COMISSÃO EUROPEIA
Bruxelas, 26.4.2017
COM(2017) 254 final
RELATÓRIO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO E AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU
Relatório sobre a aplicação, nos Estados-Membros, da Diretiva 2003/88/EC relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho
{SWD(2017) 204 final}
I.Introdução
O presente relatório analisa a forma como os Estados-Membros aplicaram a Diretiva 2003/88/CE relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho (a seguir «a diretiva» ou «a Diretiva Tempo de Trabalho»), como exigido pelo artigo 24.º da diretiva. O relatório recorda os objetivos e as principais disposições da diretiva e apresenta as principais conclusões da Comissão sobre a sua aplicação nos Estados-Membros. Em anexo ao relatório, inclui-se um documento de trabalho da Comissão no qual se circunstanciam os resultados da análise.
Com o presente relatório pretende-se, pois, dar uma visão de conjunto sobre o modo como os Estados-Membros aplicaram a diretiva, destacando os principais desafios e problemas.
A Comissão apresenta igualmente uma comunicação interpretativa para assegurar clareza e segurança jurídicas aos Estados-Membros e a outras partes interessadas quando aplicam a Diretiva Tempo de Trabalho e, por conseguinte, melhorar a sua aplicação efetiva. O relatório e a comunicação interpretativa têm o objetivo comum de aperfeiçoar a forma como a diretiva é aplicada, em conformidade com o quadro político definido na recente Comunicação da Comissão intitulada «Direito da UE: Melhores resultados através de uma melhor aplicação».
No entanto, a comunicação interpretativa não pode dar exaustivamente conta de todas as medidas nacionais de transposição e não obsta à posição que a Comissão possa vir a adotar em futuros processos judiciais.
II.Objetivo e prescrições da diretiva
A diretiva foi adotada pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da União Europeia nos termos do artigo 137.º, n.º 2, do Tratado que institui a Comunidade Europeia (presentemente artigo 153.º, n.º 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia).
O seu principal objetivo é estabelecer prescrições mínimas de segurança e de saúde em matéria de organização do tempo de trabalho. Vários estudos demonstram que horários laborais longos e descanso insuficiente (em especial por períodos prolongados) podem ter efeitos prejudiciais (taxas mais elevadas de acidentes e erros, stress e fadiga acrescidos, bem como riscos para a saúde a curto e a longo prazo).
O Tribunal de Justiça da União Europeia («o Tribunal» ou «o TJUE») deliberou que as prescrições da diretiva relativas ao tempo de trabalho máximo, às férias anuais remuneradas e aos períodos mínimos da descanso «constituem princípios do direito social comunitário que revestem especial importância e de que deve beneficiar cada trabalhador».
Do mesmo modo, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia estabelece, no artigo 31.º, n.º 2, que:
«Todos os trabalhadores têm direito a uma limitação da duração máxima do trabalho e a períodos de descanso diário e semanal, bem como a um período anual de férias pagas».
A diretiva define prescrições mínimas comuns para os trabalhadores de todos os EstadosMembros, que incluem:
-limites ao horário de trabalho (que não deve exceder uma média de 48 horas semanais, incluindo horas extraordinárias);
-períodos mínimos de descanso diários e semanais (pelos menos 11 horas consecutivas de descanso diário e 35 horas ininterruptas de descanso semanal);
-férias anuais pagas (pelo menos quatro semanas por ano);
-proteção adicional para os trabalhadores noturnos.
A diretiva prevê também flexibilidade na organização do tempo de trabalho. Os períodos mínimos de descanso podem ser diferidos, parcial ou totalmente, em certas atividades. Os trabalhadores podem, a título individual, optar por trabalhar mais do que o limite das 48 horas (o chamado opt-out). As convenções coletivas podem prever flexibilidade na organização do tempo de trabalho, autorizando, por exemplo, que a média do tempo de trabalho semanal seja calculada ao longo de períodos não superiores a 12 meses.
III.Análise da aplicação da diretiva pelos Estados-Membros
Em 2014, a Comissão assumiu o compromisso de analisar a aplicação da diretiva por parte de todos os Estados-Membros. Esta análise tomou em consideração os relatórios nacionais (incluindo os pontos de vista dos parceiros sociais nacionais e europeus), relatórios anteriores da Comissão sobre a aplicação, a informação recolhida a partir do EU Pilot e de processos por infração, contribuições de peritos independentes e estudos realizados pela própria Comissão. Os resultados mais relevantes encontram-se sintetizados nos pontos A a I infra. Estes pontos estão fortemente inter-relacionados e qualquer avaliação de conformidade com a diretiva deve atender a este facto.
A.Exclusões do âmbito de aplicação da diretiva
Das informações disponíveis pode concluir-se que a diretiva foi, na sua maioria, transposta, tanto no setor público como no setor privado.
No entanto, em alguns Estados-Membros, existem categorias de trabalhadores que são excluídas do seu âmbito de aplicação. No setor público, este é geralmente o caso das forças armadas, da polícia e de outras forças de segurança, bem como dos serviços de proteção civil, como os bombeiros e os guardas prisionais. No que respeita ao setor privado, vários EstadosMembros excluem os trabalhadores domésticos.
Estas exclusões não são compatíveis com as exigências da Diretiva Tempo de Trabalho, a menos que a transposição das suas disposições seja assegurada por via de convenções coletivas.
B.Trabalhadores com mais de um contrato de trabalho
A Diretiva Tempo de Trabalho estabelece requisitos mínimos aplicáveis aos «trabalhadores». No entanto, não declara expressamente se as suas disposições estabelecem limites absolutos em caso de contratos simultâneos com uma ou mais entidades patronais, ou se se aplicam a cada relação de trabalho separadamente. O Tribunal de Justiça ainda não teve de se pronunciar sobre esta questão. Tal como refere em anteriores relatórios, a Comissão considera que, à luz do objetivo da diretiva de promover a melhoria da saúde e da segurança dos trabalhadores, os limites ao tempo de trabalho semanal médio e de descanso diário e semanal devem aplicar-se, tanto quanto possível, por trabalhador. Tendo em conta a necessidade de garantir a concretização do objetivo de saúde e segurança da Diretiva Tempo de Trabalho, a legislação dos Estados-Membros deve prever mecanismos adequados de controlo e aplicação.
As práticas nacionais variam consideravelmente relativamente a este ponto. A Áustria, a Bulgária, a Croácia, Chipre, a França, a Alemanha, o Luxemburgo, o Reino Unido, a Estónia, a Grécia, a Irlanda, a Itália, a Lituânia, os Países Baixos e a Eslovénia aplicam a diretiva por trabalhador (principalmente ao abrigo de disposições legais específicas nesse sentido).
Em contrapartida, a República Checa, a Dinamarca, a Espanha, a Letónia, a Hungria, Malta, a Polónia, Portugal, a Roménia e a Eslováquia aplicam a diretiva por contrato.
Na Bélgica, Finlândia e Suécia, a diretiva aplica-se por trabalhador quando haja mais de um contrato com a mesma entidade patronal, mas por contrato em situações em que o trabalhador tenha mais de um contrato com diferentes entidades patronais.
C.Definição de «tempo de trabalho» e «tempo de permanência»
Em geral, a definição formal de «tempo de trabalho» enunciada no artigo 2.º da diretiva (ou seja, «qualquer período durante o qual o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à disposição da entidade patronal e no exercício da sua atividade ou das suas funções») não parece dar origem a problemas de aplicação.
A maioria dos Estados-Membros não adotou disposições legais específicas para definir o que se entende por tempo de permanência.
O tempo de permanência corresponde aos períodos em que o trabalhador tem de permanecer no local de trabalho ou em outro local determinado pela entidade patronal, pronto para exercer as suas funções se a tal for solicitado. Segundo acórdãos do Tribunal, todo o tempo de permanência deve ser contabilizado na sua totalidade como tempo de trabalho para efeitos da diretiva. Este princípio aplica-se aos períodos em que o trabalhador está a trabalhar em resposta a uma solicitação (tempo de permanência ativo) e aos períodos em que pode descansar enquanto espera ser solicitado (tempo de permanência inativo), desde que permaneça no local de trabalho.
Sempre que as legislações nacionais fazem menção específica ao tempo de permanênciaesta está, de um modo geral, em sintonia com a interpretação do Tribunal. Além disso, na prática, os tribunais nacionais introduziram, em grande parte, a jurisprudência da UE.
O respeito pelos Estados-Membros da obrigação de considerar o tempo de permanência como tempo de trabalho está a melhorar, mas persistem ainda alguns problemas.
Na Eslovénia, a legislação aplicável à política, aos juízes, às forças armadas e aos funcionários públicos ainda estabelece expressamente que o período inativo do tempo de permanência no local de trabalho não deve ser considerado tempo de trabalho. Na Bélgica, um decreto aplicável a internatos e a certos estabelecimentos de cuidados residenciais nas comunidades francesa e alemã e na região da Valónia permite também que certos períodos de tempo não sejam contabilizados como tempo de trabalho. Trata-se de partes dos períodos dedicados a acompanhar residentes em excursões e partes dos períodos da tarde e da noite em que o trabalhador dispõe de um lugar adequado para descansar. No caso dos assistentes sociais na Irlanda e dos médicos do setor público na Grécia, existe ainda um problema com o cálculo do tempo de permanência como tempo de trabalho, mas estão a ser envidados esforços no sentido do cumprimento da diretiva. Segundo uma nova convenção coletiva relativa aos médicos dependentes dos municípios na Finlândia, o tempo de permanência de determinados médicos efetuado para além do seu tempo de trabalho normal não é contabilizado como tempo de trabalho. Na Dinamarca, a legislação permite que os parceiros sociais determinem, de comum acordo, que os períodos de repouso possam ser gozados durante o tempo de permanência no local de trabalho e alguns parceiros sociais do setor da saúde fazem uso desta possibilidade
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D.Pausas e períodos de descanso
No caso de o período de trabalho diário ser superior a seis horas, o artigo 4.º prevê pausas, sem especificar a sua duração ou sem as definir mais pormenorizadamente. A diretiva exige que as modalidades sejam «fixadas por convenções coletivas ou acordos celebrados entre parceiros sociais ou, na sua falta, pela legislação nacional».
Segundo a diretiva, a duração e as condições de concessão desses períodos de pausa podem ser fixadas por convenções coletivas. No entanto, o dever de transpor a diretiva incumbe aos Estados-Membros. Compete-lhes, portanto, velar por que todos os trabalhadores, incluindo os que não estão abrangidos por convenções coletivas, tenham direito a pausas.
De um modo geral, esta disposição parece ter sido transposta de forma satisfatória. A maior parte dos Estados-Membros estabeleceu regras mínimas relativas à duração e ao momento de usufruir das pausas ao longo do dia de trabalho. No entanto, em alguns Estados-Membros, a lei não estabelece uma duração mínima ou o momento de usufruir dessas pausas, não sendo claro se todas as convenções coletivas abrangem estes aspetos.
No que respeita aos períodos de descanso (artigos 3.º e 5.º da diretiva), o requisito fundamental da diretiva é o de que o trabalhador tenha um período mínimo de descanso diário de 11 horas consecutivas por cada período de 24 horas e de um período mínimo de descanso ininterrupto de 24 horas por cada período de sete dias, às quais se adicionam as 11 horas de descanso diário. A diretiva prevê a possibilidade de, em condições objetivas, o período de descanso semanal ser reduzido para 24 horas.
Os Estados-Membros Estes parecem ter transposto estes requisitos fundamentais para a legislação nacional de forma satisfatória na maior parte dos setores. Alguns Estados-Membros parecem ter transposto incorretamente alguns aspetos da obrigação de descanso semanal, por exemplo, porque não a transpuseram num determinado setor ou porque estabeleceram um período de descanso de 24 horas sem a presença de razões objetivas.
E.Limites ao tempo de trabalho
Nos termos do artigo 6.º da diretiva, a duração média do tempo de trabalho semanal (incluindo horas extraordinárias) não deve exceder 48 horas. De um modo geral, este limite tem sido transposto de forma satisfatória e muitos Estados-Membros preveem regras de proteção mais rigorosas.
Vários países alteraram a respetiva legislação relativamente a determinados grupos de trabalhadores, a fim de cumprir os requisitos da diretiva. Ainda se observam alguns casos em que o limite estabelecido na diretiva é excedido, nomeadamente:
-na Irlanda, onde o limite máximo do tempo de trabalho semanal não foi ainda transposto de forma satisfatória no caso dos assistentes sociais, e na Grécia no caso dos médicos em serviços públicos de saúde. No entanto, estão a ser envidados esforços para corrigir a situação.
-O Código do Trabalho búlgaro prevê um tempo de trabalho semanal máximo de 56 horas caso esteja estabelecido um sistema de cálculo da média do tempo de trabalho semanal, e não limita a utilização de horas extraordinárias obrigatórias no caso das forças de defesa nacional, dos serviços de emergência, de reparação urgente de serviços de utilidade pública ou transportes, bem como da prestação de assistência médica.
O limite de quatro meses para o cálculo da duração máxima do tempo de trabalho parece ser também excedido na Alemanha, na Bulgária e na Eslovénia, onde é fixado em seis meses, e em Espanha, onde é fixado em 12 meses. Este facto não se limita às atividades mencionadas no artigo 17.º, n.º 3, da diretiva.
F.Férias anuais
O direito fundamental a férias anuais remuneradas (artigo 7.º da diretiva) foi, de um modo geral, transposto de forma satisfatória.
Todos os Estados-Membros preveem explicitamente o direito a, pelo menos, quatro semanas de férias anuais remuneradas, e de o trabalhador receber a sua «remuneração média», a «taxa semanal normal», o «salário mensal médio» ou equivalente quando está de férias.
Contudo, foram identificados dois problemas. Primeiramente, alguns Estados-Membros impõem condições à aquisição do direito de férias anuais remuneradas no primeiro ano de emprego que excedem o disposto na diretiva tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça. Por exemplo, estabelecem períodos demasiado longos para a aquisição desse direito (seis — oito meses) antes de poderem ser gozadas as férias.
Alguns Estados-Membros dispõem de sistemas em que o direito a férias anuais remuneradas é adquirido com base nos ganhos do trabalhador num determinado ano que precede o ano em que as férias anuais remuneradas podem ser gozadas («ano de férias»). O trabalhador tem direito a gozar uma licença no ano de férias, mas sem qualquer remuneração. Essas regras podem resultar num prazo superior a um ano antes de poderem ser gozadas férias anuais remuneradas.
O segundo problema importante decorre da extinção do direito a férias anuais remuneradas que o trabalhador não tenha tido condições para gozar. O TJUE considerou que um trabalhador incapacitado para o trabalho devido a doença continua a acumular direitos a férias anuais remuneradas durante o período de baixa por doença. Os Estados-Membros podem fixar um limite à possibilidade de reportar férias anuais que não podem ser gozadas por incapacidade justificada. No entanto, o Tribunal de Justiça também enquadrou essa possibilidade e decidiu que «qualquer período de reporte deve ultrapassar substancialmente a duração do período de referência em relação ao qual tenha sido concedido». Muitos Estados-Membros adotaram disposições que autorizam o trabalhador a reportar ou adiar períodos de férias anuais adquiridos quando o usufruto dessas férias coincida com um período de baixa por doença. Mas em vários países, o período que decorre antes de o trabalhador perder o direito a férias remuneradas parece ser demasiado curto, não sendo mais longo do que o período de referência de um ano.
G.Trabalho noturno
A diretiva prevê normas de proteção mais rigorosas para os trabalhadores noturnos: o seu tempo de trabalho não deve ultrapassar oito horas diárias, em média, e oito horas num dia em que executem trabalho noturno particularmente arriscado ou gerador de stress. Em conformidade com o artigo 16.º, alínea c), o período de referência para efeitos da aplicação deste limite será definido após consulta aos parceiros sociais ou por convenções coletivas.
De um modo geral, os Estados-Membros limitam o tempo de trabalho médio dos trabalhadores noturnos a oito horas. No entanto, vários Estados-Membros optaram por autorizar que o tempo de trabalho médio dos trabalhadores noturnos seja calculado ao longo de quatro meses. Este período de referência é idêntico ao período de referência para calcular o tempo máximo de trabalho.
À luz do objetivo da diretiva de estabelecer prescrições mínimas de segurança e de saúde e dada a necessidade de continuar a garantir a eficácia do trabalho noturno, o período de referência aplicável a este tipo de trabalho deverá ser substancialmente inferior ao período utilizado para calcular a duração máxima do trabalho semanal. Por conseguinte, a Comissão considera que um período de referência de quatro meses é demasiado longo.
A disposição da diretiva respeitante ao trabalho noturno que implique riscos especiais ou uma tensão significativa não foi transposta por três Estados-Membros. Além disso, um Estado-Membro autoriza determinadas exceções para este tipo de trabalho que não estão previstas na diretiva.
H.Derrogações (artigos 17.º, 18.º e 22.º da diretiva)
1.Trabalhadores autónomos
Os Estados-Membros estão autorizados a derrogar das disposições relativas ao descanso diário e semanal, às pausas, ao tempo máximo de trabalho semanal, à duração do trabalho noturno e aos períodos de referência «sempre que, em virtude das características especiais da atividade exercida, a duração do tempo de trabalho não seja medida e/ou predeterminada ou possa ser determinada pelos próprios trabalhadores». Este aspeto é particularmente o caso de quadros dirigente que tenham poder de decisão autónomo, mas também de mão-de-obra de familiares ou de trabalhadores do domínio litúrgico, das igrejas e das comunidades religiosas.
Em certos casos, os Estados-Membros não incluem todos os critérios do artigo 17.º, n.º 1, nas respetivas definições nacionais.
Por exemplo, alguns textos legislativos isentam um trabalhador que:
-trabalhe a partir de casa,
-ganhe três vezes o salário mínimo,
-ocupe uma posição de grande importância ou e receba um salário sete vezes o salário mínimo obrigatório, ou
-exerça funções administrativas.
Estes critérios não garantem necessariamente o respeito pelos critérios definidos na diretiva.
2.Derrogações que obriguem a que sejam concedidos ao trabalhador períodos equivalentes de descanso compensatório
A diretiva prevê derrogações das disposições em matéria de pausas, descanso diário e semanal, trabalho noturno e períodos de referência para o cálculo da duração média do tempo de trabalho:
-numa série de atividades ou situações, por exemplo, atividades que impliquem a necessidade de continuidade, certas atividades sazonais em que se verifique um acréscimo de atividade ou ainda em situações em que o local de trabalho e de residência sejam afastados (por convenção coletiva, acordo entre os parceiros sociais ou disposições legislativas ou regulamentares nacionais); e
-em qualquer tipo de atividade ou situação definida por convenção coletiva ou acordo celebrado entre parceiros sociais a nível nacional ou regional (ou, se estes assim o decidirem, pelos parceiros sociais a um nível inferior ou pelos parceiros sociais ao nível coletivo adequado).
No entanto, as regras não permitem que os períodos mínimos de descanso sejam completamente perdidos, exceto em casos excecionais em que seja objetivamente impossível conceder períodos equivalentes de descanso compensatório e em que o trabalhador tenha beneficiado de uma proteção alternativa adequada. Acresce que, segundo o acórdão Jaeger, os períodos de descanso compensatório devem ser concedidos sem demora, no período imediatamente seguinte ao do descanso que foi perdido.
Em geral, os Estados-Membros transpuseram e utilizam estas derrogações.
No que diz respeito aos setores e atividades em causa, os Estados-Membros retomaram, de um modo geral, as atividades enumeradas na própria diretiva.
No entanto, as legislações nacionais de vários Estados-Membros parecem exceder as derrogações permitidas ao abrigo da diretiva, nomeadamente quando:
-não impõem qualquer obrigação de conceder períodos de descanso compensatório equivalentes ao trabalhador em causa; por exemplo, em situações urgentes e sempre que a concessão desse descanso tenha repercussões graves sobre as atividades empresariais, permitem que o descanso perdido seja compensado financeiramente, não impõem essa obrigação em determinados setores ou no trabalho por turnos, recorrem a outros tipos de medidas de proteção ou não concedem um descanso compensatório equivalente à redução do período de descanso,
-estabelecem um prazo demasiado longo para a concessão dos períodos de descanso compensatório; por exemplo, alguns Estados-Membros autorizam que, em certos setores ou atividades, a compensação por partes do descanso diário perdidas seja concedida num prazo que vai de 14 dias a seis meses, e outros autorizam essa concessão num período que vai de seis semanas a seis meses após o período de descanso que foi perdido.
3.Opt-out
Os Estados-Membros têm a possibilidade de não aplicar o limite máximo ao tempo de trabalho semanal desde que os princípios gerais de proteção da saúde e da segurança dos trabalhadores sejam respeitados e sejam tomadas as necessárias medidas de proteção (artigo 22.º da diretiva). Os trabalhadores não podem ser obrigados a trabalhar, em média, mais de 48 horas por semana, salvo se tiverem explicitamente dado o seu consentimento prévio, livre e informado para efetuar esse trabalho. Os Estados-Membros devem garantir que os trabalhadores não são prejudicados pela entidade patronal se não estiverem dispostos a aceder a efetuar esse trabalho. Os Estados-Membros devem também assegurar que a entidade patronal disponha de registos atualizados de todos os trabalhadores que efetuem esse trabalho e que os coloque à disposição das autoridades competentes, que podem, por razões de segurança e/ou de saúde dos trabalhadores, proibir ou restringir a possibilidade de ultrapassar o período máximo semanal de trabalho.
Cerca de 18 Estados-Membros preveem atualmente a utilização do opt-out. Destes, seis (Bulgária, Croácia, Chipre, Estónia, Malta e Reino Unido) autorizam a utilização do opt-out independentemente do setor, ao passo que os outros 12 (Bélgica, República Checa, França, Alemanha, Hungria, Letónia, Países Baixos, Áustria, Polónia, Eslováquia, Eslovénia e Espanha) limitam a sua utilização a empregos que recorrem extensivamente ao tempo de permanência, como os serviços de saúde ou os serviços de emergência. A Croácia e a Áustria são países que só recentemente fazem uso desta disposição.
Os restantes 10 Estados-Membros (Dinamarca, Irlanda, Grécia, Itália, Lituânia, Luxemburgo, Portugal, Roménia, Finlândia e Suécia) não recorrem a esta opção.
As obrigações diretamente expressas na diretiva no que respeita ao consentimento explícito do trabalhador, à manutenção de registos e ao fornecimento às autoridades de informações sobre os trabalhadores que trabalhem, em média, mais de 48 horas semanais, são, de um modo geral, respeitadas. Todavia, alguns países parecem não ter transposto claramente a exigência de proibição de tratamento desfavorável dos trabalhadores que recusarem dar o seu acordo.
Não existem limites máximos explícitos ao número de horas de trabalho que podem ser autorizadas em conformidade com o artigo 22.º. No entanto, a diretiva refere que devem ser respeitados os princípios gerais da proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores. Uma vez que a diretiva não prevê derrogações ao descanso diário e semanal sem períodos de descanso compensatório, os requisitos em matéria de descanso limitarão, em todo o caso, o número de horas de trabalho autorizadas.
Afigura-se que metade dos Estados-Membros que aplicam o opt-out determina algum tipo de limitação explícita às horas de trabalho autorizadas.
De acordo com as informações de que a Comissão dispõe, cinco Estados-Membros têm em vigor disposições explícitas que obrigam o empregador a registar as horas de trabalho de trabalhadores que escolheram o opt-out. O registo das horas de trabalho pode, contudo, decorrer também da legislação geral aplicável a todos os trabalhadores.
I.Apreciações pelos Estados-Membros e os parceiros sociais
1.Sindicatos
A Confederação Europeia dos Sindicatos (CES) é da opinião de que a aplicação prática da diretiva não cumpre os seus objetivos de proteger e melhorar a saúde e a segurança dos trabalhadores. A CES afirma que a possibilidade de opt-out prejudica o objetivo da diretiva, na medida em que longas horas de trabalho são prejudiciais para a saúde dos trabalhadores.
A CES considera que a Diretiva Tempo de Trabalho não foi transposta de forma satisfatória nos diferentes Estados-Membros.
Os problemas mais importantes dizem respeito ao seguinte:
-o tempo de permanência não é contabilizado como tempo de trabalho;
-o descanso compensatório não é gozado imediatamente após um turno;
-os períodos de referência são alargados a doze meses por via legislativa;
-a utilização do opt-out; e
-a derrogação aplicável aos trabalhadores autónomos.
A opinião segundo a qual a diretiva não foi transposta de forma satisfatória nos diferentes Estados-Membros é partilhada pela Eurocadres, que defende que os principais problemas se prendem com o tempo de permanência e a derrogação aplicável aos trabalhadores autónomos.
2.Entidades patronais
Para as principais organizações patronais, os problemas relativos à aplicação da diretiva são os seguintes:
-as legislações nacionais que são consideradas mais rigorosas do que a diretiva e não recorrem suficientemente às derrogações disponíveis;
-problemas significativos com a aplicação prática dos acórdãos SIMAP-Jaeger em matéria de tempo de permanência e descanso compensatório, bem como os acórdãos relativos às férias anuais no contexto da baixa por doença.
As federações que integram a BusinessEurope consideram que as medidas de transposição da diretiva atingem os seus objetivos de proteção da saúde e segurança dos trabalhadores. No entanto, defendem também que vão além do necessário a este respeito.
A BusinessEurope afirma que, de um modo geral, os seus membros consideram que, de um ponto de vista jurídico, a Diretiva Tempo de Trabalho foi transposta de forma satisfatória nos respetivos países. Apontam também para problemas de não conformidade com a diretiva no que respeita ao tempo de permanência e aos períodos de descanso compensatório em certos segmentos dos setores público e privado.
3.Estados-Membros
Os Estados-Membros foram sobretudo solicitados a darem conta de eventuais trabalhos de avaliação realizados sob a sua autoridade e a indicarem as principais conclusões sobre o impacto socioeconómico das medidas de transposição. No momento em que foram recolhidas as informações, apenas o Reino Unido tinha efetuado uma avaliação específica dos efeitos das medidas de transposição das obrigações e derrogações da diretiva.
Esta avaliação indica que a redução de 15 % do número de trabalhadores que trabalharam mais de 48 horas entre 1997 e 2013 deverá ser vista primeiramente no contexto de uma tendência internacional mais vasta para a redução do horário de trabalho. No entanto, a avaliação indica também que os resultados sugerem que a introdução das leis relativas ao tempo de trabalho tem influenciado, de algum modo, a redução dos longos horários de trabalho.
J.Conclusão
Em termos gerais, a grande maioria dos trabalhadores na UE está sujeita a regras em matéria de tempo de trabalho que respeitam a legislação da UE. Em muitos casos, as disposições nacionais conferem maior proteção do que a que é exigida pela diretiva.
A conformidade da legislação dos Estados-Membros com os requisitos da diretiva está a melhorar. Por exemplo, muitos países adaptaram a sua legislação em matéria de férias anuais, em particular no que respeita à aquisição e ao reporte das férias anuais para as pessoas que se encontram em situação de baixa por doença ou licença de maternidade/licença parental. Além disso, vários países alteraram as respetivas legislações em matéria de tempo máximo de trabalho de grupos específicos de trabalhadores.
A análise efetuada pela Comissão em 2010 revelou que um grande número de Estados-Membros introduziu a derrogação que permite aos trabalhadores não aplicarem o limite de tempo máximo de trabalho (opt-out). Desde então, a situação tem-se mantido estável, sendo que a Croácia e a Áustria são os únicos outros Estados-Membros que introduziram a derrogação.
O presente relatório demonstra ainda que persistem problemas com a aplicação de elementos importantes da diretiva, tal como interpretados pelo Tribunal de Justiça.
A transposição incorreta da obrigação de conceder um descanso compensatório quando os períodos mínimos de descanso são reduzidos ou adiados é, claramente, o problema mais generalizado.
Existem outros aspetos problemáticos, ainda que menos comuns, que dizem respeito ao tratamento do tempo de permanência como tempo de trabalho, aos limites ao tempo máximo de trabalho para grupos específicos de trabalhadores (em especial o pessoal do setor da saúde e as forças armadas) e aos limites ao tempo de trabalho noturno.
Além disso, existem problemas em vários Estados-Membros no que respeita às regras em matéria de aquisição do direito a férias anuais durante o primeiro ano de trabalho e do direito dos trabalhadores a manter os direitos a férias adquiridos por um período suficientemente longo nos casos em que as férias anuais coincidam com uma baixa por doença.
A Comissão considerará as situações decorrentes de leis ou práticas nacionais em conformidade com a sua Comunicação intitulada «Direito da UE: Melhores resultados através de uma melhor aplicação»
Sem prejuízo do seu papel de guardiã dos Tratados, a Comissão continuará a apoiar os esforços envidados pelos Estados-Membros para melhorar a aplicação da diretiva e está disposta a facilitar os intercâmbios entre os Estados-Membros e entre os parceiros sociais, sempre que estes possam ser úteis.
A comunicação interpretativa visa assegurar clareza e segurança jurídicas na aplicação da diretiva. O presente relatório contribui para identificar as principais áreas de cooperação futura entre os Estados-Membros e das atividades de aplicação da lei.