52012DC0662

RELATÓRIO DA COMISSÃO AO CONSELHO E AO PARLAMENTO EUROPEU Contribuição da Diretiva-Quadro «Estratégia Marinha» (2008/56/CE) para o cumprimento das obrigações, dos compromissos e das iniciativas existentes dos Estados-Membros ou da União Europeia a nível da UE ou a nível internacional no domínio da proteção do ambiente nas águas marinhas /* COM/2012/0662 final */


RELATÓRIO DA COMISSÃO AO CONSELHO E AO PARLAMENTO EUROPEU

Contribuição da Diretiva-Quadro «Estratégia Marinha» (2008/56/CE) para o cumprimento das obrigações, dos compromissos e das iniciativas existentes dos Estados‑Membros ou da União Europeia a nível da UE ou a nível internacional no domínio da proteção do ambiente nas águas marinhas

1.           Introdução

A Diretiva-Quadro «Estratégia Marinha» (a seguir denominada Diretiva «Estratégia Marinha» ou DQEM)[1] tem como objetivo alcançar até 2020 um bom estado ambiental das águas marinhas da UE e proteger a base de recursos de que dependem as atividades económicas e sociais relacionadas com o meio marinho. O estado ambiental será avaliado com base em onze descritores qualitativos[2], tendo em conta o estado do ambiente, as pressões e os impactos exercidos sobre os ecossistemas marinhos. Assim, o bom estado ambiental deve ser alcançado através do desenvolvimento e da aplicação, em cada Estado-Membro, de uma estratégia para as águas marinhas suscetível de fazer face a todos os impactos e pressões que as afetam. Uma outra componente fundamental da Diretiva «Estratégia Marinha» é a intensificação da cooperação transfronteiriça no âmbito das regiões e sub-regiões marinhas.

O presente relatório visa dar cumprimento ao disposto no artigo 20.º, n.º 2, da DQEM, ou seja, avaliar a contribuição da diretiva para o cumprimento das obrigações, dos compromissos e das iniciativas existentes dos Estados-Membros ou da UE no domínio da proteção do ambiente nas águas marinhas. Embora reconhecendo que algumas dessas obrigações, compromissos e iniciativas são decorrentes de acordos internacionais, todas estas vertentes serão tratadas, para efeitos do presente relatório, sob o termo genérico «compromissos».

A Diretiva «Estratégia Marinha» incorpora na ordem jurídica da União um elevado número de compromissos internacionais e da UE relacionados com a proteção do ambiente no meio marinho. Além disso, a diretiva desempenha um papel importante no reforço da coerência da ação da UE e dos seus Estados-Membros no âmbito dos acordos internacionais.

O pleno alcance desses compromissos foi analisado de forma aprofundada num documento intitulado «Estudo sobre a contribuição da Diretiva-Quadro «Estratégia Marinha» para as obrigações existentes a nível internacional»[3]. O presente relatório destaca em especial a contribuição da DQEM para os princípios fundamentais estabelecidos a nível internacional, bem como para alguns dos principais compromissos internacionais, nomeadamente as convenções marinhas regionais, e para as grandes políticas da União Europeia.

2.           Princípios gerais da política para o ambiente e para o meio marinho

Alguns dos princípios gerais ambientais que foram acordados a nível internacional, como por exemplo os enunciados na Declaração do Rio[4], são estabelecidos na DQEM, sempre que tal for pertinente. Estes princípios foram reafirmados no documento final da Rio+20, intitulado «O futuro que queremos»[5].

2.1.        A abordagem ecossistémica como elemento fundamental da Diretiva-Quadro «Estratégia Marinha»

A abordagem ecossistémica da gestão do meio marinho constitui um dos aspetos fundamentais da DQEM. Esta abordagem carece de uma definição única que tenha sido acordada internacionalmente, mas o seu objetivo geral é assegurar que as pressões coletivas das atividades humanas não excedam níveis que comprometam a capacidade de resposta dos ecossistemas.

As decisões tomadas pela Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica (CBD) (Decisões V/6 e VII/5 da Conferência das Partes), e o Plano de Execução de Joanesburgo, por exemplo, contemplam uma série de requisitos explícitos, reafirmados na Conferência Rio+20, que obrigam à adoção ou ao prosseguimento de uma abordagem ecossistémica para a gestão das atividades humanas que afetam o meio marinho.

A Diretiva «Estratégia Marinha», além de se referir explicitamente à abordagem ecossistémica para a gestão do meio marinho como um princípio orientador (considerandos 8 e 44), exige também a aplicação dessa abordagem nas estratégias marinhas (artigos 1.º e 3.º). Por conseguinte, ao abrigo da DQEM, a abordagem ecossistémica é adotada como um princípio juridicamente vinculativo para a gestão do meio marinho.

2.2.        Integração da dimensão ambiental noutras políticas e gestão intersetorial integrada das águas marinhas

A necessidade de integrar os objetivos de proteção do ambiente nas atividades socioeconómicas e noutras políticas é frequentemente sublinhada em instrumentos internacionais, juntamente com a necessidade de uma gestão integrada do meio marinho e das zonas costeiras. Estabelecidas nomeadamente nos compromissos da Agenda 21[6], e nas decisões da CBD, e confirmadas no documento final da Conferência Rio+20, ambas as necessidades constituem princípios fundamentais da política ambiental da União Europeia sublinhados no TFUE[7]. A DQEM destaca expressamente esta abordagem como um dos seus objetivos (artigo 1.º, n.º 4).

Foram definidos, a nível internacional, instrumentos específicos para a gestão intersetorial integrada das águas marinhas. A abordagem de gestão integrada das zonas costeiras (GIZC) foi desenvolvida como instrumento de gestão dessas zonas. A necessidade de adotar e aplicar a GIZC foi expressamente introduzida na Agenda 21 e no Protocolo da Convenção de Barcelona relativo a esse modelo de gestão. O processo de ordenamento do espaço marítimo (OEM) constitui outro instrumento complementar para fazer face às diferentes utilizações concorrentes do mar, assegurando ao mesmo tempo a proteção do ambiente. Este processo foi elaborado e promovido mais recentemente a nível internacional (consta da Decisão X/29 da Conferência das Partes da CBD) e está a ser desenvolvido no contexto da política marítima integrada (PMI) da UE.

Ao ter em conta os impactos cumulativos globais, em vez de regular isoladamente cada uma das utilizações específicas, a Diretiva «Estratégia Marinha» contribui para a aplicação de uma gestão integrada das águas marinhas. A diretiva prevê, além disso, que os Estados-Membros incluam nos seus programas medidas de controlo da distribuição espacial e temporal (anexo VI), tais como a GIZC e o OEM.

2.3.        O princípio de precaução e o princípio do poluidor-pagador no meio marinho

O princípio de precaução e o princípio do poluidor-pagador são dois princípios fundamentais da política de proteção do ambiente alicerçados no TFUE[8]. Os dois princípios estão estabelecidos numa série de instrumentos internacionais relacionados com as questões ambientais e, a partir da Agenda 21 (capítulo 17.22) e da CBD (Decisões IV/5 e VIII/24 da Conferência das Partes), são também referidos especificamente no contexto da proteção do ambiente marinho.

Em conformidade com estas disposições, ambos os princípios estão incluídos nos considerandos 27 e 44 da Diretiva «Estratégia Marinha» como princípios orientadores para a sua aplicação. Em especial, é neles que assentam os programas de medidas que os Estados‑Membros devem desenvolver para assegurar que as suas águas marinhas alcancem um bom estado ambiental.

2.4.        Gestão adaptativa baseada no conhecimento e informação e participação do público

A necessidade de uma gestão adaptativa baseada no conhecimento é também um princípio fundamental estabelecido em diversas obrigações internacionais[9]. Essa necessidade assume especial relevância na proteção do meio marinho, onde subsiste ainda um grande número de incertezas.

Ao prescrever uma avaliação inicial (artigo 8.º) e programas de monitorização (artigo 11.º) das águas marinhas, a DQEM contribui para uma revisão global do estado do meio marinho. Além disso, ao exigir que as metas ambientais (artigo 10.º) e os programas de medidas (artigo 13.º) se baseiem nessa avaliação inicial, a diretiva assegura que a base de conhecimentos adquiridos dessa forma disponibiliza informações para as medidas de gestão que devem ser posteriormente adotadas. Daí resulta a noção de gestão adaptativa, estabelecida expressamente na DQEM (artigo 3.º, n.º 5), que requer a atualização das estratégias marinhas em ciclos de seis anos.

Esta abordagem é inteiramente coerente com o compromisso de desenvolver um Processo Regular das Nações Unidas para comunicação e avaliação mundial do estado do meio marinho, subjacente a esse modelo de gestão adaptativa baseada no conhecimento.

O acesso à informação, a consulta do público e a educação são também princípios gerais promovidos internacionalmente em compromissos ambientais. A Convenção de Aarhus[10], em especial, é um acordo internacional específico que põe em prática estes princípios do Rio, e a Diretiva «Estratégia Marinha» estabelece determinados requisitos de forma específica e explícita (artigo 19.º e anexo VI, ponto 8) que contribuem para a concretização desses mesmos compromissos.

3.           Principais tratados internacionais e acordos multilaterais em matéria de ambiente

Para além destes princípios ambientais de caráter geral, a Diretiva «Estratégia Marinha» estabelece vários compromissos mais específicos decorrentes de acordos multilaterais no domínio do ambiente e de outros acordos internacionais incorporados na ordem jurídica da UE aplicável às águas marinhas.

3.1.        Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM) e Organização Marítima Internacional (OMI)

A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM) estabelece os direitos e as responsabilidades das nações sobre os mares e oceanos e inclui algumas obrigações em matéria de proteção e conservação do meio marinho. A Convenção contém assim disposições que obrigam, por exemplo, à monitorização e avaliação do estado do meio marinho, à prevenção da poluição no mar, bem como requisitos para a cooperação a nível regional e mundial. A Diretiva «Estratégia Marinha» reconhece plenamente as obrigações decorrentes da CNUDM[11] e, dentro do seu âmbito territorial, estabelece o requisito da Convenção de que os Estados devem observar e avaliar os riscos de poluição do meio marinho e os seus efeitos[12]. A diretiva dá ainda cumprimento a outras disposições distintas que obrigam os Estados a adotar medidas no sentido de prevenir, reduzir e controlar a poluição marinha de origem terrestre, prevenir a poluição dos fundos e subsolos marinhos e impedir a introdução de espécies não indígenas. Por outro lado, a DQEM estabelece as disposições da CNUDM relativas à pesca e aquicultura sustentáveis, à inovação e ao investimento na investigação nesse domínio. Por último, mas não menos importante, ao concentrar-se na cooperação regional[13], a diretiva vai facilitar aos Estados a obrigação imposta pela CNUDM de cooperarem no sentido de proteger o meio marinho.

Há ainda algumas disposições da CNUDM, nomeadamente as que se referem à redução da poluição na fonte e à realização de avaliações de impacto ambiental, que são igualmente objeto de legislação não abrangida pelo âmbito de aplicação da DQEM, como por exemplo a Diretiva IPPC[14] e as Diretivas AIA e AAE[15].

O mesmo pode dizer-se das regras adotadas pela Organização Marítima Internacional (OMI), como as adotadas na Convenção MARPOL[16], alterada pelo respetivo protocolo de 1987, ou as da Convenção OPRC e respetivo protocolo OPRC-HNS[17], assim como as estabelecidas no Acordo relativo à cooperação na luta contra a poluição do Mar do Norte por hidrocarbonetos e outras substâncias perigosas (acordo não abrangido pela OMI)[18]. Há ainda uma série de normas da UE que complementam a DQEM, contribuindo para a procura de soluções e mecanismos práticos para atender aos seus objetivos, como por exemplo a Diretiva relativa à inspeção de navios pelo Estado do porto[19], a Diretiva relativa às instalações portuárias de receção de resíduos gerados em navios e de resíduos da carga nos portos da UE[20] ou a Decisão do Conselho que estabelece um Mecanismo Comunitário no domínio da Proteção Civil[21].

3.2.        A DQEM como contribuição fundamental para a concretização dos compromissos internacionais em matéria de biodiversidade marinha

A Diretiva «Estratégia Marinha» é o primeiro instrumento legislativo que se refere explicitamente à proteção da biodiversidade marinha no seu conjunto. Prevê o objetivo regulamentar específico de manter a biodiversidade até 2020, objetivo que constitui um elemento fundamental para alcançar um bom estado ambiental dos oceanos e mares. Por conseguinte, estabelece, em conjunto com as Diretivas «Habitats» e «Aves»[22], um sólido quadro jurídico e político para dar cumprimento aos compromissos internacionais a favor da proteção da biodiversidade marinha, tais como os compromissos estabelecidos pela CBD (referidos no considerando 18 da DQEM) ou pela Convenção sobre o comércio das espécies ameaçadas de extinção.

Além de aplicar a abordagem ecossistémica e o princípio de gestão adaptativa da CBD, a DQEM estabelece algumas disposições mais especificas da Convenção, como por exemplo a necessidade de estabelecer zonas marinhas protegidas (ZMP), que os Estados-Membros devem integrar nas suas estratégias marinhas como componente de uma abordagem global destinada a proteger o meio marinho. Além disso, a diretiva deverá reunir num único quadro, ou seja, numa rede coerente e representativa, as zonas marinhas protegidas definidas no âmbito de outras obrigações da UE ou de outras obrigações internacionais (ver ponto 5, infra).

3.3.        Relação com os compromissos internacionais no domínio das alterações climáticas

A Diretiva «Estratégia Marinha» aborda os efeitos das alterações climáticas nos oceanos, pelo que contribui indiretamente para os objetivos da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (CQNUAC) e de outros instrumentos que abordam esta questão.

A DQEM concorre para melhorar o conhecimento do impacto das alterações climáticas no meio marinho, impondo aos Estados-Membros que, nas suas avaliações iniciais, tenham em conta diversos fatores relacionados com o clima, como as alterações da temperatura do mar ou da cobertura de gelo e a acidificação dos oceanos.

As estratégias marinhas dos Estados-Membros podem contemplar também, no âmbito da DQEM, a adaptação às alterações climáticas. Atendendo a que as pressões e os impactos podem variar em função dos diferentes padrões de atividade humana e do impacto das alterações climáticas, a definição de um bom estado ambiental terá provavelmente de ser adaptada ao longo do tempo[23].

Por último, os oceanos saudáveis desempenham uma função importante de atenuação, como sumidouros de carbono. As áreas marinhas podem ser utilizadas para efeitos de produção de energia de fontes renováveis e para a captação e armazenagem de carbono (CAC), que são atividades humanas cujas pressões e impactos devem ser geridos no contexto da diretiva.

4.           Papel fundamental das Convenções Marinhas Regionais

São quatro as convenções marinhas regionais que abrangem as águas marinhas referidas na DQEM, nomeadamente a Convenção para a proteção do meio marinho do Atlântico Nordeste (OSPAR), a Convenção para a proteção do meio marinho da zona do Mar Báltico (HELCOM), a Convenção sobre a proteção do meio marinho e do litoral do Mar Mediterrâneo (Convenção de Barcelona) e a Convenção para a proteção do Mar Negro contra a poluição (Convenção de Bucareste)[24]. Existem entre elas algumas diferenças significativas, em especial no que respeita ao papel dos países terceiros (por exemplo, enquanto nove das dez Partes da Convenção do Mar Báltico são Estados-Membros da UE, na Convenção do Mar Mediterrâneo, estes são apenas sete de um total de vinte e duas Partes).

O objetivo das convenções marinhas regionais é melhorar a governação regional das regiões marinhas e reforçar a proteção do meio marinho. A Diretiva «Estratégia Marinha» contém um grande número de disposições cujo objetivo consiste em assegurar que a sua aplicação não só contribua para as atividades das convenções que abrangem as regiões e sub-regiões marinhas da UE, como também se apoie e baseie nelas.

O artigo 6.º, n.º 1, exige claramente que, para conseguir a coordenação necessária, os Estados‑Membros utilizem as estruturas existentes de cooperação institucional regional, incluindo as abrangidas pelas convenções marinhas regionais. Várias destas convenções assumiram expressamente a função de facilitar a aplicação regional da DQEM. Além disso, o artigo 6,º, n.º 2, exige que os Estados-Membros envidem todos os esforços, utilizando as instâncias internacionais relevantes, incluindo os mecanismos das convenções marinhas regionais, no sentido de coordenar as suas ações com os países terceiros a fim de estabelecer e aplicar estratégias marinhas, bem como de alargar, sempre que apropriado, a coordenação e a cooperação a todos os Estados-Membros, incluindo os Estados interiores.

A DQEM assegura não apenas que as convenções marinhas regionais e outros acordos internacionais são tidos em conta em todas as fases de desenvolvimento das estratégias marinhas, mas também que existe coerência entre os métodos utilizados em toda a região ou sub-região marinha e que são contemplados os impactos transfronteiriços.

Por outro lado, a Diretiva «Estratégia Marinha» contribui para o cumprimento das importantes obrigações e compromissos da UE e dos Estados-Membros contraídos no âmbito de convenções marinhas regionais.

Isto abrange, por exemplo, a obrigação de serem tomadas todas as medidas possíveis para prevenir e eliminar a poluição de origem marítima e terrestre, bem como o impacto das descargas de fontes localizadas no meio marinho. As convenções marinhas regionais incorporaram também compromissos expressos de adotar ou seguir uma abordagem ecossistémica para a gestão das águas marinhas e de conservar os recursos marinhos, incluindo a obrigação de adotar medidas que permitam proteger e conservar os ecossistemas e a biodiversidade, como a regulação da introdução de espécies invasivas. A Diretiva «Estratégia Marinha» incorpora todos estes elementos como condição essencial para alcançar um bom estado ambiental.

A Diretiva «Estratégia Marinha» integra também as disposições das convenções marinhas regionais que regulamentam o acesso às informações sobre o estado do meio marinho, bem como a obrigação de os Estados realizarem programas de monitorização e investigação e de comunicarem os seus resultados (ver secção 2.4).

5.           A DQEM e outras políticas pertinentes da UE

Muitas das políticas da UE afetam o meio marinho, em especial as relacionadas com a pesca, os transportes, a indústria, a agricultura, o desenvolvimento regional, a investigação, a energia, as relações externas, assim como setores importantes da política ambiental, como os recursos hídricos. Estas políticas, no entanto, não são concebidas especificamente para proteger o meio marinho de uma forma coordenada, abordando cada setor isoladamente as atividades humanas que têm impacto no meio marinho.

Para cumprir o seu objetivo principal, a DQEM pretende assegurar a coerência, a solidez e a integração de medidas adotadas em virtude de outros instrumentos jurídicos da UE. Por conseguinte, conforme previsto no artigo 20.º, ao avaliar a contribuição da DQEM para o cumprimento das obrigações e dos compromissos internacionais, devem ser tidas em conta as obrigações estabelecidas e as medidas promovidas a nível da União por outros atos legislativos da UE.

A Diretiva-quadro «Água»[25] (DQA) articula-se estreitamente com a Diretiva «Estratégia Marinha», uma vez que, ao estabelecer o objetivo de alcançar até 2015 um bom estado de todas as águas subterrâneas e de superfície, incluindo as águas costeiras, está a complementar o objetivo de alcançar um bom estado ambiental subscrito por esta última. As medidas adotadas ao abrigo da DQA reduzirão a poluição marinha e a descarga de nutrientes de origem terrestre e protegerão os ecossistemas das águas costeiras e de transição, que são zonas de desova vitais para muitas espécies de peixes marinhos.

A obrigação de realizar uma avaliação de impacto ambiental (AIA) dos projetos e atividades promovidos na UE, no espaço territorial e marítimo da União, é estabelecida na Diretiva 2011/92/UE. A mesma obrigação existe para a preparação de planos e de programas definidos na Diretiva 2001/42/CE (Diretiva «Avaliação Ambiental Estratégica»- AAE). A DQEM não prevê expressamente a obrigação de realizar uma AAE para os planos e programas que afetem o meio marinho. Contudo, tal como confirmado pelo Tribunal de Justiça[26], a AAE é aplicável de qualquer forma, desde que estejam preenchidas as suas condições, nomeadamente que o plano em questão constitua um enquadramento para o desenvolvimento de projetos no futuro. É possível, dependendo do seu conteúdo, que as estratégias marinhas tenham de ser objeto de uma AAE, como também provavelmente os programas de medidas tenham de proceder da mesma forma, se, conforme previsto no anexo VI da DQEM, estabelecerem um enquadramento para atividades e projetos futuros.

Por outro lado, a Diretiva «Habitats»[27], no seu artigo 6.º, prevê a realização de uma avaliação adequada no caso de todos os planos ou projetos que possam ter efeitos significativos nas zonas especiais de conservação (ZEC) estabelecidas no seu âmbito e nas zonas de proteção especial (ZPE) estabelecidas ao abrigo da Diretiva «Aves». Uma vez que as zonas especiais de conservação beneficiam as áreas marinhas protegidas estabelecidas na DQEM, habitualmente é necessário proceder a uma avaliação nos termos do artigo 6.º da Diretiva «Habitats» para as estratégias marinhas e para os programas de medidas. Estas avaliações podem ser integradas nos processos de AAE.

A UE assumiu uma série de compromissos políticos de alto nível em matéria de proteção da biodiversidade. O grande objetivo é travar a perda de biodiversidade e a degradação dos «serviços ecossistémicos» na UE até 2020 e proceder à sua recuperação na medida do possível. Estes objetivos políticos foram consagrados na Estratégia de Biodiversidade da UE para 2020[28] e fixados em metas e ações específicas articuladas com a consecução do objetivo da Diretiva «Estratégia Marinha» e de outros textos legislativos da UE centrados na proteção das espécies ameaçadas de extinção e na exploração sustentável dos recursos haliêuticos.

Nos termos das Diretivas «Habitats» e «Aves», os Estados-Membros devem assegurar um estado de conservação favorável de uma série de espécies e habitats marinhos e um estado positivo das populações de todas as espécies marinhas naturalmente presentes na zona, incluindo as espécies de aves migratórias. No âmbito destas diretivas, muitas zonas costeiras e marinhas da UE foram já ou serão designadas como sítios da rede Natura 2000. A DQEM reconhece que o estabelecimento de ZMP, incluindo os sítios Natura 2000 já designados ou a designar no âmbito das Diretivas «Habitats» e «Aves», contribui significativamente para que seja alcançado um bom estado ambiental, pelo que requer que as redes de ZMP constituídas sejam incluídas nos programas de medidas das estratégias marinhas (artigo 13.º, n.º 4). Além disso, esta disposição, que estabelece que as redes de ZMP sejam coerentes e representativas e cubram de forma adequada a diversidade dos ecossistemas que as constituem, ultrapassa claramente a rede Natura 2000, já que alarga essas redes às ZMP estabelecidas ao abrigo das convenções marinhas regionais. Por outro lado, o artigo 13.º, n.º 5, assegura expressamente a articulação do estabelecimento de ZMP com eventuais medidas adotadas no âmbito da política comum das pescas (PCP). Por conseguinte, a DQEM assume neste caso a função específica de um quadro em que é possível integrar e complementar as medidas existentes com novas iniciativas.

No que respeita à regulamentação das atividades dos setores da pesca e da aquicultura, a PCP estabelece uma abordagem baseada na colaboração para a gestão das pescarias partilhadas na UE. A reforma da PCP proposta em 2011[29] exige que todas as unidades populacionais sejam mantidas acima de níveis suscetíveis de garantir o rendimento máximo sustentável, tendo em conta os impactos ambientais da pesca. Exige ainda, expressamente, a integração dos objetivos da Diretiva «Estratégia Marinha» que, dessa forma, complementa a PCP, ao articular a política das pescas com outros aspetos essenciais da proteção do ambiente (como a conservação da biodiversidade ou a proteção dos habitats e das espécies a eles associadas).

São vários os instrumentos legislativos da UE que têm impacto no grau de poluição ulterior do meio marinho, como por exemplo a Diretiva «Nitratos»[30], a Diretiva «Substâncias Prioritárias»[31] e a Diretiva-Quadro «Resíduos»[32]. A DQEM vem complementar estes textos legislativos específicos da UE.

Verifica-se igualmente uma estreita relação entre a Diretiva «Estratégia Marinha» e a política de proteção civil da UE, que estabelece um quadro de cooperação a nível da UE para gerir todos os tipos de catástrofes em todas as fases do seu ciclo de gestão, incluindo as atividades de prevenção, preparação, resposta às crises e recuperação[33].

A Diretiva «Estratégia Marinha» constitui também o pilar ambiental da política marítima integrada (PMI). A sua função é sublinhada numa série de progressos proporcionados por essa política, nomeadamente o ordenamento do espaço marítimo, o conhecimento do meio marinho e as estratégias regionais.

Como tal, a Diretiva «Estratégia Marinha», além de orientar e contribuir para a aplicação de várias obrigações, compromissos e iniciativas a nível da UE, garante a sua sustentabilidade e concorre para o objetivo geral de coerência estabelecido no seu artigo 1.º, n.º 4.

6.           Encarar o futuro: a DQEM e a aplicação do documento final da Conferência Rio+20

O documento final da Rio+20, intitulado «O Futuro que queremos», reúne uma série de conceitos incluídos na Diretiva «Estratégia Marinha» que compreendem o compromisso de proteger e recuperar a saúde, a produtividade e a capacidade de resistência dos oceanos e dos ecossistemas marinhos, e de manter a sua biodiversidade, possibilitando a sua conservação e utilização sustentável tanto para as gerações presentes como para as futuras. O documento salienta a necessidade de aplicar eficazmente uma abordagem ecossistémica e preventiva na gestão das atividades com impacto no meio marinho. O documento contém, ainda, uma série de compromissos específicos, entre os quais adotar estratégias coordenadas de combate à poluição, tomar medidas para reduzir significativamente os detritos marinhos até 2025 ou promover ações para combater as espécies invasivas. A DQEM constituirá um dos principais instrumentos da UE para aplicar no seu território os compromissos da Rio+20 relacionados com o mar.

Outra decisão importante tomada na Conferência do Rio consistiu em abordar com caráter de urgência o problema da conservação e da utilização sustentável da biodiversidade marinha em zonas fora da jurisdição nacional, nomeadamente através do desenvolvimento de um instrumento internacional no âmbito da CNUDM. Na consecução deste objetivo deve ser tida em conta, tal como acordado na Conferência do Rio e estabelecido na DQEM, a necessidade de manter a biodiversidade marinha e de adotar outras medidas setoriais também acordadas no Rio, em especial relativas à pesca. Destas medidas consta a necessidade de intensificar os nossos esforços no sentido de cumprir o objetivo de manter e recuperar com caráter de urgência, até 2015, as unidades populacionais para níveis suscetíveis de garantir o rendimento máximo sustentável[34] de reforçar as ações no sentido de gerir as capturas acessórias, as devoluções e outros impactos negativos nos ecossistemas em resultado da pesca, incluindo a supressão das práticas de pesca destrutivas.

Além disso, a DQEM, tal como a CBD, alia a proteção à utilização sustentável, elementos centrais para prosseguir na transição para uma economia «verde». Com base no documento final da Conferência Rio+20, a UE continuará a apoiar uma economia «azul», que alarga os princípios da economia «verde», nomeadamente, à conservação e à utilização sustentável dos recursos marinhos.

7.           Conclusão

A DQEM é uma diretiva-quadro que promove uma abordagem de gestão integrada e adaptativa das atividades humanas que afetam o meio marinho. Trata-se, pela sua própria natureza, de um instrumento político flexível que permite traduzir compromissos internacionais pertinentes em políticas da UE aplicáveis às suas águas. Esta flexibilidade, que inclui o ciclo regular de seis anos para atualização das estratégias marinhas, permitirá a sua adaptação a novos compromissos no futuro, por exemplo os que decorrem da Conferência Rio+20 e do seu acompanhamento.

Dado o âmbito geográfico da Diretiva «Estratégia Marinha», que não se estende ao alto mar, nem todos os acordos internacionais se enquadram na esfera da sua aplicação. Em alguns casos, há instrumentos legislativos da UE que são mais adequados para cumprir compromissos internacionais em determinados setores. Um dos aspetos positivos é verificar que esses instrumentos atuam cada vez mais em sinergia com os mecanismos da DQEM, contribuindo assim para os seus objetivos.

A Diretiva «Estratégia Marinha» está agora a entrar numa fase crucial da sua aplicação, ou seja, a preparação das avaliações iniciais, a determinação do bom estado ambiental e o estabelecimento de metas ambientais pelos Estados-Membros, aspetos que serão examinados pela Comissão Europeia no que respeita à sua adequação e coerência. O grau de ambição com que os vários compromissos internacionais abordados pela DQEM serão aplicados nos Estados-Membros está portanto fortemente associado à forma como for definido o bom estado ambiental e como forem posteriormente executadas a nível nacional todas as disposições da diretiva.

Neste contexto, as convenções marinhas regionais continuarão a desempenhar um papel extremamente importante, ao participarem ativamente no acompanhamento das etapas mais marcantes da aplicação da Diretiva «Estratégia Marinha», assegurando dessa forma uma maior coerência das abordagens nacionais na respetiva região.

[1]               Diretiva 2008/56/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, que estabelece um quadro de ação comunitária no domínio da política para o meio marinho (Diretiva-Quadro «Estratégia Marinha»), JO L 164 de 25.6.2008.

[2]               Os onze descritores utilizados são: 1. A biodiversidade é mantida; 2. As espécies não indígenas não alteram negativamente os ecossistemas; 3. As populações de espécies de peixe exploradas comercialmente são saudáveis; 4. Os elementos da cadeia alimentar marinha garantem a abundância e a reprodução das espécies a longo prazo; 5. A eutrofização é reduzida ao mínimo; 6. O nível de integridade dos fundos marinhos assegura o funcionamento dos ecossistemas; 7. A alteração permanente das condições hidrográficas não afeta negativamente os ecossistemas; 8. Os níveis das concentrações de poluentes não produzem efeitos; 9. Os poluentes presentes nos peixes e nos mariscos situam-se nos níveis de segurança estabelecidos; 10. O lixo marinho não prejudica o meio; 11. A introdução de energia, incluindo ruído submarino, não afeta negativamente o ecossistema.

[3]               http://ec.europa.eu/environment/marine/

[4]               A Declaração do Rio sobre Ambiente e Desenvolvimento, decorrente da Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento (CNUAD), realizada em 1992, proclamou 27 princípios fundamentais destinados a orientar as decisões e as políticas a adotar no futuro, atendendo às implicações para o ambiente do desenvolvimento socioeconómico.

[5]               A/CONF.216/L.1.

[6]               A Agenda 21 é um plano de ação global de caráter não vinculativo a favor do desenvolvimento sustentável, aprovado na Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento (CNUAD) de 1992 http://www.un.org/esa/dsd/agenda21/.

[7]               Artigo 11.º do Tratado sobre o Funcionamento de União Europeia (TFUE).

[8]               Artigo 191.º do TFUE.

[9]               A Agenda 21, a CBD e o Processo Regular das Nações Unidas promovem a gestão adaptativa, e as convenções marítimas regionais, na sua maioria, introduziram esta abordagem nos seus instrumentos.

[10]             A Convenção sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente foi adotada em 1998 pela Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa.

[11]             Ver considerando 17 da DQEM.

[12]             Ver artigo 11.º e anexo V da DQEM.

[13]             Ver artigo 6.º da DQEM.

[14]             Diretiva 2008/1/CE, relativa à prevenção e controlo integrados da poluição, JO L 24 de 29.1.2008, pp. 8-29.

[15]             Diretivas 2011/92/UE e 2001/42/CE.

[16]             Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios (MARPOL).

[17]             Convenção Internacional sobre a Prevenção, Atuação e Cooperação no Combate à Poluição por Hidrocarbonetos e Protocolo sobre a Prevenção, Atuação e Cooperação no Combate à Poluição por Substâncias Nocivas e Potencialmente Perigosas.

[18]             Acordo de cooperação na luta contra a poluição do Mar do Norte por hidrocarbonetos e outras substâncias perigosas.

[19]             Diretiva 2009/16/CE, JO L 131 de 28.5.2009, pp. 57-100.

[20]             Diretiva 2000/59/CE, JO L 332 de 28.12.2000, pp. 81-90, com a última redação que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.º 1137/2008.

[21]             Decisão 2007/779/CE, Euratom do Conselho (reformulação).

[22]             Diretiva 92/43/CEE, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, e Diretiva «Aves» (versão codificada) 2009/147/CE, JO L 20 de 26.1.2010, pp. 7-25.

[23]             Considerando 34.

[24]             Ver considerando 19 da DQEM.

[25]             Diretiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2000, que estabelece um quadro de ação comunitária no domínio da política da água. JO L 327 de 22.12.2000.

[26]             Ver Processos C-105/09 e C-295/10.

[27]             Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO L 206 de 22.7.1992, p. 7).

[28]             COM(2011) 244 final. O nosso seguro de vida, o nosso capital natural: Estratégia de Biodiversidade da UE para 2020.

[29]             COM(2011) 425 final. Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à política comum das pescas.

[30]             Diretiva 91/676/CEE, JO L 375 de 31.12.1991, pp. 1-8, com a última redação que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.º 1137/2008, (JO L 311 de 21.11.2008, pp. 1-54).

[31]             Diretiva 2008/105/CE, JO L 348 de 24.12.2008, pp. 84-97.

[32]             Diretiva 2008/98/CE, JO L 312 de 22.11.2008, pp. 3-30.

[33]             Decisão 2007/779/CE, Euratom do Conselho (reformulação) que estabelece um mecanismo comunitário no domínio da proteção civil.

[34]             Um objetivo previamente acordado na Cimeira Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada em Joanesburgo em 2002.