19.8.2016   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 303/36


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «A economia da partilha e a autorregulação»

(parecer exploratório)

(2016/C 303/05)

Relator:

Jorge PEGADO LIZ

Por carta de 16 de dezembro de 2015, e em conformidade com o artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, M. J. BOEREBOOM, diretor-geral no Ministério dos Assuntos Sociais e do Emprego dos Países Baixos, solicitou, em nome da Presidência neerlandesa, ao Comité Económico e Social Europeu que elaborasse um parecer exploratório sobre

«A economia da partilha e a autorregulação»

(parecer exploratório)

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo, que emitiu parecer em 10 de maio de 2016.

Na 517.a reunião plenária de 25 e 26 de maio de 2016 (sessão de 25 de maio), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 133 votos a favor, 1 voto contra e 7 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

Na sequência do pedido da Presidência neerlandesa para que o CESE elaborasse um parecer exploratório sobre «Sharing economy and self-regulation» e no termo dos seus trabalhos, apresenta agora a sua opinião e formula as seguintes conclusões.

1.2.

O CESE, em vários dos seus pareceres, de que o presente é evidentemente tributário, já tinha antecipado vários aspetos deste fenómeno sob as diferentes designações que, consoante as línguas e as óticas de aproximação, ele comporta.

1.3.

Procurou agora, de acordo com o pedido formulado, uma definição das características específicas da economia da partilha que englobe as práticas económicas que relevem da sua noção e de que modo essas condutas económicas e sociais devem ser tuteladas pelo Direito, por que formas e por que meios, designadamente pela auto ou corregulação.

1.4.

Social e economicamente relevante, a partir dos anos 2000, com a utilização da Internet e das redes sociais, não é uma conduta recíproca de troca, velha como o aparecimento do Homem, mas antes um «comportamento pró-social não recíproco», ou mais exatamente «o ato e o processo de distribuir o que é nosso com outros para o seu uso e/ou o ato e o processo de receber ou de tomar alguma coisa de outros para o nosso uso».

1.5.

Mais do que uma definição, que no entanto se procura dar, o que importa é definir as suas características e delas se destacam:

a de que esta prática não conduz à propriedade de bens, nem à sua compropriedade, mas a uma comunhão de uso ou de utilização;

a intermediação de uma plataforma que põe em contacto, designadamente por meios eletrónicos, uma pluralidade de predisponentes de bens ou serviços e uma pluralidade de utilizadores;

um objetivo comum do melhor aproveitamento dos bens ou serviços em causa através da sua partilha;

e que as partes finais nestes negócios de estrutura triangular complexa sejam primacialmente «pares» (P2P) e nunca relações contratuais B2C.

1.6.

Esta caracterização, ajudada por um conceito relativamente consensual, permite definir o modelo deste tipo de relações económicas e distinguir as atividades que relevam efetivamente da economia de partilha e devem ter um regime especial e as que, por vezes, utilizam indevidamente essa denominação para apenas se esquivarem a uma regulamentação que lhes deve ser aplicada, e de que é exemplo de atualidade a Uber. Uma segregação analítica mais precisa do que seja «partilha», e do que é baseado em plataforma, poderá aconselhar melhor a decisão política e a regulação mais adequada.

1.7.

Evidencia-se ainda a crescente relevância económica das manifestações da economia da partilha, a atingir já um significativo volume de negócios na Europa e no mundo, e salienta-se a sua dimensão social e ambiental, potenciadora de estreitar laços de solidariedade entre os cidadãos, de revitalizar a economia local, de criar emprego, de racionalizar o consumo das famílias mutualizando o uso de certos bens, de diminuir a pegada energética e de favorecer um consumo mais responsável e sustentável. Alguns exemplos relevantes são dados no ponto 5.2.

1.8.

Nestas circunstâncias, o CESE volta a instar a Comissão no sentido de levar a cabo toda uma série de medidas de caráter político indispensáveis para que, a nível da UE e nos diversos Estados-Membros, as múltiplas formas e modalidades de economia partilhada sejam apoiadas, implementadas e ganhem credibilidade e confiança.

1.9.

Alerta ainda para a necessidade de que estes novos modelos de negócio cumpram a legislação nacional e da UE aplicável e assegurem designadamente os direitos dos trabalhadores, uma tributação adequada, a proteção dos dados e da vida privada dos intervenientes, os direitos sociais, uma concorrência leal e o combate aos monopólios e às práticas anticoncorrenciais, a responsabilização das plataformas nos negócios celebrados entre os parceiros e o respeito da legalidade das suas ofertas e, acima de tudo, a proteção dos direitos de todos os parceiros que atuam na economia partilhada, incluindo do prosumer, com a adaptação a estas relações de todo o acervo da UE vigente em matéria de direitos dos consumidores, designadamente o relativo às clausulas abusivas, às praticas comerciais desleais, saúde e segurança e ao comércio eletrónico.

1.10.

Entende, assim, o CESE que a UE — e, evidentemente, os Estados-Membros, reunidos em Conselho sob a égide da Presidência neerlandesa — deve urgentemente definir um quadro jurídico claro e transparente em que estas atividades se devem desenvolver e atuar no espaço europeu, no sentido definido no ponto 8.2.4, e insta a Comissão a rapidamente publicar a expectada Agenda para a Economia Partilhada ou Colaborativa, que já tarda.

1.11.

E a definir nela, com clareza, qual o papel complementar que devem ter a auto e a corregulação, de acordo com os princípios e as modalidades que o CESE já definiu há anos em pareceres e relatórios de informação especificamente focados nestes aspetos, que se reafirmam e se dão por reproduzidos.

2.   Introdução: um tema atual e controverso

2.1.

A Presidência neerlandesa pediu ao CESE, por carta do Ministério dos Assuntos Sociais e do Emprego, que elaborasse um parecer exploratório sobre «Sharing economy and self-regulation», não tendo precisado quaisquer orientações nem formulado quaisquer questões.

2.2.

A questão da economia da partilha, a começar pela sua definição e delimitação conceptual até às diferentes noções que engloba e às práticas que integra e aos seus efeitos, é tema altamente controverso e de atualidade.

2.3.

Inúmeras são as práticas que, nos anos recentes, se têm reclamado do seu conceito, como inumeráveis são já os escritos de natureza vária que sobre este tema se têm produzido.

2.4.

Não é de admirar assim que o CESE, sempre atento às diferentes pulsões da sociedade civil, em vários dos seus pareceres, de que o presente é evidentemente tributário (1) e cuja filosofia geral se acolhe e desenvolve, tenha antecipado vários aspetos deste fenómeno sob as diferentes designações que, consoante as línguas e as óticas de aproximação, ele comporta.

2.5.

O objeto do presente parecer será responder ao pedido da Presidência neerlandesa, procurando chegar a uma definição das características específicas da economia da partilha que a autonomize conceptualmente e englobe as práticas económicas que relevem da sua noção e se, e de que modo, essas condutas económicas e sociais devem ser tuteladas pelo Direito, por que formas e por que meios, designadamente pela auto ou corregulação.

3.   Uma questão de atitude perante o «ter e o ser»

3.1.

As práticas de certas formas ditas de economia da partilha nascem mesmo antes da conceptualização da sua noção, por uma atitude relativamente ao ter e ao ser que releva fundamentalmente da ideia de que «tu não és aquilo que tens» mas «aquilo a que podes aceder».

3.2.

É evidente que uma certa economia da partilha é tão antiga como a humanidade e encontra as suas raízes históricas na «economia de troca» das sociedades primitivas, só sendo paulatinamente destronada com a introdução da moeda que confere a quem a possui a faculdade de comprar e assim de ter.

3.3.

O que se torna, no entanto, social e economicamente relevante, a partir dos anos 2000, com a utilização da Internet e das redes sociais, não é uma conduta recíproca de troca, mas antes um «comportamento pró-social não recíproco», ou mais exatamente «o ato e o processo de distribuir o que é nosso com outros para o seu uso e/ou o ato e o processo de receber ou de tomar alguma coisa de outros para o nosso uso». Por isso, a economia da partilha inspira-se de várias correntes de pensamento que vão desde o livre acesso gratuito e universal ao conhecimento, à economia da funcionalidade ou à economia da dádiva (Gift Economy) focada nas trocas sem lucro. Ao contrário da pura economia de troca, a economia da partilha baseia-se numa ideia de contraprestação monetária ou não monetária.

4.   Uma prática economicamente relevante

4.1.

É a partir desta noção que se deverá partir para delimitar o domínio próprio e específico da economia da partilha nas suas várias facetas enunciando as características que devem apresentar as suas práticas e que as permitem distinguir das outras práticas económicas de mercado.

4.2.

Antes de mais, a característica dominante e comum é a de que esta prática não conduz à propriedade de bens, nem à sua compropriedade, mas a uma comunhão de uso ou de utilização.

4.3.

Por outro lado, é essencial a intermediação de uma plataforma que põe em contacto, designadamente por meios eletrónicos (um browser ou uma aplicação), uma pluralidade de predisponentes de bens ou serviços e uma pluralidade de utilizadores.

4.4.

Um objetivo comum e característico deste tipo de atividade é o melhor aproveitamento (idling capacity) dos bens ou serviços em causa através da sua partilha.

4.5.

Também se julga essencial que neste modelo de negócio as partes finais sejam primacialmente «pares» (P2P) e nunca relações contratuais B2C, quer se trate de pessoas singulares ou coletivas, incluindo sociedades, mas que não façam elas mesmas dessa partilha o seu objeto comercial (por exemplo, uma sociedade pode partilhar com outra o uso de uma frota automóvel ou de uma série de equipamentos de reprodução). A possibilidade, no entanto, de entre «pares» se poder criar todo um «negócio» não pode ser descartada.

4.6.

O gráfico seguinte ilustra as diferenças dos modelos de negócio em confronto:

Relação P2P

Relação B2C

Image

Image

4.7.

Este tipo de negócio pressupõe uma triangulação contratual complexa traduzida nas relações contratuais entre o detentor do bem ou prestador do serviço com a entidade que gere a plataforma; entre o utilizador e a entidade que intermedeia a transação na plataforma, eventualmente mediante um preço; e entre os utilizadores da plataforma entre si para a utilização em causa.

4.8.

Por isso, não se julga que sejam designadamente características distintivas ou específicas:

a)

o caráter gratuito ou oneroso, o Couchsurfing vs Airbnb;

b)

a reciprocidade das posições contratuais;

c)

o caráter financeiro ou não financeiro da operação, assim se aceitando a inclusão do crowdfunding nesta atividade;

d)

a mera partilha de bens ou serviços entre particulares (a «boleia» dada a um colega, a cedência temporária de um quarto para pernoita ou estadia de um amigo, a oferta da utilização da máquina de lavar roupa quando a do vizinho se avaria);

e)

a troca ou venda de bens em 2.a mão, pois não implicam partilha e têm como consequência a transmissão da propriedade dos bens.

5.   Alguns exemplos práticos do que são ou não são manifestações de economia partilhada

5.1.

As limitações impostas à extensão deste parecer não permitem uma larga enunciação e menos ainda a discussão em detalhe da natureza de toda uma série vasta de situações que alegadamente relevam das características enunciadas de economia partilhada.

5.2.

Alguns merecem no entanto uma referência específica para ilustração do objeto do parecer:

5.2.1.

No setor do alojamento destacam-se Airbnb, Rentalia, Homeaway, Couchsurfing e Bedycasa, plataformas em que se registam proprietários de imóveis para partilha temporária de quarto ou toda a casa, sendo ainda possível que hostels, pousadas e outros alojamentos turísticos disponibilizem os seus alojamentos nestas plataformas. Dada a facilidade com que qualquer um pode juntar o seu imóvel a estas redes de partilha, e acrescendo o lucro que os proprietários retiram desta atividade, a proliferação de alojamentos deste segmento tem conduzido a acordos para colaboração na cobrança e entrega de impostos entre as plataformas e as autoridades tributárias, designadamente em Paris e Amesterdão. Em Amesterdão, Barcelona, Londres e Berlim foi criado um regime de registo obrigatório destes alojamentos e regras de limitação no tempo, com o objetivo de não prejudicar o arrendamento a longo prazo e impedir o consequente aumento das rendas.

5.2.2.

No setor dos transportes poderemos referir Blablacar, Umcoche, Liftshare, Karzoo, aplicações que possibilitam o registo de proprietários de veículos particulares que pretendem partilhar os lugares livres das suas viaturas nas suas viagens (carpooling). Nalgumas destas plataformas podem ser partilhadas as despesas da viagem, mas não é permitida a cobrança de valores com fins lucrativos. A Uber, no entanto, é um caso que merece ser distinguido, pois tanto disponibiliza serviços de partilha de veículos de particulares (UberPop — banido em quase toda a UE), como permite a solicitação de um serviço de deslocação com recurso a motoristas profissionais (Uberblack e UberX — aproximando-se do serviço tradicional dos táxis). A sua caracterização não é clara, uma vez que não é transparente o modelo de negócio da empresa, já se tendo inclusivamente discutido judicialmente se os motoristas Uber são funcionários da empresa (2). Este serviço tem levado a manifestações por vezes violentas e até a processos judiciais um pouco por toda a Europa. Apenas Inglaterra e Estónia têm legislação que veio legalizar os mesmos, aguardando-se a resposta do TJUE às questões prejudiciais enviadas por um tribunal de Barcelona e de Bruxelas para o esclarecimento da sua natureza (3).

5.2.3.

Exemplos de financiamento colaborativo são o financiamento por empréstimo com remuneração de juros, como Zopa e Auxmoney; financiamento de capital com participação social na empresa criada, como Fundedbyme e Crowdcube; financiamento por recompensa, como Kickstarter ou Indiegogo, e, por último, o financiamento através de donativo, em que não é acordada qualquer contrapartida pela entrega dos montantes.

6.   A necessidade da definição de um conceito

6.1.

Como é habitual, o esforço de conceptualização, em especial quando o método é indutivo, não é linear, levando tempo a sedimentar-se e a recolher uma unanimidade de entendimento. É o que se passa com a noção de «economia partilhada», que aparece nos meios de comunicação social, ao lado de outras noções, como «economia social ou solidária», «economia circular», «economia funcional», «economia verde», «economia azul», «economia das soluções», «economia horizontal», «economia on demand», «economia das plataformas» e «Gig Economy».

6.2.

Por isso, alguns autores preferem nem sequer tentar uma definição por receio de ela não ser suficientemente abrangente ou, ao contrário, não delimitar corretamente o seu âmbito.

6.3.

Nos pareceres do CESE, apesar das múltiplas referências a esta noção, nunca foi tentada uma definição; identicamente, no parecer do CR (4), embora seja tentada uma classificação em duas categorias principais e quatro formas, também se não arrisca uma definição; por fim, a Comissão, na sua recente comunicação — Melhorar o Mercado Único (5), utiliza antes o termo «economia colaborativa», tida como sinónimo mas, em vez de uma definição, limita-se a enunciar os benefícios para alguns interessados (consumidores, trabalhadores) e a apontar para os seus efeitos a nível da produtividade e da sustentabilidade, prometendo para 2016 uma «Agenda Europeia para a Economia Colaborativa». Do lado do PE, até ao presente não se encontrou qualquer contributo substancial para além da Resolução de 21.12.2015«Rumo ao ato para o mercado único digital» (6), de alguns estudos de elevada qualidade e alguns briefings sobre temas pontuais. Até agora, porém, em nenhum destes documentos se fez um estudo de impacto em termos de criação de emprego e de crescimento.

6.4.

Não se julga que sobre esta matéria se tenha de ser original quando, das múltiplas definições expressas, uma haverá que parece concitar grande adesão; adota-se, assim, a definição de economia partilhada de Botsman & Rogers como «um sistema económico baseado na partilha de bens ou serviços subutilizados, gratuitamente ou contra um preço, diretamente pelos particulares», através de plataformas em linha, apesar de uma segregação analítica mais precisa do que seja «partilha», isto é, «não lucrativo», e do que é baseado em plataforma poderá aconselhar melhor a decisão política e a regulação mais adequada.

6.5.

Esta definição é suficientemente abrangente para incluir domínios tão variados como a produção, o consumo, passando pelo financiamento (crowdfunding) ou o próprio conhecimento e para permitir a sua divisão em quatro domínios com alguma autonomia: o consumo colaborativo; a educação, formação e o conhecimento colaborativos; o financiamento colaborativo; e a produção colaborativa (7).

6.6.

Esta definição permite também distinguir modelos de negócio que, sob a capa da economia partilhada, são na realidade negócios que visam unicamente o lucro e que representam modelos B2C. Esta conclusão é aferível pela análise do modo de funcionamento destas plataformas (embora nem sempre transparente), e podemos encontrar casos de verdadeira economia partilhada em que a relação estabelecida via plataforma é P2P, e o único papel da plataforma é possibilitar o contacto entre os pares, mas também exemplos de empresas que, sob uma aparência de plataforma P2P, intervêm de tal forma no negócio, recebendo comissões, sendo os destinatários dos pagamentos, prestando serviços acessórios, que não deverão ser tratadas como economia partilhada, mas sim como prestadoras de serviços B2C, com as consequências que tal acarreta.

6.7.

Por outro lado, esta definição permite desde logo excluir do conceito de economia partilhada certo tipo de manifestações que nela se pretendem acolher, como sejam designadamente:

a)

a partilha de bens alimentares ou bens de consumo não duradouro;

b)

as sociedades mútuas e cooperativas;

c)

o empreendedorismo social;

d)

a benemerência;

e)

economia on demand;

f)

a economia da funcionalidade, mais ligada à economia circular;

g)

a mera intermediação.

7.   O crescente relevo económico do fenómeno e algumas opções políticas a desenvolver

7.1.

Embora ainda sem uma definição muito clara do seu âmbito, têm-se multiplicado os estudos e os inquéritos no sentido de determinar o peso económico deste fenómeno ao nível de UE e do mundo.

7.2.

É desde logo inquestionável que, nos anos mais recentes e precisamente nestes tempos de crise, e como resposta a ela, as iniciativas de economia partilhada não têm cessado de aumentar; mais de 1 000 iniciativas estão recenseadas no sítio Internet www.collaborativeconsumption.com.

7.3.

Estimativas usadas pela Comissão Europeia apontam para que o volume de negócios mundial que se esconde sob a designação de economia da partilha ascendeu a 3,5 mil milhões de dólares em 2013, o que representaria um crescimento anual de 25 %. Atualmente, seria já de 20 mil milhões. As previsões do Gabinete de Estudos da PwC apontam para um muito acentuado crescimento até 2025 (8).

7.4.

Para além de criadora de valor económico, a economia da partilha, na sua dimensão social e ambiental, é potenciadora de estreitar laços de solidariedade entre os cidadãos, de revitalizar a economia local, de criar emprego, de racionalizar o consumo das famílias mutualizando o uso de certos bens, de diminuir a pegada energética e de favorecer um consumo mais responsável e sustentável.

7.5.

O CESE crê que este tipo de economia «representa um complemento vantajoso inovador económico e ecológico da economia da produção» e «além disso, representa uma solução para a crise económica e financeira» (9).

7.6.

Por isso, o CESE não se coibiu de instar a Comissão no sentido de levar a cabo toda uma série de medidas de caráter político indispensáveis para que, a nível da UE e nos diversos Estados-Membros, as múltiplas formas e modalidades de economia partilhada sejam apoiadas, implementadas e ganhem credibilidade e confiança. No âmbito deste parecer não cabe senão dar por reproduzido o que, nestes aspetos, foi já adotado pelo CESE e para que se remete expressamente. Assim sendo, considera-se que os novos modelos de negócio que as plataformas representam colocam questões urgentes no que toca à aplicação da legislação nacional, assegurar os direitos dos trabalhadores e assegurar uma tributação adequada, entre outras. O CESE apela à Comissão que se debruce sobre estas preocupações se, de facto, os benefícios sociais destes modelos de negócios devem ser concretizados.

7.7.

É também importante apelar para a urgência de definições, orientações ou linhas diretrizes a nível europeu, porquanto alguns Estados-Membros se estão já individualmente a antecipar na definição das suas próprias políticas, face ao atraso e à aparente indefinição das instituições europeias.

8.   Uma atividade tutelada pelo Direito

8.1.    Os interesses em causa e a sua tutela jurídica

8.1.1.

Como qualquer outra atividade que ponha em relação pessoas com os seus interesses próprios e eventualmente conflituantes, a economia partilhada releva do Direito e da regulação normativa dos interesses em causa. Julga-se, por isso, destituída de seriedade a posição daqueles que pretendem que a economia da partilha deve ser uma zona de «não direito» onde a liberdade deve imperar sem quaisquer barreiras nem constrangimentos, exclusivamente baseada na confiança e na bondade natural (à imagem do «bom selvagem» de Rousseau).

8.1.2.

O CESE tem defendido, de forma constante e consistente, que qualquer atividade económica deve ser tutelada pelo Direito; o que, ao contrário, também tem defendido é que esta regulação pode ser de vários tipos, que se devem articular de forma harmoniosa.

8.1.3.

Em especial no seu mais recente parecer sobre o papel da auto e da corregulação na UE (10), para cujo teor se remete, o CESE defendeu designadamente que «a autorregulação e a corregulação» enquanto «mecanismos, espontâneos ou induzidos, de regulação de interesses económicos e sociais ou de relações e de práticas comerciais dos vários agentes económicos» devem ser considerados como importantes instrumentos complementares ou suplementares, mas nunca como alternativa, da heterorregulação (hard law), cuja validade depende de «a sua conformação e o seu âmbito serem definidos por preceitos expressos e explícitos de lei cogente e judicialmente aplicáveis, quer a nível nacional quer europeu, respeitando em simultâneo a natureza destes instrumentos, em particular o acordo voluntário dos participante».

8.2.    Direitos e obrigações

8.2.1.

Com efeito, a partir do momento em que as práticas puramente espontâneas entre particulares assumam o relevo de uma atividade económica, e os direitos e as obrigações recíprocos das partes revistam caráter contratual, devem consequentemente estar sujeitos ao normativo, nacional ou europeu, que enquadre legalmente os direitos e as obrigações de uns e de outros.

8.2.2.

Acontece que a complexidade das relações que está em causa neste fenómeno, e que se descreveu no ponto 4.7, é de molde a justificar uma definição de um quadro jurídico no qual os intervenientes se devem mover, principalmente quando essas atividades revelam um caráter híbrido, como são os casos de freemium ou de donationware, bem evidenciados no caso exemplar do geocaching.

8.2.3.

Na medida em que o fenómeno extravasa hoje claramente, pela sua própria natureza, as fronteiras dos Estados-Membros, deve a UE definir, para o seu espaço comum e integrado de grande mercado único, o quadro jurídico aplicável sempre que estas atividades se desenvolvam transfronteiras. A sua falta está já na origem de uma série de tomadas de posição díspares e contraditórias em vários Estados-Membros relativamente a certos casos concretos (por exemplo, Uber), à semelhança do que também vem sucedendo nos EUA.

8.2.4.

Este quadro jurídico releva designadamente dos seguintes domínios prioritários:

a)

proteção dos direitos de todos os parceiros que atuam na economia partilhada, incluindo o prosumer, com a adaptação a estas relações de todo o acervo da UE vigente em matéria de direitos dos consumidores, designadamente o relativo às clausulas abusivas, às praticas comerciais desleais, saúde e segurança e comércio eletrónico;

b)

direitos fundamentais dos «consumidores» que lhe devam ser extensíveis (informação, transparência, proteção de dados e privacidade, saúde e segurança;

c)

proteção dos dados e da vida privada dos intervenientes (tracking and profiling) que garanta a portabilidade dos seus dados;

d)

direito da concorrência na medida em que este tipo de atividades compita no mercado com empresas que prossigam idênticas finalidades e atividades, e na medida em que garanta uma concorrência leal e combata os monopólios e as práticas anticoncorrenciais e de modo a atender a outros desafios da economia da partilha;

e)

direito fiscal, na medida em que os proveitos destas atividades não poderão ficar isentos da taxação adequada, combatendo a fraude e evasão fiscal;

f)

a responsabilidade das plataformas nos negócios, consoante os serviços que prestam, e de acordo com o nível de intervenção que têm nos negócios que se concretizam através daquela e garantia do respeito da legalidade das suas ofertas;

g)

o seu impacto no mercado do trabalho e na definição mesmo da noção e das formas de trabalho em ambiente digital;

h)

proteção dos trabalhadores envolvidos, distinguindo as situações dos trabalhadores que não têm uma efetiva relação de trabalho com a plataforma, protegendo estes últimos de acordo com os princípios aplicáveis aos trabalhadores independentes, e aplicando os princípios de proteção dos trabalhadores àqueles que efetivamente se possam considerar seus trabalhadores dependentes, em particular no caso de «falsos» trabalhadores independentes ou trabalho precário;

i)

proteção dos direitos e instrumentos sociais dos trabalhadores, como o direito de associação, o direito à greve, e o direito à contratação coletiva e ao diálogo social;

j)

proteção dos modelos sociais e da capacidade dos Estados–Membros de manterem de forma sustentável esses modelos no futuro;

k)

a dimensão ambiental com vista a monitorizar o impacto ambiental da economia colaborativa, prevenindo repercussões negativas (11);

l)

direitos de autor e propriedade intelectual, a considerar na revisão da Diretiva 2001/29/CE.

8.3.    Fórmulas de regulação

8.3.1.

A nível da UE, único que releva para o presente parecer, o CESE entende que deve ser objetivo das suas instituições, a começar pela Comissão por força do seu poder de iniciativa, mas igualmente do Conselho e do PE, dedicar uma atenção muito particular e urgente à adoção de um quadro regulamentar que defina com exatidão o seu âmbito de aplicação e os parâmetros nos quais esta atividade se deva desenvolver, sendo certo que as medidas devem ser ajustadas aos diversos tipos de economia partilhada.

8.3.2.

Nesse quadro devem avultar os princípios comuns de interesse e ordem pública, que deverão ser considerados de cumprimento obrigatório pelos participantes nestas modalidades de atividade económica e designadamente os referidos no ponto 8.2.4.

8.3.3.

Mas, como o CESE sempre tem dito, existe paralela e simultaneamente todo um espaço que deve ser deixado à auto e corregulação, julgando mesmo que se estará perante um caso exemplar do que alguns já chamam de «shared regulation», como recentemente defendido pela Royal Society for the encouragement of Arts, Manufactures and Commerce, RSA HOUSE, Londres, ou o modelo de Código de Conduta elaborado pelo Sharing Economy UK (SEUK) (12).

8.4.    Um papel especial para a autorregulação

8.4.1.

Foi sempre entendimento do CESE que não devem as instituições da UE ou as autoridades nacionais definir os conteúdos dos códigos de autorregulação, que devem ser deixados à inteira liberdade das partes, quando eles não pretendam obter um reconhecimento vinculativo entre as partes

8.4.2.

Na medida, porém, em que tais acordos pretendam ser reconhecidos «enquanto instrumento acessório de regulação na ordem jurídica em causa», entendeu o CESE, no seu parecer antes referido, que a UE «deve dispor com clareza sobre os parâmetros do seu reconhecimento, os princípios por que se devem reger e os seus limites». É doutrina que se aplica inteiramente ao caso da economia da partilha, que dela não deve ser excecionada.

8.4.3.

Lamenta o CESE que no novo Acordo Interinstitucional entre o Conselho, o Parlamento e a Comissão, aprovado a 13 de abril de 2016, não o tivessem estas instituições aperfeiçoado no sentido por ele preconizado no seu referido parecer sobre a auto e a corregulação (SRCR), no que nesta matéria constava do anterior acordo e que o tema da SRCR se limite agora a uma referência vaga na comunicação relativa ao Pacote Legislar Melhor («Better Regulation»), que remete para uma nota de pé de página onde são enunciados os princípios para um melhor uso da SRCR e para a plataforma CoP, além de umas menções esparsas nas «Guidelines» e na «Toolbox».

8.4.4.

Ora, se domínio há em que a definição dos parâmetros antes enunciados mais necessária se torna para o dotar de credibilidade e de confiança por parte dos seus utilizadores é inegavelmente o da economia partilhada, que muito teria a ganhar com uma sólida arquitetura de um quadro responsável de auto ou de corregulação a nível europeu.

8.4.5.

Aguarda-se, assim, com expectativa a anunciada «Agenda Europeia para a Economia Colaborativa», desde já se incitando a Comissão a não descurar os aspetos da regulação desta atividade e do papel que nela deve ter a auto e a corregulação.

Bruxelas, 25 de maio de 2016.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  JO C 177 de 11.6.2014, p. 1.

(2)  http://www.theguardian.com/technology/2015/sep/11/uber-driver-employee-ruling.

(3)  JO C 363 de 3.11.2015, p 21, e JO C 429 de 21.12.2015, p. 9

(4)  JO C 51 de 10.2.2016, p. 28

(5)  COM(2015) 550 final, p. 4.

(6)  A8-0371/2015.

(7)  http://www.euro-freelancers.eu/marco-torregrossa-presentation-on-the-sharing-economy-2/.

(8)  http://www.cpcp.be/medias/pdfs/publications/economie_collaborative.pdf.

(9)  JO C 177 de 11.6.2014, p. 1.

(10)  JO C 291 de 4.9.2015, p. 29.

(11)  http://www.iddri.org/Evenements/Interventions/ST0314_DD%20ASN_sharing%20economy.pdf.

(12)  http://www.sharingeconomyuk.com.