61988C0173

Conclusões do advogado-geral Jacobs apresentadas em 17 de Maio de 1989. - SKATTEMINISTERIET CONTRA MORTEN HENRIKSEN. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: HOEJESTERET - DINAMARCA. - IMPOSTO SOBRE O VOLUME DE NEGOCIOS - ISENCAO. - PROCESSO 173/88.

Colectânea da Jurisprudência 1989 página 02763


Conclusões do Advogado-Geral


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Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. No presente reenvio do Hoejesteret (Supremo Tribunal dinamarquês) põe-se a questão de saber se deve ser tributada em IVA a locação de garagens individuais fechadas, nos termos do artigo 13.°, parte B, alínea b), da sexta directiva IVA (Directiva 77/388 do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, JO 1977, L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54).

2. O artigo 13.° da sexta directiva IVA tem como epígrafe "Isenções no território do país". O artigo 13.°, parte A,

tem como epígrafe "Isenções em benefício de certas actividades de interesse geral". O artigo 13.°, parte B, tem como epígrafe "Outras isenções" e dispõe:

"Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados-membros isentarão, nas condições por eles fixadas com o fim de assegurar a aplicação correcta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso:

a) ...

b) A locação de bens imóveis, com excepção:

1. das operações de alojamento, tal como são definidas na legislação dos Estados-membros, realizadas no âmbito do sector hoteleiro ou de sectores com funções análogas, incluindo as locações de campos de férias ou de terrenos para campismo;

2. da locação de áreas destinadas ao estacionamento de veículos;

3. da locação de equipamento e maquinaria de instalação fixa;

4. da locação de cofres fortes.

Os Estados-membros podem prever outras excepções ao âmbito de aplicação desta isenção";

c)..."

3. O artigo 13.°, parte C, que tem como epígrafe "Opções", está redigido nos termos seguintes:

"Os Estados-membros podem conceder aos seus sujeitos passivos o direito de optar pela tributação:

a) da locação de bens imóveis;

b) das operações referidas na parte B, alíneas d), g) e h).

Os Estados-membros podem restringir o âmbito do direito de opção e fixarão as regras do seu exercício."

4. O artigo 13.°, parte B, deve ser interpretado à luz do décimo sétimo considerando do preâmbulo da directiva:

"considerando que é conveniente, dentro de certos limites e em determinadas condições, que os Estados-membros possam adoptar ou manter medidas especiais derrogatórias da presente directiva, a fim de simplificar a cobrança do imposto ou de evitar certas fraudes ou evasões fiscais".

5. A sexta directiva IVA foi implementada na Dinamarca pela Lei n.° 204, de 10 de Maio de 1978, que transpôs o essencial do disposto, entre outros, no artigo 13.°, parte B, alínea b), da directiva.

6. A questão em litígio entre as partes na causa principal, M. Henriksen e o Ministério dos Assuntos Fiscais, é a de saber se a locação, pelo Sr. Henriksen, de garagens situadas num complexo de garagens de que é proprietário constitui locação de "bens imóveis" ou "locação de áreas destinadas ao estacionamento de veículos". No primeiro caso, está em princípio abrangida pela isenção de IVA (com reserva da faculdade dos Estados-membros de preverem outras excepções, conforme a parte final do artigo 13.°, parte B, alínea b), acima citado.) No segundo caso, está excluída da isenção, e portanto

sujeita ao IVA.

7. Resulta dos autos que o complexo de garagens em causa é composto por dois edifícios, cada um com 12 garagens, que foram construídos ao mesmo tempo que um complexo composto por 37 moradias em banda. Algumas das garagens estão arrendadas a habitantes do complexo imobiliário, enquanto outras estão arrendadas a residentes na vizinhança. São garagens fechadas, separadas por uma divisória e cada uma com a sua porta. Este tipo de garagens encontra-se nas traseiras de moradias ou blocos de apartamentos por toda a parte na Europa. O Sr. Henriksen esclareceu em audiência que é proprietário apenas das garagens e não de qualquer das moradias.

8. No processo nacional, o OEstre Landsret decidiu em primeira instância que a locação de tais garagens não estava sujeita a imposto. Aquele tribunal considerou que, de acordo com o sentido literal da expressão "áreas destinadas ao estacionamento" na lei dinamarquesa, a exclusão da isenção aplicável à locação de bens imóveis não abrange garagens como as que estão em causa; e que da redacção do artigo 13.°, parte B, alínea b), ponto 2, da directiva, tanto na versão dinamarquesa como nas outras versões, não resultava com suficiente clareza que a interpretação defendida pelo demandado estava correcta. Tendo o ministério demandado interposto recurso para o Supremo Tribunal, este, por acórdão que deu entrada na Secretaria do Tribunal em 27 de Junho de 1988, submeteu a este Tribunal duas questões. As questões são as seguintes:

"1) Deve a alínea b) da parte B do artigo 13.° da Directiva 77/388 do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios (sexta directiva IVA) ser interpretada no sentido de que a obrigação fiscal decorrente da locação de "áreas destinadas ao estacionamento de veículos" abrange igualmente a locação de garagens do tipo das que estão em causa no presente processo?

2) Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, deve o artigo citado ser interpretado no sentido de que os Estados-membros são obrigados a tributar em IVA a locação de garagens do tipo das aqui em causa?"

9. Tanto o Governo dinamarquês como a Comissão apresentaram observações escritas neste Tribunal. No que respeita à primeira questão, o Governo dinamarquês alega que qualquer local para estacionamento de veículos, quer seja descoberto, coberto ou situado num edifício, está abrangido pela expressão "áreas destinadas ao estacionamento de veículos". Invoca as diversas versões linguísticas do artigo 13.°, parte B, alínea b), ponto 2, da directiva, alegando que a versão inglesa ("premises and sites") é particularmente útil, pelo facto de revelar a natureza exaustiva do conceito pretendido pelo legislador comunitário. Alega que todas as isenções do IVA devem ser interpretadas restritivamente,

uma vez que o objectivo da directiva é a aplicação de um sistema comum do imposto e que as isenções devem ser objecto de uma "aplicação correcta e simples". Permitir que este tipo de garagens ficasse isento criaria uma anomalia, uma vez que seria mais lucrativo arrendar esse tipo de garagem do que qualquer outra modalidade de estacionamento.

10. A Comissão sugere, com efeito, que a primeira questão deve ser respondida afirmativamente, excepto no caso de uma garagem desse tipo ser arrendada como parte do arrendamento de um bem imóvel (por exemplo, o arrendamento de uma moradia ou apartamento juntamente com a garagem), caso em que não deve haver tributação em IVA sobre a parte da renda correspondente à garagem. Alega que, em tais circunstâncias, a locação da garagem ou da área de estacionamento é um acessório do objecto do contrato de arrendamento propriamente dito. A Comissão considera que a legislação da maior parte dos Estados-membros mostra que a tributação em IVA só incide sobre a locação de áreas destinadas ao estacionamento de veículos quando tal locação reveste uma natureza genuinamente comercial. Uma vez que, como afirma, nenhum Estado-membro cobra IVA quando essa locação faz parte de um contrato de arrendamento para habitação, a Comissão sugere que só deve ser cobrado IVA quando seja especificado um preço distinto para a locação da garagem ou da área de estacionamento.

11. Se o caso em apreço devesse ser decidido com base unicamente na versão em língua inglesa da directiva, eu não teria praticamente dificuldade em chegar à conclusão de que as garagens do tipo em causa no presente processo estão abrangidas pela excepção enunciada na expressão "premises and sites for parking vehicles" e de que a locação de tais garagens está sujeita a IVA,

sob reserva, eventualmente, de uma isenção do género da que foi sugerida pela Comissão, em que a locação da garagem é meramente acessória da locação de outro bem, como uma moradia ou um apartamento. Na altura própria considerarei as questões que este ponto de vista pode suscitar.

12. Mas, no caso presente, é evidente que existem variações nas diversas versões linguísticas da directiva e é necessário, portanto, considerar as diversas versões linguísticas, e também procurar colocar as disposições em causa no contexto global da directiva, vista à luz dos seus objectivos.

13. Na versão em língua inglesa, o termo "premises", em especial, parece suficientemente amplo para abranger qualquer tipo de estrutura implantada no terreno. Contudo, noutras versões linguísticas, a situação é menos clara. Na versão francesa, por exemplo, os termos utilizados são: "à l' exception... des locations d' emplacement pour le stationnement des véhicules". O termo "emplacement", neste contexto, é mais adequado para designar uma área para estacionamento de automóveis, delimitada num parque de estacionamento de automóveis ao ar livre, ou inserida num parque de estacionamento construído para o efeito, como um parque de estacionamento subterrâneo do género dos que se encontram nos centros urbanos. Só talvez por extensão é que o termo "emplacement pour le stationnement des véhicules" seria adequado para designar um edifício como uma garagem.

14. As outras versões linguísticas parecem mais próximas da francesa do que da inglesa, neste ponto. A dinamarquesa usa "pladser til parkering af koeretoejer", literalmente "áreas (ou locais) para estacionamento de veículos", a neerlandesa usa "verhuur van parkeerruimte voor voertuigen", a alemã usa "der Vermietung von Plaetzen fuer das Abstellen von Fahrzeugen" e a italiana usa "delle locazioni di aree destinate al parcheggio dei veicoli", parecendo todas elas ter acepções semelhantes à francesa. Desta forma, das seis versões da directiva que fazem fé no momento da sua adopção, todas, excepto a inglesa, podem ser entendidas no sentido de que a excepção, pelo menos em princípio, é limitada à locação de lugares ou espaços para estacionamento; um sentido que, no texto inglês, teria sido melhor expresso pelo termo "sites" do que por "premises and sites", "for parking vehicles".

15. Embora estas considerações linguísticas devam revestir importância considerável, especialmente num acto legislativo no domínio fiscal, há que considerar se outros factores, especialmente o sistema e os objectivos da directiva, podem conduzir a uma interpretação diversa, e em particular a uma extensão do sentido literal de modo a incluir as garagens fechadas do tipo das que estão em causa (ver processo 139/84, Van Dijk' s Boekhuis/Staatssecretaris van Financiën, Recueil 1985, p. 1405, 1418).

16. O historial do texto nada ajuda a este respeito, embora se possa referir que a proposta de directiva da Comissão (que aliás ia mais longe, ao excluir da isenção a locação de bens industriais e comerciais) mencionava apenas "contracts for the supply of parking facilities", no texto inglês, ou "des contrats de parking", no texto francês (Boletim das Comunidades Europeias, Suplemento 11/73, p. 43).

17. As disposições devem também ser consideradas no seu contexto. O contexto imediato pouco ajuda, uma vez que as outras excepções previstas no artigo 13.°, parte B, alínea b), ponto 2, constituem uma mistura heterogénea, sem nenhum princípio director aparente. Por outro lado, a isenção prevista no artigo 13.°, parte B, alínea b), está formulada em termos muito amplos, sendo, como é, extensiva à locação de todos os bens imóveis sob reserva das excepções especificadas. No contexto desta isenção redigida em termos amplos, pareceria excessivo interpretar a excepção relativa à locação de áreas destinadas ao estacionamento de veículos de forma tão ampla que fosse extensiva a uma operação económica que parece estar fora da sua letra e, ao fazê-lo, dar-lhe um sentido que seria contrário ao sentido predominante do texto.

18. Pode inferir-se do sistema da directiva globalmente considerado, e da letra do artigo 2.° em particular, que o princípio básico da directiva é que todas as transmissões de bens e prestações de serviços estão sujeitas a IVA desde que efectuadas a título oneroso por um sujeito passivo agindo nessa qualidade, salvo se expressamente isentas. As normas de isenção devem ser

interpretadas restritivamente, uma vez que constituem uma excepção ao princípio básico da directiva (ver, por exemplo, o processo 51/88, Hamann/Finanzamt Hamburg-Eimsbuettel, acórdão de 15 de Março de 1989, Colect., p. 767, n.° 19). Pode alegar-se, nesta base, que a isenção de aplicação da norma básica (para a locação de bens imóveis) deveria ser interpretada restritivamente e que a excepção à isenção (para a locação de áreas destinadas a estacionamento) deveria ser interpretada amplamente, uma vez que isso resultaria na aplicação da norma básica. Contudo, mesmo nesta

interpretação ampla, não considero que a letra da excepção possa ampliar-se de forma a incluir garagens fechadas sem se afastar substancialmente do sentido normal dos termos utilizados na maior parte das versões linguísticas. Além disso, numa directiva destinada a ser aplicada de maneira uniforme em toda a Comunidade pelas autoridades fiscais dos Estados-membros, e na qual as isenções são expressamente destinadas a ser aplicadas de forma "simples", é conveniente que os termos utilizados sejam entendidos, na medida do possível, no seu sentido corrente. Em consequência, os objectivos da directiva a este respeito militam a favor do ponto de vista de que a excepção relativa à locação de áreas destinadas a estacionamento não deve ser interpretada como sendo extensiva à locação de garagens fechadas.

19. O Governo dinamarquês sugeriu que a directiva visa realizar um sistema de IVA que seja neutro do ponto de vista do consumidor, e que seria contrário a esse objectivo isentar a locação de garagens fechadas, uma vez que nesse caso se tornaria mais

lucrativo arrendar garagens fechadas em vez de outras modalidades de estacionamento. O Governo também alega que tal isenção levantaria difíceis problemas de delimitação entre tipos diferentes de locais de estacionamento. Mas as mesmas dificuldades surgiriam no caso de a locação de garagens fechadas não estar isenta, uma vez que, como a Comissão admite, mesmo que a locação de garagens devesse ser considerada como genericamente sujeita a IVA, haveria que fazer excepções no caso de a locação ser acessória da locação de outro bem imóvel, como uma moradia. As anomalias que daqui resultariam são bem ilustradas pelos factos do caso presente, em que algumas das garagens são arrendadas a habitantes das moradias que fazem parte do empreendimento imobiliário em que se situa o complexo de garagens, enquanto outras garagens do mesmo complexo não o são. A Comissão propõe como critério que o IVA só seja cobrado relativamente a uma garagem quando seja especificado um preço distinto para a locação da garagem, mas mesmo este critério poderia obviamente dar origem a anomalias ou mesmo a abusos. O ponto de vista da Comissão conduziria a resultados que não são mais fáceis de conciliar com o "fim de assegurar a aplicação correcta e simples das isenções e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso". A Comissão também estabelece uma distinção, baseada numa análise da prática de determinados Estados-membros, entre garagens ligadas a residências e locações de natureza comercial. Esta distinção não parece convincente se nos lembrarmos de que a locação de bens comerciais está genericamente isenta de IVA, nos termos da

directiva. Embora, nos termos do artigo 13.°, parte C, os Estados-membros possam conceder aos seus sujeitos passivos o direito de optar pela tributação da locação de bens imóveis, o disposto no artigo 13.°, parte C, também não faz distinção entre os bens comerciais e os outros.

20. Em consequência, dos termos da directiva, considerados no seu contexto, parece-me que a excepção não se aplica à locação de garagens individuais fechadas do tipo das que estão em causa no presente processo e que a primeira questão submetida ao Tribunal deve ser respondida pela negativa.

21. Perante a posição que assumo relativamente à primeira questão, a segunda questão submetida não chega a pôr-se. Contudo, se fosse adoptado o ponto de vista de que a locação de garagens do tipo das aqui em causa está excluída da isenção, então, na minha opinião, a segunda questão deveria ser respondida pela afirmativa. O efeito da excepção seria que tal locação estava sujeita a IVA e a directiva não admite qualquer discricionaridade a este respeito. A única possibilidade de discricionaridade resulta da parte final do artigo 13.°, parte B, alínea b), que permite aos Estados-membros prever outras excepções ao âmbito de aplicação da isenção, mas não permite aos Estados-membros derrogar as excepções previstas. A discricionaridade permite aos Estados-membros ampliar a sujeição ao IVA, mas não restringi-la.

22. Na minha opinião, isto levanta uma outra questão, que não foi referida mas que me parece ter de ser respondida. Como acabo de referir, a parte final do artigo 13.°, parte B, alínea b), permite aos Estados-membros prever outras excepções ao âmbito de aplicação da isenção. O poder discricionário conferido por esta disposição é amplo, e embora esteja sem dúvida sujeito a certos limites não me parece que exista no artigo qualquer limitação que impeça um Estado-membro de, no caso de assim entender, alargar a excepção prevista relativamente às áreas destinadas a estacionamento de veículos, de forma a abranger também garagens individuais fechadas do tipo das que estão em causa no presente processo. A questão de saber se a excepção foi alargada desta forma é uma questão de interpretação da legislação nacional e é da competência dos tribunais nacionais. Contudo, penso que resulta claramente do sistema e estrutura da directiva que, numa interpretação correcta das disposições desta, a legislação nacional não pode ter esse efeito, a menos que contenha as suas próprias disposições específicas nesse sentido. Se a legislação nacional não faz mais do que reproduzir as disposições da directiva, com as suas isenções e excepções específicas, então a legislação deve ser interpretada em conformidade com essas disposições, e as autoridades fiscais nacionais não têm a faculdade de prever outras excepções, a menos que o Estado-membro tenha adoptado medidas legislativas adicionais para alargar a sujeição de tais locações ao IVA.

23. Em consequência, na minha opinião, deve responder-se da forma seguinte às questões submetidas ao Tribunal:

"O artigo 13.°, parte B, alínea b), da Directiva 77/388 do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios (sexta directiva IVA) deve ser interpretado no sentido de que a locação de garagens individuais fechadas não está sujeita a IVA, a menos que o próprio Estado-membro tenha adoptado medidas legislativas específicas para alargar a sujeição de tais locações a IVA."

(*) Língua original: inglês.