52003DC0839

Comunicação da Comissão - Comunicação interpretativa da Comissão sobre as importações paralelas de especialidades farmacêuticas cuja colocação no mercado foi já autorizada /* COM/2003/0839 final */


COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO - Comunicação interpretativa da Comissão sobre as importações paralelas de especialidades farmacêuticas cuja colocação no mercado foi já autorizada

ÍNDICE

Resumo

1. Introdução

2. Importações paralelas e livre circulação de mercadorias

3. Protecção da saúde e da vida das pessoas - autorizações de introdução no mercado

4. Protecção e esgotamento dos direitos de propriedade industrial e comercial

5. Protecção de marcas e reembalagem

5.1. Compartimentação artificial do Mercado Interno

5.2. Efeitos negativos sobre o estado originário do produto

5.3. Indicação do autor da reembalagem e do fabricante do produto

5.4. Apresentação do produto reembalado

5.5. Aviso prévio do titular da marca

5.6. Autorização a nível comunitário

6. Conclusões

Anexo

Resumo

A presente comunicação actualiza a comunicação da Comissão de 1982, relativa ao mesmo assunto, e o seu objectivo é proporcionar orientações relativamente à aplicação prática da jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias às medidas nacionais no domínio das importações paralelas, de um para outro Estado-Membro, de especialidades farmacêuticas cuja colocação no mercado foi já autorizada no Estado-Membro destinatário.

A importação paralela de medicamentos é uma forma legal de comércio no âmbito do mercado interno, baseada no artigo 28.º do Tratado CE e sujeita a derrogações relativas à protecção da saúde e da vida das pessoas e à protecção da propriedade industrial e comercial, previstas no artigo 30.º do mesmo Tratado.

Sempre que as informações necessárias à protecção da saúde pública já foram disponibilizadas às autoridades competentes do Estado-Membro destinatário em resultado da primeira colocação no mercado desse Estado-Membro de determinado medicamento, o medicamento importado paralelamente está sujeito a uma licença concedida com base num procedimento proporcionalmente "simplificado" (quando comparado com o procedimento de autorização de introdução no mercado), desde que:

* ao medicamento importado tenha sido concedida uma autorização de introdução no mercado do Estado-Membro de origem;

* o produto importado seja essencialmente semelhante a um produto cuja comercialização no Estado-Membro destinatário já tenha sido autorizada.

A importação paralela de um medicamento não deixa de ser possível ainda que a autorização de referência seja retirada e a licença de importação paralela não pode ser revogada a não ser que tal medida se justifique por razões de protecção da saúde pública.

No atinente aos direitos de propriedade industrial e comercial protegidos pela legislação de um Estado-Membro, esta não pode ser utilizada para oposição à importação de um produto que tenha sido legalmente colocado no mercado de outro Estado-Membro pelo, ou com o consentimento do, titular desses direitos. Além disso, o titular da marca não pode invocar o seu direito por forma a impedir a reembalagem de um produto importado em paralelo, sempre que:

* o exercício do direito à marca pelo titular, tendo em conta o sistema de comercialização que este adoptou, contribua para a compartimentação artificial dos mercados entre Estados-Membros;

* a reembalagem não possa afectar negativamente o estado originário do produto;

* seja afixada, na nova embalagem, a designação do autor da reembalagem ;

* a apresentação do produto reembalado não seja passível de prejudicar a reputação da marca e do respectivo titular; e

* o titular da marca seja devidamente notificado antes de o produto reembalado ser colocado à venda.

1. Introdução

A presente comunicação destina-se principalmente às administrações nacionais, aos operadores económicos cuja área de negócio releva das importações paralelas de especialidades farmacêuticas [1], às empresas e aos operadores farmacêuticos em geral. Actualiza a comunicação da Comissão de 1982, relativa ao mesmo assunto [2], e o seu objectivo global é proporcionar orientações relativamente à aplicação prática do princípio da livre circulação de mercadorias às medidas nacionais no domínio das importações paralelas, de um para outro Estado-Membro, de especialidades farmacêuticas cuja colocação no mercado foi já autorizada no Estado-Membro destinatário. Faz-se especial referência aos direitos e obrigações das partes interessadas e às garantias a que podem pretender ao abrigo do direito comunitário.

[1] "Especialidade farmacêutica" significa todo o medicamento preparado antecipadamente, introduzido no mercado com denominação e acondicionamento especiais. "Medicamento" significa toda a substância ou composição apresentada como possuindo propriedades curativas ou preventivas relativas a doenças humanas. A substância ou composição que possa ser administrada ao homem, com vista a estabelecer um diagnóstico médico ou a restaurar, corrigir ou modificar as funções fisiológicas no homem, é igualmente considerada como medicamento. Directiva 2001/83/CE (JO L 311 de 28/11/2001, pp. 67-128). As mesmas definições, no que se refere aos animais, aplicam-se aos medicamentos veterinários, Directiva 2001/82/CE (JO L 311 de 28.11.2001, pp. 1-66).

[2] JO C 115 de 6.5.1982, p. 5.

Desde a aprovação da comunicação de 1982, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias desenvolveu sobremaneira a sua jurisprudência neste domínio e esclareceu algumas questões relativas aos requisitos e procedimentos de licenciamento das importações paralelas [3], à utilização de direitos nacionais de patente [4] e relativamente à reembalagem, reafixação e utilização de marcas nacionais [5]. Simultaneamente, novos desenvolvimentos a nível do direito comunitário tiveram um impacto considerável, em termos técnicos e económicos, no comércio de especialidades farmacêuticas, enquanto se espera que o alargamento da UE venha a colocar novos desafios.

[3] Processo C-247/81 Comissão v Alemanha (1984) Col. 1111, C-201/94 Smith & Nephew (1996) Col. I-5819, C-94/98 Rhône-Poulenc (1999) Col. I-8789, C-172/00 Ferring (2002) Col. I-6891.

[4] Processo C-434/85 Allen & Hansburys (1988) Col. 1245, C-191/90 Generics (1992) Col. 5335, processos apensos C-267 e 268/95 Merck v Primecrown (1996) Col. I-6285.

[5] Processos apensos C-427, 429 & 436/93 Bristol-Myers Squibb (1996) Col. I-3457, processo C-232/94 Rhône-Poulenc (1996) Col. I-3671, C-379/97 Pharmacia & Upjohn (1999) Col. I-6927, C-143/00 Boehringer etc (2002) Col. I-3759, C-443/99 Merck, Sharp e Dohme vs Paranova (2002) Col. I-3703.

A presente comunicação, baseada principalmente na evolução da jurisprudência do Tribunal, não aborda questões tratadas por outros instrumentos legislativos comunitários, especialmente questões relativas à primeira vez que um medicamento é introduzido no mercado [6], questões de concorrência, ou questões abordadas pela comunicação da Comissão de 1998 relativa ao mercado único dos medicamentos [7], a não ser que tais questões tenham sido abordadas pelo Tribunal na sua jurisprudência relativa às importações paralelas. Faz-se especificamente referência a acórdãos mais recentes que esclarecem as condições em que a reembalagem de medicamentos, importados em paralelo, é objectivamente necessária para que aqueles possam aceder ao Estado-Membro destinatário. A importância desta jurisprudência do Tribunal é sublinhada pela explicação dessas condições e da sua aplicação na quinta parte da presente comunicação.

[6] Directiva 2001/83/CE (JO L 311 de 28.11.2001, pp. 67-128), com a última redacção que lhe foi dada pela Directiva 2003/63/CE (JO L 159 de 27.06.2003, p.46-94); Directiva 2001/82/CE (JO L 311 de 28.11.2001, pp. 1-66).

[7] COM(1998) 588 final, 25.11.1998.

Por último, o termo "importação" é utilizado, na referência ao comércio intra-comunitário, por razões práticas, embora se possa argumentar que se trata de uma palavra que perdeu grande parte da sua importância devido ao desenvolvimento do mercado interno.

2. Importações paralelas e livre circulação de mercadorias

A importação paralela de um medicamento é uma forma legal de comércio no âmbito do mercado interno, com base no artigo 28.º do tratado CE e sujeita às derrogações previstas no artigo 30.º do mesmo Tratado

O comércio paralelo é uma forma legal de comércio de mercadorias utilizada entre os Estados-Membros da União Europeia. É conhecida por "paralela" na medida em que tem lugar fora da e, em muitos casos, paralelamente à rede de distribuição que os fabricantes ou fornecedores originais estabeleceram para os seus produtos num dado Estado-Membro, muito embora dizendo respeito a produtos semelhantes, em todos os aspectos, aos comercializados através das redes de distribuição.

O comércio paralelo baseia-se no princípio da livre circulação de mercadorias no âmbito do mercado interno (artigos 28.º a 30.º do Tratado). No sector farmacêutico, beneficia da diferença de preços criada porque os Estados-Membros fixam ou, de outra forma, controlam o preço dos medicamentos vendidos nos respectivos mercados [8]. O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias confirmou repetidamente que os medicamentos não estão isentos da regulamentação aplicável ao mercado interno [9] e condenou medidas governamentais [10] que restringem, sem justificação apropriada, as importações paralelas de medicamentos. O Tribunal decidiu que determinadas medidas de restrição das importações paralelas, tomadas pelos Estados-Membros, podem ser justificadas com base na protecção da propriedade comercial e industrial e na protecção da saúde e da vida das pessoas, em conformidade com o artigo 30.º do Tratado.

[8] Os Estados-Membros podem recorrer à fixação directa ou indirecta dos preços, através de políticas de subsidiação, por forma a garantir a todos os cidadãos o acesso equitativo aos medicamentos e a salvaguardar a estabilidade financeira dos seus serviços de segurança social. O Tribunal reconheceu que, na ausência de harmonização, os Estados-Membros têm o direito de fixar os preços dos produtos farmacêuticos por forma a responder a estes interesses legítimos, desde que tal intervenção não conduza a uma discriminação, de jure ou de facto, entre produtos nacionais ou importados e que o preço indicado seja remunerativo - Processo 181/82 Roussel Laboratoria (1983) Col. 3849 e processo 249/88 Comissão v. Bélgica (1991) Col. I-1275. No que respeita, nomeadamente, ao mercado dos medicamentos sujeitos a receita médica, a intervenção do Estado pode traduzir-se pela exclusão de um medicamento de um regime de subsidiação. Esta restrição pode ser justificada apenas se: a) não houver discriminação com base na origem do produto, b) for feita com base em critérios objectivos e verificáveis e c) previr procedimentos com vista a remediar a eventual distorção que possa surgir - Processo 238/82 Duphar (1984) Col. 523. A Directiva 89/105/CEE (JO L 40 de 11.2.1989, pp.8-11) estabelece requisitos processuais adicionais.

[9] O Tribunal observou que, a este respeito, "É igualmente irrelevante que existam, entre os Estados-Membros de exportação e importação, diferenças de preços resultantes de medidas adoptadas pelas autoridades públicas no Estado de exportação destinadas a controlar o preço do produto" - Processo 15/74 Centrafarm v. Sterling (1974) Col. 1147. O princípio foi confirmado nos processos apensos C-267/95 e C-268/95, Merck v Primecrown, (1996) Col. I-6285, ponto 47; vejam-se também os processos C-436/93 Bristol-Myers Squibb v. Paranova, (1996) Col. I-3457, C-16/74, Centrafarm e De Peijper v. Winthrop (1974) Col. 1183.

[10] Sempre que uma restrição ao comércio paralelo se deve a medidas tomadas pelas empresas, tais como dupla afixação dos preços ou limitação dos fornecimentos aos distribuidores, estas são sujeitas a apreciação no âmbito da regulamentação comunitária relativa à concorrência (artigos 81.º e 82.º do Tratado CE).

3. Protecção da saúde e da vida das pessoas - autorizações de introdução no mercado

Um medicamento pode ser importado em paralelo com base numa licença concedida de acordo com um procedimento "simplificado" ao abrigo do qual o requerente precisa de entregar menos informações do que as necessárias para um pedido de autorização de introdução no mercado.

Em geral, os medicamentos não podem ser colocados no mercado de um Estado-Membro sem uma autorização de introdução no mercado, cujo objectivo primordial é salvaguardar a saúde pública. As autorizações de introdução no mercado são concedidas a nível nacional ou comunitário [11].

[11] Directiva 2001/83/CE, n.º 1 do artigo 6.º: Nenhum medicamento pode ser introduzido no mercado num Estado-Membro sem que para tal tenha sido emitida pela autoridade competente desse Estado-Membro uma autorização de introdução no mercado, nos termos da presente directiva, ou sem que tenha sido concedida uma autorização nos termos do Regulamento (CEE) nº 2309/93. O artigo 8.º da directiva pormenoriza as informações a apresentar às autoridades competentes por forma a obter a emissão de uma autorização de introdução no mercado. A directiva foi alterada pela Directiva 2002/98/CE (JO L 33 de 8.2.2003, pp. 30-40) e pela Directiva 2003/63/CE (JO L 159 de 27.6.2003, pp. 46-94). As disposições equivalente da Directiva 2001/82/CE são os artigos 5.º e 12.º

Todavia, de acordo com a jurisprudência do Tribunal [12], esta regulamentação está sujeita a excepções, resultantes do disposto no Tratado CE relativamente à livre circulação de mercadorias. As autoridades nacionais não podem impedir as importações paralelas exigindo que os respectivos importadores preencham os mesmos requisitos que se aplicam às empresas que solicitam pela primeira vez uma autorização de introdução no mercado para um determinado medicamento [13], desde que este tipo de excepção às regras normalmente aplicáveis às autorizações de introdução no mercado de medicamentos não seja prejudicial à protecção da saúde pública.

[12] Processos 104/75 De Peijper (1976) Col. 613, C-201/94 Smith & Nephew e Primecrown (1996) Col. I-5819, C-94/98 Rhone Poulenc (1999) Col. I-08789 e C-172/00 Ferring (2002) Col. I-6891

[13] Na prática, isto significa que o importador paralelo não precisa de apresentar documentos relativos ao medicamento, em geral, ou a um determinado lote, em particular, passíveis de obtenção apenas pelo fabricante do medicamento ou pelo seu representante autorizado. De outro modo, o fabricante ou o representante poderiam impedir as importações paralelas mediante simples recusa de apresentação dos documentos necessários - Processo 104/75 De Peijper (1976) Col. 613.

Especificamente, sempre que as informações necessárias à protecção da saúde pública já foram disponibilizadas às autoridades competentes do Estado-Membro destinatário em resultado da primeira colocação no mercado desse Estado-Membro de determinado medicamento, o medicamento importado paralelamente está sujeito a uma licença concedida [14] com base num procedimento proporcionalmente simplificado [15] , desde que:

[14] Estão por clarificar questões relacionadas com prazos, nomeadamente os prazos de resposta das autoridades nacionais a um pedido de licença formulado por um importador paralelo e a duração da mesma licença. No atinente ao prazo de resposta, note-se que o artigo 18.º da Directiva 2001/83 prevê 90 dias para que o Estado-Membro tome a decisão acerca do reconhecimento de uma autorização de introdução no mercado emitida por outro Estado-Membro; é, portanto, admissível, que 45 dias constituam um prazo razoável para aplicação de um procedimento simplificado com vista à tomada de decisão relativamente a um pedido de licença introduzido por um importador paralelo. Quanto à duração da licença, cf. nota 21.

[15] "Com efeito se as autoridades sanitárias do Estado-Membro de importação dispuserem já, na sequência de um pedido de autorização de colocação no mercado para a especialidade farmacêutica em questão, de todas as indicações farmacêuticas relativas a esta especialidade farmacêutica e julgadas indispensáveis para o controlo da sua eficácia e da sua inocuidade, é manifestamente desnecessário, para proteger a saúde e a vida das pessoas, que as referidas autoridades exijam que um segundo operador, que importou uma especialidade farmacêutica satisfazendo os critérios acima enunciados, lhes tenha que fornecer novamente as mesmas indicações", Processo C-201/94 Smith & Nephew e Primecrown (1996) Col. I-5819.

* ao medicamento importado tenha sido concedida uma autorização de introdução no mercado do Estado-Membro exportador;

* o medicamento importado seja suficientemente semelhante a um medicamento cuja introdução no mercado já tenha sido autorizada no Estado-Membro destinatário, ainda que possa haver diferenças nos excipientes [16].

[16] O facto de o fabricante do medicamento importado e do produto já comercializado no Estado-Membro destinatário ser uma só pessoa, ou serem duas pessoas que pertencem ao mesmo grupo, ou, no caso de empresas independentes, estas terem celebrado acordos com o mesmo licenciante, também foi tido em conta pelo Tribunal nos processos 104/75 De Peijper (1976) Col. 613 e C-201/94 Smith & Nephew e Primecrown (1996) Col. I-5819 na abordagem da questão da semelhança.

O Tribunal esclareceu a questão da semelhança, determinando que os dois produtos não precisam de ser totalmente idênticos, mas que devem ter sido, pelo menos, fabricados de acordo com a mesma fórmula, utilizando o mesmo ingrediente activo e tendo os mesmos efeitos terapêuticos [17] .

[17] Processo C-201/94 Smith & Nephew e Primecrown (1996) Col. I-5819 - Quanto à condição respeitante à fórmula de um medicamento, o Tribunal decidiu que as autoridades nacionais devem autorizar, em conformidade com a regulamentação relativa às importações paralelas, um medicamento importado enquanto produto paralelo sempre que estejam convictas que esse produto, apesar das diferenças a nível dos excipientes, não representa qualquer problema para a saúde pública - C-94/98 Rhone Poulenc (1999) Col. I-08789

Que um medicamento suficientemente semelhante ao de importação paralela já tenha recebido autorização de colocação no mercado no Estado-Membro destinatário não implica necessariamente que esta autorização "de referência" ainda seja válida aquando da importação. Muito especificamente, o Tribunal decidiu que a importação paralela de uma especialidade farmacêutica não deixa de ser possível ainda que a autorização de referência seja retirada e que a licença de importação paralela não pode ser revogada a não ser que tal medida se justifique por razões de protecção da saúde pública, em conformidade com o disposto no artigo 30.º CE [18]. Pode razoavelmente presumir-se que os mesmos princípios têm aplicação quando a autorização de referência relativa à colocação no mercado de determinada especialidade farmacêutica ainda é válida no Estado-Membro exportador mas se deixa expirar [19] no Estado-Membro importador com vista ao início da comercialização de uma nova versão do mesmo medicamento.

[18] Processos C-172/00 Ferring (2002) Col. I-6891 e C-15/01 Paranova (2003) Col.

[19] Ao abrigo do artigo 24.º da Directiva 2001/83/CE "A autorização é válida por cinco anos, renovável por iguais períodos, a pedido do titular, apresentado pelo menos três meses antes do termo da autorização, e após exame, pela autoridade competente, de um processo que descreva, nomeadamente, a situação respeitante aos dados da farmacovigilância e inclua outras informações pertinentes para o controlo do medicamento".- JO L 311 de 28.11.2001, pp. 67-128. A disposição equivalente da Directiva 2001/82/CE é o artigo 28.º

Surge a questão de poder ser revogada uma autorização de referência no Estado-Membro importador por outras razões que não a protecção da saúde pública e de o produto importado continuar a ser legalmente comercializado no Estado-Membro exportador com a autorização de colocação no mercado emitida nesse mesmo Estado. Trata-se do caso, por exemplo, de uma nova versão de determinada especialidade farmacêutica que é comercializada num dado Estado-Membro, enquanto a anterior versão continua a ser importada por outro Estado-Membro.

O Tribunal decidiu [20] que a revogação de tal autorização de colocação no mercado não significa, per se, que a qualidade, a eficácia e a segurança da versão anterior estejam a ser postas em causa. Reconheceu-se que as autoridades competentes do Estado-Membro importador devem adoptar as medidas necessárias à verificação da qualidade, eficácia e segurança da versão anterior da especialidade farmacêutica e que este objectivo deve, não obstante, ser alcançado por medidas que tenham um efeito menos restritivo na importação de medicamentos do que a cessação automática da validade de uma licença de importação paralela. Uma maneira possível de alcançar tal objectivo é através da cooperação com as autoridades nacionais dos demais Estados-Membros, mediante acesso aos documentos e dados apresentados pelo fabricante ou por empresas do mesmo grupo, relativamente à anterior versão que ainda é comercializada em alguns Estados-Membros com base numa autorização de colocação no mercado ainda em vigor [21].

[20] Processos C-172/00 Ferring (2002) Col. I-6891 e C-15/01 Paranova (2003) Col.

[21] O Tribunal referiu o princípio da cooperação das autoridades dos Estados-Membros nos processos apensos 87 e 88/85 Legia e Gyselinx (1986) Col. 1707. Com base neste princípio, pode argumentar-se que as autoridades nacionais, sempre que emitem uma licença de importação paralela, não podem, regra geral, restringir a sua duração até ser atingido o prazo de validade da autorização de colocação no mercado originário. Em qualquer caso, se as autoridades sanitárias do Estado-Membro em questão considerarem, em casos específicos e por motivos claramente identificados, que a falta de obrigações de farmacovigilância do detentor da autorização retirada pode comprometer a salvaguarda da saúde pública, têm de poder adoptar as medidas apropriadas e nomeadamente, se necessário, limitar a duração da licença de importação à validade da autorização de introdução no mercado (C-223/01, AstraZeneca A/S, acórdão de 16.10.2003, ainda não publicado). O processo dizia respeito à concessão de uma autorização de um produto genérico e não a uma licença de importação. O Tribunal ainda não decidiu se este princípio também se aplica às importações paralelas.

Além disso, o Tribunal afirmou que as restrições à importação da versão anterior podem ser justificadas se puder ser demonstrado que há, de facto, risco para a saúde pública decorrente da coexistência das duas versões no mesmo mercado. A questão, todavia, da existência e da realidade do risco é assunto, em primeiro lugar, da esfera das autoridades competentes do Estado-Membro destinatário, e a mera afirmação, feita pelo titular da autorização de colocação no mercado respeitante às versões anterior e mais recente, no sentido de que esse risco existe não é suficiente para justificar a proibição da importação da anterior versão.

Sempre que uma especialidade farmacêutica é autorizada a nível comunitário [22], essa autorização é válida em toda a Comunidade. Os medicamentos autorizados centralmente distribuídos em paralelo e idênticos [23] aos distribuídos pelo fabricante são abarcados por uma só autorização de introdução no mercado. O distribuidor paralelo pode, por conseguinte, ao abrigo da legislação comunitária relativa aos medicamentos, colocar no mercado o medicamento e distribui-lo em paralelo. Pode também fazê-lo se o titular da autorização de colocação no mercado, por qualquer razão, ainda não tiver colocado o produto em causa num dado mercado nacional.

[22] A autorização a nível comunitário é concedida em conformidade com o procedimento centralizado disposto no Regulamento (CEE) n.º 2309/93 do Conselho, JO 1993 L 214, pp.1-21. Este diploma foi discutido na Comunicação da Comissão de 1998 relativa aos procedimentos comunitários de autorização de introdução no mercado dos medicamentos (JO C 229 de 22.7.1998, p. 4). A Comunicação também dá orientações sobre o procedimento de reconhecimento mútuo das Directivas 2001/83/CE e 2001/82/CE.

[23] O Tribunal considerou, no Processo T-123/00, Thomae/Comissão (2002) Col. II-5193, que a existência de considerações relativas ao carácter unitário da ACM comunitária e ao princípio fundamental da livre circulação de mercadorias sugere que um medicamento objecto de pedido de autorização de colocação no mercado comunitário deve, regra geral, ter uma embalagem de apresentação única (cor, logótipo, formato e apresentação em geral). Continuou, todavia, declarando que, em circunstâncias excepcionais, a apresentação da embalagem pode variar. O processo dizia respeito ao titular de uma autorização de colocação no mercado, e não a um distribuidor paralelo.

4. Protecção e esgotamento dos direitos de propriedade industrial e comercial

O titular de um direito de propriedade industrial e comercial protegido pela legislação de um Estado-Membro não pode invocar essa legislação para se opor à importação de um produto que tenha sido legalmente colocado no mercado de outro Estado-Membro pelo, ou com o consentimento do, titular desse direito.

Os medicamentos são geralmente cobertos por direitos de propriedade industrial e comercial, nomeadamente patentes e marcas, essencialmente nacionais por natureza [24]. Estes direitos podem ser invocados junto das autoridades e tribunais nacionais por forma a impedir a venda no mercado nacional de medicamentos importados que os infrinjam.

[24] Cf., contudo, o Regulamento (CE) nº 40/94 do Conselho, de 29 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária, JO L 11 de 14.1.1994, p.1, e a Proposta de Regulamento do Conselho relativo à patente comunitária, JO C 337 E de 28.11.2000, p.278.

A existência de direitos de propriedade industrial e comercial não é afectada pelo Tratado CE; o seu exercício pode, no entanto, ser afectado, quando houver negação do propósito essencial do Tratado, que é o da união dos mercados nacionais num só mercado único. O Tribunal decidiu [25] que a derrogação à livre circulação de mercadorias justificada por razões de protecção da propriedade industrial e comercial só é admissível quando justificada pelo objectivo da salvaguarda de direitos que constituam o objecto específico da propriedade [26].

[25] Cf., entre outros, os processos 78/70 Deutsche Grammophon v. Metro (1971) Col. 487 e 102/77 Hoffmann-La Roche (1978) Col. 1139.

[26] "(...) [O] objecto específico da propriedade industrial é o de assegurar ao titular, como forma de compensar o esforço criador do inventor, o direito exclusivo de utilizar uma invenção destinada ao fabrico e ao primeiro lançamento em circulação de produtos industriais, quer directamente, quer mediante a concessão de licenças a terceiros, bem como o direito de se opor a qualquer violação do referido direito." Processo 15/74 Centrapharm v. Sterling Drug (1974) Col. 1147, confirmado pelos processos apensos C267/95 e C-268/95 Merck v. Primecrown (1996) Col. I-6285.

Esta regra é conhecida pelo princípio do esgotamento dos direitos de propriedade industrial e comercial [27]. De acordo com este princípio, o titular de um direito de propriedade industrial e comercial protegido pela legislação de um Estado-Membro não pode invocar essa legislação para se opor à importação de um produto que tenha sido legalmente colocado no mercado de outro Estado-Membro pelo, ou com o consentimento do, titular desse direito. O direito é considerado esgotado uma vez o produto colocado no mercado num qualquer ponto da Comunidade.

[27] Este princípio geral, baseado na distinção entre a existência e o exercício dos direitos de patente, foi consagrado na legislação comunitária relativa à propriedade industrial. Cf. artigo 7.º da Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas (JO L 40 de 11.12.1989. p.1) que reitera a jurisprudência do Tribunal, em especial o processo 15/74 Centrafarm v Sterling (1974) Col. 1147, o processo C-10/89 CNL-SUCAL v HAG GF (1990) Col. I-3711 e o processo C-9/93 IHT Internationale Heiztechnik v Ideal Standard (1994) Col. I-2789.

Um direito de propriedade industrial esgotar-se-á mesmo no caso de um produto cujo titular da respectiva propriedade industrial comercialize pela primeira vez num Estado-Membro onde o produto é protegido, para seguidamente o comercializar noutro Estado-Membro onde essa protecção não existe: o titular do direito não pode impedir a importação paralela do produto do segundo Estado-Membro para o primeiro [28].

[28] Processos 187/80 "Merck v. Stephar" (1981) Col. 2603, C-10/89 HAG (1990) Col. 3711, C-191/90 Generics e Harris Pharmaceutical (1992) Col. 5335, processos apensos C-267/95 e C-268/95 Merck v. Primecrown (1996) Col. I-6285.

Uma importante, ainda que temporária, excepção a esta regra surgiu, durante os debates sobre a iniciativa do G10 no domínio dos medicamentos [29], com a adesão dos novos Estados-Membros em 2004 e, em especial, no caso da República Checa, da Estónia, da Letónia, da Lituânia, da Hungria, da Polónia, da Eslovénia e da Eslováquia [30]. O Tratado de Adesão prevê [31] um mecanismo específico mediante o qual as importações paralelas provenientes dos novos Estados-Membros supra referidos estão impedidas até que o prazo de protecção da patente, ou protecção suplementar, relativa ao medicamento em causa, expire nos mesmos Estados-Membros [32].

[29] Ver a Comunicação recente da Comissão sobre "Uma Indústria Farmacêutica Mais Forte de Base Europeia em Benefício dos Pacientes - Um Convite à Acção", COM (2003) 383.

[30] Não se incluem nesta lista Malta e Chipre por se ter encontrado nestes dois outros novos Estados-Membros protecção relativamente a patentes ou protecção suplementar.

[31] "No que se refere à República Checa, à Estónia, à Letónia, à Lituânia, à Hungria, à Polónia, à Eslovénia ou à Eslováquia, o titular - ou o beneficiário - de uma patente ou de um certificado complementar de protecção de um produto farmacêutico registado num Estado-Membro, numa data em que não era possível obter essa protecção para esse produto num dos novos Estados-Membros acima referidos, pode invocar os direitos conferidos por essa patente ou certificado complementar de protecção para impedir a importação e a comercialização desse produto no Estado ou Estados-Membros em que o produto em questão goza da protecção conferida pela patente ou pelo certificado complementar de protecção, mesmo que o referido produto tenha sido colocado no mercado pela primeira vez nesse novo Estado-Membro por ele próprio ou com o seu consentimento", Tratado de Adesão, Parte terceira, Título II, Anexo IV, Secção 2 "Direito das sociedades", AA2003/ACT/Annex IV/en p.2499, assinado em Atenas em 16 de Abril de 2003.

[32] Estes novos Estados-Membros introduziram direitos de protecção de patentes no período compreendido entre 1991 e 1994.

5. Protecção de marcas e reembalagem

O titular da marca não pode invocar o seu direito à marca para impedir a reembalagem sempre que: 1. a utilização do direito à marca pelo titular contribua para a compartimentação artificial dos mercados entre Estados-Membros, 2. a reembalagem não possa afectar negativamente o estado originário do produto, 3. seja afixada, na nova embalagem, a designação do autor da reembalagem e do fabricante, 4. a apresentação do produto reembalado não seja passível de prejudicar a reputação da marca e do respectivo titular e 5. este seja devidamente notificado antes de o produto reembalado ser colocado à venda

Em determinadas circunstâncias [33], reembalar o produto e reafixar a marca ou substitui-la por uma marca diferente utilizada para o mesmo produto no Estado-Membro destinatário é necessário para que o produto importado em paralelo possa ser comercializado num dado Estado-Membro. Esta questão foi abordada pelo Tribunal, tendo surgido um conjunto de condições relativas à necessidade e número de alterações a fazer à embalagem original.

[33] Por exemplo, requisitos relativos à língua da rotulagem e instruções ou regulamentação nacionais relativas às dimensões das embalagens.

Em conformidade com o n.º 2 do artigo 7.º da Directiva 89/104 [34], o princípio do esgotamento dos direitos conferidos pela marca não é aplicável sempre que existam motivos legítimos que justifiquem que o titular se oponha à comercialização posterior dos produtos, nomeadamente sempre que o estado desses produtos seja modificado ou alterado após a sua colocação no mercado. O Tribunal aceitou que o artigo 7.º da directiva regulamenta exaustivamente a questão do esgotamento dos direitos conferidos pela marca para os produtos comercializados na Comunidade, não deixando de observar que, como no caso de qualquer legislação secundária, a directiva deve ser interpretada à luz do disposto no Tratado CE acerca da livre circulação de mercadorias, nomeadamente o artigo 30.º [35]. Explica-se isto com base no facto de uma directiva não poder justificar os obstáculos ao comércio intracomunitário a não ser nos limites estabelecidos pela regulamentação do Tratado [36].

[34] JO L 40 de 11.12.1989, p. 1.

[35] Processos apensos C-427/93, C-429/93 e C-436/93 Bristol-Myers Squibb e Outros (1996) Col. I-3457.

[36] De acordo com a jurisprudência do Tribunal, processo C-51/93 Meyhui v Schott Zwiesel Glaswerke (1994) Col. I-3879, a proibição respeitante às restrições quantitativas e medidas de efeito equivalente - artigo 28.º CE - aplica-se, não apenas às medidas nacionais, mas igualmente às que emanam das instituições comunitárias.

Já foi mencionado que a derrogação ao princípio da livre circulação de mercadorias com base em razões de protecção da propriedade industrial e comercial [37] só é admissível quando justificável por motivos de salvaguarda de direitos que constituam o objecto específico da propriedade. O Tribunal decidiu que o objecto específico da marca é, nomeadamente, o de garantir ao titular o direito exclusivo à utilização dessa marca com o objectivo de colocar um produto no mercado pela primeira vez protegendo-o, por conseguinte, contra concorrentes que pretendam aproveitar-se do estatuto e reputação da marca mediante a venda de produtos que a utilizem ilegalmente [38]. De acordo com isto, a função essencial da marca é garantir ao consumidor a identidade da origem do produto, permitindo-lhe distingui-lo, sem qualquer risco de confusão, de produtos com uma origem diferente; é igualmente assegurar o consumidor de que o produto não foi sujeito a interferência por terceiros, sem autorização do titular da marca, de forma tal que pudesse afectar o estado originário do produto [39].

[37] Artigo 30º do Tratado CE.

[38] Cf., entre outros, os processos 16/74 Centrafarm v Winthrop (1974) Col. 1183, 102/77 Hoffmann-La Roche (1978) Col. 1139 e 1/81 Pfizer v Eurim-Pharm (1981) Col. 2913 confirmados pelos processos apensos C-427/93, C-429/93 e C-436/93 Bristol-Myers Squibb e Outros (1996) Col. I-3457.

[39] Nota 38.

Note-se que o titular da marca não pode invocar o seu direito à marca para impedir a reembalagem sempre que:

* o exercício do direito à marca pelo titular, tendo em conta o sistema de comercialização que este adoptou, contribua para a compartimentação artificial dos mercados entre Estados-Membros;

* a reembalagem não possa afectar negativamente o estado originário do produto;

* seja afixada, na nova embalagem, a designação do autor da reembalagem e do fabricante;

* a apresentação do produto reembalado não seja passível de prejudicar a reputação da marca e do respectivo titular; e

* o titular da marca receber uma notificação prévia antes de o produto reembalado ser posto à venda [40].

[40] Estas condições foram clarificadas pelo Tribunal numa série de acórdãos desde o processo 102/77 Hoffmann-La Roche (1978) Col. 1139. Cf., nomeadamente, o processo 1/81 Pfizer v Eurim-Pharm (1981) Col. 2913, os processos apensos C-427/93, C-429/93 e C-436/93 Bristol-Myers Squibb e Outros (1996) Col I-3457, o processo C-379/97 Upjohn (1999) Col. I-6927, o processo C-443/99 Merck, Sharp & Dohme (2002) Col. I-3703 e o processo C-143/00 Boehringer (2002) Col. I-03759

Por outro lado, o Tribunal decidiu que a condição de necessidade não será satisfeita se o importador paralelo pretender reembalar o produto e reafixar ou substituir a marca apenas por forma a assegurar uma vantagem comercial. Nesse caso, o titular da marca pode legalmente invocar o seu direito para impedir as acções supra referidas.

Se é ou não objectivamente necessário proceder à reembalagem de acordo com as condições abaixo explicadas é um caso a avaliar com base nas circunstâncias que se verificarem aquando da introdução do medicamento no mercado do Estado-Membro destinatário.

5.1. Compartimentação artificial do Mercado Interno

Sucede esta compartimentação sempre que o titular da marca coloca um produto farmacêutico idêntico nos mercados de vários Estados-Membros sob diversas formas de embalagem e/ou ao abrigo de uma marca diferente [41] e as dimensões da embalagem comercializada no Estado-Membro exportador não podem ser comercializadas no Estado-Membro destinatário por várias razões [42]. Além disso, o Tribunal decidiu igualmente que, mesmo quando uma das muitas dimensões do produto comercializado no Estado-Membro destinatário é igualmente comercializada no Estado-Membro exportador, tal não é suficiente para justificar a conclusão de que é desnecessária a reembalagem. A compartimentação dos mercados continuaria a existir se o importador só pudesse vender o seu produto em parte do respectivo mercado.

[41] A questão da substituição da marca pela utilizada para o mesmo produto no Estado-Membro destinatário foi abordada pelo Tribunal no processo C-379/97 Upjohn (1999) Col. I-6927.

[42] A compartimentação artificial do mercado não pode necessariamente ser atribuída directamente e pretendida pelo titular da marca, mas sim dever-se a factores tais como os referidos pelo Tribunal: regulamentação que autorize apenas a embalagem com determinadas dimensões ou prática nacional com as mesmas consequências, regulamentação do domínio dos seguros de doença que apenas permita o reembolso das despesas médicas a embalagens de determinadas dimensões, ou práticas de receituário médico bem-estabelecidas baseadas, inter-alia, em dimensões-padrão recomendadas por grupos profissionais e instituições de seguros de doenças.

Note-se que, em todas as circunstâncias, a reembalagem só é permitida se for necessária. Se, por exemplo, o produto importado puder ter acesso efectivo ao mercado de um Estado-Membro apenas mediante alteração dos rótulos afixados à embalagem original ou com uma nova bula, nesse caso, o titular da marca pode, de facto, opor-se à reembalagem na medida em que esta não é objectivamente necessária.

O Tribunal clarificou a expressão "acesso efectivo", decidindo [43] que pode existir num mercado ou em parte importante deste uma resistência de tal maneira forte de uma proporção significativa dos consumidores em relação aos medicamentos nos quais foram colocados novos rótulos que o acesso efectivo ao mercado deve ser considerado dificultado. Por conseguinte, nestas circunstâncias, o titular da marca não se poderia opor ao reacondicionamento.

[43] Processo C-443/99 Merck, Sharp & Dohme (2002) Col. I-3703

5.2. Efeitos negativos sobre o estado originário do produto

O conceito de efeito negativo sobre o estado originário do produto refere-se ao estado do produto dentro da embalagem. É aceite que o estado do produto não é negativamente afectado

* sempre que a reembalagem só afecta o reacondicionamento externo, deixando a embalagem interna intacta, ou

* sempre que a reembalagem é efectuada sob a supervisão de uma autoridade pública, por forma a assegurar que o produto permanece intacto.

Decorre da jurisprudência do Tribunal que o simples facto de retirar as tiras de blísteres, os frascos, as ampolas ou os inaladores da sua embalagem externa original e colocá-los numa nova embalagem externa não é de natureza a afectar o estado originário do produto contido na embalagem. O mesmo se aplica às operações que consistem em apor etiquetas autocolantes nos frascos, ampolas ou inaladores, em acrescentar à embalagem uma nova bula redigida na língua do Estado-Membro de importação ou em inserir um artigo suplementar, como um vaporizador, que não provém do titular da marca.

Por outro lado o Tribunal reconheceu que, de forma indirecta, o estado originário do produto contido na embalagem pode ser afectado quando, designadamente:

* a embalagem externa ou interna do produto reembalado ou uma nova bula não comporte certas informações importantes ou mencione informações inexactas relativas à natureza do produto, à sua composição, aos seus efeitos, à sua utilização ou à sua conservação, ou

* um artigo suplementar inserido na embalagem pelo importador e destinado à utilização ou à dosagem do produto não respeite o modo de utilização e as doses previstas pelo fabricante.

5.3. Indicação do autor da reembalagem e do fabricante do produto

Uma vez que é do interesse do titular da marca que o consumidor não seja levado a pensar que o titular é responsável pela reembalagem, a embalagem externa deve comportar uma indicação clara do autor da reembalagem do produto. Estas indicações devem ser impressas de tal modo que uma pessoa com uma faculdade de visão normal e que lhes preste um grau normal de atenção seja capaz de as entender. De igual modo, sempre que o importador paralelo tenha adicionado à embalagem um artigo suplementar cuja origem não provenha do titular da marca, essa origem deve ser indicada de modo a dissipar qualquer impressão de que o titular da marca é por ele responsável.

Em contrapartida, não se deve exigir que esteja ainda expressamente mencionado na embalagem que a reembalagem foi realizada sem o consentimento do titular da marca, semelhante indicação podendo ser entendida como implicando que o produto reembalado não é totalmente legítimo.

5.4. Apresentação do produto reembalado

O Tribunal reconheceu que, mesmo quando esteja indicado na embalagem o autor da reembalagem do produto, não se pode excluir que a reputação da marca e, portanto, a do seu titular possa, ainda assim, vir a sofrer com uma inadequada apresentação do produto reembalado. Em semelhante caso, o titular da marca tem um interesse legítimo, que se prende com o objecto específico do direito de marca, em opor-se à comercialização do produto. Para apreciar se a apresentação do produto reembalado é susceptível de prejudicar a reputação da marca, convém ter em conta a natureza do produto e o mercado a que se destina [44].

[44] O público é particularmente exigente no que respeita à qualidade e à integridade dos produtos farmacêuticos, sendo que uma embalagem defeituosa, de má qualidade ou não cuidada poderá prejudicar a reputação da marca. Isto dito, as exigências que deve satisfazer a apresentação de um produto farmacêutico reembalado variam conforme se trate de um produto vendido aos hospitais ou, por intermédio das farmácias, aos consumidores. No primeiro caso, os produtos farmacêuticos são administrados aos pacientes por profissionais para os quais a apresentação do produto não reveste grande importância. No segundo caso, a apresentação do produto reveste uma importância maior para o consumidor.

5.5. Aviso prévio do titular da marca

O titular da marca deve ser previamente avisado da colocação à venda do produto reembalado. Além disso, o titular pode exigir que o importador lhe forneça uma amostra do produto reembalado antes da sua colocação à venda a fim de poder verificar que a reembalagem não foi efectuada de modo a afectar directa ou indirectamente o estado originário do produto e que a apresentação após a reembalagem não é de natureza a prejudicar a reputação da marca [45]. Se o importador paralelo [46] não preencher este requisito, o titular da marca pode opor-se à comercialização do produto farmacêutico reembalado.

[45] Esta exigência permite ao titular da marca premunir-se melhor contra as actividades dos contrafactores.

[46] Não basta que o titular seja notificado mediante outras fontes, tais como a autoridade que emite uma licença de importação paralela em benefício do importador - processo C-143/00 Boehringer (2002) Col. I-03759.

Cada uma das partes interessadas deve, não obstante, esforçar-se lealmente por respeitar os interesses legítimos da outra. De acordo com isto, importa conceder ao titular da marca um prazo razoável para examinar o produto antes de reagir ao aviso, havendo também que ter em consideração o interesse do importador paralelo em proceder o mais rapidamente possível à comercialização do produto depois de ter obtido da autoridade competente a autorização necessária para este fim. No processo Boehringer [47], o Tribunal sugeriu que um período de quinze dias úteis parece ser um prazo razoável no caso de o importador paralelo ter optado por informar o titular da marca enviando-lhe simultaneamente uma amostra do medicamento reembalado. O Tribunal afirmou ainda que, tendo este prazo um carácter indicativo, é possível ao importador paralelo conceder um prazo mais curto e ao titular pedir para beneficiar de um prazo de reacção mais longo que o concedido pelo importador paralelo.

[47] Processo C-143/00 Boehringer (2002) Col. I-03759.

Note-se que, no atinente às importações paralelas de medicamentos abarcadas pela excepção prevista no Tratado de Adesão 2003, a regra é que o importador paralelo deve proceder à notificação com um mês de antecedência [48].

[48] "Qualquer pessoa que tencione importar ou comercializar um produto farmacêutico abrangido pelo parágrafo anterior para um Estado-Membro onde o produto goze de protecção conferida pela patente ou de protecção suplementar, deve provar às autoridades competentes, no pedido relativo a essa importação, que o titular ou o beneficiário dessa produção foi previamente notificado com o prazo de um mês". (Tratado de Adesão, Parte terceira, Título II, Anexo IV, Secção 2 "Direito das sociedades" AA2003/ACT/Annex IV/en p.2499, assinado em Atenas em 16 de Abril de 2003.

5.6. Autorização a nível comunitário

Sempre que um medicamento é autorizado a nível comunitário [49], a autorização de introdução no mercado emitida em conformidade com o Regulamento 2309/93 diz respeito à embalagem específica prevista para o medicamento no pedido de autorização. A autorização determina a dimensão da embalagem e a embalagem imediata a utilizar no medicamento, bem como a informação a incluir na embalagem imediata ou na embalagem exterior [50]. O Tribunal manteve que as prescrições específicas e detalhadas relativas à embalagem, destinadas a evitar que os consumidores sejam induzidos em erro e a proteger, deste modo, a saúde pública, se opõem a um enfaixamento (isto é, à junção) e à renovada rotulagem das embalagens destes medicamentos [51]. O Tribunal acrescentou, contudo, que a criação de uma nova embalagem pode ser possível se essa reembalagem for objectivamente necessária [52] para que o produto importado possa ter acesso efectivo ao mercado de determinado Estado-Membro.

[49] A autorização a nível comunitário é concedida em conformidade com o procedimento centralizado disposto no Regulamento (CEE) n.º 2309/93 do Conselho, JO 1993 L 214, pp.1-21.

[50] Nos termos do n.º 3 do artigo 9.º, n.º 1 do artigo 10.º e segundo parágrafo do artigo 11.º do Regulamento n.º 2309/93, a autorização incluirá, em anexo, o projecto de texto do rótulo e da bula, apresentado de acordo com a Directiva 92/27/CEE (actual Directiva 2001/83/CE, artigos 54.º a 69.º). Por seu turno, as informações a imprimir na embalagem do produto são específicas da mesma, uma vez que se baseiam na dimensão e na embalagem imediata, tal como deve constar no pedido em conformidade com o n.º 1 do artigo 6.º daquele diploma.

[51] Processo C-433/00 Aventis Pharma Deutschland (2002) Col. I-7761.

[52] As circunstâncias verificadas aquando da colocação no mercado do Estado-Membro de importação continuam a ser avaliadas em conformidade com os critérios estabelecidos no âmbito da jurisprudência do Tribunal, cf. nota 38.

Embora não seja necessária qualquer outra autorização, a Comunidade (na prática, a Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos - AEAM) e as entidades nacionais dos Estados-Membros em que o medicamento será distribuído em paralelo serão informadas dessa distribuição paralela, para que a AEAM possa verificar a conformidade com as condições da autorização de introdução no mercado e para que as entidades nacionais possam proceder à vigilância do mercado (identificação de lotes, fármacovigilância, etc.) e efectuar a vigilância após a introdução no mercado (Comunicação da Comissão relativa aos procedimentos comunitários de autorização de introdução no mercado dos medicamentos, JO C 229 de 22.7.1998, p. 4-17) [53].

[53] Na revisão em curso da legislação farmacêutica (n.º 3 do artigo 76.º da Directiva 2001/83/CE e n.º 1, alínea n), do artigo 57.º do regulamento proposto que substitui o Regulamento (CEE) n.º 2309/93), a Comissão propõe que este sistema se torne obrigatório. Em Novembro de 2001, a Comissão apresentou um pacote legislativo para a revisão da legislação farmacêutica, composto por um regulamento destinado a substituir o Regulamento (CEE) n.º 2309/93 e por duas directivas que alteram as Directivas 2001/83/CE e 2001/82/CE (COM (2001) 404 final). O pacote encontra-se actualmente em segunda leitura no Parlamento Europeu (2001/0252 (COD), 2001/0253 (COD) e 2001/0254 (COD)).

6. Conclusões

Desde a aprovação da comunicação da Comissão de 1982, o Tribunal abordou um grande número de questões relativas às importações paralelas de medicamentos e confirmou que um medicamento importado paralelamente está sujeito a uma licença concedida com base num procedimento simplificado sempre que as informações necessárias à protecção da saúde pública já tenham sido disponibilizadas às autoridades do Estado-Membro destinatário. É o caso quando ao medicamento em causa já tiver sido concedida uma autorização de introdução no mercado do Estado-Membro exportador e aquele medicamento seja suficientemente semelhante a um produto já autorizado no Estado-Membro destinatário. De acordo com isto, o Tribunal decidiu que sempre que a autorização de comercialização no Estado-Membro destinatário tiver sido revogada por razões que não a protecção da saúde pública, essa revogação não deverá afectar a validade da licença das importações paralelas.

Um novo elemento que contribuiu significativamente para a certeza jurídica e, por conseguinte, para o funcionamento sem entraves do mercado interno, foi a série de decisões pronunciadas pelo Tribunal no atinente à reembalagem de um produto importado em paralelo. O Tribunal esclareceu que a protecção de um direito de marca tem limites, apontando, nomeadamente, que este não pode contribuir para a compartimentação artificial do mercado interno. Por conseguinte, o importador paralelo pode proceder à reembalagem de uma especialidade farmacêutica e reafixar a marca ou, até, substitui-la pela marca utilizada no mercado destinatário, desde que a reembalagem não tenha efeitos negativos sobre o estado originário do produto ou sobre a reputação da marca e do respectivo titular. Outros requisitos confirmados pelo Tribunal são a obrigatoriedade de a nova embalagem exibir a menção do autor da reembalagem e, igualmente, a obrigatoriedade de o titular da marca ser notificado antes de o produto reembalado ser colocado à venda.

Todavia, nem todas as questões relativas às importações paralelas foram abordadas pelo Tribunal. À medida que o mercado interno evolui, não deixam de surgir novas questões, e as anteriores respostas exigem maior clarificação. Continuando todas as partes interessadas a perseguir os seus legítimos interesses no âmbito do mercado interno, o respeito do que foi já alcançado e a estreita cooperação entre as instituições comunitárias, as autoridades nacionais e os operadores económicos continuam a fornecer as bases sólidas para a resolução de todas as questões relevantes.

ANEXO

Perguntas e respostas

A quem se dirige a presente comunicação?

Dirige-se aos administradores nacionais, assim como às empresas ou indivíduos que evoluem no âmbito da comercialização de medicamentos.

Como pode esta comunicação ajudar-me?

Os decisores políticos e os administradores nacionais que trabalham com os pedidos de autorização de importações paralelas podem encontrar soluções a problemas complexos remetendo para a jurisprudência do Tribunal, enquanto, por seu lado, os operadores do mercado podem ficar mais esclarecidos acerca dos respectivos direitos e obrigações decorrentes do princípio da livre circulação de mercadorias.

As importações paralelas são legais?

As importações paralelas são legais e têm consequências directas a nível da diferença de preços e da evolução do mercado interno, que garante a livre circulação das mercadorias; devem ser respeitadas, como acontece em todos os casos, determinadas condições, designadamente as que decorrem da necessidade de proteger a saúde pública.

Mas a palavra "paralelas" não costuma indicar qualquer coisa habitualmente suspeita?

Aqui, não é de modo algum esse o caso. Trata-se apenas de indicar que a comercialização de um medicamento tem lugar fora da rede de distribuição do fabricante ou do seu representante autorizado. De qualquer modo, trata-se sempre do mesmo produto, ou de um produto suficientemente semelhante.

Mas isso não torna essa "semelhança" algo ambígua?

Pelo contrário, o Tribunal esclareceu a situação a bem do público e das autoridades nacionais em matéria de saúde pública. Muito especialmente, o produto importado em paralelo (ou seja, após ter sido concedida uma primeira autorização de comercialização pelo Estado-Membro destinatário) não tem de ser idêntico, em todos os aspectos, ao produto já fabricado pelo fabricante, mas deve, pelo menos, ter sido fabricado em conformidade com a mesma fórmula, utilizando o mesmo ingrediente activo e apresentar os mesmos efeitos terapêuticos.

O Estado-Membro destinatário não pode, apesar de tudo, impedir ou restringir as importações paralelas?

Sim, pode, desde que possa estabelecer que as eventuais medidas restritivas se destinam a proteger a saúde e a vida das pessoas ou a proteger a propriedade industrial e comercial (ou seja, patentes e marcas). As autoridades nacionais devem igualmente demonstrar que tais medidas são necessárias e proporcionais.

Como podem a saúde e a vida das pessoas ser protegidas eficazmente?

Os Estados-Membros têm à sua disposição várias ferramentas e procedimentos por forma a salvaguardar a saúde pública e, no caso dos medicamentos, só é concedida uma autorização de introdução no mercado após o produto ter sido objecto de verificação pormenorizada. Após a concessão dessa autorização, seria desnecessário, desproporcionado, moroso e oneroso aplicar outra vez exactamente o mesmo procedimento. Por conseguinte, as autoridades nacionais têm competência para confirmar que um produto importado em paralelo é o mesmo ou é suficientemente semelhante àquele cuja colocação no mercado já foi autorizada. Por sua vez, cabe ao importador paralelo submeter todas as informações relevantes, preenchendo as condições descritas supra, no âmbito de um procedimento muito mais simples. Pela mesma razão, quando a primeira autorização é revogada por motivos que não a protecção da saúde pública, isso não resulta automaticamente na revogação da licença relativa às importações paralelas.

O fabricante pode impedir ou restringir as importações paralelas?

O fabricante ou, em geral, o titular de um direito comercial ou industrial pode, de facto, solicitar, às autoridades nacionais ou aos tribunais dos Estados-Membros destinatários, a protecção do objecto específico destes direitos. Por outras palavras, o titular de uma patente pode solicitar a protecção do seu direito exclusivo de utilização de uma invenção, com o objectivo de fabricar produtos industriais, colocando-os no mercado pela primeira vez, quer directamente, quer mediante a concessão de licenças a terceiros. Por conseguinte, assim que coloca o seu produto no mercado pela primeira vez, o seu direito exclusivo de introdução no mercado é esgotado no âmbito do mercado interno, ou seja, o importador paralelo pode, de facto, adquirir o produto num determinado sítio e comercializá-lo noutro.

Os importadores paralelos podem ir mais longe e alterar o próprio produto?

Os importadores paralelos não podem alterar as características essenciais do próprio produto, pois isso poderia resultar num produto diferente que, consequentemente, não caberia na definição de produto importado em paralelo. Há, contudo, circunstâncias (por exemplo, diferenças linguísticas) em que determinadas alterações relativas à embalagem são consideradas necessárias para a comercialização do medicamento no Estado-Membro destinatário; por outras palavras, para evitar a compartimentação artificial do mercado interno. Com este fim, o importador paralelo pode alterar a embalagem e reafixar a marca na nova embalagem, ou, até, substitui-la pela marca utilizada para o mesmo produto no Estado-Membro destinatário, desde que isto não afecte negativamente o estado originário do produto, que a nova embalagem comporte o nome do autor da reembalagem e do fabricante, que a apresentação do produto reembalado não seja susceptível de prejudicar a reputação da marca e do seu titular e que este seja devidamente notificado antes de o produto reembalado ser colocado à venda. O Tribunal exarou orientações relativamente a cada uma destas condições.

Então, os problemas ficaram todos finalmente resolvidos?

Não é bem assim. Embora o Tribunal tenha abordado muitas questões, e a despeito da legislação comunitária que trata as questões gerais relativas à comercialização de medicamentos, não pode, de forma alguma, existir um guia "definitivo" das importações paralelas. Não deixam de surgir novas questões, e as anteriores respostas exigem maior clarificação. O respeito do que já foi alcançado e a cooperação incessante entre as instituições comunitárias, as autoridades nacionais e os operadores económicos têm sido - e ainda são - uma base sólida para a resolução de todas as questões em aberto.