52013DC0567

RELATÓRIO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU E AO CONSELHO sobre os requisitos aplicáveis às crianças que passam as fronteiras externas dos Estados-Membros /* COM/2013/0567 final */


RELATÓRIO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU E AO CONSELHO

sobre os requisitos aplicáveis às crianças que passam as fronteiras externas dos Estados‑Membros

1.           Introdução

O Regulamento (CE) n.º 444/2009[1] do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de maio de 2009, que altera o Regulamento (CE) n.º 2252/2004 do Conselho que estabelece normas para os dispositivos de segurança e dados biométricos dos passaportes e documentos de viagem emitidos pelos Estados‑Membros (a seguir designado por «regulamento»), introduziu o princípio «uma pessoa – um passaporte». De acordo com este princípio, os passaportes e documentos de viagem são emitidos a título individual; deixaram de poder ser emitidos passaportes familiares ou de grupo. Este princípio foi recomendado pela Organização da Aviação Civil Internacional (ICAO) já em 1997, uma vez que se considera mais seguro que cada pessoa – incluindo as crianças – seja titular do seu próprio passaporte[2].

O presente relatório cumpre o disposto no artigo 1.º do regulamento, segundo o qual «a Comissão apresenta, até 26 de junho de 2012, um relatório sobre os requisitos aplicáveis às crianças que viajam sozinhas ou acompanhadas, quando da passagem de fronteiras externas dos Estados‑Membros, propondo, se necessário, medidas adequadas para assegurar uma abordagem comum no que se refere às regras de proteção das crianças que passam as fronteiras externas dos Estados‑Membros». O presente documento baseia‑se num vasto estudo realizado para a Comissão (a seguir designado por «estudo»[3]) sobre a legislação e as práticas da UE, dos seus Estados‑Membros e dos países associados de Schengen[4] no que se refere à questão da passagem das fronteiras externas[5] de crianças da UE e de países terceiros[6], sozinhas ou acompanhadas. O relatório trata (especificamente) dos controlos das crianças que passam legalmente as fronteiras externas.

2.           Aplicação do princípio «uma pessoa – um passaporte»

A maioria dos Estados‑Membros tem vindo a seguir este princípio já há muitos anos. Não obstante, o regulamento fixa um período transitório segundo a qual o princípio deveria ser aplicado pelos Estados‑Membros até 26 de junho de 2012, de forma a não afetar «a validade inicial do documento para o respetivo titular».

Esta disposição significa que:

· a partir de 26 de junho de 2012, os passaportes dos cidadãos da UE devem ser emitidos apenas a título individual;

· após esta data, todas as crianças, independentemente da idade, devem dispor do seu próprio passaporte da UE e não são autorizadas a viajar apenas com base na sua inscrição nos passaportes dos pais:

· os passaportes dos pais continuam a ser válidos para os titulares após 26 de junho de 2012, ainda que contenham os nomes dos filhos.

Contudo, alguns Estados‑Membros interpretaram de forma diferente a natureza do período transitório e alegaram que ainda estavam autorizados a emitir passaportes com a inscrição dos filhos (denominados «passaportes familiares») até 26 de junho de 2012 e que essas entradas relativas às crianças se manteriam válidas durante todo o período de validade do passaporte.

A Comissão deixou claro no grupo de trabalho competente do Conselho que esta interpretação contrariava o objetivo da disposição e a fixação do período transitório de três anos.

A Comissão emitiu novas orientações sobre o assunto através da Recomendação de 14 de dezembro de 2012[7], que altera a Recomendação relativa ao estabelecimento de um manual prático para os guardas de fronteira (a seguir designado por «Manual Schengen»), a utilizar pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros quando procedem ao controlo de pessoas nas fronteiras [C(2006) 5186 final][8].

Clarifica que o regulamento não é aplicável à Irlanda nem ao Reino Unido e não se aplica a passaportes emitidos por países terceiros. A recomendação recorda que são aplicáveis as disposições da Diretiva 2004/38/CE[9] sobre o direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e seus familiares no território dos Estados‑Membros. Em conformidade com o artigo 5.º, n.º 4, desta diretiva[10], a falta de passaporte individual para as crianças inscritas no passaporte dos pais não implica necessariamente uma recusa de saída ou entrada no território de um Estado‑Membro. A inscrição da criança no passaporte dos pais pode ser considerada uma prova «por outros meios» da sua «qualidade de titular do direito de livre circulação».

Na grande maioria dos Estados‑Membros, o princípio «uma pessoa – um passaporte» tem vindo a ser aplicado há anos com base na lei nacional. Apenas alguns Estados‑Membros aguardaram até 26 de junho de 2012 para eliminar definitivamente, de forma progressiva, os passaportes familiares.

Não foram comunicados pelos Estados‑Membros nem identificados pelo estudo quaisquer problemas quanto à introdução deste princípio. De facto, o estudo revelou que o princípio «uma pessoa – um passaporte» foi bem acolhido por todas as partes interessadas, em especial pelos guardas de fronteira, autoridades nacionais e ONG que trabalham no domínio da proteção de crianças. Quase todos eles consideram que o princípio tornou mais seguras as viagens e passagens das crianças nas fronteiras, na medida em que os guardas de fronteira podem agora identificar efetivamente uma criança como sendo o titular do passaporte.

Nos casos em que o apelido não é o mesmo, torna‑se mais difícil estabelecer uma relação entre a criança em viagem e os pais. A este respeito, a ideia de incluir informações sobre os progenitores/tutores no passaporte da criança é apoiada por várias partes interessadas, incluindo a Frontex[11].

3.           Legislação e práticas destinadas às crianças no que se refere à passagem nas fronteiras

O conceito de «uma pessoa – um passaporte» é apenas um requisito que visa garantir a segurança da passagem das crianças nas fronteiras, salvaguardando os seus direitos, bem como lutar contra o rapto e o tráfico de seres humanos. Existem várias outras disposições e processos a nível nacional e da UE neste domínio. O objetivo do presente capítulo é dar um panorama geral das disposições e práticas mais importantes.

3.1.        Legislação e práticas a nível da UE

As principais disposições relativas à passagem de crianças nas fronteiras externas do espaço Schengen encontram‑se no Regulamento (CE) n.º 562/2006[12], que estabelece o código comunitário relativo ao regime de passagem das fronteiras pelas pessoas (a seguir designado por «Código das Fronteiras Schengen»), e respetivos anexos[13]. Para além de recordar que «o guarda de fronteira presta especial atenção aos menores», o ponto 6 do anexo VII do Código das Fronteiras Schengen especifica que, no caso de crianças acompanhadas, é necessário verificar se o acompanhante exerce sobre autoridade parental sobre as mesmas. Esta verificação deverá ser feita, especialmente, se a criança for acompanhada apenas por um adulto ou se os guardas de fronteira suspeitarem de que a criança possa ter sido ilicitamente retirada da guarda do tutor. Em caso de «razões sérias» para a suspeita, os guardas de fronteira devem prosseguir as investigações. No que se refere a menores não acompanhados, em regra, os guardas de fronteira devem proceder a controlos exaustivos dos documentos das crianças.

Além disso, o ponto 3.7 da parte II, da secção 1 do Manual Prático para os Guardas de Fronteira[14] estabelece que, se existir qualquer dúvida relativa à autorização da criança para atravessar a fronteira para sair do país, os guardas de fronteira devem contactar o ponto de contacto nacional[15] do Estado‑Membro da nacionalidade ou residência da criança. Se quaisquer informações levarem à suspeita de rapto ou saída não autorizada, os guardas de fronteira podem recusar a saída do menor ou recolher todas as informações disponíveis sobre o destino da criança e da pessoa que a acompanha.

Para os nacionais de países terceiros que entram no espaço Schengen e são abrangidos pela obrigação de visto, os procedimentos e condições estão estabelecidos no Regulamento (CE) n.º 810/2009[16], que estabelece o Código Comunitário de Vistos (a seguir designado por Código de Vistos). Relativamente às crianças, o Código de Vistos dispõe que os formulários de pedido de visto devem ser assinados por uma pessoa que exerce o poder paternal ou a tutela. Segundo o Manual relativo ao tratamento dos pedidos de visto e à alteração dos vistos emitidos[17] (a seguir designado por Manual do Código de Vistos), os consulados devem verificar se a pessoa que apresenta o pedido em nome da criança é um dos pais ou o tutor. O consentimento da pessoa que exerce o poder paternal ou a tutela deve ser pedido sempre que os requerentes tiverem menos de 18 anos de idade, independentemente da idade de maioridade no país de residência. Os consulados devem igualmente verificar que a criança não foi ilicitamente subtraída à guarda da pessoa que exerce legalmente o poder paternal. Se houver suspeitas de subtração ilícita da criança, o consulado deve efetuar todas as investigações necessárias para a evitar.

Em termos práticos, a nível da UE, a Frontex efetuou, em novembro e dezembro de 2010, uma operação conjunta relativa à imigração irregular de crianças (Agelaus 2010). Foi realizada em 42 aeroportos europeus, com o objetivo de aumentar o conhecimento do fenómeno da migração irregular que envolve crianças. Em novembro de 2011, a «Joint Operation Hammer», uma operação conjunta de várias agências liderada pela Frontex, também deu ênfase à questão do tráfico de crianças. Foram redigidas orientações operacionais sobre esta questão. As orientações sublinham que o interesse superior da criança deve ser sempre a preocupação primordial e que o princípio da não‑repulsão deve ser respeitado. Contêm uma lista não exaustiva de indicadores de tráfico de crianças e indicam que, se houver indícios de que a criança pode estar em risco, os guardas de fronteira devem proceder a um controlo mais específico (conhecido por controlo de segunda linha). As orientações incluem ainda conselhos úteis sobre o modo de comunicar com crianças. Em 2011, a Frontex desenvolveu igualmente um pacote de formação de luta contra o tráfico para os guardas de fronteiras; algumas partes do manual de formação tratam da situação e necessidades específicas das crianças.

3.2.        Legislação e práticas a nível nacional

No que diz respeito à legislação e às práticas nacionais, são poucos os requisitos concretos no que se refere às crianças que atravessam as fronteiras.

Um instrumento comum para as proteger consiste na exigência do consentimento dos pais. Na maioria dos Estados‑Membros, o consentimento é dado logo na fase de pedido do passaporte. Alguns Estados‑Membros[18] exigem uma autorização escrita ou que o pedido seja preenchido por um dos pais ou pelo tutor. Outros Estados‑Membros[19] exigem a autorização escrita de ambos os progenitores. Alguns Estados‑Membros[20] exigem a presença de um dos pais junto da criança durante o pedido, ao passo que noutros Estados‑Membros[21], em princípio, ambos devem estar presentes.

Além disso, especialmente em caso de suspeita, os guardas de fronteira da maior parte dos Estados‑Membros reservam‑se o direito, em conformidade com o anexo VII do Código das Fronteiras Schengen, de pedir documentos de apoio, com vista a determinar a relação entre a criança e os adultos acompanhantes. Na prática, trata‑se habitualmente da autorização parental que expressa o consentimento de um ou ambos os progenitores à saída/entrada da criança no país. As abordagens diferem consoante o país: esta autorização pode ser exigida aos cidadãos da União[22], aos nacionais do próprio país[23] ou às crianças nacionais de países terceiros[24]. No que diz respeito aos próprios nacionais, em alguns Estados‑Membros foram designadas autoridades para a emissão da autorização, ao passo que a maioria dos Estados‑Membros não dispõe de uma autoridade específica para a emissão da autorização ou do modelo de autorização parental. As normas e práticas também divergem relativamente à necessidade de autenticação e/ou tradução da autorização.

Em determinadas circunstâncias, um método útil para garantir que a criança viaja com a devida autorização dos seus tutores consiste em verificar os termos da tutela na fronteira. Em muitos Estados‑Membros, os guardas de fronteira têm muita dificuldade em obter informações sobre os termos da tutela, especialmente em pouco tempo. Embora os guardas de fronteira de alguns Estados‑Membros[25] tenham acesso direto às bases de dados nacionais ou aos registos da população, noutros Estados‑Membros[26] devem recorrer às câmaras municipais ou aos tribunais locais para obter as informações.

De acordo com a legislação da UE sobre a responsabilidade das transportadoras, nomeadamente a Diretiva 2001/51/CE de 28 de junho de 2001[27], as transportadoras devem garantir que os passageiros que viajam de países terceiros estejam na posse dos documentos de viagem necessários para entrarem no território dos Estados‑Membros. Neste contexto, as transportadoras podem desempenhar um papel importante no controlo da identidade das crianças e da sua relação com os adultos acompanhantes. O estudo mostrou que as transportadoras apenas prestam atenção especial às crianças que viajam sozinhas, enquanto as que viajam com um dos progenitores recebem muito menos atenção. As crianças que viajam sozinhas por via aérea parecem ser mais «protegidas», dado que as companhias aéreas seguem as orientações da Associação Internacional do Transporte Aéreo (IATA)[28] para o tratamento de crianças que viajam sozinhas e a maioria das companhias aéreas dispõe de serviços de acompanhamento de menores. Relativamente às crianças que viajam por via marítima ou terrestre, os procedimentos são mais diversificados. O grau de cooperação entre os guardas de fronteiras e as transportadoras também difere consoante os países. Embora em alguns Estados‑Membros exista uma cooperação ativa e formal entre as transportadoras aéreas e os guardas de fronteira, designadamente para a deteção de casos suspeitos, na maior parte dos países isso não acontece.

Embora os requisitos em matéria de autorização parental variem, os Estados‑Membros utilizam práticas bastante semelhantes destinadas a identificar eventuais situações de risco (por exemplo, possibilidade de rapto ou tráfico de seres humanos). São, sobretudo, a avaliação individual da situação e o encontro entre o guarda de fronteira e a criança que vão determinar se a suspeita tem fundamento ou não. Podem aumentar a suspeita dos guardas ou, pelo menos, induzi‑los a fazer algumas averiguações após o controlo do passaporte, os seguintes fatores, entre outros: – apelidos diferentes ou inexistência de parecenças entre a criança e o adulto que a acompanha; – comportamento da criança e interação desta com o adulto que a acompanha; – país de partida ou destino, nomeadamente países associados com rotas conhecidas de tráfico.

O estudo mostrou que, nas decisões dos guardas de fronteiras, a segurança das crianças prevalece habitualmente sobre a necessidade de viajar, uma vez que todos os casos que levantem suspeitas são habitualmente submetidos a controlos de segunda linha. Contudo, existem poucas estatísticas relativas à deteção de crianças em risco nas fronteiras (ou sobre a passagem de crianças nas fronteiras em geral).

As práticas utilizadas pelos guardas de fronteiras parecem assentar numa mistura de formação profissional, orientações, experiência e bom senso. Embora existam programas de formação específicos em alguns Estados‑Membros[29] e em muitos outros Estados‑Membros os guardas de fronteira recebam alguma formação relativa à proteção de crianças, o estudo revelou que frequentemente, este tema merece pouca atenção.

Existem igualmente dispositivos de alerta concretos que podem chamar a atenção dos guardas de fronteira e dar azo a novas ações. Para além das bases de dados nacionais à sua disposição, todos os países de Schengen podem utilizar o Sistema de Informação de Schengen de segunda geração (SIS II) como principal fonte de informação sobre as crianças dadas como desaparecidas ou sobre alertas específicos acerca do adulto acompanhante. Nestes casos, os guardas de fronteira podem contactar os gabinetes SIRENE do país de origem da criança. Além disso, podem também contactar os pontos de contacto nacionais para menores (anexo 37 do Manual dos guardas de fronteira) e as bases de dados da Europol e da Interpol, que contêm informações sobre criminosos e pessoas desaparecidas, bem como sobre crianças vítimas de exploração, por exemplo.

Quando uma situação de risco é identificada pelos guardas de fronteira, os mecanismos (de referência) de coordenação nacional parecem variar consoante o Estado‑Membro. Em alguns Estados‑Membros[30], estes mecanismos de referência são muito claramente especificados e seguidos, ao passo que noutros baseiam‑se sobretudo em decisões ad hoc. Os guardas de fronteira têm, geralmente, conhecimento dos serviços sociais que podem contactar, mas nem sempre existem indicações concretas do momento em que devem fazê‑lo nem do procedimento a seguir, especialmente em circunstâncias especiais (por exemplo, deteção de uma situação de risco fora das horas normais de expediente).

4.           Boas práticas

Foram identificadas algumas boas práticas para uma melhor proteção das crianças:

· Formação especializada sobre proteção de crianças para os guardas de fronteira; em alguns Estados‑Membros o pessoal de terra e de cabine das companhias aéreas também recebe formação deste tipo;

· Presença, em todos os turnos dos principais pontos de passagem das fronteiras, de, pelo menos, um guarda de fronteira com formação específica para lidar com crianças;

· Sólida colaboração entre os guardas de fronteira e o pessoal responsável pelo check‑in nos principais aeroportos;

· Verificação, em caso de suspeita, da autenticidade dos documentos através do contacto com o (outro) progenitor e de perguntas para averiguar a veracidade das declarações, se for exigida autorização parental;

· Controlo fronteiriço das crianças menores de uma determinada idade por guardas de fronteira, em vez de por meios automatizados, por se considerar mais seguro;

· Acesso direto dos guardas de fronteira aos registos nacionais da população;

· Definição de mecanismos de referência claros no que diz respeito às autoridades a contactar e ao momento para fazê‑lo em situações de alerta.

5.           Conclusões

5.1.        «Uma pessoa – um passaporte»

A aplicação do princípio «uma pessoa – um passaporte» não parece colocar problemas. Os profissionais e as partes interessadas consideram que este princípio tornou as viagens das crianças mais seguras e as passagens nas fronteiras mais rápidas, na medida em que, agora, os guardas de fronteira conseguem efetivamente identificar a criança como o titular do passaporte, o que era difícil quando as crianças viajavam com um passaporte familiar.

Já durante as discussões sobre o regulamento do passaporte foi colocada a questão de saber se a inclusão dos nomes dos tutores nos passaportes de crianças constituiria um valor acrescentado. Poderia tornar mais fácil a passagem nas fronteiras (tanto para os viajantes como para os guardas de fronteira) nos casos em que um dos pais e a criança que viajam juntos têm apelidos diferentes. Por outro lado, esta iniciativa pode, na realidade, induzir a necessidade de documentação adicional, se as crianças forem acompanhadas por adultos que não sejam os pais/tutores. Haveria uma carga administrativa adicional relacionada com o facto de o passaporte da criança ter de ser renovado em caso de alteração do regime de guarda ou do apelido dos pais (devido a novo casamento, por exemplo). Até ao momento, a Comissão não tem bases suficientes para afirmar que uma iniciativa deste tipo contribuiria para identificar as vítimas do tráfico e/ou rapto, sendo por isso necessário atuar a nível da UE. A Comissão está disposta a continuar a debater os prós e os contras com os Estados‑Membros e partes interessadas. De qualquer modo, nada impede que os Estados‑Membros determinem a inclusão dos nomes dos pais/tutores nos passaportes das crianças.

Devido ao âmbito de aplicação do regulamento, o princípio «uma pessoa – um passaporte» aplica‑se aos cidadãos dos Estados‑Membros que fazem parte do espaço Schengen. O Código das Fronteiras Schengen não obriga as crianças nacionais de países terceiros a disporem de um passaporte individual para entrarem ou saírem do espaço Schengen. No que diz respeito a crianças nacionais de países terceiros sujeitas à obrigação de visto, o visto Schengen parece proporcionar «proteção» semelhante ao princípio «uma pessoa – um passaporte», uma vez que contém uma fotografia atualizada da criança, mesmo que esta esteja incluída no passaporte do pai ou da mãe, ou seja, mesmo em caso de passaporte familiar, são emitidos vistos separados com fotografias individuais para o pai, a mãe e cada um dos filhos. Além disso, antes de emitirem o visto, os consulados devem verificar se as pessoas que apresentam o pedido de visto em nome da criança são os pais ou tutores. No entanto, este tipo de «proteção» não se estende às crianças nacionais de países terceiros que não careçam de visto. Porém, o princípio «uma pessoa – um passaporte», como norma recomendada pela ICAO, já está em vigor na maior parte dos países isentos da obrigação de visto. Por conseguinte, a Comissão não vê a necessidade de exigir que as crianças nacionais de países terceiros disponham de um passaporte individual.

5.2.        Legislação e práticas a nível da UE

Algumas partes interessadas consideram que a existência de orientações mais pormenorizadas e exemplos de boas práticas poderiam facilitar o trabalho nos pontos de passagem nas fronteiras. Por outro lado, é difícil contemplar em regras e procedimentos formais toda a gama de situações com os guardas de fronteira se deparam.

A Comissão propôs alterações ao Código das Fronteiras Schengen[31], exigindo um tronco comum de formação para os guardas de fronteira, de modo a incluir formação especializada para detetar e lidar com situações que envolvam pessoas vulneráveis, como os menores não acompanhados e as vítimas de tráfico. As alterações também preveem que a lista dos pontos de contacto nacionais para fins de consulta relativa a menores (atualmente elaborada facultativamente) deve ser formalmente elaborada e a sua utilização deve tornar‑se obrigatória em caso de dúvida sobre qualquer circunstância relativa a menores, independentemente de viajarem acompanhados ou não acompanhados.

Dada a enorme variedade de casos que implicam o controlo fronteiriço de crianças, a Comissão não vê a necessidade de fornecer mais especificações ao nível dos atos jurídicos da UE. Ao mesmo tempo, a Comissão está disposta a explorar formas alternativas de emissão de diretrizes complementares aos guardas de fronteira, sob a forma de orientações, formação ou por outros meios.

Com base nos resultados atuais, a experiência adquirida em operações conjuntas e em sinergia com o trabalho em curso na Comissão para desenvolver orientações específicas para os serviços consulares e os guardas de fronteira relativas à identificação das vítimas de tráfico de seres humanos, incentiva‑se a Frontex a aumentar as ações de sensibilização para as questões ligadas à passagem de crianças nas fronteiras, melhorando o tronco comum de formação[32] e/ou desenvolvendo um módulo de formação específico e/ou orientações e/ou seminários. Incentivam‑se igualmente os Estados‑Membros a dar mais ênfase a esta questão na formação dos respetivos guardas de fronteira.

A segurança das crianças parece ser da maior importância para os guardas de fronteira: nos casos que suscitem a mínima suspeita estes procedem habitualmente a um controlo mais específico. A Comissão irá, contudo, ponderar a adaptação do Manual Prático para os Guardas de Fronteira e do Manual do Código de Vistos, explicitando claramente que o interesse superior da criança deve constituir uma consideração primordial.

5.3.        Legislação e práticas a nível nacional

A legislação e as práticas nacionais em matéria de autorização parental diferem consoante os Estados‑Membros. Ao mesmo tempo, apesar da harmonização limitada neste domínio, as práticas utilizadas pelos guardas de fronteiras no que se refere aos controlos de crianças são relativamente semelhantes.

Não é possível concluir se as crianças estão mais bem protegidos nos Estados‑Membros em que é exigida, como regra geral, uma autorização parental na fronteira. Alguns profissionais assinalam que os formulários de autorização parental são facilmente falsificáveis, outros consideram que a autorização é uma complicação adicional desnecessária, em especial nos casos em que o consentimento parental também é exigido para a obtenção do passaporte. No entanto, vários intervenientes são favoráveis ao estabelecimento de um formulário‑tipo de consentimento parental para as viagens de e para o espaço Schengen (Frontex) ou internacionais (ICAO). Com efeito, a harmonização permitiria aos viajantes saberem o que é exigido na fronteira, em termos de autorização/consentimento parental, ao adulto acompanhante e às crianças que viajem sozinhas. Por conseguinte, a Comissão e os Estados‑Membros devem seguir os debates sobre o eventual estabelecimento de um formulário‑tipo de «consentimento para viajar», proposto pelo Secretariado Permanente da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado[33], que poderá ser objeto de um estudo mais aprofundado pela ICAO.

Devido às diferentes disposições dos Estados‑Membros, em especial no que diz respeito à necessidade de autorização parental na fronteira, afigura‑se essencial facultar informações fiáveis ao público. Embora as informações sobre requisitos em matéria de passaportes e vistos sejam facilmente acessíveis aos viajantes em várias línguas, parece ser muito difícil obter informações concretas sobre a necessidade de documentos comprovativos, como a autorização parental. Frequentemente, as informações estão disponíveis apenas na língua do Estado‑Membro e, quando existem, são difíceis de localizar ou podem não condizer com outras fontes. O sítio oficial da UE, o Portal Europa, também não contém quaisquer informações específicas sobre esta matéria. A Rede Judiciária Europeia em matéria civil e comercial está a preparar uma ficha sobre os aspetos de direito civil da deslocação lícita de crianças para outro Estado. A ficha será elaborada com base nos contributos dos Estados‑Membros e será disponibilizada no Portal Europeu da Justiça[34]. Além disso, a Comissão está disposta a melhorar o seu sítio europa.eu/travel com base nos contributos dos Estados‑Membros. Os Estados‑Membros também devem aperfeiçoar consideravelmente a qualidade das informações facultadas ao público sobre os requisitos aplicáveis à passagem de crianças nas fronteiras.

Os procedimentos e o conhecimento dos guardas de fronteira relativos aos mecanismos de coordenação nacionais disponíveis para as situações de risco parecem variar de um Estado‑Membro para outro. Aparentemente, são poucos os Estados‑Membros em que existem mecanismos claros de coordenação nacional. Assim sendo, incentivam‑se os Estados‑Membros a desenvolver mecanismos adequados de coordenação nacional e a informar os pontos de passagem das fronteiras destes mecanismos, de modo que os guardas de fronteira saibam quem devem contactar, em que situação e quais as responsabilidades dos diversos intervenientes. Deve ser dada atenção especial às dificuldades com que se deparam os guardas de fronteira ao tentarem encontrar um equilíbrio entre a proteção dos interesses da criança e o potencial obstáculo à viagem. O trabalho já realizado no domínio do tráfico de seres humanos pode servir de inspiração para o desenvolvimento de mecanismos de referência.

Por último, existem poucos dados estatísticos sobre as crianças detetadas em situação de risco nas fronteiras (ou sobre a passagem de crianças nas fronteiras, em geral), bem como sobre tráfico e rapto de crianças. A fim de poder desenvolver mais opções estratégicas neste domínio com base em dados concretos, incentivam‑se os Estados‑Membros e a Frontex a aperfeiçoar a recolha de dados e as estatísticas sobre a passagem de crianças nas fronteiras.

[1]               JO L 142 de 6.6.2009, p. 1.

[2]               http://legacy.icao.int/icao/en/atb/sgm/OnePassportConcept.htm.

[3]               O estudo foi realizado pelo consórcio Ramboll‑EurAsylum no âmbito do Fundo para as Fronteiras Externas. O relatório final pode ser consultado no sítio http://ec.europa.eu/dgs/home‑affairs/e‑library/documents/policies/borders‑and‑visas/general/index_en.htm, da Direção‑Geral dos Assuntos Internos da Comissão Europeia. Abrange uma série de questões relacionadas com a questão das crianças que atravessam as fronteiras. No entanto, o presente relatório trata apenas das questões fundamentais, nomeadamente dos efeitos do princípio «uma pessoa – um passaporte».

[4]               Islândia, Listenstaina, Noruega e Suíça.

[5]               Em conformidade com a ausência de controlos nas fronteiras internas e com o artigo 1.º do regulamento, o presente relatório não aborda as questões relacionadas com a circulação das crianças no espaço Schengen, embora a Comissão esteja ciente de que há casos de rapto e tráfico de crianças também neste espaço.

[6]               Em conformidade com o artigo 1.º da Convenção das Nações Unidas sobre os direitos da criança, para efeitos do presente relatório considera‑se criança todo o ser humano com menos de dezoito anos.

[7]               C(2012) 9330 final.

[8]               C(2006) 5186 final.

[9]               JO L 158 de 30.4.2004, p. 77.

[10]             «Se um cidadão da União ou um membro da sua família que não tenha a nacionalidade de um Estado‑Membro não dispuserem dos documentos de viagem necessários ou, se for o caso, dos vistos necessários, o Estado‑Membro em causa deve, antes de recusar a sua entrada, dar‑lhes todas as oportunidades razoáveis a fim de lhes permitir obter os documentos necessários ou de estes lhes serem enviados num prazo razoável, ou a fim de confirmar ou provar por outros meios a sua qualidade de titulares do direito de livre circulação e residência.»

[11]             Esta ideia foi apresentada igualmente durante as negociações do regulamento. No entanto, não foi adotada por vários motivos, nomeadamente a base jurídica para uma disposição deste tipo (cf. também ponto 5.1).

[12]             JO L 105 de 13.4.2006, p. 1.

[13]             Em especial, o anexo VII: Regimes especiais para determinadas categorias de pessoas.

[14]             Recomendação C(2008) 2976 final, que altera a Recomendação C(2006) 5186 final da Comissão, relativa ao estabelecimento de um «Manual prático comum para os guardas de fronteira (Manual Schengen)» a utilizar pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros quando procedem ao controlo de pessoas nas fronteiras.

[15]             Os pontos de contacto nacionais para efeitos de consulta sobre menores são enumerados no anexo 37 do manual.

[16]             JO L 243 de 15.9.2009, p. 1.

[17]             Decisão da Comissão C(2010) 1620 final, de 19.3.2010, que estabelece o Manual relativo ao tratamento dos pedidos de visto e à alteração dos vistos emitidos.

[18]             Por exemplo: República Checa, Estónia, Letónia, Áustria, Portugal, Roménia, Eslovénia e Reino Unido.

[19]             Por exemplo: Dinamarca, Grécia, Irlanda, Malta, Países Baixos, Polónia, Finlândia e Suécia.

[20]             Por exemplo: Bélgica, Alemanha, Espanha, Lituânia e Eslováquia.

[21]             Por exemplo: Bulgária, França e Itália.

[22]             Por exemplo: Itália, Polónia e Portugal.

[23]             Por exemplo: Bulgária, Lituânia e Roménia.

[24]             Por exemplo: Bélgica, Espanha, França, Chipre, Letónia, Malta e Portugal.

[25]             Por exemplo: Alemanha, Estónia, Letónia, Países Baixos, Finlândia e Suécia.

[26]             Por exemplo: República Checa e Malta.

[27]             JO L 187 de 10.7.2001, p. 45.

[28]             Boas práticas recomendadas para os menores, IATA/CAWG, 41.ª reunião, 16‑17 de maio de 2007, Tóquio.

[29]             Por exemplo: O Reino Unido destaca‑se, ministrando formação específica sobre crianças, com o apoio do código de práticas para salvaguardar a seguranças das crianças (Code of Practice for Keeping Children Safe from Harm) da Agência das Fronteiras do Reino Unido.

[30]             Por exemplo: Bulgária e Reino Unido.

[31]             COM(2011) 118 final.

[32]             Artigo 5.º do Regulamento (CE) n.º 2007/2004 do Conselho, de 26 de outubro de 2004, que cria uma Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas dos Estados‑Membros da União Europeia.

[33]             http://www.hcch.net/upload/wop/abduct2012pd15e.pdf.

[34]             https://e-justice.europa.eu/home.do.