Bruxelas, 18.6.2015

COM(2015) 301 final

RELATÓRIO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU E AO CONSELHO

AVALIAÇÃO DO REGULAMENTO (CE) N.° 1606/2002, DE 19 DE JULHO DE 2002, RELATIVO À APLICAÇÃO DAS NORMAS INTERNACIONAIS DE CONTABILIDADE

{SWD(2015) 120 final}


1.Introdução

Decorridos mais de dez anos desde a adoção do Regulamento n.º 1606/2002 (a seguir designado o «Regulamento IAS») 1 , e após uma primeira análise da sua aplicação em 2008 2 , a Comissão decidiu examinar, no âmbito do programa para a adequação e a eficácia da regulamentação (REFIT) 3 , se o referido regulamento havia atingido os objetivos visados. Paralelamente, o Regulamento n.º 258/2014 4 exige que a Comissão apresente um relatório sobre os resultados dessa avaliação, incluindo, se for caso disso, propostas de alteração do regulamento, devendo igualmente apresentar as modalidades de governo das entidades relevantes.

A adoção das normas internacionais de relato financeiro (IFRS) 5 , emitidas pelo Conselho das Normas Internacionais de Contabilidade (IASB), tendo em vista a sua utilização na UE, tinha como objetivo reforçar o funcionamento eficiente dos mercados de capitais e do mercado interno da UE.

A partir de 2005, por força do referido regulamento, as demonstrações financeiras consolidadas das sociedades da UE cotadas na bolsa 6 passaram a ser elaboradas em conformidade com as normas IFRS. Os Estados-Membros podem alargar a aplicação das normas IFRS às demonstrações financeiras anuais individuais e às sociedades não cotadas. A Diretiva Transparência 7 prevê igualmente que todos os emitentes (incluindo em países terceiros) cujos valores mobiliários sejam admitidos à negociação num mercado regulamentado situado na UE ou que nela operem devem utilizar as IFRS.

O presente relatório resume os resultados dessa avaliação e identifica as eventuais melhorias possíveis. O documento de trabalho dos serviços da Comissão em anexo apresenta informações mais pormenorizadas para fundamentar o referido relatório.

2.Metodologia

A fim de proceder a esta avaliação, a Comissão recolheu as opiniões das partes interessadas através de uma consulta pública (realizada de agosto a novembro de 2014 e que resultou na apresentação de 200 contribuições), bem como de um grupo informal de peritos (composto por 18 organizações públicas e privadas que participaram em 3 reuniões em 2014) e do Comité de Regulamentação Contabilística (ARC), que conta com representantes de todos os EstadosMembros. Procedeu a uma análise da documentação existente sobre o impacto da adoção obrigatória das IFRS na UE e da eficácia das IFRS durante a crise. Baseou-se igualmente na experiência interna dos organismos internacionais e europeus pertinentes. No quadro desta avaliação, foram tidas em conta as recomendações formuladas por Philippe Maystadt 8 com vista a reforçar o papel desempenhado pela UE no contexto internacional da normalização.

A avaliação visava comparar a situação ao abrigo do Regulamento IAS com aquela que teria existido na ausência da adoção das IFRS. No entanto, não havia qualquer parâmetro de referência claro para aferir as IFRS, dado não existir qualquer alternativa uniforme na UE e atendendo à evolução dos princípios contabilísticos geralmente aceites (GAAP), a nível nacional e americano, durante o período em análise.

Em termos gerais, a avaliação foi realizada na perspetiva da UE no seu conjunto, sem uma análise sistemática da interação entre o Regulamento e as legislações nacionais dos EstadosMembros individuais. Não se procedeu a um exame técnico das normas IFRS, nem foi analisada a carga administrativa eventualmente resultante das diferentes normas. A avaliação também não ponderou a possibilidade de serem aplicados outros regimes contabilísticos às sociedades não cotadas da UE.

Os efeitos resultantes da adoção das IFRS durante o período em análise foram difíceis de identificar separadamente, uma vez que também ocorreram outras alterações regulamentares importantes durante esse período; os referidos efeitos também divergiram consoante os GAAP nacionais utilizados antes das IFRS. Além disso, foi difícil obter dados quantitativos sobre as sociedades que aplicam as IFRS, bem como sobre os custos e benefícios da sua aplicação. As pesquisas existentes centraram-se sobretudo nas empresas de maior dimensão. Por último, os participantes na consulta pública fizeram-no por iniciativa própria, pelo que não constituem necessariamente uma amostra representativa.

A avaliação não se debruça sobre a questão da auditoria. É geralmente reconhecido que são necessárias auditorias de elevada qualidade para assegurar a fiabilidade das demonstrações financeiras. Durante o período em análise, a UE reforçou o seu quadro regulamentar no domínio da revisão legal de contas, incluindo no que respeita à independência da supervisão dos revisores oficiais de contas e das empresas de auditoria 9 .

3.Conclusões

3.1.Critérios de avaliação

3.1.1.Eficácia

O Regulamento IAS tinha como objetivo assegurar a harmonização do relato financeiro das sociedades cotadas, assegurando um elevado grau de transparência e de comparabilidade das suas demonstrações financeiras, a fim de reforçar o funcionamento eficiente dos mercados de capitais e do mercado interno da UE. O regulamento insistiu na importância do reconhecimento à escala mundial das IFRS, no intuito de as sociedades da UE poderem concorrer em igualdade de condições em relação aos recursos financeiros nos mercados de capitais mundiais.

Transparência e comparabilidade

A Comissão verificou que o Regulamento IAS permitiu reforçar a transparência das demonstrações financeiras ao melhorar a qualidade das contas e das informações publicadas, bem como ao incrementar a pertinência do relato financeiro em termos de valor, o que se traduziu em expectativas do mercado mais precisas, nomeadamente a nível das previsões dos analistas. Conduziu também a uma maior comparabilidade das demonstrações financeiras no âmbito do mesmo setor ou país, ou entre setores ou países, apesar de subsistirem algumas divergências.

Segundo os elementos recolhidos, a qualidade das demonstrações financeiras elaboradas em conformidade com as IFRS afigura-se satisfatória, o que parece apontar para a boa qualidade das normas. Não obstante, foram igualmente tecidas críticas à sua complexidade. As conclusões extraídas apontam para o facto de esta complexidade ser em grande medida inevitável, dado resultar da complexidade inerente às atividades económicas. Muito embora as normas não sejam específicas a cada setor, foram consideradas suficientemente flexíveis para se adaptarem à maioria dos modelos comerciais, mas foram manifestadas algumas preocupações quanto à sua adequação para os investidores a longo prazo e sobre o volume das informações a publicar.

O Regulamento IAS reconheceu que um relato financeiro de elevada qualidade exige uma aplicação adequada e rigorosa das normas. Em conformidade com a Diretiva Transparência, a responsabilidade pela aplicação das normas de contabilidade incumbe aos Estados-Membros individuais; a Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA) coordena as suas atividades para reforçar a convergência das práticas de supervisão e garantir a aplicação uniforme das IFRS na UE.

Os elementos recolhidos parecem indicar a existência de mecanismos adequados para garantir a aplicação satisfatória das IFRS e que a ESMA desempenha um papel importante ao promover a uniformidade e a coerência desta aplicação em toda a UE. Todavia, alguns elementos revelam que perduram algumas divergências em matéria de aplicação entre os Estados-Membros. A ESMA publicou recentemente novas orientações 10 em matéria de aplicação que poderão vir a traduzir-se em novas melhorias neste domínio, mas trata-se ainda de uma etapa demasiado precoce para avaliar o seu impacto.

A uniformidade da aplicação das normas pode depender da forma como são interpretadas. A ESMA assinala ao Comité de Interpretação das IFRS os domínios em que se verificam práticas divergentes. A Comissão congratula-se com a cooperação eficaz entre as duas instâncias.

Funcionamento eficiente dos mercados de capitais e do mercado interno da UE

A Comissão recolheu elementos que confirmam a existência de melhorias nos mercados de capitais: maior liquidez; diminuição dos custos de capital; aumento das transações transfronteiras; melhor acesso aos capitais a nível da UE e a nível mundial; melhor proteção dos investidores e preservação da confiança dos investidores. Contudo, tal como acima referido, não foi possível distinguir os efeitos resultantes das IFRS daqueles decorrentes de outras alterações que ocorreram nos mercados de capitais.

A eventual medida em que a utilização das IFRS pode ter contribuído para exacerbar a crise financeira foi amplamente debatida, mas faltam elementos conclusivos a este respeito. Dois aspetos da contabilidade merecem particular destaque neste contexto. O primeiro prende-se com a utilização dos preços correntes (justo valor) para avaliar os instrumentos financeiros. Em caso de excesso de dinamismo ou morosidade dos mercados, estes valores podem ser exagerados. Em contrapartida, alguns instrumentos como os empréstimos bancários são contabilizados com base no custo, o que impõe a constante necessidade de avaliar as probabilidades de os clientes reembolsarem os montantes devidos. Durante a crise financeira, a norma aplicável à imparidade dos empréstimos foi objeto de inúmeras críticas por ter conduzido a um provisionamento «insuficiente e demasiado tardio». Outras críticas tecidas prenderam-se com a insuficiência das informações publicadas por alguns bancos. Na sequência de um longo processo formal (due process), o IASB publicou em 2014 uma nova norma relativa aos instrumentos financeiros (IFRS 9), que está atualmente em vias de ser examinada, tendo em vista a sua adoção. De modo geral, a crise financeira realçou o facto de as normas poderem ter importantes consequências económicas (s3.2).

Normas mundiais

O Regulamento IAS preconizava que as IFRS se tornariam normas mundiais, em benefício das sociedades da UE. As partes interessadas consideravam que a decisão da UE de adotar as IFRS reforçava de forma significativa a credibilidade e a aceitação à escala mundial destas normas. Atualmente, mais de uma centena de países reconhecem as IFRS, as quais beneficiam do apoio de organizações internacionais como o G 20, o Conselho de Estabilidade Financeira (CEF), o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e o Comité de Basileia sobre Supervisão Bancária.

Os Estados Unidos não autorizam as empresas americanas a utilizar as IFRS, o que restringe significativamente a sua aplicação à escala mundial. O mecanismo de «equivalência» mediante o qual a Securities and Exchange Commission (SEC) nos EUA aceita as demonstrações financeiras das sociedades estrangeiras elaboradas em conformidade as IFRS é considerado uma vantagem importante a favor dos cerca de 90 grandes emitentes da UE cotados nos mercados dos EUA.

Em 2002, o IASB e o organismo de normalização americano (FASB) lançaram um programa destinado a assegurar a convergência das respetivas normas. A crise financeira realçou a importância destes trabalhos que foram apoiados de forma ativa pelo G 20 e pelo CEF. Nalguns domínios, contudo, as duas instâncias não conseguiram chegar a um consenso.

3.1.2.Eficiência

De modo geral, os resultados da avaliação revelam que os benefícios da aplicação do Regulamento IAS superam os seus custos.

No entanto, a aplicação das normas contabilísticas não se presta facilmente à tradicional análise da relação custo-benefício, uma vez que os benefícios não são quantificáveis em termos monetários; existem poucos dados relativos aos custos, para além de a repartição dos custos e dos benefícios ser desigual, na medida em que os custos são, em grande parte, incorridos pelas sociedades que elaboram as suas demonstrações financeiras em conformidade com as IFRS, enquanto os benefícios se repartem entre estas sociedades e todos aqueles que utilizam essas demonstrações financeiras, nomeadamente os investidores e a economia em geral.

Não obstante, as sociedades declararam-se geralmente favoráveis às IFRS, o que deixa pressupor que consideram os custos proporcionais aos benefícios. Os elementos recolhidos parecem indicar que a relação entre os custos e os benefícios depende de certas características da empresa, como a sua dimensão e a importância das suas atividades internacionais. Algumas partes interessadas consideraram que se justificava alargar a utilização das IFRS, conferindo às empresas a possibilidade de adotar estas normas na perspetiva de uma redução dos custos, nomeadamente no que respeita às empresas pertencentes a grupos cotados na bolsa. Além disso, algumas propuseram uma versão «aligeirada» das IFRS para as filiais dos grupos cotados na bolsa, com um menor volume de informações a publicar. Foi ressalvado que o custo da adoção das IFRS pode constituir um obstáculo a uma oferta pública inicial, nomeadamente para as pequenas e médias empresas (PME).

Os utilizadores de demonstrações financeiras, declararam-se geralmente a favor das IFRS, por entenderem que melhoravam a transparência e a comparabilidade das demonstrações financeiras.

Todas as partes interessadas incorrem custos durante o processo de elaboração e aprovação das normas. Algumas respostas apresentadas apontavam para o facto de, mais recentemente, o devido equilíbrio entre os custos e os benefícios ter sido afetado adversamente pelas frequentes alterações introduzida nas normas, pela sua complexidade e pelo aumento do volume das informações a publicar.

3.1.3.Pertinência

Em geral, depreende-se dos resultados da avaliação que os objetivos prosseguidos pelo Regulamento IAS continuam a ser pertinentes.

A crescente globalização dos mercados de capitais torna ainda mais premente a necessidade de uma linguagem única em matéria de relato financeiro. Em 2002, as sociedades cotadas não beneficiavam de qualquer igualdade das condições de concorrência entre os mercados de capitais da UE. Dado que se trata de um aspeto doravante assegurado na UE, o debate centrase atualmente na necessidade de condições equitativas a nível mundial. Como já referido, as organizações internacionais são favoráveis a que as IFRS se tornem normas mundiais.

A crise revelou a necessidade de compreender os efeitos da regulamentação nos mercados financeiros e nas economias. O Regulamento IAS especifica que, para poderem ser adotadas na UE, as normas internacionais devem satisfazer o interesse público europeu. O conceito de «interesse público» não é definido, mas pode ser entendido como englobando a estabilidade financeira em geral e considerações de ordem económica. Em especial, é necessário examinar a possibilidade de as normas contabilísticas serem nefastas para a economia ou para determinadas partes interessadas, como os investidores a longo prazo. É também lançado um apelo cada vez premente no sentido de a regulamentação ser considerada na sua globalidade, atendendo aos seus efeitos acumulados.

Aquando da adoção do Regulamento IAS, acordou-se que os seus objetivos eram mais pertinentes para as sociedades cotadas da UE, o que teve um impacto a nível do seu âmbito de aplicação obrigatória, sendo conferida aos Estados-Membros a possibilidade de alargar esse âmbito. Algumas partes interessadas consideravam que o alargamento da aplicação das IFRS, por exemplo, às demonstrações financeiras anuais individuais das empresas cotadas que não elaboram demonstrações financeiras consolidadas, poderia traduzir-se em vantagens semelhantes, nomeadamente para os investidores. Outros salientaram o risco de impor normas complexas às PME.

3.1.4.Coerência

No âmbito do Regulamento IAS

As IFRS adotadas pela UE foram codificadas no Regulamento n.º 1126/2008 da Comissão 11 , que é juridicamente vinculativo e que foi objeto de sucessivas alterações, a fim de ter em conta as novas normas, bem como as respetivas modificações. A Comissão elabora semestralmente uma versão consolidada das normas em vigor, em todas as línguas da UE, sem caráter vinculativo. Os elementos recolhidos revelam a necessidade de melhorar a tradução em determinadas línguas, a existência de dificuldades práticas para a consolidação das normas e algumas discrepâncias entre os textos consolidados do IASB e da UE. Por conseguinte, poderia ser útil que a Comissão procedesse a um exercício de codificação oficial de todas as IFRS.

Algumas partes interessadas colocaram também a questão da eventual necessidade de assegurar, para além do processo formal do IASB (due process), a coerência das novas normas ou de quaisquer alterações às mesmas com o conjunto existente das IFRS.

Com outros atos legislativos da UE

A Comissão manifesta o seu empenhamento em contribuir para eliminar os eventuais pontos de atrito no quadro da interação entre o Regulamento IAS e a Diretiva Contabilística. Até à data, a aplicação de interpretações e de métodos de transposição adequados pelos EstadosMembros permitiram superar quaisquer dificuldades na matéria.

As regras em matéria de conservação do capital e de distribuição dos dividendos foram igualmente citadas como uma fonte de problemas jurídicos em determinados EstadosMembros que permitem ou exigem a utilização das IFRS para as demonstrações financeiras anuais em que os lucros distribuíveis se baseiam. Cada Estado-Membro pondera a forma de resolver estes problemas no quadro da sua legislação nacional, no respeito dos requisitos em matéria de conservação de capitais na UE.

Segundo o atual «quadro conceptual» (Conceptual Framework) do IASB, o objetivo do relato financeiro em geral consiste em prestar informações sobre a entidade que elabora as demonstrações financeiras que sejam úteis aos investidores, credores e outros mutuantes, atuais e potenciais. Mas apesar de as informações financeiras elaboradas em conformidade com as IFRS servirem de ponto de partida para grande parte da regulamentação prudencial, o IASB não inclui as autoridades de supervisão nem de regulamentação prudencial na sua lista de utilizadores. Não obstante, é necessário assegurar a adequação da informação financeira para esse efeito, sendo simultaneamente reconhecido que as autoridades de regulamentação prudencial podem exigir outras informações para satisfazer os seus objetivos distintos.

Constatou-se que, apesar de as IFRS, os requisitos regulamentares, as regras fiscais e as regras em matéria de conservação do capital poderem impor às empresas requisitos diferentes em matéria de informação, tais diferenças são geralmente consideradas proporcionais e legítimas, atendendo à diversidade dos objetivos prosseguidos.

3.1.5.Valor acrescentado europeu

No final dos anos 90, a internacionalização das empresas, a realização do mercado único e a mundialização dos mercados financeiros impuseram a necessidade de estabelecer uma linguagem contabilística comum para as sociedades cotadas. Algumas destas últimas deviam elaborar um conjunto adicional de contas em conformidade com as normas internacionais ou americanas, uma vez que as suas contas nacionais não eram reconhecidas a nível internacional. A UE decidiu aplicar as IFRS às sociedades cotadas através de um regulamento, dado que as dificuldades em reconciliar as diferentes tradições contabilísticas entre os Estados-Membros teriam entravado o reforço adequado das diretivas contabilísticas.

Foi demonstrado que os objetivos visados pelo regulamento foram alcançados de forma eficaz e eficiente e que os mesmos continuam a ser pertinentes. Além disso, continua a não haver uma verdadeira alternativa às IFRS, pelo menos na etapa atual. Deste modo, o regulamento continua a ser fonte de valor acrescentado na Europa ao reduzir os obstáculos transfronteiras, através de uma linguagem contabilística internacional comum, e ao conferir à UE um papel primordial na elaboração das normas internacionais.

Os elementos recolhidos demonstram que o equilíbrio entre o âmbito de aplicação obrigatória do regulamento e a possibilidade conferida aos Estados-Membros de alargarem a utilização das IFRS a nível nacional assegura um grau adequado de subsidiariedade e de proporcionalidade. Os Estados-Membros aplicaram estas opções de formas diversas, por forma a ter em conta o seu enquadramento económico e jurídico específico. A utilização obrigatória das IFRS não foi alargada às sociedades não cotadas, nem às demonstrações financeiras individuais.

3.2.Critérios e procedimento de aprovação

3.2.1.Mecanismo de aprovação — procedimento

As IFRS emitidas pelo IASB são aprovadas pela Comissão no âmbito de um procedimento de comitologia. Este procedimento de aprovação continua a ser necessário para garantir que as normas elaboradas por um organismo privado satisfaçam determinados critérios e se adaptem à economia europeia antes de serem incorporadas no direito da UE.

O objetivo da Comissão consiste em assegurar o funcionamento harmonioso e eficiente do procedimento de aprovação; de acordo com as respostas recebidas, a maioria das partes interessadas considera que o procedimento funciona bem. A questão dos prazos suscitou algumas preocupações, uma vez que é fonte de incerteza regulamentar. Todavia, impõe-se respeitar a necessidade de procedimentos formais que prevejam um prazo adequado para a apresentação das eventuais contribuições das partes interessadas.

Outro fator importante, no que se refere ao procedimento de aprovação, prende-se com a plena compreensão dos efeitos de uma norma. Até à data, o IASB tem apenas apresentado uma análise limitada dos efeitos das suas normas, centrando-se na qualidade das informações prestadas aos utilizadores das demonstrações financeiras. Além disso, os serviços da Comissão e o Grupo Consultivo para a Informação Financeira na Europa (EFRAG - European Financial Reporting Advisory Group) também avaliam os efeitos de uma norma a nível da UE.

3.2.2.Mecanismo de aprovação — flexibilidade

Algumas partes interessadas na Europa consideram que o Regulamento IAS carece de flexibilidade, dado não permitir a alteração das IFRS mediante o aditamento de novas disposições e proporcionar apenas uma margem de manobra limitada para «suprimir» («carve out») certas disposições. Na UE, tem vigorado uma exclusão desse teor desde 2005, a qual é aplicada por diversos bancos. Outras partes interessadas consideram que as normas emitidas pelo IASB não devem ser alteradas tendo em vista a sua aplicação na Europa. O relatório de Philippe Maystadt indicou que se impõe prudência neste domínio, tendo a maioria das partes interessadas sido favoráveis à manutenção do status quo.

Nas contribuições recebidas, houve também um consenso no sentido de que a reforma do EFRAG deveria reforçar a influência exercida pela Europa numa etapa mais precoce do processo de elaboração das normas.

3.2.3.Critérios de aprovação

O Regulamento IAS prevê que uma norma deve preencher uma série de critérios específicos antes de ser aprovada a nível da UE. A norma não deve ser contrária ao princípio da «imagem fiel e verdadeira» estabelecido na Diretiva Contabilística, deve satisfazer o interesse público europeu e preencher critérios básicos relacionados com a qualidade das informações exigidas para as demonstrações financeiras. O relatório Maystadt referiu que poderiam ser acrescentados dois outros critérios no contexto do interesse público, designadamente o facto de as normas não deverem comprometer a estabilidade financeira, nem entravar o desenvolvimento económico da União. Em alternativa, propôs a adoção de uma comunicação em que fossem emitidas orientações sobre a interpretação do critério de interesse público.

De modo geral, com base nas contribuições recebidas, afigura-se que os critérios existentes funcionam de forma adequada, muito embora algumas partes interessadas tivessem manifestado o desejo de o regulamento prever outros critérios: nenhuma maioria clara se pronunciou, contudo, a favor de um critério concreto. Não obstante, algumas partes interessadas consideraram que seria útil especificar o que se deve entender pelo conceito de interesse público europeu, enquanto outras consideraram que se trata de um conceito suficientemente genérico para ter sentido e permitir uma certa flexibilidade na prática. A maioria das partes interessadas não recomendava a introdução de qualquer alteração no Regulamento IAS em si, preferindo antes que a Comissão identificasse, numa base casuística, os domínios em que o EFRAG deveria concentrar-se.

O desafio consiste em assegurar que os conceitos enunciados no regulamento sejam compreendidos de forma idêntica, nomeadamente os conceitos de «interesse público» e «imagem fiel e verdadeira». Quanto a este último, algumas partes interessadas recomendaram a avaliação de uma norma, a fim de determinar expressamente se é conducente a uma contabilidade prudente, que consideravam como um fator importante para assegurar uma imagem fiel e verdadeira. A Comissão, em colaboração com o EFRAG, deve emitir orientações para melhorar a compreensão dos critérios de aprovação.

3.3.Governo

3.3.1.Fundação IFRS

A Fundação IFRS é uma organização independente que elabora normas de contabilidade para mais de 100 países. Daí a necessidade, por conseguinte, de esta entidade esta sujeita a regras estritas em matéria de governo, a fim de assegurar a sua responsabilização pública.

Dispõe de uma estrutura de governo a três níveis, com vista a favorecer a transparência, a separação de funções e uma supervisão adequada. O seu Conselho de Supervisão (Monitoring Board) de autoridades públicas, incluindo a Comissão Europeia, assegura que a Fundação IFRS seja objeto de supervisão pública. Pode remeter quaisquer questões de interesse público geral para o IASB.

Em 2013, o financiamento da Fundação IFRS foi principalmente assegurado por contribuições voluntárias. Visa instituir regimes de financiamento nacionais (obrigatórios), proporcionais ao PIB de cada país mas, até à data, tal tem-se revelado difícil, dado que muitos países que utilizam as IFRS não pagam ainda contribuições adequadas para o efeito. Por conseguinte, a Fundação continua a depender de contribuições voluntárias, muitas vezes provenientes do setor privado, o que pode suscitar o risco de um conflito de interesses. A UE no seu conjunto, incluindo as contribuições dos Estados-Membros, constitui a principal fonte de financiamento da Fundação IFRS, havendo um compromisso plurianual que assegura a esta última a estabilidade do respetivo financiamento, contribuindo assim para reduzir a sua dependência em relação ao setor privado.

No período em análise, verificaram-se várias alterações positivas: criação do Fórum Consultivo de Normas Contabilísticas (ASAF), com representantes europeus; recomendações formuladas aos «trustees» por um grupo consultivo sobre a metodologia de trabalho no terreno e análises de impacto a realizar pelo IASB, bem como a introdução de uma avaliação das normas, após a sua entrada em vigor.

Em resposta a pedidos formulados pelas partes interessadas e, nomeadamente, na sequência das preocupações manifestadas a nível europeu, o IASB tem vindo a desenvolver o seu quadro conceptual (Conceptual Framework) que irá melhorar o relato financeiro ao definir um conjunto completo e atualizado de conceitos a utilizar nos seus trabalhos futuros. Em 28 de maio de 2015, publicou-se um documento para debate, que aborda diversas questões importantes, nomeadamente a reintrodução do conceito de prudência enquanto elemento importante do relato financeiro.

Os seus estatutos obrigam a Fundação IFRS a reexaminar a sua estrutura organizativa cada cinco anos. Os reexames anteriormente realizados contribuíram para melhorar significativamente o governo da Fundação. O próximo reexame constituirá uma oportunidade para abordar a questão do financiamento da Fundação e o seu processo de tomada de decisões, incluindo o papel do Conselho de Supervisão.

3.3.2.EFRAG

Em julho de 2014, a Comissão apresentou um relatório 12 sobre os progressos alcançados na execução da reforma do EFRAG, na sequência da publicação do relatório Maystadt. As suas conclusões eram positivas no que se refere aos progressos realizados até à data. A reforma produziu efeito em 31 de outubro de 2014, data em que os estatutos e o regulamento interno alterados do EFRAG entraram em vigor. A reforma consistiu na criação de um novo Conselho do EFRAG, o seu novo órgão decisório, em que os interesses públicos e privados se encontram representados de forma equilibrada, com vista a reforçar a legitimidade das suas posições e para que a Europa se pronuncie em uníssono.

4.Conclusão e próximas etapas

A Comissão manifesta a sua satisfação com a qualidade global da avaliação, e nesse contexto, considera os resultados gerais suficientemente fundamentados por elementos concretos, não obstante a disponibilidade limitada de dados quantitativos. As principais conclusões revelam que os objetivos do regulamento foram alcançados.

Os elementos recolhidos demonstram que a reforma do EFRAG no período em análise foi considerada um fator importante para reforçar o papel desempenhado pela UE no processo de elaboração das IFRS.

Todavia, continua a ser possível melhorar a forma como as disposições do Regulamento IAS são aplicadas e a Comissão identificou uma série de medidas práticas a tomar.

Funcionamento do Regulamento IAS

Afigura-se que o atual âmbito de aplicação do regulamento e as opções conferidas aos Estados-Membros são adequados. No âmbito do seu Livro Verde intitulado «Construção de uma União dos Mercados de Capitais» 13 , a Comissão lançou um debate sobre a eventual utilidade de elaborar normas de contabilidade europeias comuns, simplificadas e de elevada qualidade, para as PME cotadas em sistemas de negociação multilateral (MTF) e, mais especificamente, nos mercados das PME em crescimento.

A Comissão é favorável à utilização das IFRS enquanto normas mundiais e continua a exortar a SEC dos Estados Unidos a adotar as IFRS, tendo em vista a sua aplicação pelas sociedades americanas. A convergência não deve ser considerada como um fim em si, porquanto as IFRS devem ser de elevada qualidade e adequadas para os mercados europeus e, consequentemente, outros países no mundo. A Comissão entende que o empenhamento nas IFRS deve ser comprovado pela instituição de contribuições financeiras permanentes, tendo em vista o financiamento da Fundação IFRS, em função do PIB nacional do país contribuinte. É por esta razão que a Comissão insiste no facto de a análise a realizar em 2015 sobre o governo da Fundação IFRS 2015 dever sublinhar a necessidade de a utilização das IFRS e a existência de uma contribuição financeira permanente serem condições indispensáveis para participar nos órgãos de direção e de supervisão da Fundação IFRS e do IASB.

A eficácia e a eficiência do regulamento dependem da qualidade intrínseca das normas, que devem continuar a ser avaliadas de forma adequada aquando da sua elaboração e aprovação. Em especial, deve tomar-se em consideração qualquer interação entre o Regulamento IAS e a restante legislação da UE, com base numa panorâmica global da sua coerência e dos seus efeitos em geral, da complexidade das normas e do volume de informações a prestar. A Comissão examinará a necessidade de reforçar as regras da UE relativas à distribuição de dividendos.

A Comissão exorta os Estados-Membros a aplicar as orientações da ESMA relativas ao controlo da aplicação dos requisitos em matéria de informação financeira. No âmbito do seu Livro Verde intitulado «Construção de uma União dos Mercados de Capitais», a Comissão irá examinar se as competências das autoridades europeias de supervisão, nomeadamente a ESMA, são suficientes para garantir a coerência em matéria de supervisão e se outras abordagens mais eficientes no domínio do relato financeiro dirigido às autoridades de supervisão e ao mercado, envolvendo a ESMA e as autoridades nacionais, se for caso disso, poderiam ser úteis para os operadores no mercado.

No intuito de assegurar a simplificação da legislação e a coerência, a Comissão irá ponderar a possibilidade de realizar a médio prazo um exercício de codificação da legislação relativa às IFRS, uma vez adotadas algumas normas importantes ainda pendentes. A Comissão visará promover a cooperação com a Fundação IFRS, em especial no domínio da tradução.

Procedimento de aprovação

A Comissão irá assegurar que os seus pedidos dirigidos ao EFRAG, tendo em vista o seu parecer no quadro da aprovação das normas, exponham numa base casuística preocupações específicas, incluindo no que respeita às questões de interesse público, a fim de os pareceres do EFRAG abordarem estes aspetos de forma adequada. A participação dos Estados-Membros numa etapa mais precoce do procedimento contribuirá para que os serviços da Comissão sejam informados de eventuais preocupações e a reforma da estrutura de governo do EFRAG reforçará a sua capacidade para abordar as questões levantadas. A Comissão desenvolverá propostas e métodos de trabalho por intermédio de diálogos travados com o ARC, o Conselho do EFRAG e outras instituições da UE.

A Comissão incentiva o EFRAG a desenvolver as suas capacidades no que diz respeito à análise dos efeitos das normas, nomeadamente os seus efeitos macroeconómicos. A Comissão acolhe com agrado o facto de o BCE e as autoridades europeias de supervisão, na qualidade de observadores no Conselho do EFRAG após a reforma do seu sistema de governo, estarem a partilhar ativamente as suas opiniões com o Conselho, no intuito de facilitar a tomada em consideração de alguns aspetos, tais como os efeitos na estabilidade financeira.

Sistemas de governo para as organizações pertinentes

A Comissão reconhece a introdução de melhorias no sistema de governo da Fundação IFRS. Todavia, enquanto membro do seu Conselho de Supervisão, convida a referida entidade a deixar de colocar a tónica em questões de organização interna para passar a centrar-se na análise das questões de interesse público que possam vir a ser remetidas para a Fundação IFRS.

A Comissão insta o IASB a reforçar as suas análises de impacto, a ter em conta as necessidades específicas dos investidores com diferentes horizontes temporais em matéria de investimento e a propor soluções específicas, nomeadamente para os investidores a longo prazo, aquando da elaboração das suas normas.

A Comissão congratula-se com a intenção do IASB de reintroduzir o princípio de prudência no quadro conceptual (Conceptual Framework).

A Comissão apoiou e acompanhou a execução da reforma do sistema de governo do EFRAG em 2014. No intuito de garantir a prossecução do objetivo que consiste em reforçar a influência exercida pela UE na elaboração das normas internacionais de contabilidade, a Comissão continuará a acompanhar de perto o seguimento dado à reforma e apresentará um relatório anual, em conformidade com o Regulamento n.º 258/2014.

(1)

Regulamento (CE) n.º 1606/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de julho de 2002, relativo à aplicação das normas internacionais de contabilidade, JO L 243 de 11.9.2002.

(2)

COM(2008) 215.

(3)

COM(2014) 368.

(4)

Artigo 9.º, n.º 2, do Regulamento (UE) n. º 258/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, que cria um programa da União de apoio a atividades específicas no domínio da informação financeira e da auditoria para o período 2014-2020 e que revoga a Decisão n.º 716/2009/CE, JO L 105 de 8.4.2014.

(5)

As Normas Internacionais de Contabilidade (International Accounting Standards - IAS) foram inicialmente emitidas pelo International Accounting Standards Committee (IASC), organismo que precedeu o IASB.

(6)

Cujos valores mobiliários são negociados num mercado regulamentado da UE.

(7)

Diretiva 2004/109/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de dezembro de 2004, relativa à harmonização dos requisitos de transparência no que se refere às informações respeitantes aos emitentes cujos valores mobiliários estão admitidos à negociação num mercado regulamentado e que altera a Diretiva 2001/34/CE, JO L 390 de 31.12.2004.

(8)

 Should IFRS Standards be more "European"?; Mission to reinforce the EU’s contribution to the development of international accounting standards; Relatório de Philippe Maystadt - outubro de 2013.

(9)

Diretiva 2006/43 relativa à revisão legal das contas anuais e consolidadas, com a última redação que lhe foi dada pela Diretiva 2014/56 e pelo Regulamento n.º 537/2014, aplicável a partir de meados de junho de 2016.

(10)

ESMA/2014/807.

(11)

Regulamento (CE) n.º 1126/2008 da Comissão, de 3 de novembro de 2008, que adota determinadas normas internacionais de contabilidade nos termos do Regulamento (CE) n.º 1606/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, JO L 320 de 29.11.2008, p. 1.

(12)

 COM(2014) 396.

(13)

COM(2015) 063.