglicher koerperlicher Gegenstaende») não são potencialmente tão amplas como a expressão neerlandesa «werkzaamheden die betrekking hebben op roerende lichamelijke zaken», que, aparentemente, numa tradução mais literal para inglês, poderia corresponder a «activities which relate to movable corporeal things». Em neerlandês, a palavra «werkzaamheden» tem, aparentemente, uma conotação mais ampla do que a da palavra «work» em inglês. A Comissão, no entanto, defende que a palavra «travaux» usada no texto francês evoca mais a ideia de trabalhos de reparação ou manutenção do que a função combinada de dar conselhos e prestar cuidados veterinários, que contrapõe ao que reconhece ser a palavra neerlandesa mais neutra, «werkzaamheden» (10). O órgão jurisdicional nacional restringiria o quarto travessão aos trabalhos efectuados sobre os próprios bens móveis corpóreos e, como o Governo alemão, sustenta que esta disposição não deve ser interpretada de modo demasiado extensivo, já que tal interpretação teria o efeito de tornar redundante o terceiro travessão.

14 Ao interpretar uma disposição de direito comunitário, o Tribunal procura chegar a um sentido uniforme do texto que esteja em harmonia com a verdadeira intenção do legislador comunitário, e que não seja necessariamente influenciado pelas particularidades de uma qualquer versão linguística dos vários textos que fazem igualmente fé (11). O órgão jurisdicional nacional reportou-se aos textos inglês e alemão como não corroboradores de uma interpretação extensiva do texto neerlandês, enquanto a Comissão defende que o texto francês conduz a uma interpretação mais restritiva e mais específica. Acrescentaria a isto que nenhum dos outros textos do artigo 9._, n._ 2, alínea c), da Sexta Directiva que faziam fé durante o período fiscal em questão parece corroborar a interpretação extensiva dessa disposição que a sociedade pretende (12). É certo que o Tribunal tem por vezes interpretado uma disposição da Sexta Directiva destacando em especial uma das versões que fazem fé, quando tal não colida com as outras (13), mas procurando sempre atingir, no entanto, o objectivo de uma interpretação comunitária uniforme.

15 Na opinião do órgão jurisdicional nacional, os serviços dos veterinários, quer em linguagem corrente quer pelos serviços de profilaxia e de aconselhamento normalmente prestados, implicam mais do que o simples trabalho em animais, e podem ser considerados, mais correctamente, como dizendo respeito ao tratamento de animais (14). Declara que esta perspectiva é também apoiada pelas outras disposições legislativas (15). Tem o apoio da Comissão ao defender que a perspectiva do público, em linguagem corrente, é mais importante do que os precisos termos usados (16). Os serviços prestados por veterinários não se referem, em linguagem comum, a trabalhos em animais.

16 Aceito que a referência a «trabalhos relativos a bens móveis corpóreos» não deve ser interpretada em sentido lato. O legislador pretendeu, na minha opinião, incluir nesse travessão apenas os serviços que exijam algum trabalho físico sobre bens móveis, ou que pelo menos estejam intimamente ligados a tais trabalhos, e não o trabalho de natureza predominantemente intelectual.

17 O trabalho dos veterinários, tal como é normalmente entendido pelo público, abrange muito mais do que o mero tratamento físico de animais. Como se referiu na nota 14 das presentes conclusões, o legislador comunitário deu inicialmente aos Estados-Membros a possibilidade de isentar «a assistência prestada aos animais pelos médicos veterinários» (sublinhado meu). Acresce que, nos termos do artigo 13._, A, n._ 1, alínea c), é exigido aos Estados-Membros que, sem qualquer limite temporal, isentem «as prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício das actividades médicas e paramédicas, tal como são definidas pelo Estado-Membro em causa». Na minha opinião, esta referência específica a «assistência» comprova que quem redigiu a Sexta Directiva não pretendeu alterar, para efeitos de IVA, a concepção comum do que constitui o trabalho dos veterinários. O Tribunal, ao declarar que a Itália não cumpriu as obrigações que lhe incumbem nos termos da Sexta Directiva, ao isentar de IVA os serviços veterinários, parece aceitar que o trabalho dos veterinários se deve entender como «assistência prestada a animais» (17).

18 Estou convencido de que o trabalho dos veterinários deve ser considerado globalmente e por referência à noção corrente da natureza e finalidade desse trabalho, e não por referência ao facto incidental de envolver, efectivamente, um trabalho em animais. O simples facto de parte do trabalho desenvolvido pela sociedade poder envolver, em sentido puramente literal, um trabalho relativo a bens móveis corpóreos não pode, na minha opinião, afectar esta perspectiva. Os aspectos físicos dos exames e das operações praticadas em animais por veterinários, como parte do serviço que prestam aos seus clientes, não definem completamente a natureza desse serviço, uma vez que pressupõem as qualificações intelectuais, a experiência e o discernimento do médico em questão. Estou pois convencido de que tal serviço não pode classificar-se como sendo abrangido pelo quarto travessão do artigo 9._, n._ 2, alínea c).

iii) O artigo 9._, n._ 2, alínea e), terceiro travessão - Similitude com serviços de consultadoria

19 Por fim, a Linthorst alega que as prestações de serviços veterinários devem ser consideradas, enquanto «prestações similares», como relevando das «prestações de serviços de consultores, engenheiros, gabinetes de estudo, advogados, peritos contabilistas e demais prestações similares» do terceiro travessão do artigo 9._, n._ 2, alínea e), da Sexta Directiva. O órgão jurisdicional nacional é de opinião de que, à luz da diferença de natureza entre o conjunto dos serviços prestados por um veterinário e os serviços prestados por «consultores» ou «demais prestações similares», os serviços veterinários não podem incluir-se nessa disposição. A sociedade sustenta que os seus serviços podem, quer por referência ao sentido extensivo do conceito de consultadoria, quer pela natureza parcialmente consultiva dos serviços veterinários, ser considerados pelo menos similares aos dos consultores. O Governo alemão defende que, sendo certo que a lista das actividades enumeradas no artigo 9._, n._ 2, alínea e), contém apenas actividades desenvolvidas de modo independente, daí não resulta que todas essas actividades se devam considerar abrangidas no seu âmbito; se o legislador tivesse querido incluir os serviços normalmente prestados pelos veterinários, tê-lo-ia feito expressamente.

20 À primeira vista, não há resposta óbvia para este dilema. A razão para excluir estes serviços do artigo 9._, n._ 2, alínea c), é, pelo menos em parte, a sua natureza parcialmente consultiva. No acórdão Dudda, o tribunal interpretou uma disposição paralela, contida no artigo 9._, n._ 2, alínea c), terceiro travessão, respeitante ao lugar da prestação de serviços relativos a:

«actividades culturais, artísticas, desportivas, científicas, docentes, recreativas ou similares, incluindo as dos organizadores das mesmas, bem como, eventualmente, prestações de serviços acessórias».

É importante salientar que os serviços técnicos de engenharia acústica e de som em questão nesse processo foram considerados como «acessórios» da natureza artística ou recreativa das actividades principais. No acórdão Dudda, o Tribunal fez portanto apenas uma breve referência à expressão «actividades... similares», e declarou que «não só prestações que têm por objecto actividades nomeadamente artísticas ou recreativas, mas também as prestações que têm por objecto actividades simplesmente similares se incluem na previsão dessa disposição» (18).

21 Não considero fácil interpretar a expressão «actividades simplesmente similares» (19). Aparentemente, o Tribunal quer dizer que basta que as actividades sejam «similares» às actividades artísticas ou recreativas para as incluir naquele travessão. Por outro lado, o Tribunal não procura estabelecer, nos termos do primeiro travessão, qualquer classe ou género de actividades que pudessem justificar a aplicação do princípio interpretativo ejusdem generis (20). A aplicação deste princípio pressupõe que é possível identificar, das matérias enumeradas no texto jurídico em análise, um «género» que antecede as expressões gerais (21). Procura-se, essencialmente, um elemento suficientemente comum para permitir a identificação de uma classe reconhecível. As actividades enumeradas no terceiro travessão do artigo 9._, n._ 2, alínea e), parecem-me demasiado heterogéneas e desprovidas de elementos comuns. Tem sido sugerido que o facto de as actividades enumeradas poderem ser, em geral, consideradas como profissões liberais criariam um «género». Não creio, contudo, que o legislador tenha pretendido, nesse travessão, enumerar uma lista ou estabelecer um género ou classe de actividades correspondentes às que se incluem na noção tradicional de profissões liberais. Uma interpretação que tente comparar as inúmeras formas possíveis do trabalho de consultadoria com o prestígio social e intelectual - normalmente baseado nos elevados padrões de conhecimentos académicos e na severa regulamentação do comportamento ético e profissional - das profissões liberais tradicionais deformaria consideravelmente a redacção desse travessão. A omissão dos serviços médicos, evidentemente, decorre naturalmente da isenção desses serviços nos termos do artigo 13._, parte A, n._ 1, alínea c). Se tivessem sido incluídos seriam sem dúvida «similares» aos serviços veterinários. Em suma, não há classe de actividades na lista que seja «similar» às actividades normais de um veterinário, e, na minha opinião, não se identifica qualquer elemento comum, além da noção, insatisfatória, de profissões liberais, a que tais actividades se pudessem assimilar.

22 Com efeito - como já declarei relativamente ao quarto travessão do artigo 9._, n._ 2, alínea c) (22) - e tendo em conta a isenção transitória expressamente estabelecida nos termos do artigo 28._, n._ 3, alínea b), e do Anexo F da Sexta Directiva para a assistência prestada aos animais pelos veterinários, se o legislador tivesse querido incluir os serviços dos veterinários naquele travessão, como o fez claramente quanto aos serviços dos advogados, tê-lo-ia feito expressamente. Os médicos veterinários que prestam serviços veterinários tradicionais exercem uma profissão específica cuja função é facilmente compreendida pelo público. Não havendo um «género» naquele travessão, como já se analisou no número anterior, é preciso verificar se tais actividades veterinárias são semelhantes a qualquer das actividades enumeradas nesse travessão. A referência a «demais prestações similares» não pode ser interpretada como uma referência à situação profissional dos prestadores de alguns dos serviços enumerados, tais como os advogados - uma vez que quer os veterinários quer os advogados se podem genericamente classificar como profissionais liberais -, mas, pelo contrário, deve ser interpretada como incluindo apenas aquelas prestações que sejam similares - quanto a aspectos concretos dos serviços efectivamente prestados - a qualquer uma das precedentes prestações de serviços expressamente enumeradas. A similitude, como tal, entre a natureza dos serviços prestados por veterinários e os dos consultores, ou «gabinetes de estudo» em especial, que resulta dos aspectos consultivos de parte do trabalho dos veterinários, não é suficiente, na minha opinião, para os incluir no âmbito desse travessão.

23 Aliás, a história legislativa do artigo 9._ da Sexta Directiva, que tem sido descrita de modo tão variado quanto «bastante turbulenta» (23) e «bastante confusa» (24), não fornece qualquer base para interpretar o artigo 9._, n._ 2, alínea e), terceiro travessão, no sentido de incluir serviços veterinários (25). Não leva a crer, por exemplo, que o legislador tenha pretendido que todos os serviços profissionais ou exercidos de modo independente que são prestados a nível intracomunitário entre sujeitos passivos devam ser, na acepção do artigo 9._, n._ 2, alínea e), tributados «no lugar onde o destinatário tenha a sede da sua actividade económica ou um estabelecimento estável». Acresce que o sétimo considerando do preâmbulo da Sexta Directiva (26) também não é muito útil, uma vez que indica, como o Tribunal confirmou no acórdão Dudda, já referido, que o objectivo das regras alternativas estabelecidas no artigo 9._, n._ 2, é «estabelecer um regime especial para as prestações de serviços que sejam efectuadas entre sujeitos passivos e cujo custo esteja incluído no preço dos bens» (27). O simples facto das prestações belgas terem provavelmente sido incorporadas pelos destinatários no preço dos «bens» que posteriormente forneceram a outras entidades não pode, por si só, determinar que o lugar da prestação desses serviços tenha sido a Bélgica.

24 Estou convencido de que, por indeterminado que seja o âmbito da noção de actividades similares às de «consultores» ou de «gabinetes de estudo», tal não pode, através de uma interpretação razoável, entender-se como abrangendo o trabalho dos veterinários. A prestação de cuidados de saúde a animais envolve muito mais do que um mero trabalho consultivo relacionado com animais. Poderia não ser assim se um grupo de veterinários formasse uma empresa que se dedicasse a prestar serviços de consultadoria de negócios, relacionada com animais, a criadores, a entidades interessadas em iniciar actividades agrícolas, ou até às autoridades públicas, mas, nesse caso, os seus serviços não seriam serviços veterinários no sentido em que estes são normalmente entendidos. De igual modo, um veterinário pode prestar serviços que sejam genuinamente de natureza consultiva; por exemplo, pode aconselhar regularmente pessoas, empresas ou entidades sobre saúde animal. Em qualquer caso, o órgão jurisdicional nacional não considerou que seja esse o caso da Linthorst, cujo trabalho de aconselhamento parece ser esporádico relativamente às suas actividades veterinárias normais.

25 Creio que, tendo em conta, em primeiro lugar, os objectivos subjacentes ao sistema de IVA da Comunidade e em especial ao artigo 9._ da Sexta Directiva, e, em segundo lugar, a natureza global dos serviços veterinários tal como eles se entendem em linguagem corrente, as prestações de serviços efectuados por um veterinário, que age nessa qualidade, e não na de um consultor especialista, não podem interpretar-se como sendo abrangidos pelo terceiro travessão do artigo 9._, n._ 2, alínea e).

iv) O artigo 9._, n._ 1 - Lugar da prestação

26 Uma vez que nenhuma das disposições do artigo 9._, n._ 2, da Sexta Directiva é aplicável, o lugar da prestação dos serviços executados pela sociedade é regido pelo artigo 9._, n._ 1. No acórdão Berkholz, o Tribunal declarou que, «segundo o artigo 9._, n._ 1, o lugar em que o prestador tem a sede da sua actividade económica é um ponto de referência prioritário, na medida em que só é tido em conta outro estabelecimento a partir do qual os serviços tenham sido estabelecidos se a referência à sede da actividade económica não conduzir a um resultado racional para efeitos de imposto ou criar um conflito com outro Estado-Membro» (28). Esse ponto de referência prioritário é, no caso em apreço, nos Países Baixos. A escolha da sede da actividade económica como lugar da prestação de serviços veterinários resolverá quaisquer conflitos que resultem de perspectivas nacionais divergentes, tais como as que envolvem, no caso em apreço, os Países Baixos e a Alemanha, por um lado, e a Bélgica, por outro.

27 Acresce que não foi sugerido que a sociedade, no caso em apreço, tenha um estabelecimento estável fora dos Países Baixos, seja na Bélgica ou em outro local. Daqui resulta que o lugar da prestação dos seus serviços tem que ser aquele em que a sociedade tem a sede da sua actividade económica, a saber, como o órgão jurisdicional nacional já concluiu, os Países Baixos.

IV - Conclusão

28 Consequentemente, proponho que o Tribunal responda à questão apresentada pelo Gerechtshof te' s-Hertogenbosch do seguinte modo:

«O artigo 9._ da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que o lugar da prestação de serviços por um veterinário que efectua prestações de serviços em mais do que um Estado-Membro, é o lugar onde este tem a sede da sua actividade económica, excepto se o prestador tiver um estabelecimento estável num outro Estado-Membro e prestar os serviços em questão a partir desse estabelecimento.»

(1) - Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1, EE 09 F1 p. 54, a seguir «Sexta Directiva»).

(2) - O despacho de reenvio faz referência a uma lei de 28 de Dezembro de 1987, publicada no Staatsblad, p. 677.

(3) - No seguimento das presentes conclusões, referir-me-ei a esta sociedade como «Linthorst» ou «sociedade».

(4) - Acórdão de 26 de Setembro de 1996, Dudda (C-327/94, Colect., p. I-4595, n._ 20).

(5) - A este respeito, portanto, o destaque dado a esta perspectiva de interpretação, em nome da Itália e dos Países Baixos, é incorrecto.

(6) - Acórdão Dudda, n._ 20, já referido.

(7) - Ibidem, n._ 21.

(8) - O sétimo considerando declara que «a determinação do lugar das operações tributáveis provocou conflitos de competência entre os Estados-Membros, designadamente no que se refere à entrega de bens para montagem e às prestações de serviços; ... embora o lugar das prestações de serviços deva ser fixado, em princípio, no lugar em que o prestador de serviços tem a sede da sua actividade profissional, convém, no entanto, fixar esse lugar no país do destinatário, designadamente no que se refere a algumas prestações de serviços, efectuadas entre sujeitos passivos, cujo custo esteja incluído no preço dos bens».

(9) - Acórdão Dudda, já referido, n._ 23. Resulta claramente do n._ 24 deste acórdão que a mesma lógica se aplica à prestação de serviços cujo custo seja incluído pelo destinatário «no preço da prestação global paga pelo consumidor final...»

(10) - A edição de 1993 de Le Nouveau Petit Robert define as palavras «un travail», ou «le travail de quelqu'un» como «(l')ensemble des activités exercées pour parvenir à un résultat (oeuvre, production)», o que parece evocar a ideia de trabalho físico conducente a resultados materiais e determináveis.

(11) - V., por exemplo, o acórdão de 12 de Novembro de 1969, Stauder (29/69, Colect. 1969-1970, p. 157, n._ 3).

(12) - As expressões usadas são as seguintes: em dinamarquês «arbejde», em grego «aaòãáóéaaò», em italiano «lavori», em português «trabalhos», em espanhol «trabajos». Todas estas expressões mantêm um forte nexo com a ideia de trabalho.

(13) - V., por exemplo, o acórdão de 28 de Março de 1996, Gemeente Emmen (C-468/93, Colect., p. I-1721, n._ 24), em que o texto neerlandês prevaleceu, com o apoio da pontuação em três outros textos.

(14) - A este respeito, o órgão jurisdicional nacional refere-se ao n._ 9 do Anexo F da Sexta Directiva, que menciona a «assistência prestada aos animais pelos médicos veterinários». Os Estados-Membros podiam, nos termos do artigo 28._, n._ 3, alínea b), manter, por um determinado período, quaisquer eventuais isenções de IVA nacionais para tais serviços. No entanto, esta autorização foi afastada pelo artigo 1._ da décima oitava Directiva 89/465/CEE do Conselho, de 18 de Julho de 1989, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Supressão de determinadas derrogações previstas no n._ 3 do artigo 28._ da Directiva 77/388/CEE (JO L 226, p. 21).

(15) - O órgão jurisdicional nacional refere-se, inter alia, às disposição sobre isenção de IVA na importação temporária de bens na Comunidade. Salienta que o âmbito da isenção, a este respeito, contido no artigo 14._, n._ 1, alínea c) da Sexta Directiva foi definido pela décima sétima Directiva 85/362/CEE do Conselho, de 16 de Julho de 1985, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Isenção do imposto sobre o valor acrescentado em matéria de importações temporárias de bens que não sejam meios de transporte (JO L 192, p. 20, EE 09 F2 p. 9). O título III, capítulo 11, onde se inclui o artigo 23._, diz respeito a animais. Dispõe que a isenção é concedida para: «a) animais vivos de qualquer espécie importados para... serem submetidos a tratamentos veterinários». Segundo o órgão jurisdicional nacional, uma tal referência específica a serviços veterinários indica que, se o legislador tivesse pretendido incluir tais serviços no âmbito de aplicação do quarto travessão, tê-lo-ia feito expressamente.

(16) - A Comissão cita os n.os 19 e 20 do acórdão de 14 de Maio de 1985, Van Dijk's Boekhuis (139/84, Recueil, p. 1405) em defesa deste argumento.

(17) - Acórdão de 24 de Maio de 1988, Comissão/Itália (122/87, Colect., p. 2685, n._ 9).

(18) - N._ 25 do acórdão (sublinhado meu).

(19) - Por exemplo, do texto francês do acórdão consta «des activités simplement similaires».

(20) - V., por exemplo, Bennion: Statutory Interpretation, Butterworths, 2.a ed., 1992, pp. 860 e segs.

(21) - V., por exemplo, Nalgo/Bolton Corporation (1943) AC 166, p. 176. Este princípio é também aplicável no direito irlandês; v., por exemplo, CW Shipping Ltd/Limerick Harbour Commissioners (1989) ILRM 416, e foi invocado com elemento interpretativo pelo advogado-geral Sir Gordon Slynn nas conclusões apresentadas no processo Schotte (acórdão de 9 de Dezembro de 1987, 218/86, Colect., pp. 4905, 4911).

(22) - V. nota 15 das presentes conclusões.

(23) - Terra e Kajus: A Guide to the Sixth VAT Directive, IBFD, 1991, p. 356.

(24) - V. Farmer e Loyal: EC Tax Law, Oxford 1994, p. 155.

(25) - A partir de uma situação em que a maior parte das prestações de serviços se considerava prestada no lugar em que o prestador tinha a sede da sua actividade económica, nos termos do artigo 10._ da proposta inicial (JO 1973, C 80, p. 1), o texto final da Sexta Directiva adoptou, como vimos, uma regra geral no n._ 1, sujeita a uma extensa lista de serviços no n._ 2, cujo lugar de prestação depende essencialmente do lugar em que são executados. Embora a lista inicial [artigo 16._, n._ 10, alínea e) da proposta], que é comparável ao artigo 9._, n._ 2, alínea e), se refira simplesmente a «serviços de consultores, engenheiros e gabinetes de planeamento, e serviços similares» - o que não foi modificado na proposta alterada da Comissão: v. Suplemento 11-73 ao Boletim das CE -, foi o Conselho quem foi aparentemente responsável pelas actividades adicionais especificadas no texto na forma que veio a ser adoptada. Não há indícios de qualquer objectivo geral que tenha levado o Conselho a incluir «gabinetes de estudo», «advogados», e «peritos contabilistas», excluindo «gabinetes de planeamento». Embora as expressões usadas para «gabinetes de planeamento» nas versões francesa e alemã da proposta («bureaux d'études» e «studienbueros») se tenham mantido inalteradas nos textos finais adoptados nessas línguas, os termos empregues nas versões inglesa e neerlandesa foram alterados no texto final. Assim, em inglês a referência a «planning offices» foi substituída por «consultancy bureaux», enquanto em neerlandês a palavra «studiebureaus» foi substituída por «adviesbureaus».

(26) - Citado na nota 8 das presentes conclusões.

(27) - N._ 23 do acórdão.

(28) - Acórdão de 4 de Julho de 1985 (168/84, Recueil, p. 2251, n._ 17).