52004DC0312

Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu - Compensação e liquidação na União Europeia - O rumo a seguir /* COM/2004/0312 final */


COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO CONSELHO E AO PARLAMENTO EUROPEU - Compensação e liquidação na União Europeia - O rumo a seguir

INDÍCE

Introdução

Situação actual

1. Sistemas de compensação e liquidação

2. Os obstáculos identificados pelos relatórios Giovannini

3. Ausência de um quadro regulamentar e prudencial comum

4. A desigualdade das condições de concorrência

Os objectivos da Comissão

As iniciativas concretas da Comissão

1. Instituição do "Grupo consultivo e de acompanhamento relativo à compensação e liquidação"

2. Directiva-quadro para uma compensação e liquidação eficientes e seguras a nível pan-europeu

2.1 Liberdade de acesso e de escolha

2.2 Quadro regulamentar e prudencial comum

2.3 Governação dos sistemas

3. Defrontar as discrepâncias no plano jurídico e fiscal

3.1 O projecto relativo à segurança jurídica

3.2 Questões fiscais

4. Política da concorrência

Conclusões

INTRODUÇÃO

A criação de um mercado de capitais integrado e eficiente a nível europeu representa um dos projectos económicos mais importantes e ambiciosos a ser actualmente empreendido na União Europeia. Desde o lançamento do Plano de Acção para os Serviços Financeiros em 1999, registaram-se progressos significativos em direcção a este objectivo, tanto em termos de medidas legislativas como de integração do mercado.

Um elemento fundamental deste enquadramento prende-se com a segurança e a eficiência dos mecanismos necessários para finalizar as transacções no domínio dos valores mobiliários ("compensação e liquidação"). Estes mecanismos, em grande medida invisíveis para os pequenos investidores, encontram-se no âmago de todos os mercados de valores mobiliários e são indispensáveis para o seu bom funcionamento.

Apesar de os conceitos subjacentes a estes processos e mecanismos serem bastante simples, os mecanismos em si são muito complexos de instituir e explorar, nomeadamente num contexto transfronteiras. Na UE, as actividades de compensação e liquidação, desenvolvidas a nível estritamente nacional, são relativamente eficientes e seguras. Em contrapartida, as modalidades transfronteiras são complexas e fragmentadas, o que acarreta maiores riscos e ineficiências. Na ausência de mecanismos de compensação e liquidação eficientes, a capacidade e a disponibilidade dos operadores no sentido de negociarem valores mobiliários na UE ficará assim aquém do seu potencial; a liquidez dos mercados financeiros será afectada e o custo de capital será mais elevado do que o necessário.

Neste contexto, as forças de mercado têm impulsionado a procura de uma eficiência muito maior a nível pan-europeu. A introdução do euro e a melhoria das tecnologias da informação contribuíram para aumentar o número e a importância relativa das transacções transfronteiras. Consequentemente, assistiu-se a um incremento significativo das pressões exercidas sobre os sistemas de compensação e liquidação a nível transfronteiras, bem como das expectativas associadas aos mesmos. Os prestadores de serviços de compensação e liquidação procuram assim melhorar o desempenho, reduzir os custos e desenvolver uma presença pan-europeia, quer numa base individual, quer através de fusões e alianças, o que tem vindo a desencadear reestruturações significativas. Simultaneamente, as autoridades de regulamentação e supervisão, bem como outras entidades de controlo, têm vindo a adoptar medidas destinadas a reforçar a clareza e a homogeneidade das normas aplicáveis aos sistemas de compensação e liquidação de valores mobiliários, bem como a actualizar os métodos de supervisão a fim de defrontar os desafios suscitados pela evolução do mercado e reforçar a respectiva segurança.

Na presente comunicação, a Comissão delineia as acções que tenciona empreender no intuito de melhorar os mecanismos de compensação e liquidação. A abordagem da Comissão baseia-se nas seguintes considerações:

-o objectivo a prosseguir consiste na realização de um mercado eficiente, integrado e seguro para a compensação e liquidação de valores mobiliários;

-a integração dos sistemas de compensação e liquidação de valores mobiliários exigirá a intervenção conjunta das forças de mercado e das autoridades públicas. Neste contexto, a Comissão procurará promover a coordenação entre os organismos do sector privado, as autoridades de regulamentação e os legisladores por forma a obter os resultados pretendidos da forma mais eficiente possível;

-num quadro integrado, isento de quaisquer entraves, os fornecedores de infra-estrutura e os utilizadores dos serviços relevantes devem dispor da possibilidade de acesso e de escolha quanto ao sistema de compensação e liquidação pretendido, devidamente autorizado e fiscalizado, e que opere em plena conformidade com as regras da concorrência da UE. A fim de assegurar este quadro liberalizado e garantir o reconhecimento mútuo dos sistemas, será necessária uma intervenção regulamentar a nível da UE, mediante a adopção de uma directiva-quadro;

-no exercício das suas competências, a Comissão respeitará os princípios da subsidiariedade e proporcionalidade consignados no Tratado da UE, bem como a diversidade das abordagens adoptadas nos diferentes Estados-Membros no que diz respeito às estruturas de mercado;

-as bases jurídicas da compensação e liquidação na UE devem ser claras, fiáveis e coerentes;

-qualquer nova consolidação no domínio da compensação e liquidação na UE deve ser sobretudo impulsionada pelas forças de mercado, sob reserva de serem satisfeitas as preocupações legítimas de interesse geral.

A Comissão convida o Parlamento Europeu, o Conselho, o Banco Central Europeu, o Comité Económico e social, o Comité das Regiões, as autoridades nacionais de regulamentação e de supervisão, outras organizações e federações europeias e nacionais, os operadores de mercado, os investidores institucionais, os fornecedores de infra-estrutura e todas as outras partes interessadas a apresentarem as suas observações sobre os diferentes aspectos abordados na presente comunicação até 30 de Julho de 2004.

Subsequentemente, em 2005, a Comissão adoptará as suas decisões finais quanto ao rumo a seguir e ao teor exacto das eventuais medidas necessárias.

SITUAÇÃO ACTUAL

1. Sistemas de compensação e liquidação

Na presente comunicação, por "compensação e liquidação" deve entender-se todo o conjunto de mecanismos necessários para finalizar uma transacção relativa a valores mobiliários ou instrumentos derivados [1]. Estes mecanismos envolvem diversos tipos de instituições, instrumentos, regras, procedimentos, normas e meios técnicos.

[1] Salvo especificação em contrário, deve entender-se que o termo "transacções" engloba tanto as transacções relativas a valores mobiliários como as transacções relativas a instrumentos derivados.

O desempenho de funções de compensação e liquidação incumbe sobretudo a instituições tais como os depositários centrais de valores mobiliários e as contrapartes centrais. As primeiras desempenham principalmente funções relacionadas com a compensação e a guarda, enquanto as últimas desempenham normalmente funções relacionadas com a liquidação. Os depositários centrais de valores mobiliários e as contrapartes centrais não lidam normalmente com pequenos investidores. O acesso a estas instituições é assegurado por outras entidades, designadamente, entidades de guarda e membros dos sistemas de compensação, que intervêm a título de intermediários no quadro das actividades de compensação e liquidação. No entanto, alguns intermediários podem não pretender aceder directamente a estas instituições, recorrendo, por seu turno, a outros intermediários. Consequentemente, é possível uma estrutura intermediária de vários níveis.

Em suma, todo o conjunto de mecanismos institucionais necessários para finalizar uma transacção relativa a valores mobiliários pode ser definida como um sistema de liquidação e compensação de valores mobiliários. No âmbito deste quadro geral, podem ainda ser diferenciados os sistemas de liquidação de valores mobiliários, as contrapartes centrais, as entidades de guarda e os membros de sistemas de compensação. Pode considerar-se que os sistemas de liquidação de valores mobiliários englobam todas as instituições que desempenham funções prévias à liquidação, de liquidação propriamente dita e de guarda; por seu turno, as contrapartes centrais podem ser definidas como instituições que desempenham a função de compensação. Na presente comunicação, por função de compensação deve entender-se as actividades que têm como efeito proporcionar uma garantia contra o risco de perdas associadas ao incumprimento de uma contraparte numa transacção ("risco do custo de substituição"). Por último, as entidades de guarda prestam serviços na qualidade de intermediários no âmbito da actividade de liquidação, enquanto os membros dos sistemas de compensação desempenham funções de intermediação no âmbito da actividade de compensação.

Tradicionalmente, o termo compensação referia-se sobretudo ao processo de cálculo das obrigações mútuas para a troca de valores mobiliários e numerário, numa base bruta ou líquida, antes da liquidação. Este processo pode igualmente incluir a compensação com inovação, que tem como efeito garantir as contrapartes contra o risco do custo de substituição. Uma vez que o perfil de risco destas actividades é diferente, na presente comunicação as primeiras actividades (ou seja, o simples processo de calcular as obrigações mútuas) são consideradas como parte da actividade prévia à liquidação, enquanto as últimas (isto é, as que têm como efeito garantir as contrapartes contra o risco do custo de substituição) são definidas pelo termo compensação. Por outro lado, por liquidação deve entender-se a transferência final de valores mobiliários do vendedor para o adquirente e de fundos do adquirente para o vendedor.

As transacções transfronteiras podem ser objecto de liquidação através dos canais seguintes:

1) acesso directo à distância ao sistema de liquidação de valores mobiliários estrangeiro;

2) recurso a uma entidade de guarda com acesso directo ou indirecto (normalmente através de um operador local) ao sistema de liquidação de valores mobiliários estrangeiro;

3) recurso, na qualidade de intermediário, a um depositário central de valores mobiliários ou a um depositário central internacional de valores mobiliários [2] com acesso directo ou indirecto ao sistema de liquidação de valores mobiliários estrangeiro.

[2] Por depositários centrais internacionais de valores mobiliários, devem entender-se os sistemas de liquidação de valores mobiliários respeitantes às eurobrigações. Os únicos dois exemplos existentes são o Euroclear Bank e o Clearstream Banking Luxembourg.

Num contexto transfronteiras, os sistemas de liquidação de valores mobiliários podem prestar serviços de acesso directo à distância aos operadores no que diz respeito a valores mobiliários em relação aos quais representem a etapa final da liquidação (opção 1). Como já referido, as entidades de guarda actuam normalmente a título de intermediários no contexto das actividades de liquidação. Actuam igualmente nesta qualidade no que diz respeito à liquidação a nível transfronteiras (opção 2). Os sistemas de liquidação de valores mobiliários podem igualmente intervir na qualidade de intermediários, ou seja, enquanto sistema de liquidação de valores mobiliários - investidor, relativamente a transacções cujos valores mobiliários sejam objecto de guarda final junto de outro sistema de liquidação de valores mobiliários, designado sistema de liquidação de valores mobiliários - emitente (opção 3).

Consequentemente, na prestação de serviços de liquidação transfronteiras, os sistemas de liquidação de valores mobiliários que actuem na qualidade de intermediários e as entidades de guarda concorrem, pelo menos potencialmente, entre si. A possibilidade de o sistema de liquidação de valores mobiliários - emitente assegurar um acesso directo à distância significa que este último pode também, pelo menos potencialmente, concorrer com os sistemas de liquidação de valores mobiliários - investidores e as entidades de guarda no âmbito da prestação dos serviços de liquidação a nível transfronteiras [3].

[3] O mesmo é válido em relação à compensação através de uma contraparte central. A compensação a nível transfronteiras pode ser desempenhada com base no acesso à distância ou através dos serviços prestados por um membro geral de um sistema de compensação ou ainda através dos serviços de uma contraparte central diferente. Neste último caso, a contraparte central estrangeira considerará a "contraparte central-investidor" como um participante que solicita margens proporcionais às suas posições.

De modo geral, considera-se que os actuais mecanismos para a finalização das transacções na UE são eficientes a nível nacional, mas muito ineficientes a nível transfronteiras. Os sistemas de compensação e liquidação de valores mobiliários na UE têm sido tradicionalmente desenvolvidos numa base estritamente nacional, uma vez que o volume das operações transfronteiras eram muito limitados. Atendendo às grandes economias de escala e de gama que caracterizam os sistemas de liquidação de valores mobiliários e as contrapartes centrais, registou-se um processo de consolidação dos mesmos a nível nacional, conducente à criação de monopólios ou quase monopólios que funcionam ao abrigo de quadros técnicos, regulamentares e jurídicos uniformes.

As ineficiências dos mecanismos transfronteiras na UE devem-se à ausência de normas técnicas globais, à coexistência de práticas comerciais diferentes e à incoerência dos alicerces fiscais, jurídicos e regulamentares. Em consequência, a compensação e a liquidação são muito mais onerosas e complexas a nível transfronteiras do que a nível estritamente nacional para além de serem, potencialmente, menos seguras. Esta estrutura compartimentada do mercado não pode ser aceite numa época em que as estratégias de investimento se baseiam cada vez mais em considerações sectoriais a nível pan-europeu e se pretende a criação de um mercado financeiro único na UE.

A Resolução do Parlamento Europeu de Janeiro de 2003 [4] sublinhou que os mecanismos de compensação e liquidação existentes não permitem que as operações transfronteiras se processem de forma eficiente, impedindo, consequentemente, a exploração plena das potencialidades do mercado interno dos serviços financeiros. O Parlamento salientou que, no actual estádio do mercado, era essencial a elaboração de uma proposta de directiva, tendo sugerido que os riscos incorridos pelos depositários centrais de valores mobiliários fossem circunscritos aos riscos operacionais e que a prestação de serviços com valor acrescentado deveria ser subordinada a uma separação de funções. O Parlamento apelou igualmente à Comissão para que estudasse aprofundadamente o exemplo americano de um quadro unificado para as actividades de compensação, liquidação e guarda. A Comissão convida as partes interessadas a apresentarem quaisquer observações que entendam pertinentes face ao pedido do PE, no sentido de um estudo mais pormenorizado desata questão.

[4] Resolução do Parlamento Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu intitulada "Os mecanismos de compensação e liquidação na União Europeia - Principais problemas e desafios futuros".

2. Os obstáculos identificados pelos relatórios Giovannini

A natureza dos problemas evocados nesta área tem suscitado recentemente um profundo interesse. Entre outros relatórios consagrados a este tema, os dois relatórios do Grupo Giovannini identificaram 15 obstáculos, divididos em obstáculos técnicos ou associados às práticas do mercado, obstáculos inerentes a formalidades fiscais e obstáculos jurídicos (em seguida denominados "obstáculos Giovannini") [5], como sendo as principais fontes de compartimentação e de ineficiências. Os relatórios concluíram que, até à supressão destes obstáculos, o quadro de compensação e liquidação na UE continuará a corresponder à justaposição de mercados nacionais não integrados. [6]

[5] Ver anexo 1 para a lista de obstáculos identificados nos relatórios Giovannini. O texto integral dos dois relatórios Giovannini pode ser consultado no sítio web da Comissão, pelo que não são debatidos de forma aprofundada na presente comunicação.

[6] A importância dos obstáculos identificados pelo Grupo Giovannini, juntamente com a ausência de um quadro regulamentar e prudencial comum e a desigualdade das condições de concorrência entre os sistemas de compensação e liquidação de valores mobiliários (ver infra), foram examinados na primeira Comunicação da Comissão sobre este tema intitulada "Os mecanismos de compensação e liquidação na União Europeia - Principais problemas e desafios futuros", COM(2002)257 de 28.5.2002, disponível em http://europa.eu.int/comm/internal_market/ en/finances/mobil/clearing/index.htm.

Muito embora todos representem um entrave à integração dos sistemas de compensação e liquidação de valores mobiliários na UE, os obstáculos Giovannini produzem, contudo, efeitos distintos sobre a forma como a compensação e liquidação são realizadas a nível transfronteiras. Os relatórios reconhecem que um dos obstáculos mais importantes à integração se prende com as restrições impostas quanto ao local onde se processa a compensação e liquidação. Essas restrições vedam aos operadores de mercado a possibilidade de acesso e de escolha quanto ao local onde se processa a compensação e liquidação, suprimindo assim uma condição essencial para uma maior concorrência e eficiência no âmbito da prestação de serviços transfronteiras.

No entanto, mesmo se fossem suprimidos os obstáculos relativos ao local onde se processa a compensação e liquidação, outros obstáculos identificados pelo grupo Giovannini continuariam a restringir o exercício efectivo dos direitos relevantes em matéria de acesso e de escolha. Por exemplo, alguns destes obstáculos podem tornar mais atraente ou mesmo impor o recurso a operadores locais para obter o acesso aos sistemas de liquidação de valores mobiliários estrangeiros. Será o caso de todas as actividades cuja realização exige conhecimentos especializados ou saber-fazer local (por exemplo, devido a diferenças nacionais no que se refere ao tratamento dos juros aplicáveis aos valores mobiliários detidos junto de um intermediário, a operações das sociedades, a práticas em matéria de emissão dos valores mobiliários, etc.) ou quando é efectivamente imposta uma participação local (por exemplo, mediante as regras dos Estados-Membros que atribuem aos intermediários locais a responsabilidade exclusiva em matéria de retenção dos impostos na fonte). Estes obstáculos impedem assim na prática que os investidores ou intermediários estrangeiros recorram a outros canais de liquidação transfronteiras que não os esquemas locais.

Há outro tipo de obstáculos que entravam efectivamente o recurso a sistemas de liquidação de valores mobiliários na qualidade de intermediários no âmbito da liquidação transfronteiras. A título ilustrativo, pode ser referido o facto de se reservar a cobrança de impostos sobre as transacções exclusivamente a uma função integrada no sistema de liquidação de valores mobiliários local, pelo que a utilização de um sistema diferente implicaria o pagamento de impostos mais elevados. Consequentemente, em virtude de preocupações em matéria de custos, os operadores de mercado podem acabar por não utilizar o sistema de liquidação no local da sua escolha.

Outros obstáculos são fonte de custos adicionais e/ou riscos comparativamente aos sistemas nacionais de compensação e liquidação (por exemplo, diferenças nas tecnologias de informação e interfaces, etc.). A sua supressão reduziria as diferenças em termos de custos globais e de risco entre os sistemas de liquidação e compensação nacionais e transfronteiras.

3. Ausência de um quadro regulamentar e prudencial comum

Outra característica importante dos sistemas europeus de compensação e liquidação de valores mobiliários é a ausência de um quadro regulamentar e prudencial comum. As autoridades públicas são responsáveis pela segurança dos sistemas de compensação e liquidação de valores mobiliários, tanto do ponto de vista da protecção dos investidores como da estabilidade sistémica. Quando os sistemas operam a nível transfronteiras, as autoridades nacionais devem igualmente assegurar-se que todos os sistemas estrangeiros a eles ligados são objecto de uma regulamentação e supervisão adequadas.

Na ausência de um quadro regulamentar comum, as autoridades responsáveis podem recusar o acesso ou o recurso a sistemas estrangeiros a fim de garantir o bom funcionamento dos mercados e a estabilidade financeira.

Em resposta a estas preocupações, o Sistema europeu de bancos centrais (SEBC) e o Comité das Autoridades de Regulamentação dos Mercados Europeus dos Valores Mobiliários (CARMEVM) lançaram um grupo de trabalho conjunto (o Grupo de Trabalho SEBC/CARMEVM) para a elaboração de normas comuns aplicáveis às entidades que prestam serviços de compensação e liquidação na UE. Os seus trabalhos baseiam-se numa adaptação das recomendações [7] CPSS-IOSCO [8] ao contexto europeu. Em Julho de 2003, o SEBC e o CARMEVM publicaram os seus projectos de normas para efeitos de consulta [9]. As normas não serão vinculativas, pelo que não terão primazia sobre quaisquer disposições jurídicas nacionais susceptíveis de afectar a sua aplicação prática pelas autoridades nacionais competentes.

[7] Comité relativo aos sistemas de pagamento e liquidação dos bancos centrais do G10 e Organização Internacional das Comissões de Valores Mobiliários.

[8] Recomendações relativas aos sistemas de liquidação de valores mobiliários, relatório do grupo de trabalho CPSS-IOSCO sobre os sistemas de liquidação de valores mobiliários, Novembro de 2001.

[9] "Consultative Report: Standards for Security Clearing and Settlement Systems in the European Union", Julho de 2003.

4. A desigualdade das condições de concorrência

A ausência de um quadro legislativo adequado na UE relativamente aos sistemas de compensação e liquidação de valores mobiliários, juntamente com o facto de determinadas instituições que prestam serviços de compensação e liquidação serem autorizadas a desenvolver actividades na qualidade de bancos/empresas de investimento suscita duas grandes questões em matéria de igualdade das condições de concorrência.

Ao passo que os bancos e as empresas de investimento podem, com base no seu passaporte instituído pela DSI, propor serviços de guarda e liquidação numa base transfronteiras não são previstos quaisquer direitos correspondentes para os prestadores de serviços de compensação e liquidação que não sejam bancos, nem empresas de investimento.

De igual forma, verificam-se divergências no que diz respeito aos requisitos em matéria de adequação de fundos próprios aplicáveis aos diferentes prestadores de serviços de compensação e liquidação. Em especial, há diferenças entre as entidades que dispõem de uma licença bancária, por um lado, e as restantes entidades, por outro. Além disso, devido à falta de harmonização neste domínio, verificam-se também divergências entre estas últimas.

Além disso, embora existam entidades autorizadas a exercer a actividade bancária que oferecem serviços bancários e de intermediação, bem como serviços de base inerentes às infra-estruturas de guarda e liquidação, as entidades de guarda de alguns Estados-Membros podem não beneficiar dos mesmos direitos.

OS OBJECTIVOS DA COMISSÃO

O derradeiro objectivo da Comissão consiste na criação de sistemas de compensação e liquidação de valores mobiliários à escala da UE que sejam eficientes e seguros, para além de assegurar a igualdade das condições de concorrência entre os diferentes prestadores de serviços de compensação e liquidação. No intuito de alcançar este objectivo, a Comissão considera que devem ser aplicadas as medidas e políticas a seguir referidas:

(a) liberalização e integração dos sistemas de compensação e liquidação de valores mobiliários existentes mediante a introdução de direitos gerais de acesso a todos os níveis e a supressão dos actuais obstáculos à compensação e liquidação a nível transfronteiras;

(b) aplicação da política da concorrência a fim de solucionar o problema das práticas de mercado restritivas e acompanhamento de qualquer nova consolidação no sector;

(c) adopção de um quadro regulamentar e prudencial comum que assegure a estabilidade financeira e a protecção dos investidores, conducente ao reconhecimento mútuo dos sistemas;

(d) implementação de mecanismos adequados de governação dos sistemas.

A existência de sistemas de compensação e liquidação de valores mobiliários liberalizados e integrados na UE requer que os mercados, os prestadores de serviços de compensação e liquidação e os investidores disponham da possibilidade de acesso a toda a gama de opções possíveis no domínio da compensação e liquidação transfronteiras. Apenas quando todos estes intervenientes beneficiarem da possibilidade de escolha quanto às modalidades de compensação e liquidação das transacções transfronteiras se farão plenamente sentir os efeitos da concorrência e será possível beneficiar das repercussões positivas em termos de redução dos preços e maior eficiência económica.

Para assegurar a plena disponibilidade desse leque de escolha, é necessário que seja possível o acesso a um sistema a partir de outro. Por conseguinte, a Comissão considera que uma medida fundamental para assegurar um mercado liberalizado e integrado no domínio da compensação e liquidação na UE consiste em facultar a plena liberdade de escolha e de acesso a todos os prestadores de serviços de compensação e liquidação, incluindo contrapartes centrais e sistemas de liquidação de valores mobiliários. Tal não é o caso hoje em dia, nem sucederá com a adopção da nova directiva relativa aos serviços de investimento (DSI), devido às restrições nacionais e ligadas à negociação que subsistirão quanto ao local onde se processa a compensação e liquidação.

A introdução da plena liberdade de acesso e de escolha não será eficaz, todavia, sem a supressão de todos os obstáculos remanescentes identificados nos relatórios Giovannini. Impõe-se a eliminação dos obstáculos técnicos ou associados às práticas do mercado, dos obstáculos relacionados com as formalidades fiscais e dos obstáculos jurídicos para realizar a integração dos sistemas de compensação e liquidação na UE. Por esta razão, a Comissão subscreve a abordagem geral adoptada nos dois relatórios Giovannini, sendo também favorável à proposta específica apresentada pelo Grupo Giovannini de que tais obstáculos devem ser suprimidos através de esforços conjugados a serem envidados pelos sectores privado e público, devendo ser observada uma sequência adequada para o efeito.

Outro obstáculo importante à compensação e liquidação transfronteiras a ser defrontado pelas autoridades públicas prende-se com a liquidação da etapa pecuniária das transacções relativas a valores mobiliários. Actualmente, os participantes à distância no Euro-sistema de bancos centrais nacionais não dispõem de acesso às linhas de crédito intra-diárias asseguradas por estes últimos aos participantes nacionais. Tal não constitui um problema para a liquidação de valores mobiliários durante o horário de funcionamento do sistema TARGET [10], uma vez que os participantes neste sistema podem transferir facilmente os fundos de uma conta para outra. Contudo, tal constitui um problema fora deste horário de funcionamento, nomeadamente quando os sistemas de liquidação de valores mobiliários operam durante a noite.

[10] TARGET é a rede europeia de sistemas de liquidação pelos valores brutos em tempo real.

A Comissão considera que, de modo geral a etapa pecuniária da liquidação transfronteiras das transacções relativas a valores mobiliários deve ser facilitada na medida do possível, tendo em conta os objectivos do Euro-sistema e dos outros bancos centrais da UE, por exemplo, permitindo que os bancos centralizem a liquidez numa conta do banco central, procedendo subsequentemente à transferência dos fundos durante o horário normal de funcionamento dos sistemas de liquidação de valores mobiliários ou, alternativamente, que utilizem uma conta única, o que será possibilitado com a versão melhorada de TARGET, actualmente em fase de projecto (TARGET 2 [11]), para apoiar a sua actividade de liquidação na UE [12].

[11] BCE, "TARGET 2: Principles and Structure", 16 de Dezembro de 2002. O sistema TARGET 2 assegurará a possibilidade de consolidar as plataformas técnicas dos sistemas nacionais "para os bancos centrais que aceitem renunciar às suas plataformas individuais". Esta consolidação facilitará indubitavelmente a liquidação transfronteiras.

[12] O relatório consultivo SEBC/CARMEVM inclui uma recomendação semelhante aos bancos centrais, convidando-os a "reforçar os mecanismos de fornecimento de fundos do banco central, por exemplo, mediante o alargamento do horário de funcionamento do sistema de transferência de fundos e facilitando o acesso às contas à ordem dos bancos centrais."

Apesar de a liberalização e a integração dos mercados serem vectores essenciais de todo este processo, não são suficientes para garantirem a eficiência dos sistemas de compensação e liquidação de valores mobiliários na Europa. As autoridades competentes deverão igualmente assegurar o pleno respeito do direito da concorrência pelos prestadores de serviços de compensação e liquidação. A integração dos sistemas de compensação e liquidação de valores mobiliários existentes é susceptível de reforçar a eficiência, mas tal não deve ser comprometido pela adopção de práticas anticoncorrenciais por estes sistemas como, por exemplo, uma recusa de acesso injustificada ou a imposição de preços excessivos e/ou discriminatórios.

Para além das acções supra mencionadas, a Comissão considera que deve ser introduzido na UE um quadro regulamentar e prudencial comum na UE, uma vez que tal reforçará a segurança dos sistemas de compensação e liquidação de valores mobiliários e permitirá o seu reconhecimento mútuo. Com efeito, o bom funcionamento de todos os mecanismos de pós-negociação é fundamental para a segurança dos mercados financeiros e a estabilidade do sistema financeiro no seu conjunto. Os participantes nos sistemas de compensação e liquidação de valores mobiliários defrontam-se com toda uma série de riscos [13]. Se o incumprimento de um participante que impeça a liquidação impossibilitar que os outros participantes respeitem as suas obrigações, o sistema de compensação e liquidação de valores mobiliários pode vir a tornar-se uma importante fonte de instabilidade financeira.

[13] Tais riscos incluem o risco de liquidez, o risco de crédito, o risco de guarda, o risco operacional e o risco jurídico. Ver as recomendações CPSS-IOSCO para um debate aprofundado sobre o tema.

Dado que os sistemas de compensação e liquidação de valores mobiliários detêm activos que são utilizados para garantir os pagamentos realizados no âmbito dos sistemas de pagamento de elevado montante, bem como a título de cauções nas operações de política monetária, a sua segurança e eficiência assume uma importância primordial para assegurar a eficiência dos sistemas de pagamento e da política monetária.

É igualmente necessário que as transacções relativas a valores mobiliários sejam finalizadas de forma rápida e eficiente em conformidade com as condições de negociação. Se os investidores considerarem que um sistema de compensação e liquidação de valores mobiliários não é seguro, evitarão realizar transacções financeiras que devam ser objecto de compensação e liquidação no âmbito do referido sistema. Nestas circunstâncias, verificar-se-á um impacto directo sobre a liquidez do mercado financeiro e, indirectamente, sobre o custo de mobilização de capitais.

Por estas razões, ao abrigo do quadro regulamentar actual, as autoridades competentes podem recusar o acesso ou opor-se à utilização de sistemas estrangeiros se entenderem que não fica garantido o bom funcionamento dos mercados pelos quais são responsáveis, nem a estabilidade financeira em geral.

A Comissão considera que esta preocupação deve ser abordada e que a liberalização e a integração dos sistemas de compensação e liquidação de valores mobiliários deve ser acompanhada pela introdução de um quadro regulamentar e prudencial comum que permita reforçar a segurança do contexto geral da compensação e liquidação na UE, sendo igualmente conducente ao reconhecimento mútuo dos sistemas.

A adopção de medidas destinadas a garantir a liberdade de acesso e a instituir um quadro regulamentar e prudencial comum permitirá também assegurar a igualdade das condições de concorrência mediante a supressão das divergências existentes em matéria de direitos de acesso e requisitos de fundos próprios entre os prestadores de serviços de compensação e liquidação que são autorizados a desenvolver actividades enquanto bancos e as restantes entidades. Com efeito, as mesmas actividades devem ser sujeitas ao mesmo tratamento ("abordagem funcional"), independentemente das instituições que desenvolvam essas actividades. Esta abordagem pressupõe a adopção de definições comuns para as actividades associadas ao processo de compensação e liquidação. Não implica, contudo, uma segregação das funções relevantes na fase actual. No entanto, as partes são convidadas a apresentar as suas observações sobre uma abordagem deste tipo, à luz dos mecanismos existentes em alguns mercados nacionais europeus, que estabelecem uma diferenciação entre funções ligadas às infra-estruturas e funções bancárias.

Algumas das preocupações das autoridades públicas relativamente à segurança dos sistemas de liquidação de valores mobiliários e das contrapartes centrais e ao risco de estas entidades adoptarem eventualmente práticas anticoncorrenciais podem ser também abordadas numa base ex-ante mediante o recurso a mecanismos de governação eficazes. Tais mecanismos devem ser considerados complementares face às políticas supramencionadas, designadamente, a política da concorrência, por um lado, e a regulamentação e a supervisão eficazes, por outro.

Por conseguinte, a política da Comissão em matéria de compensação e liquidação centrar-se-á no seguinte: (a) liberalização e integração dos actuais sistemas de compensação e liquidação de valores mobiliários; (b) aplicação da política da concorrência; (c) adopção de um quadro regulamentar e prudencial comum, que incluirá o domínio das definições; e (d) adopção de mecanismos adequados de governação dos sistemas.

* * *

Uma vez adoptadas as todas as medidas necessárias, prevê-se a aceleração do processo de consolidação dos sistemas de liquidação de valores mobiliários e das contrapartes centrais. A Comissão concorda com as conclusões dos relatórios Lamfalussy e Giovannini quanto ao facto de o processo de consolidação dever ser induzido pelo mercado.

Na condição de estarem instituídas salvaguardas adequadas no domínio da regulamentação e da supervisão, bem como da política da concorrência, a Comissão considera que deve ser neutra no que diz respeito a questões estruturais, tais como (a) o grau e a forma de consolidação (horizontal ou vertical), e (b) a oportunidade dos sistemas de liquidação de valores mobiliários e contrapartes centrais proporem serviços intermediários e/ou bancários. Desde que estas salvaguardas tenham sido instituídas, a Comissão abster-se-á de propor ou impor qualquer estrutura de mercado e/ou institucional específica; abster-se-á igualmente de propor ou impor qualquer segregação a nível das actividades intermediárias e bancárias eventualmente desenvolvidas pelos sistemas de liquidação de valores mobiliários ou contrapartes centrais. Incumbirá às forças de mercado determinar a estrutura "final" do sector da compensação e da liquidação. São os mercados e não as autoridades de regulamentação que se encontram mais bem posicionados para decidir sobre a estrutura do sector e sobre a consolidação e integração efectivas que melhor se adaptam às suas necessidades.

O objectivo geral das autoridades deve consistir em facilitar esse processo e incentivar as forças de mercado nesta direcção, assegurando simultaneamente que sejam tomados em consideração os objectivos de interesse geral. Estes objectivos deverão ser prosseguidos através do quadro regulamentar e prudencial comum preconizado e no pleno respeito da aplicação das regras da concorrência nacionais e comunitárias em vigor, bem como através da implementação de mecanismos adequados de governação.

AS INICIATIVAS CONCRETAS DA COMISSÃO

Alcançar o objectivo acima enunciado, ou seja, a criação na UE de sistemas de compensação e liquidação de valores mobiliários eficientes e seguros que garantam a igualdade das condições de concorrência entre os diferentes prestadores de serviços de compensação e liquidação será um processo moroso e complexo, que exigirá esforços conjugados das infra-estruturas e dos operadores no mercado, das entidades de regulamentação e dos legisladores. A Comissão considera que lhe cabe desempenhar um papel fulcral em termos de assegurar o devido impulso político, coordenar as acções e propor medidas legislativas específicas com vista a instituir o quadro legislativo necessário.

Tendo em conta o que precede, a Comissão tenciona:

(a) Criar um grupo consultivo e de acompanhamento: a Comissão tenciona instituir um grupo consultivo e de acompanhamento a fim de abordar todos os obstáculos Giovannini pelos quais o sector privado seja exclusiva ou conjuntamente responsável, bem como para promover o projecto global de integração e liberalização.

(b) Propor uma directiva relativa à compensação e liquidação: a Comissão considera necessário complementar a supressão dos obstáculos Giovannini relevantes, induzida pelo mercado, com um quadro jurídico seguro que garanta a liberdade de prestação de serviços de compensação e liquidação de valores mobiliários em todo o território da UE com base em requisitos comuns. Esse quadro permitirá eliminar as restrições e os obstáculos quanto ao local onde se processa a compensação e liquidação. Assegurará igualmente o reconhecimento mútuo dos diversos sistemas nacionais com base no princípio do país de origem. A directiva deverá constituir uma directiva-quadro, em que apenas serão enunciados princípios gerais em conformidade com o processo Lamfalussy.

(c) Abordar as questões jurídicas e fiscais: a Comissão tenciona criar grupos de peritos para analisar os entraves jurídicos e fiscais à integração, fazer o ponto da situação e, se for caso disso, propor métodos de harmonização das legislações e/ou procedimentos nacionais.

(d) Assegurar a aplicação efectiva do direito da concorrência: a Comissão e as autoridades de concorrência nacionais abordarão o problema das práticas de mercado anticoncorrenciais, tais como uma recusa de acesso injustificada e a imposição de preços excessivos e/ou discriminatórios e, simultaneamente, controlarão as posições de monopólio existentes e qualquer nova consolidação do sector, intervindo sempre que necessário.

A criação do grupo consultivo e de acompanhamento, bem como dos grupos de peritos relativos a questões jurídicas e fiscais deve ser considerada como uma questão prioritária.

1. Instituição do "Grupo consultivo e de acompanhamento em matéria de compensação e liquidação"

Entre as medidas e políticas a serem aplicadas a fim de alcançar os objectivos da Comissão, a integração dos sistemas existentes de compensação e liquidação de valores mobiliários constitui o objectivo que requer uma maior coordenação entre os organismos dos sectores privado e público. Para superar os obstáculos à integração, impõe-se a intervenção desses organismos, devendo ser igualmente criadas as sinergias relevantes.

O lançamento destas acções, impulsionadas pelos sectores privado e público, terá importantes repercussões sobre a forma como as funções de liquidação e compensação são desempenhadas em toda a UE. Os processos, as políticas e os comportamentos deverão alterar-se em conformidade. A Comissão está também ciente de que os interesses dos operadores de mercado podem não coincidir entre si, consoante as funções assumidas e os serviços prestados. Para alguns operadores, a participação num mercado aberto e integrado exigirá investimentos substanciais, enquanto outros se defrontarão com o risco significativo de deverem renunciar a certas áreas de actividade específicas em benefício dos seus concorrentes. Tal pode ser fonte de atrasos e tensões a nível da adopção e aceitação de medidas destinadas a suprimir os diferentes obstáculos.

Trata-se da razão pela qual todos os organismos afectados por este processo devem estar convictos da necessidade de acções específicas. Neste contexto, impõe-se uma forte liderança política. Além disso, é necessário acompanhar os resultados do processo no seu conjunto a fim de assegurar que sejam envidados esforços sustentados e para que a finalidade e a orientação geral do processo não sejam deturpadas.

A fim de alcançar os resultados pretendidos, a Comissão é favorável à criação de um grupo consultivo e de acompanhamento de natureza informal. Esta proposta reflecte as recomendações efectuadas pelo grupo de peritos Giovannini, que considerou que era aconselhável a instituição de um mecanismo de coordenação e acompanhamento para garantir o êxito deste processo.

Em especial, prevê-se que este grupo, em concertação com a Comissão:

(a) promoverá o projecto na sua globalidade e informará o público, fornecendo-lhe todas as explicações e relatórios necessários sobre o estado de avanço do processo de reforma, assegurando a transparência a todo o momento;

(b) funcionará como um fórum para os organismos dos sectores público e privado com vista a garantir a sua confiança quanto à realização de progressos;

(c) coordenará a sua acção com os grupos de peritos incumbidos de abordar os obstáculos jurídicos e os obstáculos associados às formalidades fiscais (ver secção 3).

(d) assistirá informalmente a Comissão;

(e) assegurará o interface entre os organismos dos sectores privado e público envolvidos no processo, com o objectivo de:

*identificar as interdependências entre os diferentes obstáculos;

*coordenar planos de acção pormenorizados e garantir a coerência do processo global de implementação;

*acompanhar os progressos realizados e a sequência das acções implementadas;

(f) assegurará a coordenação com o Grupo dos 30 e outros organismos internacionais para garantir a coerência das iniciativas adoptadas na UE com as desenvolvidas a nível internacional.

Este "Grupo consultivo e de acompanhamento em matéria de liquidação e compensação" deve ser composto por representantes de alto nível dos diversos organismos privados e públicos associados a este projecto, incluindo o SEBC e o CARMEVM.

O grupo será presidido pela Comissão, prevendo-se que se reúna pelo menos duas vezes por ano e que designe também subgrupos especializados, responsáveis por determinados aspectos do processo.

2. Directiva-quadro para uma compensação e liquidação eficientes e seguras a nível pan-europeu

A supressão dos obstáculos técnicos e associados às práticas de mercado pelos quais o sector privado é parcialmente responsável constitui uma condição necessária para a realização de um mercado liberalizado, integrado e concorrencial de operações de pós-negociação na UE, mas não é suficiente. A Comissão considera que a prossecução deste objectivo exige a adopção de uma directiva-quadro em que seja previsto o seguinte:

*liberdade de acesso e de escolha;

*quadro regulamentar comum;

*mecanismos adequados de governação dos sistemas.

2.1 Liberdade de acesso e de escolha

A realização de um mercado integrado de compensação e liquidação de valores mobiliários dependerá, em grande medida, da possibilidade dos prestadores de serviços de compensação e liquidação beneficiarem de uma liberdade efectiva de acesso e de escolha quanto ao local onde se processa a compensação e liquidação, em condições não discriminatórias. Depreende-se claramente das respostas recebidas pela Comissão à sua primeira comunicação que continuam a subsistir hoje em dia determinadas restrições em matéria de acesso e de escolha. Em muitas instâncias, estas restrições resultam de disposições legislativas nacionais ou da respectiva interpretação. Podemos citar, a título ilustrativo, as leis que exigem que as transacções bolsistas sejam liquidadas num sistema associado ou que concedem privilégios especiais aos bancos nacionais no domínio da liquidação e da gestão de carteiras de valores mobiliários. A forma mais eficiente de suprimir todas estas ou outras restrições semelhantes, directas ou indirectas, integradas numa série de instrumentos jurídicos nacionais, consistirá provavelmente na adopção de uma directiva-quadro que preveja a liberdade de acesso e de escolha e que defina as respectivas condições de exercício. A alternativa, que consistiria em apelar para uma acção voluntária por parte dos legisladores ou das autoridades de regulamentação nacionais, afigura-se bastante mais incerta, não sendo susceptível de garantir uma liberalização a nível de toda a UE num futuro próximo.

Apesar de a UE já ter começado a abordar esta questão mediante legislação comunitária, impõem-se novas medidas para criar um quadro verdadeiramente liberalizado e integrado para as operações de pós-negociação a nível transfronteiras. A actual Directiva relativa aos serviços de investimento (DSI) [14] prevê que as empresas autorizadas, designadamente, as empresas de investimento e os bancos dispõem do direito de acesso directo ou indirecto às infra-estruturas de compensação e liquidação à disposição dos membros de mercados regulamentados em toda a UE. Ao abrigo dessa regra, as empresas autorizadas que beneficiam do acesso à distância aos mercados regulamentados devem igualmente dispor do acesso aos sistemas de compensação e liquidação desses mercados, em condições não discriminatórias comparativamente às facultadas aos participantes locais.

[14] Directiva 93/22/CEE de 10 de Maio de 1993, JO L 141 de 11.06.1993, p. 27.

A nova DSI [15] alarga esse direito, na medida em que as empresas autorizadas passarão doravante a dispor do direito de acesso directo aos sistemas de compensação e liquidação noutros Estados-Membros, mesmo quando não forem membros de um mercado regulamentado ou de um sistema de negociação multilateral estabelecido nesse Estado-Membro. Prevê igualmente elementos de escolha para os mercados e as empresas autorizadas em matéria de encaminhamento das transacções para efeitos de compensação e liquidação. Deste modo, a proposta confere os seguintes direitos:

[15] Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa aos mercados de instrumentos financeiros, que altera as Directivas 85/611/CEE e 93/6/CEE do Conselho e a Directiva 2000/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Directiva 93/22/CEE do Conselho, de 7 de Abril de 2004. O seu artigo 34º estabelece que "Os Estados-Membros devem exigir que as empresas de investimento de outros Estados-Membros tenham o direito de acesso aos sistemas de contraparte central, compensação e liquidação no seu território para efeitos da conclusão ou organização da conclusão de transacções em instrumentos financeiros. Os Estados-Membros devem exigir que o acesso das referidas empresas de investimento a esses sistemas seja sujeito aos mesmos critérios não discriminatórios, transparentes e objectivos que se aplicam aos participantes locais. Os Estados-Membros não devem restringir a utilização desses sistemas à compensação e liquidação de transacções em instrumentos financeiros, efectuadas num mercado regulamentado ou MTF situado no seu território."

a) empresas autorizadas: o direito de acesso a contrapartes centrais e a sistemas de liquidação de valores mobiliários situados noutros Estados-Membros;

b) empresas autorizadas: o direito de escolher o local onde se processa a liquidação das suas transacções, desde que:

-existam as ligações necessárias para a utilização do sistema pretendido;

-haja acordo da autoridade competente do mercado regulamentado quanto ao facto de o sistema seleccionado permitir o funcionamento harmonioso e adequado dos mercados financeiros.

c) mercados regulamentados: o direito de utilizar os serviços das contrapartes centrais estabelecidas noutro Estado-Membro em relação a algumas ou a todas as transacções; no entanto, a autoridade competente desse mercado regulamentado dispõe do direito de se opor sempre que a utilização de uma contraparte central estrangeira comprometa manifestamente o bom funcionamento do mercado regulamentado [16].

[16] A proposta de nova DSI reconhece claramente as preocupações das autoridades públicas no que diz respeito à utilização de sistemas estrangeiros, sempre que não operem com base num quadro regulamentar comum.

Os direitos de acesso facultados ao abrigo da nova DSI não são abrangentes, pelo que não permitem a integração dos sistemas a todos os níveis. São apenas aplicáveis às empresas autorizadas; as contrapartes centrais e os sistemas de liquidação de valores mobiliários não dispõem do direito correspondente de se tornarem membros de outros sistemas. Tal restringe, por seu turno, a capacidade de as empresas autorizadas exercerem o seu direito de escolha do local de liquidação das suas transacções.

O direito de escolher o local onde se processa a liquidação, previsto ao abrigo da nova DSI, destina-se a suprimir a necessidade das empresas autorizadas serem membros de vários sistemas de liquidação de valores mobiliários. Este direito permitir-lhes-á decidir sobre o local onde se processa a liquidação das transacções e detenham os valores mobiliários em função das suas necessidades. Por conseguinte, podem optar por centralizar as suas carteiras de valores mobiliários no âmbito de um único sistema ou distribui-las por uma série de sistemas, procedendo a uma livre selecção com base em considerações associadas ao custo, eficiência, acesso aos fundos, nível de serviço ou outras considerações importantes para as referidas empresas. Tal reduz a complexidade e assegura uma gestão muito mais eficiente das garantias.

No entanto, as empresas autorizadas só poderão exercer o seu direito de escolha se o local de liquidação pretendido dispuser de acesso ao "sistema de liquidação de valores mobiliários - emitente". Deste modo, os sistemas de liquidação de valores mobiliários devem permitir o acesso aos sistemas de liquidação de valores mobiliários situados noutros Estados-Membros. Além disso, o direito de escolha conforme previsto na nova DSI não inclui a compensação. A Comissão considera que as empresas autorizadas devem dispor da possibilidade de escolher não só o local de liquidação, como também o da compensação dos seus valores mobiliários. Ao escolherem o local de liquidação, os participantes no mercado poderiam liquidar as transacções transfronteiras através do sistema de liquidação de valores mobiliários da sua escolha. De igual forma, mediante a selecção do local de compensação, os participantes no mercado poderiam assegurar a compensação a nível transfronteiras no âmbito da contraparte central da sua escolha. Para que o direito de escolha do local de compensação seja efectivo, as contrapartes centrais devem beneficiar do direito de acesso a contrapartes centrais situadas noutros Estados-Membros.

As contrapartes centrais desempenham normalmente o papel de intermediário entre as contrapartes numa operação, actuando a título de adquirente para os vendedores e a título de vendedor para os adquirentes ("novação"). Para poderem proceder à liquidação destas transacções, as contrapartes centrais devem igualmente ter acesso directo ou indirecto a sistemas de liquidação de valores mobiliários em que as transacções objecto de novação possam ser finalmente objecto de liquidação e em que sejam detidos os valores mobiliários. Consequentemente, as contrapartes centrais devem também dispor do direito de acesso a sistemas de liquidação de valores mobiliários situados noutros Estados-Membros.

A concessão de direitos de acesso às contrapartes centrais e aos sistemas de liquidação de valores mobiliários não só permitiria que o direito de escolha das empresas fosse efectivo, como asseguraria também a igualdade das condições de concorrência entre os prestadores de serviços de compensação e liquidação.

O direito de recorrer aos serviços das contrapartes centrais estabelecidas noutros Estados-Membros, concedido aos mercados regulamentados ao abrigo da nova DSI, destina-se a intensificar a concorrência a nível da prestação de serviços de compensação na UE.

O direito de escolha atribuído aos mercados regulamentados não é abrangente, na medida em que estes mercados, paralelamente ao direito de recorrer a uma contraparte central estrangeira, deveriam igualmente poder optar pelos serviços de sistemas de liquidação de valores mobiliários situados noutros Estados-Membros. Além disso, tais direitos deveriam ser alargados aos sistemas de negociação multilateral [17].

[17] O acordo político alcançado pelo Conselho em 7 de Outubro de 2003 sobre o projecto de nova DSI superou ambas as limitações, ao conferir aos mercados regulamentados e aos sistemas de negociação multilateral o direito de recorrer aos serviços das contrapartes centrais e dos sistemas de liquidação de valores mobiliários estrangeiros.

A Comissão considera, por conseguinte, que a directiva-quadro relativa à compensação e liquidação deverá assegurar, juntamente com a nova DSI, os seguintes direitos de acesso e de escolha:

*empresas de investimento e bancos: o direito de acesso a sistemas de compensação e liquidação de valores mobiliários situados noutros Estados-Membros;

*contrapartes centrais: o direito de acesso a contrapartes centrais e a sistemas de liquidação de valores mobiliários situados noutros Estados-Membros;

*sistemas de liquidação de valores mobiliários: o direito de acesso a sistemas de liquidação de valores mobiliários situados noutros Estados-Membros;

*mercados regulamentados e sistemas de negociação multilateral: o direito de celebrar acordos adequados com contrapartes centrais e sistemas de liquidação de valores mobiliários situados noutros Estados-Membros.

Em todos estes casos, o acesso deve ser regido por regras transparentes e não discriminatórias, com base em critérios objectivos. No intuito de evitar qualquer discriminação, sempre que sejam aplicáveis níveis normais de serviço ou preços normalizados, qualquer variação em relação aos mesmos deve ser igualmente justificada com base em razões objectivas. É também importante fazer notar que a existência de direitos gerais de acesso a favor dos sistemas de liquidação de valores mobiliários e das contrapartes centrais não significa que estas entidades devam ser obrigadas a solicitar e a manter o acesso a outros sistemas. No entanto, se existir uma ligação entre dois sistemas de liquidação de valores mobiliários e essa ligação estiver operacional, não deve ser possível que tais sistemas recusem a utilização da referida ligação para efeitos de liquidação de transacções relativas a valores mobiliários para os quais um destes dois sistemas represente a etapa final de liquidação.

2.2. Quadro regulamentar e prudencial comum

As restrições nacionais em matéria de acesso e de escolha podem ser explicadas por razões históricas, mas podem igualmente reflectir o interesse legítimo das autoridades nacionais de regulamentação/supervisão e de controlo de salvaguardar a segurança dos sistemas e a estabilidade financeira global. Como supramencionado, o CARMEVM e o SEBC estão em vias de elaborar normas destinadas a definir um quadro regulamentar e prudencial e de controlo comum que servirá de base para dar resposta a essas preocupações na UE. Prevê-se que as autoridades de regulamentação, supervisão e controlo ("autoridades nacionais") integrarão estas normas no seu quadro de avaliação respectivo, velando deste modo pelo seu cumprimento. Estas normas não serão vinculativas e não prevalecerão sobre quaisquer disposições nacionais que entrem em conflito com as mesmas.

À medida que vierem a desenvolver-se as fusões e as ligações transfronteiras entre os sistemas de compensação e liquidação de valores mobiliários, verificar-se-á também uma maior necessidade de cooperação entre as autoridades nacionais com vista a assegurar uma regulamentação e supervisão transfronteiras eficazes. Neste contexto, é importante determinar claramente o regime aplicável, ou seja, qual a autoridade competente para a regulamentação e supervisão de um dado conjunto de actividades de compensação e liquidação transfronteiras. Na ausência de um quadro comum, a actual cooperação transfronteiras entre as autoridades nacionais interessadas num sistema ou nos seus participantes é acordada directamente entre essas autoridades, em função da evolução do mercado e quando esta o exigir. Uma vez mais, os projectos de normas SEBC-CARMEVM prevêem um regime adequado de repartição das responsabilidades entre as autoridades nacionais relevantes. No entanto, a norma relevante não se sobreporá às responsabilidades das autoridades públicas ao abrigo das legislações nacionais.

Estas insuficiências inerentes a um quadro de normalização demonstram que, muito embora as normas possam estabelecer, em certa medida, um enquadramento comum em matéria de compensação e liquidação de valores mobiliários, não constituem uma solução alternativa a um quadro legislativo adequado. Tal como sucede com a introdução da liberdade de acesso e de escolha, a Comissão considera assim que o apelo a acções voluntárias por parte dos legisladores ou das autoridades de regulamentação nacionais tendo em vista a criação de um quadro regulamentar e prudencial comum assegurará um grau de segurança jurídica inferior e poderá não garantir a igualdade das condições de concorrência a nível regulamentar num futuro próximo.

Tal será evitado mediante a adopção de uma directiva que estabeleça um conjunto comum de princípios de alto nível para efeitos de autorização, regulamentação e supervisão dos sistemas de compensação e liquidação de valores mobiliários. Contudo, as regras específicas a serem aplicadas por estes sistemas devem ser flexíveis e reflectir estreitamente as práticas de mercado e as práticas prudenciais. Por esta razão, a Comissão considera que estes princípios de alto nível devem assumir a forma de medidas específicas, a serem adoptadas em conformidade com a abordagem de quatro níveis consagrada no procedimento Lamfalussy. As normas SEBC/CARMEVM poderão assim servir de base para as eventuais medidas de aplicação de nível 2 a serem desenvolvidas em conformidade com as disposições de habilitação da directiva-quadro.

Prevê-se que a directiva deve:

*Basear-se numa abordagem funcional;

*Definir requisitos iniciais e contínuos em matéria de controlo prudencial e de protecção dos investidores; e

*Prever a cooperação entre as autoridades de supervisão.

Abordagem funcional: em consonância com os trabalhos empreendidos recentemente pelo CPSS-IOSCO e pelos grupos de trabalho SEBC/CARMEVM, a Comissão considera que a directiva deve basear-se numa abordagem funcional. Tal assegurará a coerência das acções e evitará conflitos regulamentares.

Neste contexto, a directiva deve introduzir definições operacionais comuns das actividades de compensação e liquidação. Essas definições podem abranger, mas não forçosamente reflectir, uma vasta gama de actividades de pós-negociação, tais como a comparação e a confirmação das ordens, a compensação, a liquidação, a guarda e a função escritural. Em todo o caso, devem basear-se nos segmentos adequados da cadeia de valor acrescentado, e não no estatuto de "intermediário" ou "infra-estrutura" do prestador de serviços, muito embora essa dicotomia possa ser relevante para inferir o grau de risco associado às diferentes funções. As partes são convidadas a comentar a relevância de uma tal dicotomia nesta contexto. A Comissão considera que o grau de precisão na definição das funções dependerá da forma de correspondência entre as diferentes actividades e os requisitos adequados em matéria de controlo prudencial e de protecção dos investidores, nomeadamente, no que diz respeito às diversas categorias de risco - risco de crédito, risco operacional, risco de guarda, etc. -a serem cobertos. Deve ser igualmente examinado se as definições e o âmbito de aplicação da directiva devem ser alargados por forma a abranger outras actividades de pós-negociação, tais como a gestão de garantias ou de activos.

A Comissão está ciente do facto de que as actuais práticas do mercado resultaram por vezes na utilização do mesmo termo para descrever funções diferentes e/ou complementares. A directiva deve abordar este problema mediante a adopção de definições que descrevam sem ambiguidades as funções desempenhadas, muito embora possam não englobar forçosamente todas as actuais utilizações de um dado termo. Na presente comunicação, a Comissão limitou-se expressamente a definir duas grandes categorias de funções, ou seja, a compensação e a liquidação. Por compensação, deve entender-se actividades, tais como a novação, que têm como efeito proporcionar uma garantia às contrapartes contra o risco do custo de substituição, enquanto por liquidação, deve entender-se, de modo geral, as operações prévias à liquidação, a liquidação e a guarda. Estas definições serão tornadas mais estritas e precisas na directiva prevista, atendendo à sua correlação com os actuais requisitos prudenciais adequados e em matéria de protecção dos investidores.

Requisitos iniciais e contínuos de carácter prudencial e de protecção dos investidores: o objectivo do novo quadro legislativo consagrado na directiva prevista relativa à compensação e liquidação deve consistir em permitir aos sistemas de compensação e liquidação de valores mobiliários a livre prestação dos seus serviços noutros Estados-Membros. Simultaneamente, estas entidades representam uma importante fonte de risco de contraparte e de risco sistémico para os outros operadores de mercado. Trata-se da razão pela qual a Comissão considera necessário, a fim de assegurar o estabelecimento do princípio do reconhecimento mútuo no quadro do mercado financeiro interno, definir requisitos comuns iniciais e contínuos de carácter prudencial e de protecção dos investidores, para além de outros requisitos respeitantes à governação dos sistemas (ver secção 2.3).

Por conseguinte, a directiva deve estabelecer os requisitos relativos à adequação de fundos próprios iniciais e contínuos aplicáveis aos sistemas de compensação e liquidação de valores mobiliários da UE. Estes requisitos de fundos próprios aplicáveis às actividades de compensação e liquidação devem estar estreitamente relacionados com as funções desempenhadas, conforme definidas de forma adequada, e com o nível de risco a elas associado ("abordagem funcional"). A Comissão entende que, para a fixação desses requisitos de capital deve-se ter em conta os requisitos actualmente aplicáveis aos bancos, nomeadamente, em matéria de risco de crédito. No entanto, na medida em que o regime de adequação de fundos próprios das instituições de crédito, vigente actualmente ou previsível, não seja considerado adequado para cobertura dos riscos específicos à compensação e liquidação, o quadro relativo à adequação de fundos próprios aplicável aos sistemas de compensação e liquidação de valores mobiliários deve ser adaptado de forma consequente. Não é de excluir, na fase actual, requisitos prudenciais suplementares.

A directiva deve igualmente definir os princípios de alto nível sobre a gestão do risco, tais como o princípio da entrega contra pagamento, juntamente com outros princípios relativos à protecção dos investidores como, por exemplo os destinados a preservar a integridade da emissão e a proteger os valores mobiliários dos clientes. Em especial, é fundamental assegurar a fiabilidade dos registos contabilísticos a todos os níveis da cadeia intermediária. Boas práticas contabilísticas e procedimentos adequados de conciliação dos registos contabilísticos ao longo de toda a cadeia de intermediação constituem elementos necessários que devem acompanhar quaisquer esforços destinados a clarificar os efeitos jurídicos de valores mobiliários detidos indirectamente (no que se refere aos esforços destinados a harmonizar estes efeitos jurídicos, ver secção 3.1). A Comissão considera que esses princípios de alto nível sobre a gestão do risco e a protecção dos investidores devem traduzir-se, além disso, em medidas específicas, tais como as medidas em vias de serem desenvolvidas pelo SEBC/CARMEVM.

Cooperação entre as autoridades de supervisão: a introdução de direitos gerais de acesso, a supressão dos obstáculos existentes à compensação e liquidação transfronteiras e a introdução de um quadro regulamentar comum são susceptíveis de conduzir a um maior grau de integração e consolidação no sector da compensação e liquidação. Por esta razão, o quadro regulamentar deve incorporar um modelo de cooperação prudencial, a fim de evitar que os sistemas de compensação e liquidação de valores mobiliários que operem a nível transfronteiras estejam sujeitos à supervisão de diversas entidades distintas, o que aumentaria os custos de cumprimento da regulamentação, bem como a sua complexidade.

O modelo prudencial aplicado nos sectores harmonizados a nível da UE (banca, serviços de investimento, etc.), baseia-se no princípio do controlo pelo país de origem. Este princípio, consagrado em várias directivas da UE, prevê que a supervisão de uma entidade, no que se refere às actividades realizadas no seu país de origem ou no estrangeiro através de uma sucursal ou em regime de prestação de serviços, incumbe às autoridades do país de origem. Prevê igualmente que as filiais estrangeiras dessas entidades devem estar sujeitas à supervisão pelas autoridades do Estado-Membro em cujo território se encontram estabelecidas. As autoridades do país de acolhimento, por outro lado, são responsáveis por determinadas questões, tais como a supervisão da liquidez das sucursais, as medidas de aplicação da política monetária, etc. Este modelo prudencial assegura igualmente um quadro que permite o intercâmbio regular de informações e a cooperação entre as autoridades de supervisão.

A Comissão considera que poderia ser introduzido um modelo semelhante para coordenar as responsabilidades prudenciais das autoridades nacionais, adaptado na medida do necessário para ter em conta as especificidades do sector da compensação e liquidação.

Este quadro de cooperação prudencial deve igualmente tomar em consideração o facto de determinadas entidades poderem estar já sujeitas a um regime de supervisão (tal como o aplicável ao sector bancário). A directiva deve evitar qualquer duplicação dos requisitos de supervisão.

Com base nestas disposições, os sistemas de liquidação de valores mobiliários, as contrapartes centrais, as entidades de guarda e os membros de sistemas de compensação adquiririam um passaporte da UE que, por seu turno, lhes permitiria desenvolver actividades transfronteiras. Actualmente, apenas as entidades de guarda dispõem desse passaporte, com base nas disposições da DSI. O passaporte no domínio da compensação e liquidação assegurará a igualdade das condições de concorrência entre todos os prestadores dos serviços relevantes.

2.3. Governação dos sistemas

Os sistemas de liquidação de valores mobiliários e as contrapartes centrais beneficiam de um poder de mercado muito elevado. Apresentam igualmente o potencial de se tornarem uma fonte de instabilidade para o sistema financeiro no seu conjunto. Na medida em que o processo de integração conduzirá a uma maior consolidação na UE, assistir-se-á a um reforço significativo do potencial para que qualquer sistema individual de liquidação de valores mobiliários e contraparte central possa vir a tornar-se uma fonte de instabilidade financeira. Os mecanismos de governação podem contribuir, porém, para atenuar estas preocupações.

A Comissão considera extremamente importante que os sistemas de liquidação de valores mobiliários e as contrapartes centrais implementem mecanismos de governação adequados. Consequentemente, entende que alguns princípios de alto nível nesta área devem ser inseridos na directiva-quadro.

Os mecanismos de governação englobam as relações entre os proprietários, os membros dos conselhos de administração, os quadros e outras partes interessadas, incluindo os utilizadores e as autoridades que representam o interesse público. Todos têm interesses distintos. Os proprietários dos sistemas de liquidação de valores mobiliários e das contrapartes centrais manifestam um interesse legítimo em maximizar os lucros. Os utilizadores pretendem receber serviços que satisfazem as suas necessidades a preços razoáveis. As autoridades públicas devem velar para que os sistemas de liquidação de valores mobiliários e as contrapartes centrais: (i) não adoptem práticas anticoncorrenciais; e (ii) disponham de salvaguardas adequadas contra o risco. Estes interesses podem entrar em conflito entre si. Por exemplo, a maximização dos lucros não deve ser efectuada em detrimento da contenção do risco, o que poderia ser o caso se um sistema de liquidação de valores mobiliários ou uma contraparte central não procedesse à realização dos investimentos necessários, tanto em termos de sistemas de informação, como de recursos humanos.

Elementos-chave da governação incluem: (i) a estrutura de propriedade e a do grupo; (ii) a composição do conselho de administração; (iii) os canais de comunicação entre os quadros e o conselho de administração; e (iv) os incentivos de gestão e as modalidades de responsabilização dos quadros pelo respectivo desempenho, por exemplo, comissões de auditoria [18].

[18] Ver as recomendações CPSS-IOSCO e as normas SEBC/CARMEVM.

Deve ser estabelecida uma distinção primordial entre duas estruturas de governação típicas: (i) as entidades detidas/regidas pelos utilizadores; e (ii) as entidades com fins lucrativos. No primeiro caso, são os utilizadores os proprietários da empresa; o factor relevante, contudo, consiste no facto de a proporção do capital detido ser distribuído consoante a utilização. Além disso, essa proporção deve igualmente reflectir-se na composição do conselho de administração. Deste modo, a empresa não será apenas da propriedade dos utilizadores, como será igualmente gerida pelos mesmos. Em virtude do facto de a utilização poder variar ao longo do tempo, é necessário um mecanismo para assegurar a sua correspondência contínua com a proporção do capital detido. No segundo caso, as participações não se encontram relacionadas com a utilização. Entre estes dois tipos de estrutura de governação, são possíveis várias soluções intermédias.

A Comissão considera que uma estrutura de governação adequada é particularmente importante para a resolução de problemas potenciais nesta área. No entanto, não tenciona entrar no debate quanto à forma preferível de estrutura de governação, ou seja, entidades detidas/geridas pelos utilizadores ou entidades com fins lucrativos. O que importa neste contexto prende-se com o facto de os requisitos estabelecidos serem, independentemente do modelo escolhido, plenamente respeitados.

* * *

Os mecanismos de governação devem ser claramente especificados e transparentes. Tal implica nomeadamente que os proprietários de sistemas de liquidação de valores mobiliários e as contrapartes centrais devem divulgar, a partir de um determinado limiar, as suas participações; além disso, os vencimentos dos administradores e dos quadros, bem como quaisquer regimes de incentivo, devem ser tornados públicos ou pelo menos divulgados aos utilizadores. Deste modo, seria possível conhecer os beneficiários da distribuição dos lucros, o montante da remuneração dos administradores e dos quadros, bem como os respectivos incentivos. A transparência dos mecanismos de governação pressupõe igualmente que os objectivos fixados e as grandes decisões adoptadas sejam divulgados aos proprietários, aos utilizadores e às autoridades públicas.

Por outro lado, os sistemas de liquidação de valores mobiliários e as contrapartes centrais devem dispor de um ou mais comités independentes, tal como a comissão de auditoria, composta na sua maioria por administradores independentes. As responsabilidades da comissão de auditoria incluirão velar para que as preocupações das autoridades públicas e os interesses dos utilizadores sejam devidamente tomados em consideração no que se refere às seguintes questões: (a) organização interna e adequação geral dos recursos humanos e tecnológicos; (b) contabilidade; (c) fiabilidade do sistema de informação; e (d) políticas de gestão de risco. Algumas das funções atribuídas à comissão de auditoria podem ser subcontratadas a empresas externas, devido à sua natureza muito técnica. Essa comissão deverá igualmente identificar e gerir potenciais conflitos de interesses entre os proprietários e os utilizadores, bem como entre os proprietários e/ou utilizadores, por um lado, e as autoridades públicas, por outro. A independência dos administradores é normalmente apreciada em relação aos quadros e aos accionistas com uma participação de controlo. Em virtude do interesse intrínseco das autoridades públicas no bom funcionamento dos sistemas de liquidação de valores mobiliários e das contrapartes centrais, é também necessário que um número adequado de administradores seja independente em relação aos utilizadores e accionistas que não detenham uma participação de controlo.

A questão que se prende com os mecanismos de governação aplicáveis aos intermediários, em especial no que diz respeito às suas actividades no domínio dos valores mobiliários, terá de ser igualmente abordada. A Comissão considera que este regime deve ser coerente com os mecanismos de governação previstos para os accionistas qualificados e para a gestão dos sistemas de liquidação de valores mobiliários e contrapartes centrais, que são importantes para assegurar a transparência, a idoneidade e a honorabilidade, bem como a contenção dos riscos.

* * *

Estas medidas coadunam-se em grande medida com as orientações estabelecidas na Comunicação da Comissão relativa ao direito das sociedades e ao governo das sociedades [19]. No entanto, a Comissão considera que, devido ao interesse das autoridades públicas no sentido de os sistemas de liquidação de valores mobiliários e as contrapartes centrais não adoptarem práticas anticoncorrenciais, poderão revelar-se necessárias outras medidas de governação dos sistemas, atendendo à evolução actual e previsível do sector. Uma maior integração significa que é provável que diferentes tipos de instituições passem a concorrer entre si a nível da prestação de serviços de compensação e liquidação transfronteiras. Por exemplo, os depositários centrais de valores mobiliários, os depositários centrais internacionais de valores mobiliários e as entidades de guarda são susceptíveis de concorrerem entre si no que se refere à prestação de serviços de liquidação transfronteiras. Por esta razão, preconiza-se que as contrapartes centrais e os sistemas de liquidação de valores mobiliários mantenham contas separadas e prevejam a desagregação dos serviços por eles prestados na sua qualidade de intermediários. As mesmas disposições deveriam ser aplicáveis a qualquer outra actividade acessória, tal como os serviços bancários, eventualmente desempenhados por sistemas de liquidação de valores mobiliários e/ou contrapartes centrais. Apesar de estas outras medidas poderem ser consideradas mais intrusivas do que outros requisitos de informação financeira (por exemplo, a separação das contas pode implicar escolhas discricionárias quanto à forma de imputação dos custos), contribuem para reforçar o grau de transparência das contrapartes centrais e dos sistemas de liquidação de valores mobiliários. Neste contexto, a presente comunicação respeita a abordagem proposta na Comunicação relativa ao direito das sociedades e ao governo das sociedades, segundo a qual deve ser dada preferência, tanto quanto possível, "aos requisitos em matéria de informação dado representarem uma menor intrusão na vida das empresas, sendo susceptível de constituir uma forma muito eficaz, induzida pelo mercado, de alcançar rapidamente os resultados pretendidos" (pág. 11).

[19] COM(2003) 284(final) de 21.5.2003.

Separação das contas: no intuito de assegurar a separação das contas, impõe-se uma discriminação dos custos e das receitas. A obrigação de facturar separadamente serviços específicos, conforme debatido mais à frente, permitiria assegurar a separação das receitas. Dado que os sistemas de liquidação de valores mobiliários e as contrapartes centrais se caracterizam por importantes economias de gama no que se refere ao exercício das suas actividades de base, por um lado, e das suas outras actividades, por outro, a separação dos custos implicará escolhas discricionárias.

Por exemplo, ao afectar uma percentagem muito reduzida de custos a actividades acessórias, qualquer sistema de liquidação de valores mobiliários ou contraparte central poderá demonstrar que realiza lucros em relação a essas actividades, o que apontaria para a ausência de quaisquer subvenções cruzadas. Tais elementos podem induzir em erro: se a percentagem "correcta" de custos fixos fosse imputada a actividades acessórias, estas poderiam revelar-se menos rentáveis ou, em casos extremos, efectivamente deficitárias. Por conseguinte, a imputação dos custos representa uma questão que deve ser abordada muito cuidadosamente para que sejam alcançados os resultados pretendidos. Para o efeito, a directiva prevista poderia remeter para normas aceites a nível internacional nesta área, o que poderia fornecer uma base sólida para que as referidas entidades preenchessem as suas obrigações. Em todo o caso, como acima debatido, a comunicação prevê que as questões contabilísticas, incluindo a imputação dos custos, serão da responsabilidade de uma comissão de auditoria a ser composta, na sua maioria, por administradores independentes.

Desagregação: Prevê-se igualmente que os serviços acessórios, tais como os prestados na qualidade de intermediário e os serviços bancários, sejam facturados e, mediante pedido, fornecidos separadamente. Este requisito poderá responder de forma adequada às preocupações quanto ao facto de as contrapartes centrais e os sistemas de liquidação de valores mobiliários poderem ser tentados a obrigar os seus utilizadores, quando adquirem qualquer serviço por eles prestado em regime de "monopólio", a adquirirem igualmente outros serviços não pretendidos junto do mesmo fornecedor de serviços. Tais práticas suscitam preocupações no domínio do direito da concorrência e restringem a capacidade dos utilizadores transferirem as suas actividades para o prestador mais eficiente, reduzindo assim potencialmente a respectiva eficiência.

A prestação de serviços bancários (incluindo a recepção de depósitos e a concessão de créditos) suscita problemas específicos. De modo geral, os participantes nos sistemas de liquidação de valores mobiliários podem ter necessidade de créditos para superar uma falta temporária de liquidez aquando do pagamento das suas transacções relativas a valores mobiliários. Os créditos que requerem devem consistir em activos do mesmo tipo (fundos do banco central ou fundos de um banco comercial) que o utilizado para efeitos de pagamento da etapa pecuniária das transacções relativas a valores mobiliários. Os sistemas de liquidação de valores mobiliários que procedem ao pagamento na sua própria moeda escritural (de banco comercial) concedem igualmente créditos aos seus participantes.

Existem diversas formas de abordar a questão da prestação de serviços bancários pelos sistemas de liquidação de valores mobiliários em condições de monopólio. A primeira consiste em tornar obrigatória a liquidação na moeda escritural do banco central. A segunda, em obrigar os sistemas de liquidação de valores mobiliários a propor a opção de proceder à liquidação na moeda escritural do banco central. A terceira, em obrigar os sistemas de liquidação de valores mobiliários que asseguram a liquidação em moeda escritural de banco comercial a permitir que outros bancos assegurem a liquidação da etapa pecuniária das transacções relativas a valores mobiliários. Nenhuma destas alternativas obrigaria os participantes nos sistemas de liquidação de valores mobiliários a recorrer aos serviços bancários prestados pelo sistema de liquidação de valores mobiliários - emitente.

A Comissão considera que os sistemas de liquidação de valores mobiliários que procedem à liquidação em moeda escritural de banco comercial devem pelo menos facultar aos seus participantes a possibilidade de escolha quanto à liquidação em moeda escritural do banco central. Trata-se da abordagem adoptada nos projectos de normas SEBC/CARMEVM relativamente à liquidação e compensação.

* * *

Por último, no intuito de assegurar a igualdade das condições de concorrência neste contexto, os quadros e os accionistas qualificados dos sistemas de compensação e liquidação de valores mobiliários devem satisfazer os requisitos de idoneidade e honorabilidade, bem como os requisitos em matéria de adequação aplicáveis, respectivamente, aos quadros e aos accionistas qualificados de bancos ou empresas de investimento.

Por todas as razões enumeradas nas secções anteriores, a Comissão considera que a adopção de uma directiva-quadro é necessária para introduzir (a) direitos gerais de acesso e de escolha; (b) um quadro regulamentar comum e (c) mecanismos adequados de governação dos sistemas.

A directiva prevista constitui apenas um primeiro passo, devendo assegurar um equilíbrio adequado entre a legislação ex ante e a intervenção ex post, por parte das autoridades de concorrência, com vista a aplicar as normas neste domínio A Comissão continuará a acompanhar de perto a situação e, sempre que necessário, adaptará a sua abordagem. No caso de se registarem novas evoluções do mercado, pode ser necessário rever a abordagem apresentada, inclusive através de novas medidas, a fim de garantir que o quadro jurídico vigente assegure a igualdade de condições para os diferentes operadores e dê uma resposta adequada aos problemas potenciais que possam vir a colocar-se.

3. Defrontar as discrepâncias no plano jurídico e fiscal

3.1 O projecto relativo à segurança jurídica

A segurança de qualquer sistema de compensação e liquidação de valores mobiliários depende, em última instância, da solidez do sistema jurídico em que se baseia. Tanto a legislação geral, como as legislações relativas à propriedade, aos valores mobiliários e à insolvência, como outras regras mais específicas, incluindo os regulamentos dos sistemas, influenciam o modo de funcionamento dos sistemas de compensação e liquidação de valores mobiliários, bem como a sua eficiência geral. Para que os sistemas de compensação e liquidação de valores mobiliários desempenhem as suas funções de forma adequada, o quadro jurídico deve ser claro, fiável, coerente e previsível quanto à sua interpretação e aplicação. Deste modo, os riscos jurídicos para os participantes e para o sistema no seu conjunto são significativamente reduzidos.

A compensação e liquidação transfronteiras envolvem múltiplos ordenamentos jurídicos, que correspondem a tradições e abordagens jurídicas divergentes. Enquanto cada um desses ordenamentos jurídicos pode abordar de forma adequada as questões que se levantam no contexto nacional, aquando da prestação de serviços de compensação e liquidação a nível transfronteiras é necessário identificar claramente o direito nacional aplicável aos aspectos contratuais e aos direitos de propriedade associados a toda a operação (questão do conflito de leis). Além disso, mesmo se o problema da identificação do direito material aplicável for devidamente resolvido através da harmonização das disposições nacionais relativas ao conflito de leis, as discrepâncias nos direitos substantivos nacionais podem ainda afectar negativamente todo o processo. Estas questões jurídicas particularmente complexas aumentam de forma significativa os custos e a insegurança associada à compensação e liquidação transfronteiras.

Os dois relatórios Giovannini descreveram claramente os problemas suscitados pelas questões jurídicas neste contexto. A aplicação desigual das regras nacionais relativas ao conflito de leis, o diferente tratamento jurídico da compensação bilateral ("netting") a nível nacional e a ausência de um quadro comunitário para o tratamento dos juros no contexto dos valores mobiliários foram identificados como importantes obstáculos a uma maior integração. Os relatórios consideraram igualmente como um importante obstáculo as discrepâncias nacionais do ponto de vista jurídico quanto ao momento em que o adquirente é considerado o proprietário de um valor mobiliário para efeitos de operações das sociedades.

O actual quadro jurídico da UE já aborda algumas destas questões. Deste modo, foram já sanadas, em grande medida, as divergências existentes quanto ao tratamento jurídico da compensação bilateral ("netting") e as questões relativas aos conflitos de leis no quadro da directiva relativa ao carácter definitivo da liquidação [20] e da directiva relativa aos acordos de garantia financeira [21]. Ambas as directivas contêm igualmente disposições específicas relativamente à aplicação da legislação em matéria de insolvência aos sistemas de compensação e liquidação de valores mobiliários e aos acordos de garantia financeira, destinadas a reforçar a segurança dos sistemas e dos acordos.

[20] Directiva 98/26/CE de 19 de Maio de 1998, JO L 166 de 11.06.1998, p. 45.

[21] Directiva 2002/47/CE de 6 de Junho de 2002, JO L 168 de 27.06.2002, p. 43.

A directiva relativa ao carácter definitivo da liquidação minimiza as perturbações provocadas pelos procedimentos de insolvência num sistema de liquidação e assegura que as ordens de transferência e a compensação bilateral ("netting") sejam juridicamente oponíveis e vinculativas em relação a terceiros. Consequentemente, não será possível impugnar a compensação bilateral ("netting") a partir do momento em que as ordens de transferência tiverem dado entrada no sistema. Além disso, as transacções liquidadas não podem ser anuladas, por força da denominada "regra de zero horas", integrada por vezes na legislação em matéria de insolvência. A directiva prevê igualmente que as ordens de transferência serão irrevogáveis a partir de um dado momento fixado pelo sistema. Por último, as garantias prestadas aos bancos centrais ou relativas à participação num sistema são protegidas dos efeitos da legislação em matéria de insolvência.

A directiva aborda igualmente a questão dos conflitos de leis associados a essa prestação de garantias nos casos em que os direitos do beneficiário da garantia são inscritos num registo, conta ou depositário central de valores mobiliários. A directiva adopta a abordagem do local do intermediário relevante (denominada PRIMA), segundo a qual a determinação dos direitos das entidades que detêm as garantias reais será regida pelo direito do Estado-Membro em que se situa o registo, conta ou DCVM.

A directiva relativa aos acordos de garantia financeira, em vias de transposição pelos Estados-Membros, possui um âmbito de aplicação muito mais alargado, uma vez que engloba (praticamente) todas as operações de garantia financeira realizadas pelos sistemas e pelos "intermediários financeiros" [22]. Atenua os requisitos formais relativos aos acordos de garantia financeira e protege a sua validade e irrevogabilidade contra determinadas disposições de insolvência, tais como a "regra de zero horas". Reconhece a compensação com vencimento antecipado, mesmo quando a sua aplicação é desencadeada pelo início ou pela prossecução de procedimentos de liquidação ou por medidas de reorganização. A directiva adopta a mesma abordagem PRIMA para tratar as questões relacionadas com o conflito de leis no que diz respeito à natureza jurídica e aos direitos de propriedade associados às garantias sob a forma de títulos escriturais [23], aos requisitos em matéria de conclusão e validade oponíveis a terceiros, à existência de direitos e interesses sobre estas garantias concorrentes e aos requisitos relativos à respectiva realização.

[22] Os acordos de garantia financeira celebrados com pessoas singulares não são abrangidas pela directiva.

[23] Garantias que consistem em instrumentos financeiros, cuja titularidade é evidenciada pelas inscrições num registo ou num conta.

As questões relacionadas com os conflitos de leis que surgem no contexto dos títulos escriturais foram subsequentemente abordados no âmbito da recém-adoptada "Convenção de Haia sobre a legislação aplicável aos direitos de propriedade respeitantes a títulos detidos por intermediários".

Ao abrigo da convenção, a legislação aplicável a determinados direitos de propriedade de valores mobiliários detidos junto de um intermediário será o acordado pelo titular da conta e pelo intermediário relevante, na condição de ser preenchido um denominado "critério da conexão" que permita verificar se as actividades do intermediário no domínio dos valores mobiliários possuem algum vínculo com esse ordenamento jurídico, embora não forçosamente com a conta em questão.

A aplicação da Convenção de Haia na UE permitirá aos participantes determinar previamente, com segurança e mediante esforços razoáveis, qual a legislação nacional material que rege os seus direitos sobre os valores mobiliários detidos indirectamente. À luz das suas responsabilidades, a Comissão tomará as medidas necessárias para a assinatura e a subsequente adesão à convenção pela Comunidade Europeia e a sua ratificação pelos Estados-Membros. A Comissão tomará igualmente as medidas necessárias para assegurar a conformidade das directivas relativas ao carácter definitivo da liquidação e aos acordos de garantia financeira com as disposições em matéria de conflitos de leis contidas na Convenção de Haia.

Não obstante as melhorias que estas medidas irão introduzir em termos de clareza jurídica, bem como de solidez e eficiência global a nível da compensação e liquidação transfronteiras na UE, não abordam uma série de outros obstáculos jurídicos importantes.

Entre estes últimos, cabe referir como o maior obstáculo a ausência de um quadro comunitário para o tratamento dos direitos relativamente aos valores mobiliários detidos junto de um intermediário. Esta lacuna foi identificada pelo Grupo Giovannini como a principal fonte de risco jurídico nas transacções transfronteiras.

Os valores mobiliários são cada vez mais detidos e transferidos através de lançamentos contabilísticos. Por exemplo, os valores mobiliários desmaterializados são exclusivamente representados por um registo numa conta detida junto de um intermediário. Quando os valores mobiliários são detidos sob a forma de títulos escriturais nas contas de intermediários, é necessário, em primeiro lugar, determinar claramente a natureza jurídica dos direitos detidos pelos investidores relativamente a esses títulos escriturais. Com efeito, a interpretação jurídica desses direitos diverge consideravelmente consoante os Estados-Membros.

Factor igualmente importante é o quadro jurídico aplicável às transferências de direitos no que diz respeito aos valores mobiliários detidos indirectamente. Apesar de, na prática, a cessão desses direitos se efectuar através de simples lançamentos contabilísticos, é alegado que nem todos os ordenamentos jurídicos nacionais adaptaram de forma adequada o seu sistema jurídico para o efeito. É também importante definir claramente o momento exacto em que os direitos sobre os valores mobiliários detidos indirectamente são transferidos.

Outras questões a serem abordadas consistem na determinação das prioridades entre direitos concorrentes conforme registados nas contas relevantes e a forma de evitar que os credores requeiram a penhora ou invoquem um direito de investidor a um nível da cadeia que seja superior ao momento em que esse direito é efectivamente registado ou criado ("penhora a um nível superior"). Uma vez que os valores mobiliários são normalmente reagrupados em contas únicas (omnibus), tal teria como efeito o congelamento de todos os valores mobiliários registados na conta visada por esse procedimento e não apenas os pertencentes ao investidor relevante.

A ausência de uma abordagem coerente no que se refere a estas questões a nível da UE afecta sensivelmente a eficiência e a segurança da compensação e liquidação transfronteiras. A Comissão considera que esta questão deve ser abordada de forma prioritária, muito embora a apresentação de propostas concretas possa exigir algum tempo.

Outra questão que cabe analisar são as divergências a nível das disposições jurídicas nacionais que afectam o tratamento das operações de sociedades, tais como as discrepâncias nos direitos dos Estados-Membros quanto à determinação do momento exacto em que o adquirente é considerado o proprietário de um valor mobiliário, por exemplo, para efeitos de pagamento de dividendos. As legislações nacionais podem prever que esse momento corresponde à data da transacção, à data da prevista liquidação ou à data efectiva da liquidação. Como observado nos dois relatórios Giovannini, tais discrepâncias podem comprometer a centralização da liquidação dos valores mobiliários e, por este motivo, constituir um entrave a uma maior integração. Consequentemente, pode ser necessário proceder a uma harmonização das regras relevantes.

Por último, a Comissão pretende examinar de forma mais aprofundada a questão da localização dos valores mobiliários. Foi referido que as restrições respeitantes à capacidade do emitente escolher a localização dos seus valores mobiliários representam um entrave suplementar à consolidação dos sistemas de liquidação de valores mobiliários. Estas restrições devem-se quer ao direito nacional que vincula a admissão à cotação num dado mercado com a utilização do depositário central de valores mobiliários a nível local, quer ao direito das sociedades. A Comissão tenciona examinar esta questão em maior pormenor, tendo em conta as diferenças entre os diversos tipos de valores mobiliários, bem como as implicações desses requisitos do ponto de vista do direito das sociedades.

Atendendo à importância destas questões, a Comissão, baseando-se na recomendação formulada pelo grupo de peritos Giovannini, considera que deve ser lançada uma acção específica a fim de abordar estes aspectos. A Comissão propõe instituir um grupo, composto por peritos dos meios académicos, das autoridades públicas e juristas especializados. O seu mandato consistirá em proceder a uma análise mais aprofundada destas questões, propor soluções e, eventualmente, contribuir para a elaboração de propostas legislativas específicas. A composição do grupo deverá reflectir as tradições jurídicas dos Estados-Membros actuais e futuros. No entanto, um secretariado central assegurará o impulso necessário no âmbito do projecto. O grupo assegurará igualmente a sua coordenação com outros organismos, tais como o UNIDROIT [24], que empreendam trabalhos semelhantes a um nível mais lato.

[24] UNIDROIT (instituto internacional para a unificação do direito privado) é uma organização intergovernamental independente que tem como finalidade examinar as necessidades e os métodos de modernização, harmonização e coordenação do direito privado, nomeadamente comercial, dos Estados ou grupos de Estados.

Dada a complexidade do tema e a sua estreita ligação com as legislações no domínio da propriedade e o direito das sociedades a nível nacional, a Comissão prevê que tal constituirá um projecto a longo prazo. O seu âmbito exacto será definido aquando da criação do grupo. Deverá todavia abordar questões tais como:

*a natureza dos direitos do investidor relativamente aos valores mobiliários detidos numa conta junto de um intermediário;

*a transferência destes direitos;

*o carácter definitivo das transferências de títulos escriturais;

*o tratamento da "penhora a um nível superior";

*a protecção dos investidores contra a insolvência do intermediário;

*a aquisição destes direitos de boa fé por terceiros;

*as divergências nas regras relativas à transferência de propriedade para efeitos das operações das sociedades, na medida em que estas se encontrem consagradas no direito nacional;

*a escolha quanto à localização dos valores mobiliários.

Em relação a cada um destes aspectos, as divergências existentes entre as legislações nacionais devem ser apreciadas, devendo ser apresentada uma proposta relativa à sua harmonização, caso necessário.

3.2 Questões fiscais

Os Estados-Membros celebraram acordos bilaterais, ao abrigo dos quais o Estado em que se situa a fonte do rendimento e o Estado em que o beneficiário reside para efeitos fiscais podem tributar os rendimentos gerados pelo investimento. Existem duas formas de evitar a dupla tributação que pode daí resultar. Um dos Estados isenta completamente o rendimento em causa do imposto (prática pouco corrente e sobretudo restringida aos denominados "investidores directos", ou seja, aqueles que detêm, por exemplo, uma participação mínima de 10%) ou o Estado de residência concede um crédito fiscal relativamente ao montante do imposto eventualmente deduzido no Estado em que se situa a fonte de rendimento. Estes métodos são geralmente designados por "método de isenção" e "método de crédito", respectivamente.

No entanto, a taxa de imposto normal no Estado em que se situa a fonte de rendimento pode ser comparável em grande medida à taxa aplicada pelo Estado de residência. O recurso ao método de crédito traduzir-se-ia no pagamento de um volume de impostos muito reduzido no país de residência, uma vez que o imposto pago no país da fonte asseguraria a plena cobertura (ou quase) de quaisquer obrigações fiscais. Porém, é no país de residência que o proprietário é mais susceptível de beneficiar dos serviços financiados com base na tributação. Deste modo, os acordos prevêem geralmente uma redução da taxa normal do imposto com retenção na fonte, para que alguns impostos sejam pagos no país de residência.

Os relatórios Giovannini identificaram e convidaram as autoridades públicas a abordar uma série de problemas práticos que se colocam a nível dos procedimentos mediante os quais somente determinados intermediários são autorizados a aplicar uma redução da taxa normal do imposto retido na fonte. Em especial, alguns Estados-Membros autorizam apenas as instituições estabelecidas no seu território a aplicar estes procedimentos de retenção na fonte. Outros Estados-Membros autorizam os intermediários estrangeiros a aplicarem taxas reduzidas do imposto retido na fonte, mas apenas na condição de designarem um representante fiscal local. Os relatórios Giovannini fazem notar que esta situação impede, na prática, a possibilidade de um intermediário desenvolver actividades numa base transfronteiras ou de recorrer aos serviços intermediários de um sistema de liquidação de valores mobiliários, restringindo assim em grande medida a concorrência a nível da prestação de serviços de liquidação transfronteiras. Deste modo, os operadores de mercado não podem optar pela forma mais eficiente de desenvolver actividades transfronteiras o que, por seu turno, reforça a ineficiência de todo o processo.

Além disso, verificam-se divergências nos procedimentos utilizados nos vários Estados-Membros para cobrar o imposto de retenção na fonte ou para conceder uma isenção. Mesmo no caso de ser concedida uma isenção fiscal total ou parcial, os investidores elegíveis podem ser obrigados a desembolsar inicialmente o imposto e a solicitar subsequentemente o respectivo reembolso. Ora, os procedimentos aplicáveis ao reembolso do imposto com retenção na fonte podem ser muito complexos e podem também divergir consideravelmente consoante os Estados-Membros. Esta complexidade e o grau de disparidade aumentam substancialmente o custo de liquidação transfronteiras.

Esses obstáculos, que entravam uma liquidação transfronteiras eficiente, foram igualmente debatidos durante a consulta desencadeada no quadro da primeira comunicação da Comissão relativa à compensação e liquidação. Com efeito, alguns inquiridos responderam que, muito embora não seja actualmente necessária uma profunda harmonização fiscal, deve ser prosseguida a harmonização dos diferentes procedimentos associados ao tratamento fiscal, devendo ser simultaneamente assegurado um tratamento equitativo dos investidores nacionais e estrangeiros.

A Comissão faz notar que se verifica uma crescente tendência no sentido de ser abandonada a cobrança de impostos com retenção na fonte em benefício de um maior intercâmbio de informações. Tal permite às autoridades fiscais disporem das informações necessárias com vista a assegurar a tributação do montante de imposto adequado sobre a pessoa relevante. O intercâmbio de informações numa base o mais alargada possível constitui a abordagem subjacente à Directiva 2003/48/CE do Conselho relativa à tributação dos rendimentos de poupança sob a forma de juros recebidos a nível transfronteiras [25]. Além disso, vigora actualmente uma directiva relativa à assistência mútua em matéria de cobrança [26], nos termos da qual as autoridades competentes de um Estado-Membro podem assistir as suas congéneres noutro país no que se refere à cobrança de impostos directos e indirectos no primeiro Estado junto de um devedor situado no segundo. Além disso, a directiva inicial relativa à assistência mútua [27] está a ser actualmente modernizada tendo em vista o reforço do seu dispositivo. Por conseguinte, os Estados-Membros disporão de melhores meios de controlar os contribuintes estabelecidos fora do seu território.

[25] Directiva 2003/48/CE do Conselho, de 3 de Junho de 2003, relativa à tributação dos rendimentos da poupança sob a forma de juros, JO L 157 de 26.06.2003, p. 38.

[26] Directiva 2001/44/CE do Conselho, de 15 de Junho de 2001, que altera a Directiva 76/308/CEE relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos resultantes de operações que fazem parte do sistema de financiamento do Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola, bem como de direitos niveladores agrícolas e de direitos aduaneiros, e relativo ao imposto sobre o valor acrescentado e a determinados impostos especiais de consumo, JO L 175 de 28.06.2001, p. 17.

[27] Directiva 77/799/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977, relativa à assistência mútua pelas autoridades competentes dos Estados-Membros no domínio da tributação directa, EE portuguesa, Capítulo 09, Fascículo 1, p. 94.

Atendendo a este novo contexto, trata-se do momento oportuno para explorar as possibilidades adicionais actualmente propiciadas para examinar se podem ser introduzidas alterações nalgumas regras existentes a fim de simplificar as formalidades para as empresas, salvaguardando simultaneamente os direitos dos Estados-Membros no que diz respeito à cobrança de impostos.

O grupo Giovannini também aventou a hipótese que a integração do regime de cobrança de impostos sobre as transacções nos actuais sistemas de liquidação de valores mobiliários na UE constituía um obstáculo fiscal suplementar. Neste contexto, os relatórios observaram que a utilização de um sistema de liquidação de valores mobiliários diferente poderia implicar o pagamento de impostos de transacção mais elevados. Se tal for efectivamente o caso, outros sistemas de liquidação de valores mobiliários podem ser de facto impedidos de prestar serviços intermediários no âmbito da liquidação transfronteiras, reduzindo assim a eficiência do sistema. O grupo de peritos Giovannini convidou as autoridades públicas a examinar este obstáculo e a propor soluções adequadas.

A Comissão propõe a criação de um grupo de peritos incumbido de examinar, em maior pormenor, as questões fiscais consideradas como um entrave a uma liquidação transfronteiras eficiente pelo grupo Giovannini e pelos inquiridos no quadro da primeira comunicação da Comissão relativa à compensação e liquidação. Um grupo de peritos deve examinar de forma mais aprofundada estas questões, com vista a apresentar um relatório sobre a sua importância e sobre as formas alternativas de garantir aos Estados-Membros as receitas fiscais a que têm direito, permitindo simultaneamente a todas as instituições financeiras no território da União Europeia concorrerem entre si em condições de igualdade de concorrência.

O mandato do grupo de peritos deverá igualmente incluir a realização de um estudo sobre os diferentes procedimentos em vigor nos Estados-Membros, com vista a examinar se estes são susceptíveis de serem objecto de um maior alinhamento, de modo a suprimir ou a reduzir substancialmente a diversidade das regras vigentes que tem, entre outras consequências, a de aumentar o custo da liquidação transfronteiras.

A Comissão terá em conta as conclusões do grupo de peritos que servirão de base para as discussões com as autoridades fiscais dos Estados-Membros, em conformidade com a política consagrada quanto à realização de consultas prévias no domínio da fiscalidade. Se for considerada necessária uma acção subsequente a nível comunitário, a Comissão procurará apresentar as propostas adequadas.

4. Política da concorrência

A aplicação coerente da política da concorrência insere-se na abordagem global da Comissão em matéria de compensação e liquidação. As medidas destinadas a promover a liberalização e a integração dos sistemas existentes e a política da concorrência desempenham um papel complementar a nível da criação de sistemas de compensação e liquidação de valores mobiliários eficientes na UE.

Com efeito, o sector financeiro, incluindo todas as actividades de pós-negociação, encontra-se sujeito às mesmas regras comunitárias que todos os restantes sectores de actividade. A Comissão colabora estreitamente com as autoridades de concorrência nacionais sempre que devam ser apreciadas questões nacionais e transfronteiras, por exemplo, em caso de alegada discriminação no que se refere às condições de acesso dos participantes nacionais e estrangeiros. Além disso, a aplicação, em Maio de 2004, do Regulamento n.º 1/2003/CE do Conselho [28] intensificará a cooperação entre as autoridades de concorrência nacionais e a Comissão na aplicação das regras de concorrência. Tal promoverá a aplicação eficaz e coerente dos artigos 81.º e 82.º do Tratado CE e contribuirá para fomentar a concorrência no sector financeiro.

[28] Regulamento n.º 1/2003/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002, JO L 1 de 4.01.2003, p. 1.

Paralelamente ao alargamento do âmbito das suas actividades, assistiu-se recentemente a várias operações de consolidação transfronteiras dos sistemas de compensação e liquidação de valores mobiliários que, tradicionalmente, se verificavam apenas no âmbito dos Estados-Membros. Tal incluiu, por exemplo, a fusão de infra-estruturas nacionais (tais como os depositários centrais de valores mobiliários) com empresas com uma verdadeira vocação transfronteiras (tais como os depositários centrais internacionais de valores mobiliários).

Apesar de a Comissão ser neutra quanto à questão da consolidação vertical ou horizontal, bem como no que se refere à questão de ser desejável uma infra-estrutura única ou múltipla e aos perfis de propriedade, tal como em qualquer sector de actividade, quando a consolidação conduzir à eventual criação ou reforço de uma posição de mercado dominante, tal será fonte de preocupação. Até à data, a maioria das fusões neste sector não atingiu os limiares estabelecidos no Regulamento n.º 4064/89/CEE do Conselho [29], o denominado "Regulamento das concentrações", pelo que não foram notificadas às autoridades de concorrência da UE.

[29] Regulamento n.º 4064/89/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, JO L 395 de 30.12.89, p. 1.

A Comissão continuará a acompanhar de perto as fusões e as aquisições neste sector. Além disso, as entidades existentes, bem como as entidades recém-criadas, devem respeitar as responsabilidades específicas que lhes são impostas nos termos do artigo 82.º do Tratado, no caso de deterem posições dominantes. Por outro lado, os acordos entre prestadores de serviços de compensação e liquidação serão igualmente objecto de controlo à luz do disposto no artigo 81.º do Tratado.

À medida que se vier a intensificar o ritmo de consolidação dos sistemas, o mesmo sucederá com os direitos e as responsabilidades dos adquirentes e prestadores de serviços neste sector. Podem ser referidas algumas questões específicas neste contexto. Não se trata, todavia, de uma lista exaustiva das preocupações do ponto de vista da concorrência ou de uma antecipação das situações que poderão vir a surgir no futuro.

Prestação de serviços e acesso não discriminatório: No actual contexto sectorial, é atribuída especial atenção ao respeito das regras de concorrência quando os acordos ou práticas concertadas entre empresas, ou a existência de uma posição dominante por parte de uma empresa, restringem a concorrência nesse mercado específico. Na sua apreciação, a Comissão tomará em consideração o contexto económico e o efeito que tais práticas poderão ter em termos de criar ou comprometer a eficiência e a concorrência no mercado único.

Fixação de preços: a Comissão não é uma entidade reguladora de preços. Os preços devem ser determinados pelo mercado, mas tal encontra-se sujeito a determinados limites. Em especial, uma empresa em posição dominante tem a obrigação, nos termos do artigo 82.º do Tratado CE de evitar "impor, de forma directa ou indirecta, preços de compra ou de venda ou outras condições de transacção não equitativas" [30] e evitar ainda "aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes colocando-os, por esse facto, em desvantagem na concorrência" [31].

[30] Alínea a) do artigo 82.º.

[31] Alínea c) do artigo 82.º.

Acordos exclusivos: a expressão "acordos exclusivos" engloba uma série de situações jurídicas diferentes. Por esta expressão, pode entender-se tanto actos legislativos como de auto-regulamentação, bem como acordos sectoriais. Os acordos exclusivos não são, enquanto tal, proibidos pelas regras da concorrência. No entanto, podem estar sujeitos à aplicação do disposto nos artigos 81.º, 82.º e 86.º do Tratado CE, nomeadamente no contexto do desenvolvimento de serviços transfronteiras. Estas disposições na área da compensação e liquidação de valores mobiliários podem incluir a obrigação de compensar e liquidar apenas no âmbito de uma infra-estrutura específica, a utilização exclusiva de uma contraparte central subordinada, etc. Ao invés, os acordos não exclusivos relativos à utilização de uma infra-estrutura específica reflectem meramente o direito do mercado de optar pelo serviço de uma contraparte central ou por um sistema de liquidação de valores mobiliários, não suscitando assim problemas específicos. Quando as empresas susceptíveis de beneficiar de uma posição dominante, quer devido a medidas estatais, quer em resultado da consolidação do sector, tirarem partido desses acordos, deve ser atribuída especial atenção à necessidade de garantir o respeito do artigo 82.º do Tratado.

A Comissão está a acompanhar de perto a evolução do mercado na área da compensação e liquidação. Entretanto, recomenda-se que os prestadores de serviços adoptem uma posição favorável à concorrência no desenvolvimento das suas actividades comerciais e procurem evitar suscitar problemas da concorrência logo que possível.

CONCLUSÕES

A presente comunicação define os principais objectivos que a Comissão tomou em consideração para propor futuras acções a nível da UE. Inclui um plano de acção em que são delineadas as várias iniciativas que devem ser empreendidas para assegurar um quadro integrado, seguro e eficiente no domínio da compensação e liquidação de valores mobiliários na UE.

O Parlamento Europeu, o Conselho, o Banco Central Europeu, o Comité Económico e Social Europeu, o Comité das Regiões, as autoridades nacionais de regulamentação e supervisão, outras organizações e federações nacionais e comunitárias, os operadores de mercado, os investidores institucionais, os fornecedores de infra-estrutura e outras partes interessadas são convidadas a apresentarem as suas observações sobre os diferentes aspectos abordados na presente comunicação até Julho de 2004. As observações devem ser transmitidas à DG MARKT G1, Comissão Europeia, B-1049 Bruxelas (endereço electrónico < >).

A Comissão convida igualmente o Parlamento Europeu e o Conselho a subscreverem a abordagem delineada na presente comunicação.

Anexo 1

Obstáculos Giovannini

Diversidade de plataformas/interfaces no domínio da tecnologia da informação

Restrições quanto ao local onde se processa a compensação ou liquidação

Divergências nacionais a nível das regras aplicáveis às operações das sociedades

Divergências na concretização/horário do carácter definitivo da liquidação intra-diária

Entraves ao acesso à distância

Divergências nacionais no que se refere aos prazos de liquidação

Divergências nacionais em matéria de horário de funcionamento/prazos de liquidação

Divergências nacionais no que se refere às práticas em matéria de emissão de valores mobiliários

Restrições quanto à localização dos valores mobiliários

Restrições à actividade dos operadores especializados nos mercados primários e dos operadores de fomento do mercado

Formalidades associadas aos impostos retidos na fonte que prejudicam os intermediários estrangeiros

Função de cobrança de impostos integrada no sistema de liquidação

Divergências nacionais a nível do tratamento jurídico dos valores mobiliários

Divergências nacionais a nível do tratamento jurídico da compensação bilateral ("netting")

Aplicação desigual das regras relativas ao conflito de leis

Anexo 2: GLOSSÁRIO

Contraparte central ("CC"): uma entidade que desempenha a função de compensação.

Função de compensação: as actividades que têm como efeito proporcionar às contrapartes uma garantia contra o risco do custo de substituição.

Prestadores de serviços de compensação e liquidação: sistemas de liquidação de valores mobiliários, contrapartes centrais, entidades de guarda e membros de sistemas de compensação.

Membro de um sistema de compensação: um intermediário que se consagra à prestação de serviços de compensação.

Entidade de guarda: um intermediário que se consagra à prestação de serviços de liquidação.

Qualidade de intermediário: o facto de proporcionar o acesso directo ou indirecto ao sistema de liquidação de valores mobiliários - emitente ou contraparte central com o qual o mercado celebrou acordos de compensação adequados.

Sistemas de liquidação de valores mobiliários - investidor: um sistema de liquidação de valores mobiliários que actua na qualidade de intermediário.

Sistema de liquidação de valores mobiliários - emitente: o sistema de liquidação de valores mobiliários em que os valores mobiliários são imobilizados ou desmaterializados.

Mercados: mercados regulamentados e sistemas de negociação multilateral, conforme definidos na "Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos mercados de instrumentos financeiros".

Custo de substituição: as perdas potenciais resultantes do incumprimento de uma contraparte numa operação.

Sistema de compensação e liquidação de valores mobiliários: conjunto global de mecanismos institucionais necessários para finalizar uma transacção de valores mobiliários.

Sistema de liquidação de valores mobiliários: todas as instituições, em especial os depositários centrais de valores mobiliários, que desempenham funções prévias à liquidação, de liquidação e de guarda, excepto as entidades de guarda.

TARGET: Trans-European Automated Real-Time Gross Settlement Express Transfer System. Sistema composto pelos sistemas de pagamento nacionais de liquidação pelos valores brutos em tempo real dos países da UE que adoptaram o euro, para além do sistema de pagamento do BCE.