COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU E AO CONSELHO Ajudar as autoridades nacionais a reprimirem os abusos do direito à livre circulação: Manual sobre os casamentos de conveniência entre cidadãos da UE e nacionais de países terceiros no quadro da legislação da UE em matéria de livre circulação dos cidadãos da União /* COM/2014/0604 final */
I.
Introdução O
direito de circular e residir livremente no território da União Europeia é uma
das quatro liberdades fundamentais consagradas no direito da UE e representa
uma pedra angular da integração europeia. A promoção e o
reforço deste direito constituem um objetivo central da União Europeia. A
União Europeia e os seus Estados-Membros reconhecem a importância de assegurar
a proteção da vida familiar, a fim de eliminar os obstáculos ao exercício da
liberdade fundamental que constitui a liberdade de circulação. Com efeito,
se os cidadãos da União não pudessem ter uma vida familiar normal no seu
Estado-Membro de acolhimento, essa liberdade fundamental estaria seriamente
comprometida. Os
cidadãos da UE que beneficiam dessa mobilidade, exercendo de boa fé os direitos
conferidos pela legislação da União, são integralmente protegidos por esta
última. Contudo, como em todos os domínios do direito, pode suceder que as
pessoas tentem aproveitar-se indevidamente da liberdade de circulação para
contornar as legislações nacionais na matéria. Os abusos do direito à livre
circulação comprometem este direito fundamental dos cidadãos da União. É
portanto essencial, para o preservar, lutar eficazmente contra tais abusos. Na
sua reunião de 26 e 27 de abril de 2012, o Conselho «Justiça e Assuntos
Internos» aprovou o roteiro sobre a «Ação da UE em matéria de pressões
migratórias — uma resposta estratégica», que aborda a questão dos casamentos de
conveniência destinados a facilitar a entrada e a residência ilegais de nacionais
de países terceiros na União. Este roteiro enumera várias ações a levar a cabo
pela Comissão e/ou pelos Estados-Membros com o propósito de melhorar o
conhecimento sobre o exercício abusivo do direito à livre circulação pelos
nacionais de países terceiros e pela criminalidade organizada com vista a
facilitar a imigração ilegal. Uma destas ações é a elaboração de «um manual
sobre casamentos de conveniência que inclua critérios indicativos para ajudar à
identificação de casamentos fictícios». Na
Comunicação de 25 de novembro de 2013 intitulada «A livre circulação dos
cidadãos da UE e das suas famílias: Cinco ações que fazem a diferença»[1],
a Comissão clarificou os direitos e as obrigações dos cidadãos da UE previstos
pela legislação da UE em matéria de livre circulação, e definiu cinco ações
para ajudar as autoridades nacionais a aplicarem-na no terreno. A comunicação
recordou que a legislação da UE prevê uma série de garantias sólidas que
permitem aos Estados-Membros lutar contra as práticas abusivas. Uma das ações
concretas para ajudar as autoridades a aplicarem essas garantias, fazendo-as
produzir todos os seus efeitos, consistia em elaborar, em conjunto com os
Estados-Membros, um manual sobre os casamentos de conveniência. Em
resposta ao pedido dos Estados-Membros acima mencionado, e em estreita
cooperação com estes últimos, os serviços da Comissão redigiram um manual sobre
os casamentos de conveniência entre cidadãos da UE e nacionais de países
terceiros no quadro da legislação da UE em matéria de livre circulação dos
cidadãos da UE. O Manual acompanha a presente comunicação sob a forma de um
documento de trabalho dos serviços da Comissão. Visa ajudar as autoridades
nacionais a lutarem mais eficazmente contra as práticas abusivas sob a forma de
casamentos de conveniência, sem comprometer, no entanto, o objetivo fundamental
de garantir e facilitar a livre circulação dos cidadãos da UE e dos membros das
suas famílias que, de boa fé, exercem os seus direitos com base na legislação
da UE. Contudo,
resulta dos dados comunicados pelos Estados-Membros sobre os casamentos de
conveniência detetados nos últimos anos entre nacionais de países terceiros e
cidadãos da União que exercem o direito à livre circulação na UE, que este
fenómeno é uma realidade cuja dimensão varia de forma significativa entre os
diferentes Estados-Membros[2].
Embora o número de casos seja pouco elevado, a implicação das redes de
criminalidade organizada, referida nos recentes relatórios da Europol, é
preocupante. O
quadro jurídico em vigor a nível internacional e da União, que as autoridades
nacionais devem respeitar para reprimir as práticas abusivas, inclui a
legislação da UE em matéria de livre circulação dos cidadãos da UE e dos
membros da sua família, os direitos e as garantias consagrados na Carta dos
Direitos Fundamentais da União Europeia e outros instrumentos pertinentes de
direito internacional, designadamente a Convenção Europeia dos Direitos do
Homem. Em
complemento às orientações dadas aos Estados-Membros para reprimirem os abusos
sob a forma de casamentos de conveniência na Comunicação da Comissão, de 2 de
julho de 2009, sobre orientações para assegurar uma transposição e aplicação
mais adequadas da Diretiva 2004/38/CE[3]
(«Orientações da Comissão de 2009»), o Manual aprofunda este quadro
jurídico. Explica claramente as consequências práticas da aplicação dessas
regras, fornecendo às autoridades nacionais recomendações concretas para as
ajudar a detetar e a investigar mais eficazmente os casos suspeitos de serem
casamentos de conveniência. As indicações e informações fornecidas no Manual
deverão permitir assegurar que, no conjunto da União, as práticas das
autoridades nacionais competentes se baseiam nos mesmos elementos de facto e de
direito, contribuindo para que o direito da UE seja melhor respeitado. O
Manual não é juridicamente vinculativo nem exaustivo. Não prejudica o direito
da União em vigor nem a sua evolução ulterior. Não prejudica igualmente a
interpretação vinculativa do direito da União que possa ser dada pelo Tribunal
de Justiça. A
presente comunicação resume o essencial do Manual, que é estruturado em quatro
partes: a «Introdução», as «Definições», o «Quadro jurídico aplicável» e as
«Medidas operacionais abrangidas pela competência nacional». II. Principais elementos do manual 1.
Secção «Introdução» Esta
secção menciona expressamente que o Manual só abrange os casamentos de
conveniência entre cidadãos da União e nacionais de um país terceiro, sempre
que os primeiros exerceram o seu direito à livre circulação ao residir noutro
Estado-Membro. Os casamentos entre dois cidadãos da União não são abrangidos,
portanto, pelo seu âmbito de aplicação. O Manual também especifica que qualquer
medida tomada pelas autoridades nacionais para prevenir as práticas abusivas
deve respeitar plenamente as regras e os princípios fundamentais do direito da
União e que o direito à livre circulação constitui a regra fundamental, a qual
só pode ser derrogada em casos individuais excecionais quando um abuso
comprovado o justifique. 2.
Secção «Definições» As
orientações fornecidas no Manual incidem sobre os casamentos de conveniência na
aceção da Diretiva 2004/38/CE»[4]
(a seguir designada «diretiva»), ou seja, os casamentos contraídos
unicamente com vista a beneficiar do direito de livre circulação e residência
ao abrigo da diretiva que, de outra forma, não poderia ser adquirido. O artigo
35.° da diretiva prevê que os Estados-Membros podem tomar as medidas
necessárias para recusar, fazer cessar ou retirar qualquer direito conferido
pela diretiva em caso de abuso de direito ou de fraude, como os casamentos de
conveniência. As orientações da Comissão de 2009 clarificaram as noções de
abuso e de casamento da conveniência no contexto das disposições da União
relativas à livre circulação. O
Manual apresenta em pormenor os elementos constitutivos destas noções e fornece
outras indicações que permitem distinguir entre casamentos autênticos e
casamentos de conveniência: descreve as principais características das
diferentes formas de i) casamentos autênticos que são por vezes considerados,
incorretamente, como casamentos de conveniência (por exemplo, os casamentos
combinados, os casamentos por procuração e os casamentos consulares) e ii)
casamentos fictícios (por exemplo, os casamentos de conveniência,
fraudulentos, forçados ou simulados) e remete para as regras da União que
se aplicam quando o casamento de conveniência inclui elementos associados ao
tráfico de seres humanos[5]. 3.
Secção sobre o «Quadro jurídico
aplicável» O
Manual faz uma apresentação geral das regras que as autoridades nacionais devem
ter em conta ao tomar medidas para prevenir ou lutar contra os abusos,
nomeadamente as disposições da União relativas à livre circulação e aos
direitos fundamentais, e ilustra as suas consequências práticas. 3.1
Regras e princípios da UE em matéria de
livre circulação dos cidadãos da União No
que diz respeito ao artigo 35.º da diretiva, que prevê que qualquer medida
adotada para recusar, fazer cessar ou retirar direitos conferidos pela diretiva
em caso de casamentos de conveniência «devem ser proporcionadas e sujeitas às
garantias processuais estabelecidas nos artigos 30.º e 31.º [da
diretiva]», o Manual indica em pormenor como aplicar o princípio geral da
proporcionalidade no contexto das decisões em causa. Sublinha igualmente que a
necessidade de assegurar que tais medidas respeitam a garantia material da
proporcionalidade, tal como é enunciada no artigo 35.º da diretiva,
reflete-se também nas garantias processuais aplicáveis a essas medidas,
previstas nos artigos 30.º e 31.º da diretiva. 3.2
Contexto mais alargado do direito
europeu e do direito internacional O
Manual recorda os direitos fundamentais consagrados nos instrumentos de direito
europeu e de direito internacional que devem ser tidos em conta quando são detetados,
investigados e sancionados os casamentos de conveniência. Trata-se mais
especialmente do direito ao casamento, o direito ao respeito pela vida privada
e familiar, bem como dos direitos da criança, bem como da proibição de
discriminações, do direito a um recurso efetivo e dos direito de defesa, tal
como previstos na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir
designada «Carta»). Como
o significado e alcance dos direitos consagrados na Carta, que correspondem aos
direitos garantidos pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem (a seguir
designada «Convenção»), devem ser idênticos aos estabelecidos por esta
última[6],
o Manual resume os principais elementos das disposições correspondentes da
Convenção e a jurisprudência na matéria do Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem (a seguir designado «TEDH»), de modo a fornecer orientações sobre
a sua interpretação. No
que diz respeito ao direito de contrair casamento e de constituir família,
consagrado no artigo 9.º da Carta e no artigo 12.º da Convenção, o
Manual refere que este último artigo confere às autoridades nacionais um certo
poder de apreciação para decidirem como regular o exercício, a nível nacional,
do direito de contrair casamento, mas que esse espaço de manobra é limitado, e
apresenta a jurisprudência pertinente do TEDH[7]. Quanto
ao direito ao respeito pela vida familiar, consagrado no artigo 7.º
da Carta e no artigo 8.º da Convenção, o Manual cita a jurisprudência do
TEDH[8]
que define os fatores a ter em conta em relação aos casamentos de conveniência,
com vista a apreciar se uma decisão que restringe o direito de entrada e de
residência no território pode ser considerada necessária numa sociedade
democrática, e proporcionada ao fim legítimo prosseguido, de modo a não
prejudicar o direito ao respeito pela vida familiar. Quando
um casamento de conveniência tem consequências para os filhos (nascidos, a
maioria das vezes, de relações anteriores dos cônjuges), o Manual sublinha a
necessidade de ter devidamente em conta os direitos dos filhos, em
conformidade com o artigo 24.° da Carta e o artigo 8.° da Convenção, que são
igualmente aplicáveis. Como o artigo 24.º da Carta tem por base a
Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, em particular os seus
artigos 3.º, 9.º, 12.º e 13.º, o Manual remete para os conselhos mais
práticos respeitantes à sua aplicação mencionados nas Orientações do ACNUR
relativas à determinação do interesse superior da criança, de maio de 2008[9].
Especifica designadamente que, no caso de um casamento de conveniência, quando
um ou ambos os cônjuges têm a responsabilidade parental em relação a um filho,
é conveniente dar suficiente relevância ao bem-estar da criança quando se trata
de decidir se a ou as pessoas que têm essa autoridade devem ser sujeitas a uma
medida de afastamento. O
Manual também recorda que se os filhos em causa são nacionais do Estado-Membro
de acolhimento beneficiam de uma proteção suplementar por força das legislações
interna e internacional que proíbem a expulsão dos seus próprios nacionais ou,
em casos excecionais, por força da jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre
a cidadania da União, no caso em que o afastamento de um progenitor, que é
nacional de um país terceiro que contraiu um casamento de conveniência,
obrigaria o filho a abandonar o Estado-Membro de acolhimento[10]
ou o território da União no seu conjunto[11]. Por
último, o Manual sublinha que quando adotam medidas para lutar contra
potenciais abusos, as autoridades nacionais não devem sujeitar as pessoas em
causa a tratamentos degradantes nem a discriminações em razão,
designadamente, do sexo, raça, cor, origem étnica ou social, características
genéticas, língua, nacionalidade, religião ou convicções, opiniões políticas ou
outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência,
idade ou orientação sexual, uma vez que tais medidas violariam, respetivamente,
o artigo 4.º da Carta (e o artigo 3.º da Convenção) e o
artigo 21.º da Carta (e eventualmente também o artigo 14.º da
Convenção). 3.3
Regras sobre a prova e ónus da prova O
Manual salienta que todas as medidas tomadas pelas autoridades nacionais para
investigar casamentos de conveniência suspeitos e recolher provas devem
respeitar as garantias processuais essenciais impostas pelo direito nacional e
o direito da União. Um casamento só pode dar lugar a um inquérito se existirem
dúvidas razoáveis quanto à sua autenticidade. Embora essas dúvidas razoáveis
constituam motivo suficiente para abrir um inquérito, quando este foi realizado
e se concluiu que se trata de um casamento de conveniência, os direitos
conferidos pela legislação em matéria de livre circulação apenas podem ser
recusados se o abuso for provado pelas autoridades nacionais, no respeito das
regras da prova em vigor[12]. No
que diz respeito ao ónus da prova, o Manual explica, na sequência das
indicações fornecidas nas orientações da Comissão de 2009, a forma como tal
funciona na prática. Especifica nomeadamente que, como o ónus da prova recai
sobre as autoridades nacionais, os casais unidos pelo casamento não podem ser
obrigados, em princípio, a provar que o seu casamento não é fictício. Contudo,
se as autoridades nacionais tiverem dúvidas fundadas quanto à autenticidade de
determinado casamento, dúvidas essas apoiadas por elementos de prova (tais
como informações contraditórias fornecidas pelos cônjuges), podem solicitar
ao casal que apresente outros documentos ou elementos de prova pertinentes. Os
cônjuges têm a obrigação de cooperar com as autoridades, e este aspeto deve
ser-lhes comunicado. Se não apresentarem provas suscetíveis de dissipar as
suspeitas, provas essas que se podem razoavelmente esperar de um casal
autêntico, ou se decidirem não apresentar qualquer prova, tal não pode
constituir o motivo único ou determinante para concluir que se trata de um
casamento de conveniência. Estes factos podem, todavia, ser tomados em conta
pelas autoridades, para além de outras circunstâncias pertinentes, na sua
avaliação da natureza do casamento. 3.4
Garantias processuais O
Manual apresenta em pormenor as garantias processuais que as autoridades
nacionais devem respeitar, em conformidade com o artigo 35.º da diretiva,
quando adotam uma decisão suscetível de restringir o direito à livre circulação
em razão da existência de um casamento de conveniência, a saber, as garantias
previstas nos artigos 30.º e 31.º da diretiva, que regulam, em especial,
as questões relacionadas com a notificação de tais decisões e a sua impugnação. Recorda,
além disso, que as garantias previstas pela diretiva devem igualmente ser
colocadas no contexto de outros direitos fundamentais aplicáveis, tais como
direito a um recurso efetivo e a um tribunal imparcial, bem como o direito de
defesa (respetivamente, artigos 47.º e 48.º da Carta). 4.
Secção sobre as «Medidas
operacionais abrangidas pela competência nacional» Nesta
secção, o Manual descreve as práticas operacionais inspiradas das práticas dos
Estados-Membros, a fim de ajudar as autoridades nacionais a detetarem e
investigarem mais eficazmente alegados casamentos de conveniência. Fornece um
conjunto de soluções que permitirão aos Estados-Membros estabelecer mecanismos
operacionais especialmente adaptados às suas necessidades e aos seus recursos
disponíveis, sem todavia constituir um modelo universal para todas as formas e
procedimentos de inquérito. 4.1
Índices de abuso potencial que podem
desencadear um inquérito No
respeitante aos elementos que podem desencadear um inquérito, o Manual explica
com maior pormenor as orientações da Comissão de 2009, bem como a Resolução do
Conselho, de 4 de dezembro de 1997, sobre as medidas a adotar em matéria de
luta contra os casamentos de conveniência[13], quanto à
aplicação de critérios indicativos, os «indícios de abuso», relacionados com um
comportamento que é razoável esperar de casais fictícios e não dos casais
autênticos. A noção de «indícios de abuso» utilizada para efeitos do Manual
deve ser entendida no sentido de que esses indícios observados pelas
autoridades nacionais nunca confirmam de forma automática ou obrigatória a
natureza fictícia do casamento em causa. É sempre necessária uma apreciação
mais ampla e neutra de todos os elementos, tanto a favor como contra a suspeita
inicial de abuso. Com
efeito, quando as autoridades nacionais intervêm contra os abusos no terreno,
podem ser confrontadas com casais atípicos mas autênticos que, à primeira
vista, parecem apresentar uma série de características de um casamento de
conveniência. É por esta razão que o Manual propõe um «duplo mecanismo de
segurança» que deve ser aplicado para minimizar o risco de falsas
identificações positivas (por exemplo, quando os cônjuges não habitam a
mesma casa ou um dos cônjuges tem um historial de imigração desfavorável). Este
«duplo mecanismo de segurança» implica, por um lado, uma aplicação rigorosa
do princípio segundo o qual a livre circulação constitui a regra primordial e
que só pode ser restringida em casos individuais, quando um abuso o justifique.
Implica, por outro lado, que as autoridades nacionais que investigam os abusos
não devem, em princípio, basear-se principalmente nos indícios de abuso em
apoio das suas suspeitas iniciais sobre o casamento em causa. Pelo contrário, devem
primeiramente ter em conta «indícios da não existência de abuso» (por
exemplo, uma relação de longa duração, um compromisso jurídico ou financeiro
sério de longa duração ou a partilha da responsabilidade parental) que
levariam a concluir que se trata de um casal autêntico e que beneficia do
direito de circular e residir livremente no território dos Estados-Membros.
Unicamente se o exame dos «indícios da não existência de abuso» não confirmarem
a natureza autêntica do casamento objeto do inquérito é que as autoridades
verificarão a existência de «indícios de abuso». Os
indícios de abuso potencial, que integram determinadas características que os
casais fictícios são mais suscetíveis de apresentar do que os casais
autênticos, são repartidos em vários grupos, correspondentes às diferentes
fases do «ciclo de vida» dos casamentos de conveniência. Exemplos desses
indícios são apresentados seguidamente a título de ilustração. Antes
do encontro dos futuros cônjuges: em comparação com os nacionais
de países terceiros de boa-fé, os candidatos ao casamento fictício têm mais
probabilidade de terem entrado ilegalmente ou de se encontrarem em situação irregular
num Estado-Membro da UE; têm um historial de anteriores casamentos de
conveniência ou de prática de outras formas de abuso ou fraude; em comparação
com os cidadãos da UE de boa-fé, têm mais probabilidade de se encontrar
numa situação financeira precária (por exemplo, fortemente endividados).
Durante
a fase prévia ao casamento: em comparação com os casais autênticos,
os candidatos ao casamento fictício têm mais probabilidade de nunca se terem
encontrado pessoalmente antes do casamento; não falam uma língua que ambos
compreendam (e não existe qualquer prova de que estão a esforçar-se para
estabelecer um modo de comunicação comum). Quando
os futuros cônjuges se preparam para celebrar o casamento: em
comparação com os casais autênticos, os candidatos ao casamento fictício têm
mais probabilidade de escolher um local de casamento que é conhecido por ser
propício às práticas fraudulentas ou tem ligações potenciais com a
criminalidade organizada; entregaram montantes em dinheiro ou prendas para que
o casamento se realize (exceto se é sob a forma de um dote nas culturas nas
quais seja uma prática corrente); apresentaram documentos contraditórios,
que fazem suspeitar de uma falsificação ou fornecem um endereço falso. Quando,
após o casamento, o cônjuge nacional de um país terceiro solicita um visto de
entrada ou uma autorização de residência: em comparação
com os casais autênticos, os casais fictícios têm mais probabilidade de
fornecer informações contraditórias ou falsas sobre o outro cônjuge no
respeitante a questões pessoais importantes (nome, data de nascimento e
idade, nacionalidade, membros da família mais próximos, eventuais casamentos
anteriores, educação, profissão); indicam uma morada falsa; estão numa
situação em que o cônjuge nacional de um país terceiro vive com outra pessoa. Quando
o casal obteve documentos autorizando a entrada ou a permanência e reside no
Estado-Membro de acolhimento: em comparação com os casais autênticos,
os casais fictícios têm mais probabilidade de não manter a sua coabitação matrimonial
ou de continuar a viver separadamente após o casamento, sem qualquer razão
plausível (por exemplo, a sua profissão, filhos nascidos de uma relação
anterior que vivem no estrangeiro); estão numa situação em que um dos
cônjuges vive com outra pessoa. Quando
os cônjuges diligenciam no sentido de colocar oficialmente termo ao casamento: em
comparação com os casais autênticos, os casais fictícios têm mais probabilidade
de se divorciarem pouco tempo depois de o cônjuge nacional de um país terceiro
ter obtido o direito de residir de forma independente ou ter obtido a
nacionalidade do Estado-Membro de acolhimento. 4.2
A investigação dos casamentos de
conveniência O
Manual apresenta os principais meios utilizados pelas autoridades nacionais
para investigar os casamentos de conveniência, designadamente entrevistas
ou questionários simultâneos, verificações de documentos ou antecedentes,
inspeções pelos serviços de polícia, da imigração ou de outras autoridades
competentes, e os inquéritos de vizinhança para verificar se o casal vive e
administra em conjunto o agregado familiar. Neste contexto, recorda a
importância de respeitar as garantias aplicáveis e o direito das pessoas ao
respeito da sua vida privada, bem como estabelece práticas comuns desenvolvidas
pelas autoridades nacionais para otimizar a eficácia desses meios. 4,3.
Cooperação transnacional para lutar
contra os casamentos de conveniência O
Manual sublinha até que ponto a cooperação transnacional pode facilitar a
deteção, investigação e repressão dos casamentos de conveniência. Especifica,
nomeadamente, a assistência que a Europol pode prestar às autoridades nacionais
quando a criminalidade organizada participa no tráfico de seres humanos, bem
como a Eurojust, em especial no que se refere à investigação ou à ação penal
relativamente a determinados atos, e à coordenação entre as autoridades
nacionais. Explica igualmente a forma como a Europol e a Eurojust podem ajudar
os Estados-Membros a criarem equipas de investigação conjuntas e em que situações
essas equipas podem ser úteis e adaptadas ao objetivo prosseguido. 4.4
O papel das diferentes autoridades
nacionais Na
secção final, o Manual faz referência às várias autoridades a nível nacional
suscetíveis de participar na luta contra os casamentos de conveniência e
sublinha mais especialmente a necessidade de adotar medidas globais contra
esses casamentos, especificando as funções dos diferentes intervenientes
nacionais. Em função das suas necessidades específicas, os Estados‑Membros
devem igualmente refletir sobre a melhor forma de coordenar a ação de todos os
principais intervenientes, por exemplo criando um organismo central de
coordenação ou pontos de contacto em cada um dos serviços envolvidos. [1] COM(2013)
837 final - http://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:52013DC0837&rid=1. [2] Comunicação
intitulada «A livre circulação dos cidadãos da UE e das suas famílias: Cinco
ações para fazer a diferença», atrás citada, ponto 3.1. [3] COM
(2009) 313 final. [4] Considerando
28 da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril
de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da
União e dos membros das suas famílias no território dos Estados-Membros, JO L
158 de 30.4.2004, p. 77. [5] Diretiva
2011/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2004, relativa
à prevenção e luta contra o tráfico de seres humanos e à proteção das vítimas -
http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2011:101:0001:0011:EN:PDF. [6] Artigo
52.º, n.º 3, da Carta; ver igualmente as explicações relativas à Carta (JO C
303 de 14.12.2007, p. 2) sobre o significado e alcance de determinadas
disposições da Carta em relação às disposições correspondentes da Convenção. [7] Por
exemplo, decisões da Comissão Europeia dos Direitos do Homem nos processos Sanders/França
(pedido 31401/96) e Klip e Krüger/Países Baixos (pedido
n.º 33257/96). [8] Acórdão Űner/Países
Baixos (processo 46410/99). [9] http://www.unhcr.org/4566b16b2.html. [10] Artigo
3.° do Protocolo n.º 4 à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do
Homem e das Liberdades Fundamentais. [11] Ver,
nomeadamente, os processos C-34/09, Ruiz Zambrano, C-256/11, Dereci,
e os processos apensos C‑356/11 e C‑357/11,
O. e S. [12] Podem
aplicar-se regras da prova diferentes consoante a prática abusiva seja
abrangida pelo âmbito do direito penal, da legislação sobre a imigração, do
direito administrativo ou da legislação sobre o estado civil. [13] http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:31997Y1216(01):EN:HTML.