52003DC0270

Livro verde sobre serviços de interesse geral /* COM/2003/0270 final */


LIVRO VERDE SOBRE SERVIÇOS DE INTERESSE GERAL

(Apresentado pela Comissão)

ÍNDICE

Introdução

1. Antecedentes

1.1. Definições e terminologia

1.2. Um papel evolutivo e crucial para as autoridades públicas

2. O âmbito da acção comunitária

2.1. Que tipo de subsidiariedade?

2.2. Legislação sectorial e enquadramento legislativo geral

2.3. Serviços económicos e não económicos

3. Uma definição comunitária de serviços de interesse geral?

3.1. Um conjunto comum de obrigações

3.1.1 Serviço universal

3.1.2 Continuidade

3.1.3 Qualidade do serviço

3.1.4. Acessibilidade de preços

3.1.5. Protecção dos utilizadores e dos consumidores

3.2. Ulteriores obrigações específicas

4. Boa governança: Organização, Financiamento e Avaliação

4.1. Definição de obrigações e escolha da organização

4.2. Financiamento dos serviços de interesse geral

4.3. Avaliação dos serviços de interesse geral.

5. Os serviços de interesse geral e o desafio da globalização

5.1. Política comercial

5.2. Política de desenvolvimento e de cooperação

6. Conclusões práticas

Síntese de todas as questões postas à discussão

ANEXO

Obrigações de serviço público e instrumentos de política comunitária na área dos serviços de

interesse económico geral

Introdução

1. A União Europeia encontra-se num ponto de viragem na sua história. Prepara-se para uma vaga sem precedentes de alargamentos e, simultaneamente, no contexto da Convenção, avizinha-se uma redefinição das suas tarefas e do funcionamento das suas instituições à luz de um novo Tratado Constitucional. Lançou ainda uma estratégia de desenvolvimento assente na sinergia entre as reformas económicas e sociais às quais associou as dimensões da sustentabilidade e do ambiente.

2. Neste contexto, os serviços de interesse geral desempenham um papel crescente. São parte dos valores partilhados por todas as sociedades europeias e constituem um elemento essencial do modelo europeu de sociedade. O seu papel é essencial para garantir maior qualidade de vida para todos os cidadãos e ultrapassar os problemas da exclusão social e do isolamento. Dado o seu peso na economia e a importância que revestem para a produção de outros bens e serviços, a sua eficácia e qualidade constituem um factor essencial de competitividade e coesão acrescida, em especial para atrair investimento para as regiões menos favorecidas. A eficácia e a prestação não discriminatória de serviços de interesse geral é também um requisito para o bom funcionamento do mercado único e para a ulterior integração económica na União Europeia. Acresce que estes serviços constituem um pilar da cidadania europeia, consubstanciando alguns dos direitos dos cidadãos europeus e proporcionando oportunidades de diálogo com as autoridades públicas no contexto de uma boa governança.

3. Na perspectiva da adesão de novos Estados-Membros, a garantia de serviços de interesse geral eficazes e com elevada qualidade e, em especial, o desenvolvimento das indústrias de redes e respectiva interconexão são essenciais para facilitar a integração, aumentar o bem-estar dos cidadãos e ajudar os indivíduos a fazer pleno uso dos seus direitos fundamentais. Entre os novos Estados-Membros, alguns conheceram na última década um período de transição para a economia de mercado, havendo que dar garantias aos cidadãos de que a União tem por muito importante o acesso de todos aos serviços de interesse geral.

4. Os serviços de interesse geral estão no cerne dos debates políticos. Com efeito, incidem na questão central do papel das autoridades públicas numa economia de mercado, garantindo, por um lado, o bom funcionamento do mercado e o cumprimento das regras por parte de todos os intervenientes e, por outro lado, salvaguardando o interesse geral, em especial a satisfação das necessidades fundamentais dos cidadãos e a preservação dos bens públicos sempre que o mercado não logra garanti-lo.

5. Nos primórdios das Comunidades, o objectivo da integração económica levou à concentração de esforços na eliminação das barreiras ao comércio entre os Estados-Membros. Foi sobretudo a partir da segunda metade dos anos de 1980 que inúmeros sectores que prestavam exclusiva ou essencialmente serviços de interesse económico geral foram gradualmente abertos à concorrência. Assim aconteceu com as telecomunicações, os serviços postais, os transportes e a energia. A liberalização estimulou a modernização, a interconexão e a integração destes sectores. Esta situação levou ao aumento do número de concorrentes e a baixas de preços, em especial nos sectores e países onde a liberalização começou mais cedo. Embora haja ainda poucos elementos para se poder avaliar o impacto de longo prazo da abertura à concorrência dos serviços de interesse geral, a informação disponível não confirma a tese de que a liberalização teve um impacto negativo no desempenho global desses serviços, pelo menos no que se refere à sua acessibilidade em termos de preços e à provisão de um serviço universal. A Comunidade sempre preconizou a liberalização "controlada", isto é, a abertura gradual dos mercados acompanhada de medidas de protecção dos interesses gerais, em particular mercê do conceito de serviço universal para garantir a todos, independentemente da respectiva situação económica, social ou geográfica, serviços de qualidade especificada e a preços acessíveis. Neste contexto, mereceu especial atenção a necessidade de garantir padrões adequados para os serviços transfronteiras que não podem ser convenientemente regulamentados apenas à escala nacional.

6. As reservas inicialmente manifestadas em relação à abertura dos mercados e ao seu possível impacto negativo no emprego e na provisão de serviços de interesse económico geral revelaram-se até aqui injustificadas. A abertura dos mercados, em geral, tornou os serviços mais acessíveis. Para os consumidores com rendimentos mais baixos, a quota-parte do rendimento individual para adquirir um cabaz-padrão de chamadas telefónicas ou para garantir um consumo energético básico baixou na maior parte dos Estados-Membros entre 1996 e 2002. O impacto da abertura dos mercados no emprego líquido também se revelou geralmente positivo. As perdas de postos de trabalho, em especial nos antigos monopólios, foram mais do que compensadas pela criação de novos empregos mercê do crescimento do mercado. Em termos globais, a liberalização das indústrias de redes terá levado à criação de cerca de um milhão de postos de trabalho na União Europeia [1].

[1] O mercado interno - dez anos sem fronteiras, SEC(2002) 1417, 7.1.2003

7. Apesar destes resultados, registaram-se certas apreensões após os primeiros passos na via da liberalização. A Comissão repetidas vezes procurou clarificar as políticas comunitárias nesta matéria. Numa primeira Comunicação horizontal, em 1996 [2], explicou os benefícios para os cidadãos da interacção entre as medidas da Comunidade nas áreas da concorrência e da livre circulação e as missões de serviço público. Nesta comunicação, sugeria ainda que a promoção de serviços de interesse geral fosse incluída nos objectivos do Tratado. A referida Comunicação foi actualizada em 2000 [3], com o objectivo de garantir maior segurança jurídica aos operadores no que se refere à aplicação das normas do Tratado relativas ao mercado interno e à concorrência. Em 2001, estas duas comunicações foram completadas por um relatório ao Conselho Europeu de Laeken [4]. Este relatório responde às preocupações no que se refere à viabilidade económica dos operadores incumbidos de missões de serviço público. Evidencia as garantias do nº 2 do artigo 86º do Tratado [5], a acção comunitária e a responsabilidade dos Estados-Membros, em especial no que se refere à definição de obrigações de serviço público. Acresce que a Comissão envidou esforços para melhor aferir o desempenho das indústrias que prestam serviços de interesse geral através de avaliações sectoriais e horizontais.

[2] Serviços de interesse geral na Europa, JO C 281, 26.9.1996, p. 3;

[3] Serviços de interesse geral na Europa, JO C 17, 19-01-2001, p.4

[4] COM (2001) 598 final, 17.10.2001

[5] O nº 2 do artigo 86º do Tratado estabelece:"As empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral ou que tenham a natureza de monopólio fiscal ficam submetidas ao disposto no presente Tratado, designadamente às regras de concorrência, na medida em que a aplicação destas regras não constitua obstáculo ao cumprimento, de direito ou de facto, da missão particular que lhes foi confiada. O desenvolvimento das trocas comerciais não deve ser afectado de maneira que contrarie os interesses da Comunidade"

8. Entretanto, o debate evoluiu com uma nova tónica. O Tratado de Amesterdão reconhece a posição dos serviços de interesse económico geral no conjunto dos valores comuns da União [6]. Investe ainda a Comunidade e os Estados-Membros, "dentro do limite das respectivas competências" da responsabilidade pelo bom funcionamento destes serviços. O "Protocolo relativo ao serviço público de radiodifusão" sublinha que os serviços públicos de radiodifusão nos Estados-Membros estão directamente vinculados às necessidades democráticas, sociais e culturais de cada sociedade e ao imperativo da preservação do pluralismo dos meios de comunicação. Acresce que na Carta dos Direitos Fundamentais [7] a União reconhece e garante aos cidadãos o direito de acesso aos serviços de interesse económico geral. Estas novas disposições são elementos importantes no desenvolvimento do processo da integração europeia: da esfera económica a questões mais vastas relacionadas com o modelo europeu de sociedade, ao conceito de cidadania europeia e às relações entre os cidadãos da União e as autoridades públicas. Suscitam também a problemática dos meios necessários para a sua efectiva implementação. A Comissão crê que estas questões deveriam ser objecto de um debate mais amplo e estruturado. Este debate terá certamente em conta os trabalhos em curso - no que se refere por exemplo aos valores e aos objectivos da União, à questão das competências ou ao princípio da subsidiariedade e da proporcionalidade - no âmbito da Convenção Europeia e da próxima Conferência Intergovernamental.

[6] O artigo 16º estabelece: "Sem prejuízo do disposto nos artigos 73º, 86º e 87º, e atendendo à posição que os serviços de interesse económico geral ocupam no conjunto dos valores comuns da União e ao papel que desempenham na promoção da coesão social e territorial, a Comunidade e os seus Estados-Membros, dentro do limite das respectivas competências e no âmbito de aplicação do presente Tratado, zelarão por que esses serviços funcionem com base em princípios e em condições que lhes permitam cumprir as suas missões"

[7] Artigo 36º da Carta: "A União reconhece e respeita o acesso a serviços de interesse económico geral tal como previsto nas legislações e práticas nacionais, de acordo com o Tratado que institui a Comunidade Europeia, a fim de promover a coesão social e territorial da União"

9. As incertezas e as preocupações dos cidadãos continuam presentes e carecem de uma resposta. O Parlamento Europeu sugeriu que a Comissão apresentasse uma proposta de directiva-quadro sobre serviços de interesse geral e o Conselho já instou a Comissão a pronunciar-se sobre a questão [8].

[8] CF. Conclusões da Presidência, Conselho Europeu de Barcelona, 15 e 16 de Março de 2002, parágrafo 42 e Conclusões do Conselho Europeu de Bruxelas, 20 e 21 de Março de 2003, parágrafo 26

10. A realidade dos serviços de interesse geral, que inclui serviços económicos e não económicos (de interesse geral), é complexa e está em constante evolução. Abrange um vasto leque de áreas, desde certas actividades das grandes indústrias de redes (energia, serviços postais, transportes e telecomunicações) à saúde, educação e serviços sociais, comporta diferentes dimensões, desde o quadro europeu ou mesmo global ao nível puramente local e assume naturezas diversas, mercantis e não mercantis. A organização destes serviços varia consoante as tradições culturais, as condições históricas e geográficas de cada Estado-Membro e as características da actividade em questão, em especial o desenvolvimento tecnológico.

11. A União Europeia respeita esta diversidade e o papel das autoridades nacionais, regionais e locais para garantir o bem-estar dos seus cidadãos e preservar as opções democráticas no que se refere, por exemplo, ao nível de qualidade dos serviços. Esta diversidade explica os vários níveis da intervenção comunitária e a utilização de diversos instrumentos. A União também tem o seu papel a desempenhar no âmbito das competências que lhe são próprias. Acresce que na União Europeia os serviços de interesse geral suscitam um conjunto de questões que são comuns aos diferentes serviços e autoridades competentes.

12. O debate que o presente Livro Verde entende lançar incide sobre questões relacionadas com:

* o propósito de uma possível acção da Comunidade que dê cumprimento ao Tratado e respeite plenamente o princípio da subsidiariedade;

* os princípios que poderiam ser incluídos numa possível directiva-quadro ou outro instrumento geral sobre serviços de interesse geral e o valor acrescentado de um tal instrumento;

* a definição de boa governança em matéria de organização, regulamentação, financiamento e avaliação de serviços de interesse geral, a fim de garantir maior competitividade à economia e um acesso eficaz e equitativo de todas as pessoas a serviços de elevada qualidade que satisfaçam as suas necessidades;

* quaisquer medidas susceptíveis contribuir para reforçar a segurança jurídica e garantir uma interacção coerente e harmoniosa entre o objectivo de manter serviços de interesse geral com elevada qualidade e a rigorosa aplicação das regras da concorrência e do mercado interno.

13. O Livro Verde divide-se em cinco partes, acompanhadas de uma introdução e de conclusões práticas. A primeira parte resume os antecedentes, a segunda discute o propósito da acção comunitária na área dos serviços de interesse geral, a terceira apresenta um conjunto de elementos para uma possível definição comum do conceito de serviços de interesse económico geral, com base na legislação sectorial em vigor, a quarta trata questões relacionadas com a organização, o financiamento e a avaliação dos serviços de interesse geral e a quinta incide sobre a dimensão internacional dos serviços de interesse geral. O Livro Verde é acompanhado de um anexo que define de forma circunstanciada as obrigações de serviço público, nos termos da legislação sectorial em vigor e enumera os instrumentos políticos disponíveis para garantir o cumprimento dessas obrigações.

14. O Livro Verde suscita inúmeras questões relativamente às quais a Comissão insta as partes interessadas a pronunciar-se. O documento é acompanhado de um quadro-síntese das principais questões.

1. Antecedentes

1.1. Definições e terminologia

15. Diferenças terminológicas, confusões semânticas e tradições diversas nos Estados-Membros estão na origem de inúmeros malentendidos no debate à escala europeia. Nos Estados-Membros, são utilizados conceitos e definições diferentes no contexto dos serviços de interesse geral, o que reflecte evoluções históricas, económicas, culturais e políticas distintas. A terminologia comunitária procura atender a todas estas diferenças.

16. A expressão "serviços de interesse geral" não consta do Tratado. Deriva na prática comunitária do conceito de "serviços de interesse económico geral", o qual é usado no Tratado. É mais vasto do que o conceito de "serviços de interesse económico geral" e abrange serviços mercantis e não mercantis, considerados de interesse geral pelas autoridades públicas e, por esse motivo, sujeitos a obrigações específicas de serviço público.

17. A expressão "serviços de interesse económico geral" é usada nos artigos 16º e 86º(2) do Tratado. Não está definida no Tratado, nem no direito derivado. Todavia, na prática comunitária, existe consenso em torno do facto de que a expressão se refere a serviços de natureza económica aos quais os Estados-Membros ou a Comunidade impõem obrigações de serviço público, por força de um critério de interesse geral. O conceito de serviços de interesse económico geral abrange assim sobretudo certos serviços prestados pelas grandes indústrias de redes, como os transportes, os serviços postais, a energia e as comunicações. Todavia, também se refere a qualquer outra actividade económica sujeita a obrigações de serviço público.

18. O Livro Verde incide essencialmente, mas não só, em questões relacionadas com "serviços de interesse económico geral" enquanto que o Tratado foca sobretudo as actividades económicas. A expressão "serviços de interesse geral" é utilizada no Livro Verde apenas quando se faz referência também a serviços não económicos ou quando não é necessário especificar a natureza económica ou não económica dos serviços em questão.

19. Os conceitos de "serviço de interesse geral" e "serviço de interesse económico geral" não devem ser confundidos com a noção de "serviço público". Este último termo é menos preciso. Pode ter diferentes significados e consequentemente gerar confusões. O termo remete para um serviço que é oferecido ao público em geral, outras vezes evidencia o facto de a um serviço ter sido conferido um papel específico no interesse do público e por vezes faz referência à propriedade ou ao estatuto da entidade que presta o serviço em questão [9]. Em consequência, este termo não será utilizado no Livro Verde.

[9] There is often confusion between the term «public service» and the term «public sector». The term «public sector» covers all public administrations together with all enterprises controlled by public authorities

20. O conceito de "obrigações de serviço público" é utilizado no Livro Verde, referindo-se a requisitos específicos que são impostos pelas autoridades públicas a quem presta um dado serviço, a fim de garantir o cumprimento de certos objectivos de interesse público, designadamente no que se refere aos transportes aéreos, ferroviários e rodoviários e à energia. Estas obrigações podem ser aplicadas a nível comunitário, nacional ou regional.

21. O termo "empresa pública" é normalmente utilizado para definir o regime de propriedade do operador do serviço em questão. O Tratado é estritamente neutro em relação a esta questão. Para o direito comunitário é irrelevante se os operadores de serviços de interesse geral são públicos ou privados, estando sujeitos aos mesmos direitos e às mesmas obrigações.

1.2. Um papel evolutivo e crucial para as autoridades públicas

22. Geralmente o mercado garante uma afectação óptima dos recursos em benefício de toda a sociedade. Todavia, alguns serviços de interesse geral não são prestados de forma plenamente satisfatória unicamente pelo mercado, dado que o seu preço é demasiado elevado para os consumidores com menor poder de compra ou porque os custos da provisão de tais serviços não poderiam ser cobertos pelo preço de mercado. Em consequência, incumbiu sempre às autoridades públicas garantir a satisfação de tais necessidades colectivas e qualitativas essenciais e a salvaguarda dos serviços de interesse geral sempre que as forças do mercado não o podem fazer. A importância crucial desta responsabilidade mantém-se inalterada.

23. Mudou, porém, a forma como as autoridades públicas cumprem as suas obrigações para com os cidadãos. Com efeito, o papel das autoridades públicas no contexto dos serviços de interesse geral está em constante adaptação à evolução económica, tecnológica e social. Na Europa, há todo um conjunto de serviços de interesse geral que tradicionalmente são prestados pelas próprias autoridades públicas. Actualmente, essas autoridades tendem a confiar a prestação de tais serviços a empresas públicas ou privadas ou a parcerias públicas-privadas [10], limitando-se a definir objectivos públicos, a acompanhar e a regulamentar e, se necessário, a financiar a prestação de tais serviços.

[10] A Comissão tenciona publicar no segundo semestre de 2003 um Livro Verde dos concursos públicos e das parcerias sector público/sector privado. Na sua Comunicação "Desenvolver a rede transeuropeia de transportes: Financiamentos inovadores - Interoperabilidade da teleportagem", COM(2003) 132final, 23.4.2003, a Comissão analisa estas parcerias à luz da necessidade de encontrar soluções de financiamento para o desenvolvimento da rede de transportes

24. Esta tendência não significa que as autoridades públicas renunciaram à sua responsabilidade de garantir o cumprimento dos objectivos de interesse geral. Através de instrumentos regulamentares adequados, as autoridades públicas deveriam estar aptas a configurar as políticas nacionais, regionais e locais na área dos serviços de interesse geral e a garantir a sua aplicação. Todavia, esta evolução de uma perspectiva de auto-provisão para um modelo assente na prestação através de entidades separadas tornou a organização, os custos e o financiamento destes serviços mais transparentes. Este facto reflecte-se no mais amplo debate e no controlo democrático mais rigoroso em relação à forma como os serviços de interesse geral são prestados e financiados. Esta transparência acrescida reduz também a possibilidade de utilização dos mecanismos de financiamento para limitar a concorrência nestes mercados.

25. Na União Europeia, a criação do mercado interno acelerou este processo. Ao mesmo tempo, o novo papel das autoridades públicas em relação à prestação de serviços de interesse geral também influenciou o desenvolvimento das políticas comunitárias.

26. O processo da integração europeia nunca pôs em causa a responsabilidade essencial nem a capacidade das autoridades públicas em relação às opções necessárias em matéria de regulamentação do funcionamento do mercado. A Comissão entende reafirmar esta responsabilidade através do fomento de um debate europeu sobre as opções políticas que se colocam em matéria de serviços de interesse geral à escala europeia. Os resultados deste debate servirão de base para futuras políticas comunitárias nesta área.

2. O âmbito da acção comunitária

27. No que se refere ao âmbito da intervenção da Comunidade, são três as principais questões a tratar neste ponto:

* De que forma, à luz do princípio da subsidiariedade, é que as responsabilidades na área dos serviços de interesse geral devem ser repartidas entre a Comunidade e os Estados-Membros e designadamente entre as administrações regionais e locais?

* Deverá a acção da Comunidade assentar numa óptica eminentemente sectorial ou num enquadramento geral?

* De que forma o âmbito da acção da Comunidade pode ser condicionado pela distinção entre serviços económicos e não económicos?

2.1. Que tipo de subsidiariedade?

28. Na área dos serviços de interesse geral, a divisão de tarefas e de poderes entre a Comunidade e os Estados-Membros é complexa e por vezes gera apreensões e frustrações nos consumidores, nos utentes e nos operadores.

29. O Tratado não menciona o funcionamento dos serviços de interesse geral enquanto objectivo da Comunidade nem investe esta última de competências positivas específicas neste domínio. Actualmente, excepto uma referência específica no Título relativo aos transportes [11], estes serviços são referenciados em duas disposições do Tratado.

[11] Cf. artigo 73.º do Tratado

* O artigo 16º estabelece que a Comunidade e os Estados-Membros, dentro do limite das respectivas competências, zelarão por que as suas políticas permitam que os serviços de interesse geral cumpram as suas missões. Enuncia um princípio do Tratado, sem no entanto dotar a Comunidade de meios de acção específicos.

* O nº 2 do artigo 86º reconhece implicitamente o direito dos Estados-Membros de atribuírem obrigações específicas de serviço público a certos operadores económicos. Consagra o princípio fundamental de que os serviços de interesse económico geral podem continuar a ser prestados e desenvolvidos no mercado comum. As entidades que prestam serviços de interesse geral só estão isentas da aplicação das disposições do Tratado na medida do que for estritamente necessário para lhes permitir cumprir a sua missão de interesse geral. Em consequência, em caso de conflito, o cumprimento de uma missão de serviço público pode efectivamente sobrepor-se à aplicação das disposições comunitárias, incluindo as que regem o mercado interno e a concorrência, nos termos previstos no nº 2 do artigo 86º [12]. Em consequência, o Tratado protege o desempenho eficaz da missão de interesse geral, mas não necessariamente o operador enquanto tal.

[12] Na Comunicação de 2000 sobre serviços de interesse geral na Europa, a Comissão explicou os três princípios subjacentes à aplicação destas disposições, a saber, a neutralidade, a margem de manobra e a proporcionalidade

30. Acresce que, nos termos da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, a União reconhece e respeita o acesso a serviços de interesse económico geral, a fim de promover a coesão social e territorial da União [13].

[13] Cf. artigo 36º da Carta dos Direitos Fundamentais

31. Cabe em primeiro lugar às autoridades nacionais, regionais e locais definir, organizar financiar e acompanhar os serviços de interesse geral. A Comunidade, por seu lado, está investida de um vasto leque de competências gerais em áreas relevantes para os serviços de interesse geral: mercado interno, concorrência e auxílios estatais, livre circulação, política social, transportes, ambiente, saúde, política do consumidor, redes transeuropeias, indústria, coesão económica e social, investigação, comércio e cooperação para o desenvolvimento e fiscalidade. As competências e as responsabilidades conferidas pelo Tratado atribuem à Comunidade um vasto conjunto de meios de intervenção para garantir que todos os cidadãos da União Europeia têm acesso a serviços de interesse geral de elevada qualidade.

Os serviços de interesse geral ligados à previdência e à protecção social constituem uma área que é claramente da competência das autoridades nacionais, regionais e locais. Não obstante, é reconhecido à Comunidade um papel na promoção da cooperação e de coordenação nestas áreas. Constitui motivo de especial preocupação para a Comissão o fomento da cooperação entre os Estados-Membros em questões relacionadas com a modernização dos sistemas de protecção social.

32. Distinguem-se três categorias de serviços de interesse geral no que se refere à necessidade e à intensidade da acção comunitária e ao papel dos Estados-Membros:

(1) Serviços de interesse económico geral a cargo das grandes indústrias de redes

Desde a década de 1980 que a Comunidade tem prosseguido na via da abertura progressiva dos mercados às grandes indústrias de redes, designadamente as telecomunicações, os serviços postais, a electricidade, o gás e os transportes, as quais prestam serviços de interesse económico geral. Ao mesmo tempo, a Comunidade aprovou um enquadramento legislativo global para estes serviços que comporta obrigações específicas de serviço público ao nível europeu e inclui aspectos como o serviço universal, os direitos do consumidor e do utente e questões de saúde e segurança. Estas indústrias apresentam uma clara a vasta dimensão comunitária e justificam o desenvolvimento do conceito de interesse geral europeu. Esta realidade é reconhecida no Título XV do Tratado que investe a Comunidade de responsabilidades especiais em relação às redes transeuropeias de infra-estruturas de transportes, telecomunicações e energia, com o duplo objectivo de melhorar o funcionamento do mercado interno e reforçar a coesão económica e social.

(2) Outros serviços de interesse económico geral

Há outros serviços de interesse económico geral, como a gestão dos resíduos, o aprovisionamento de água ou o serviço público de radiodifusão, que não estão abrangidos por um regime regulamentar global à escala comunitária. Em geral, a provisão e a organização destes serviços está sujeita às disposições que regem o mercado interno, a concorrência e os auxílios estatais, desde que tais serviços tenham incidência no comércio entre os Estados-Membros. Acresce que a certos aspectos da provisão destes serviços pode ser aplicável legislação comunitária específica, designadamente a referente ao ambiente.

Em relação à eliminação de resíduos (ex. aterros), por exemplo, as disposições da legislação comunitária relevante preconizam o "princípio da proximidade" [14]. De acordo com este princípio, os resíduos devem ser eliminados tão perto quanto possível do local onde foram gerados.

[14] Cf. Directiva 75/442/CEE do Conselho, sobre resíduos, JO L 194, 25.71975, p.47 e Regulamento 93/259/CEE do Conselho sobre transferências de resíduos, JO L 30, 6.2.1993, p.1

No que se refere à radiodifusão televisiva, o regime regulamentar é coordenado ao nível comunitário pela Directiva "Televisão sem fronteiras" [15], em especial no que se refere a eventos de grande importância para a sociedade, promoção de obras europeias e de produções independentes, publicidade e protecção de menores. Em virtude da importância do serviço público de radiodifusão para dar resposta aos anseios sociais e culturais da sociedade, foi anexado ao Tratado de Amesterdão um protocolo específico relativo ao serviço público de radiodifusão nos Estados-Membros. Na sua comunicação "Princípios e orientações para a política audiovisual da Comunidade na era digital" [16], a Comissão estabelece princípios regulamentares aplicáveis ao serviço público de radiodifusão. A Comissão explicou ulteriormente a sua perspectiva em Comunicação de 17 de Outubro de 2001 relativa à aplicação das regras relativas aos auxílios estatais ao serviço público de radiodifusão [17]. Tem em conta em especial o facto de a paisagem audiovisual na Comunidade Europeia se caracterizar por um sistema dual em que coexistem empresas de radiodifusão públicas e privadas.

[15] Directiva 89/552/CEE do Conselho, de 3 de Outubro de 1989, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros relativas ao exercício de actividades de radiodifusão televisiva, JO L 298, 17.10.1989, p.23

[16] COM(1999) 657, 14-12-1999

[17] JO C 320 de 15-11-2001, p. 5. Nesta Comunicação, a Comissão reconhece o papel especial do serviço público de radiodifusão para dar resposta aos anseios democráticos, sociais e económicos de cada sociedade, de acordo com o Protocolo anexo ao Tratado de Amesterdão. Os Estados-Membros estão habilitados a definir e determinar as formas de financiamento do serviço público, podendo classificar de missão de serviço público um vasto espectro de programas, entre os quais se podem incluir, por exemplo, programas de entretenimento e eventos desportivos. A Comissão considera ser seu dever verificar a existência de práticas abusivas e de remunerações excessivas, de acordo com os critérios mencionados na Comunicação

(3) Serviços não económicos e serviços sem efeitos no comércio

Os serviços de interesse geral de natureza não económica e os serviços sem efeito no comércio entre os Estados-Membros não são objecto de legislação comunitária específica, nem estão abrangidos pelas disposições do Tratado em matéria de mercado interno, concorrência e auxílios estatais. Todavia, a eles se aplicam as disposições comunitárias em vigor para as actividades não económicas e as que não têm efeitos no comércio intra-comunitário, designadamente o princípio fundamental da não discriminação.

33. Assim, a Comunidade desenvolveu uma política para os serviços de interesse geral que se baseia em vários tipos de acções e recorre a diferentes instrumentos. Contudo, a criação de um enquadramento sectorial específico de âmbito comunitário não garante por si só a cada indivíduo o acesso a serviços eficazes e de elevada qualidade em toda a União Europeia. Cabe às autoridades nacionais competentes especificar e completar as disposições comunitárias em matéria de obrigações de serviço público e acompanhar a sua aplicação. Por outro lado, a Comissão pode tomar medidas específicas para dar cumprimento às disposições comunitárias nas áreas da concorrência e dos auxílios estatais. Desta situação pode resultar um aparente desequilíbrio na acção da Comunidade, o qual pode afectar a sua credibilidade.

34. A legislação comunitária aplicável às indústrias de redes teve em conta a importância das administrações públicas dos Estados-Membros na aplicação da legislação na área dos serviços de interesse geral ao exigir a criação de autoridades reguladoras independentes. A legislação comunitária deixa o pormenor das disposições institucionais relativas à autoridade reguladora ao critério dos Estados-Membros. Poderá tratar-se de uma entidade já existente ou do ministério de tutela do sector, uma solução por que optaram alguns Estados-Membros. Esta solução revelou-se problemática no que se refere à independência da autoridade reguladora nacional em alguns casos em que os Estados-Membros também detêm ou controlam empresas que operam no sector em questão. A importância e a natureza permanente, complexa e evolutiva das tarefas de regulação requerem por vezes os conhecimentos e a independência de uma entidade sectorial específica [18]. Esta missão reguladora é importante para completar a acção das autoridades da concorrência em termos de objectivos, conhecimentos sectoriais, calendário e continuidade da intervenção. As entidades reguladoras têm um importante papel a desempenhar para garantir a prestação de serviços de interesse geral, criar condições para uma concorrência leal, prevenir perturbações no serviço ou no aprovisionamento e garantir níveis adequados de protecção do consumidor. Quase todos os Estados-Membros instituíram uma autoridade reguladora para os sectores em questão. No entanto, mesmo quando existe uma autoridade reguladora sectorial, o governo - através do ministério da tutela - chama a si a responsabilidade de certas decisões de regulação.

[18] O conceito de autoridade reguladora nacional está definido na Decisão 2002/627/CE da Comissão, de 29 de Julho de 2002, que institui o grupo de reguladores europeus para as redes e serviços de comunicações electrónicas JO L 200/38, 30.7.2002:"Para efeitos da presente decisão entende-se por "autoridade reguladora nacional competente" a autoridade pública instituída em cada Estado-Membro para supervisionar diariamente a interpretação e aplicação das disposições das directivas relacionadas com as redes e serviços de comunicações electrónicas, como definido na directiva-quadro."

35. Acresce que a legislação e a prática da Comunidade fomentam a cooperação e o intercâmbio de boas práticas entre as autoridades reguladoras nos Estados-Membros e entre estas e a Comissão. Ainda que a criação de autoridades reguladoras nacionais seja já uma realidade difusa, a instituição de instâncias de regulação europeias para os serviços de interesse geral ou o reforço da cooperação entre autoridades nacionais (redes estruturadas) ainda não foi amplamente discutida e pode suscitar dúvidas. Entre os objectivos, conta-se a necessidade de obter um grau de coerência entre as estratégias nacionais de regulamentação para evitar distorções decorrentes de abordagens diferentes que poderiam surtir efeitos no correcto funcionamento do mercado interno, bem como a importância de melhorar o funcionamento destes serviços.

36. Questões a debater:

(1) Deve o desenvolvimento de serviços de interesse geral de elevada qualidade ser incluído nos objectivos da Comunidade? Deve a Comunidade ser investida de competências jurídicas adicionais na área dos serviços económicos e não económicos de interesse geral?

(2) É necessário clarificar a forma como são partilhadas as responsabilidades entre a Comunidade e as administrações nacionais? É necessário clarificar o conceito de serviços sem efeito no comércio entre os Estados-Membros? Em caso afirmativo, como?

(3) Existem serviços (que não as grandes indústrias de redes referidas no parágrafo 32) para os quais deveria ser definido um enquadramento regulamentar de âmbito comunitário?

(4) É necessário melhorar o enquadramento institucional? Como? Quais os papéis respectivos das autoridades da concorrência e das autoridades reguladoras? É oportuna a criação de uma instância reguladora europeia para cada indústria regulamentada ou de redes de autoridades nacionais reguladoras estruturadas à escala europeia?

2.2. Legislação sectorial e enquadramento legislativo geral

37. Até aqui, a Comunidade aprovou legislação sobre serviços de interesse geral numa base sectorial. Assim, foi desenvolvido um conjunto de legislação sectorial específica para as diferentes indústrias de redes, como as comunicações electrónicas, os serviços postais, o gás, a electricidade e os transportes, para as quais podem ser fornecidos serviços de interesse económico geral. À luz da experiência adquirida, levantou-se a questão da oportunidade de um enquadramento europeu comum para garantir uma aplicação coerente à escala da Comunidade dos princípios subjacentes ao artigo 16º do Tratado. Neste contexto, a Comissão assumiu o compromisso perante o Conselho Europeu de Laeken, no sentido de encontrar o instrumento mais adequado para garantir o desenvolvimento de serviços de interesse geral de elevada qualidade na União Europeia, de forma coerente com todas a políticas comunitárias.

38. Poder-se-ia optar por um instrumento de carácter geral para fixar, clarificar e consolidar os objectivos e os princípios comuns a todos ou vários tipos de serviços de interesse geral, nos domínios da competência da Comunidade. Um tal instrumento forneceria a base para ulterior legislação sectorial que daria cumprimento aos objectivos definidos no quadro geral, o que simplificaria e consolidaria o mercado interno neste domínio.

39. A consolidação do acervo comunitário poderia assentar nos elementos comuns da legislação sectorial específica actualmente em vigor, o que contribuiria para a coerência global da estratégia para os diferentes sectores de serviços de interesse geral. Teria ainda um importante valor simbólico, na medida em que evidenciaria claramente a perspectiva comunitária assim como a existência de um projecto comum de serviços de interesse geral. Acresce que a consolidação poderia ajudar os novos Estados-Membros a desenvolver as suas próprias estratégias reguladoras nesta área.

40. Todavia, uma abordagem desta natureza teria as suas limitações, na medida em que um instrumento de enquadramento que fixasse objectivos e princípios comuns teria um carácter eminentemente geral, ao mesmo tempo que deveria assentar no denominador comum dos diferentes serviços com características muito distintas. A manterem-se os níveis actuais de protecção, seria necessário completar o todo com legislação sectorial específica que estabelecesse disposições mais detalhadas que tivessem em conta as características dos diferentes serviços de interesse geral. Acresce que o artigo 16º não proporciona uma base jurídica para a adopção de um instrumento específico. Outras disposições do Tratado poderiam servir de base jurídica, consoante o conteúdo do instrumento em questão. Poder-se-ia, por exemplo, recorrer ao artigo 95º, mas um instrumento de enquadramento assente nesta disposição teria de limitar-se aos serviços de interesse económico geral com incidência no comércio intra-comunitário. Isto significaria que inúmeros importantes sectores ficariam excluídos do âmbito de aplicação deste instrumento, em razão da sua natureza não económica ou da sua reduzida incidência no comércio. Na eventualidade de se considerar oportuno legislar nesta matéria, uma alteração ao Tratado seria talvez a melhor forma de se garantir a base jurídica adequada.

41. No que se refere à forma jurídica, a consolidação dos objectivos e dos princípios comuns poderia ser feita através de um instrumento legislativo (directiva ou regulamento) ou de um instrumento não legislativo (recomendação, comunicação, orientações, acordo interinstitucional). Para além dos diferentes efeitos jurídicos, os vários instrumentos também diferem em relação ao grau de participação das diferentes instituições comunitárias no processo de adopção [19].

[19] Neste contexto, importa ter presente que os instrumentos jurídicos da União estão a ser objecto de discussões na Convenção Europeia. Com efeito, os artigos 24º a 28º do Anteprojecto de Tratado Constitucional definem o conjunto de instrumentos jurídicos proposto

42. Questões a debater:

(5) É oportuno definir um enquadramento geral comunitário para os serviços de interesse geral? Qual seria o seu valor acrescentado relativamente à legislação sectorial existente? Quais os sectores e os temas a abranger? Que instrumentos deveriam ser utilizados (directiva, regulamento, recomendação, comunicação, orientações, acordo interinstitucional)?

(6) Qual tem sido o impacto da regulamentação sectorial específica? Foram registadas quaisquer incoerências?

2.3. Serviços económicos e não económicos

43. A distinção entre serviços de natureza económica e serviços de natureza não económica é importante uma vez que não lhes são aplicáveis as mesmas disposições do Tratado. Por exemplo, o princípio da não discriminação e o princípio da livre circulação de pessoas aplicam-se no que se refere ao acesso a todos os tipos de serviços. As disposições aplicáveis aos concursos públicos são válidas para os bens, serviços ou obras adquiridos por autoridades públicas, tendo em vista a prestação de serviços económicos e não económicos. Todavia, a livre prestação de serviços, o direito de estabelecimento, as disposições do Tratado relativas à concorrência e aos auxílios estatais só se aplicam às actividades económicas. Também o artigo 16º do Tratado e o artigo 36º da Carta dos Direitos Fundamentais fazem referência unicamente a serviços de interesse económico geral.

44. No que se refere à distinção entre serviços de natureza económica e serviços de natureza não económica, constitui uma actividade económica qualquer actividade consistente na oferta de bens ou serviços num determinado mercado [20]. Assim, os serviços económicos e não económicos podem coexistir dentro do mesmo sector, podendo mesmo por vezes ser prestados pela mesma entidade. Por outro lado, ainda que possa não haver mercado para a provisão de determinados serviços ao público, poderá haver um mercado a montante onde as empresas contratam com as autoridades públicas a prestação de tais serviços. As disposições aplicáveis ao mercado interno, à concorrência e aos auxílios estatais são válidas para estes mercados a montante.

[20] Acórdão do Tribunal de Justiça, Processos apensos C-180/98 a C-184/98 Pavel Pavlov and Others v Stichting Pensioenfonds Medische Specialisten [2000] CJ I-6451

45. A gama de serviços que podem ser prestados num dado mercado é função da evolução tecnológica, económica e social e evoluiu com o tempo. Em consequência, a distinção entre actividades económicas e não económicas tem sido dinâmica e evolutiva, com um número crescente de actividades a assumirem relevância económica nas últimas décadas. Para um número crescente de serviços, esta distinção tornou-se menos precisa. Na sua Comunicação de 2000, a Comissão apresentou vários exemplos de actividades não económicas [21]. Estes exemplos referem-se a questões específicas que constituem prerrogativas exclusivas do Estado, serviços como a educação e os regimes gerais de segurança social e inúmeras actividades empreendidas por organizações que desempenham funções sociais, que não foram concebidas para exercer actividades industriais ou comerciais. Uma vez que a distinção não é estática no tempo, a Comissão sublinhou no relatório ao Conselho Europeu de Laeken que não seria viável nem oportuno constituir a priori uma lista definitiva de todos os serviços de interesse geral que devem ser considerados como não económicos [22].

[21] JO C 17, 19.1.2001, p. 4 (Nos 28-30)

[22] COM(2001) 598, 17-10-2001(Nº 30)

46. Embora o carácter evolutivo e dinâmico desta distinção até à data não tenha na prática criado problemas à Comissão, suscitou reservas, designadamente junto dos prestadores de serviços não económicos que exigem maior segurança jurídica no que se refere ao seu enquadramento regulamentar.

47. Acresce que o futuro dos serviços não económicos de interesse geral, quer estejam ligados a prerrogativas do Estado ou a sectores sensíveis como a cultura, a educação, a saúde e os serviços sociais, levanta inúmeras questões à escala europeia, designadamente no que se refere ao conteúdo do modelo europeu de sociedade. O papel activo das organizações caritativas, de voluntariado e humanitárias explica em parte a importância que os cidadãos europeus atribuem a estas questões.

48. Questões a debater:

(7) É necessário especificar ulteriormente o critério utilizado para determinar se um serviço é de natureza económica ou não económica? Deve a situação das organizações sem fins lucrativos e das organizações que desempenham funções sociais ser ulteriormente clarificada?

(8) Qual deveria ser o papel da União no que se refere aos serviços não económicos de interesse geral?

3. Uma definição comunitária de serviços de interesse geral?

49. Provavelmente não é desejável nem possível encontrar uma definição europeia única para o conceito de serviços de interesse geral. Todavia, a legislação comunitária em vigor nesta matéria apresenta vários elementos comuns que podem servir de base para a definição de um conceito comunitário de serviços de interesse económico geral. Entre estes elementos, contam-se em especial os seguintes: serviço universal, continuidade, qualidade do serviço, acessibilidade de preços, protecção do utilizador e do consumidor. Estes elementos comuns identificam valores e objectivos da Comunidade. Foram transpostos enquanto obrigações para as respectivas legislações nacionais e visam a consecução de objectivos como a eficácia económica, a coesão social ou territorial e a segurança para todos os cidadãos. Podem também ser completados por requisitos mais específicos consoante as características do sector em questão. Poderiam também ser relevantes para os serviços sociais se fossem desenvolvidos para certas indústrias de redes.

3.1. Um conjunto comum de obrigações

3.1.1 Serviço universal

50. O conceito de serviço universal refere-se a um conjunto de requisitos de interesse geral que garantem que certos serviços são disponibilizados, com a qualidade especificada, a todos os consumidores e utentes no território de um Estado-Membro, independentemente da sua localização geográfica, e a um preço acessível, em função das condições nacionais específicas. [23] A ideia desenvolveu-se em torno das indústrias de redes (telecomunicações, electricidade e serviços postais). O conceito estabelece o direito de cada cidadão aceder a certos serviços considerados essenciais e impõe às indústrias obrigações no sentido de garantirem a oferta de um dado serviço em determinadas condições, designadamente no que se refere à cobertura geográfica integral. Num contexto de mercado liberalizado, uma obrigação de serviço universal garante que cada indivíduo tem acesso ao serviço a um preço razoável e que a qualidade do mesmo é mantida e, quando necessário, melhorada.

[23] Cf. nº 1 do artigo 3º da Directiva 2002/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 7 de Março de 2002 relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva serviço universal), JO L 108, 24.4.2002, p. 51

51. O conceito de serviço universal tem um carácter dinâmico. Garante que os requisitos de interesse geral têm em devida conta a evolução política, social, económica e tecnológica e permite que estes requisitos sejam, sempre que necessário, adaptados às necessidades dos cidadãos.

52. Trata-se também de um conceito flexível, plenamente compatível com o princípio da subsidiariedade. A partir do momento em que os princípios do serviço universal são estabelecidos ao nível da Comunidade, a aplicação dos mesmos pode ser deixada à responsabilidade dos Estados-Membros, permitindo assim que as diferentes tradições e práticas nacionais e regionais sejam devidamente consideradas. Acresce que o conceito de serviço universal pode aplicar-se a diferentes estruturas de mercado, podendo em consequência ser utilizado como factor de regulamentação dos serviços nas diferentes fases da liberalização e da abertura ao mercado.

53. No decurso das últimas duas décadas, o conceito de serviço universal tornou-se um pilar fundamental e indispensável da política comunitária na área dos serviços de interesse económico geral. Permitiu que se atendesse aos requisitos de interesse público em diferentes domínios, tais como a eficácia económica, o progresso tecnológico, a protecção do ambiente, a transparência e a responsabilização, os direitos do consumidor e medidas especiais relativamente a deficiência, idade ou educação. O conceito contribuiu também para reduzir as disparidades nas condições de vida e nas oportunidades nos Estados-Membros.

54. A aplicação do princípio do serviço universal revela-se uma tarefa complexa e exigente para as instâncias nacionais de regulação, as quais, em muitos casos, só recentemente foram criadas e cuja experiência é pois necessariamente limitada. Ao nível da Comunidade, os direitos de acesso aos serviços estão consagrados em diferentes directivas, mas as instituições comunitárias só por si não podem garantir a plena aplicação prática destes direitos. Há o risco de que os direitos que a legislação comunitária consagra sejam meramente teóricos, mesmo quando são formalmente transpostos para a legislação nacional.

3.1.2 Continuidade

55. Alguns serviços de interesse geral caracterizam-se por requisitos de continuidade, sendo que o respectivo operador é obrigado a garantir que o mesmo é prestado sem interrupção. Em relação a certos serviços, a provisão ininterrupta pode até corresponder ao interesse comercial do prestador, pelo que nem sempre é necessário impor ao operador um requisito legal de continuidade. No plano nacional, esse requisito tem de ser conciliado com o direito à greve e o respeito do Estado de direito.

56. A garantia da continuidade da prestação de um serviço não é tratada de forma coerente na legislação sectorial da Comunidade. Em alguns casos, essa legislação sectorial estabelece explicitamente uma obrigação de continuidade [24]. Noutros casos, a regulamentação sectorial específica não comporta requisitos de continuidade, mas autoriza explicitamente os Estados-Membros a impor tais requisitos aos operadores [25].

[24] Por exemplo, o nº 1 do artigo 3º da Directiva 97/67/CE, obriga os Estados-Membros a garantir "uma oferta permanente de serviços postais". Cf. Directiva 97/67/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Dezembro de 1997 relativa às regras comuns para o desenvolvimento do mercado interno dos serviços postais comunitários e a melhoria da qualidade de serviço, JO L 15, 21.1.1998

[25] O nº 2 do artigo 3º da Directiva "Electricidade" estabelece que "(...) os Estados-Membros podem impor às empresas do sector da electricidade, no interesse económico geral, obrigações de serviço público relativas à segurança, incluindo (...) regularidade (...) dos fornecimentos (...) Essas obrigações devem ser claramente definidas, transparentes, não discriminatórias e controláveis; Devem, assim como a sua eventual revisão, ser publicadas e prontamente comunicadas pelos Estados-Membros à Comissão. Cf. Directiva 96/92/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 19 de Dezembro de 1996 que estabelece regras comuns para o mercado interno da electricidade, JO L 027 de 30/01/1997

3.1.3 Qualidade do serviço

57. A definição, o acompanhamento e a aplicação de requisitos de qualidade por parte das autoridades públicas tornaram-se elementos essenciais do processo de regulação na área dos serviços de interesse geral.

58. Nos sectores já liberalizados, a Comunidade não contou exclusivamente com as forças do mercado para manter e desenvolver a qualidade dos serviços. Embora em geral caiba aos Estados-Membros estabelecer os níveis de qualidade dos serviços de interesse geral, em alguns casos a legislação comunitária fixa normas neste domínio. Entre estes incluem-se designadamente, normas em matéria de segurança, correcção e transparência da facturação, cobertura territorial e protecção contra cortes de fornecimento ou serviço. Noutros casos, os Estados-Membros estão autorizados ou são mesmo instados a estabelecer normas de qualidade. Acresce que casos há em que os Estados-Membros são chamados a acompanhar e a garantir a conformidade com os padrões de qualidade, devendo também zelar pela divulgação por parte dos operadores das normas de qualidade e dos níveis de desempenho. É nas áreas dos serviços postais e dos serviços de comunicações electrónicas que se avançou mais no que respeita à regulamentação da qualidade ao nível comunitário.

59. A Comissão desenvolveu também medidas de carácter não regulador para promover a qualidade dos serviços de interesse económico geral, incluindo instrumentos financeiros, normas europeias facultativas e intercâmbios de boas práticas. A título de exemplo, refira-se que nos sectores do gás e da electricidade, a Comunidade promove a cooperação voluntária entre as instâncias reguladoras.

3.1.4. Acessibilidade de preços

60. O conceito de acessibilidade dos preços foi desenvolvido no contexto da regulamentação do sector dos serviços de telecomunicações. Foi subsequentemente introduzido na regulamentação dos serviços postais [26]. Exige que um serviço de interesse económico geral seja oferecido a um preço acessível, a fim de que todos dele possam beneficiar. A aplicação do princípio da acessibilidade dos preços contribui para a coesão económica e social entre os Estados-Membros.

[26] O conceito mais vasto de "fixação razoável de preços" está a ser discutido no âmbito da alteração proposta à directiva relativa ao gás

61. A legislação sectorial em vigor não especifica os critérios de determinação da acessibilidade dos preços. Estes critérios devem ser definidos pelos Estados-Membros. Um aspecto relevante poderia ser, por exemplo, a taxa de penetração ou o preço de um cabaz de serviços essenciais em relação com o rendimento disponível de determinadas categorias de consumidores. Haverá que atender às necessidades e às capacidades dos grupos vulneráveis e marginalizados. Por fim, uma vez fixado um nível considerado acessível, os Estados-Membros devem garantir que esse nível é efectivamente disponibilizado, através da instituição de mecanismos de controlo (tabelas de preços máximos, nivelamento geográfico, etc.) e/ou da concessão de subsídios às pessoas necessitadas.

3.1.5. Protecção dos utilizadores e dos consumidores

62. Nos serviços de interesse geral, aplicam-se as disposições horizontais de defesa do consumidor, à semelhança do que acontece nos outros sectores da economia. Acresce que em virtude da importância económica e social destes serviços, foram tomadas medidas na legislação sectorial da Comunidade, com o objectivo de dar resposta às preocupações e às necessidades dos consumidores e das empresas, incluindo o seu direito de acesso a serviços internacionais de elevada qualidade [27]. Os direitos dos consumidores e dos utilizadores estão consagrados na legislação sectorial aplicável às comunicações electrónicas, aos serviços postais, à energia (electricidade e gás), aos transportes e à radiodifusão. A estratégia da Comissão em matéria de política de defesa do consumidor para o período 2002-2006 [28] identificou os serviços de interesse geral como uma área onde é necessário intervir para garantir um elevado nível comum de defesa do consumidor.

[27] Por exemplo, no caso dos transportes aéreos, medidas para conter o overbooking e sistemas de compensação quando o embarque é recusado

[28] COM(2002) 208, JO C 137, 08-06-2002, p. 2

63. A Comunicação da Comissão sobre serviços de interesse geral de Setembro de 2000 [29], estabelece um conjunto de princípios que podem ajudar a definir requisitos para estes serviços na óptica dos consumidores e dos utentes. Entre os princípios, incluem-se a boa qualidade do serviço, elevados níveis de protecção da saúde e de segurança física dos serviços, transparência (em matéria de tarifas, contratos, escolha e financiamento dos operadores), escolha do serviço, escolha do operador, concorrência real entre operadores, existência de entidades reguladoras, disponibilidade de mecanismos de recurso, representação e participação activa dos consumidores e dos utilizadores na definição dos serviços e escolha das formas de pagamento. A Comunicação evidencia ainda que a garantia de acesso universal, a continuidade, a elevada qualidade e a acessibilidade dos preços constituem elementos essenciais da política de defesa do consumidor na área dos serviços de interesse económico geral. Sublinha também a importância de dar resposta às preocupações mais gerais dos cidadãos, designadamente no que se refere à protecção do ambiente, às necessidades de certas categorias da população, como as pessoas com deficiência e as que auferem baixos rendimentos, bem como em relação à completa cobertura territorial de serviços essenciais em áreas longínquas ou inacessíveis.

[29] JO C 17, 19-01-2001, p. 4

64. Questões a debater:

(9) Haverá outros requisitos que deveriam ser incluídos num conceito comum de serviços de interesse geral? Qual a eficácia dos requisitos actuais em termos de cumprimento dos objectivos da coesão social e territorial?

(10) Deverão todos ou alguns destes requisitos ser extensíveis a serviços aos quais actualmente se não aplicam?

(11) Que matérias de regulamentação relativas a estes elementos devem ser tratadas a nível da Comunidade e quais devem permanecer na esfera dos Estados-Membros?

(12) Foram estes requisitos eficazmente integrados na áreas a que se aplicam?

(13) Devem alguns ou todos estes requisitos aplicar-se aos serviços de interesse geral de natureza não económica?

3.2. Ulteriores obrigações específicas

65. Algumas obrigações sectoriais específicas poderiam completar um conjunto comum de obrigações de serviço público. Entre estas obrigações incluem-se a segurança, a garantia do aprovisionamento, o acesso e a interconectividade das redes e o pluralismo nos meios de comunicação.

66. Segurança

Num mundo em rápida e profunda mudança, os cidadãos da União Europeia precisam de se sentir e de estar em segurança, facto que tem vindo a tornar-se cada vez mais importante, na sequência de alguns acontecimentos recentes. Foi sobretudo após o 11 de Setembro de 2001 que a problemática da segurança se tornou uma prioridade em toda a Europa. Inúmeros outros acontecimentos vieram recentemente avivar esta preocupação [30]. Um dos principais alicerces do modelo europeu de sociedade reside pois na segurança.

[30] O naufrágio do petroleiro "Prestige" e o surto de pneumonia atípica

O conceito remete para um conjunto comum de objectivos que quase todos os Estados-Membros partilham, designadamente o propósito de prevenir actos nocivos ou ataques contra a sociedade, os quais podem assumir diferentes formas. Regra geral, a prossecução destes objectivos na Europa faz-se através de serviços de interesse geral, tradicionalmente assegurados pelo Estado, nem sempre com finalidades comerciais.

Recentemente, a Comissão apostou no reforço do nível de segurança, tendo para o efeito optado por uma abordagem mais europeia de certas questões, designadamente nas áreas dos transportes e da energia. É oportuno referir a Comunicação da Comissão relativa às consequências dos atentados nos Estados Unidos no sector do transporte aéreo [31], as propostas que apresentou na sequência dos graves acidentes marítimos que atingiram as costas europeias [32] ou o recente pacote sobre segurança nuclear na União Europeia [33]. Estes documentos evidenciam inúmeros objectivos a concretizar no plano europeu. As questões em causa ganharam novo ímpeto, devendo os níveis de segurança ser aumentados. As razões que explicam esta nova abordagem são inúmeras e variadas. Assim, os problemas ultrapassam as fronteiras nacionais, as convenções e as disposições internacionais não são geralmente vinculativas e os Estados-Membros são por vezes confrontados com as limitações impostas pela regulamentação comunitária.

[31] 10.10.2001

[32] Para além das recentes propostas apresentadas na sequência do acidente do "Prestige", remete-se para as propostas da Comissão na sequência do naufrágio do Erika, em 1999: COM (2000) 142 and COM (2000) 802

[33] Aprovado em 6 de Novembro de 2002 Remete-se em especial para a Comunicação sobre segurança nuclear (COM(2002) 605 final

67. Segurança do aprovisionamento

Um elevado nível de qualidade dos serviços implica a garantia a longo prazo de um aprovisionamento contínuo dos mesmos. Em geral, o desenvolvimento do mercado interno gerou um aumento considerável do nível de segurança do aprovisionamento em produtos e serviços, na medida em que os mercados em questão funcionam agora de forma competitiva. Todavia, em relação a alguns serviços de interesse geral, a intervenção dos poderes públicos pode revelar-se necessária para melhorar a segurança do aprovisionamento, em especial para fazer face ao risco de subinvestimento prolongado em infra-estruturas e para garantir a disponibilidade de capacidades suficientes.

68. No sector da energia, a problemática da segurança do aprovisionamento foi objecto de amplo debate público na Comunidade, na sequência da publicação do Livro Verde da Comissão em 2001 [34]. O Livro Verde em questão visava lançar um debate com o objectivo de definir uma estratégia de longo prazo em matéria de segurança do aprovisionamento energético, para garantir uma disponibilidade física ininterrupta de produtos energéticos no mercado, a preços acessíveis para os consumidores e os utilizadores, tendo em conta simultaneamente preocupações ambientais e de desenvolvimento sustentável. A Comissão deu conta dos resultados do debate público numa Comunicação de Junho de 2002 [35]. Com base nesta consulta, a Comissão concluiu no seu relatório que era necessário reforçar a coordenação das medidas para garantir a segurança do aprovisionamento no domínio da energia. Subsequentemente, apresentou, em Setembro de 2002, duas propostas de directivas que deverão contribuir para melhorar a segurança do aprovisionamento em produtos petrolíferos e gás natural na União Europeia [36].

[34] Para uma estratégia europeia de segurança do aprovisionamento energético, Livro Verde COM(2000) 769, 29.11.2000

[35] Relatório final sobre o Livro Verde "Para uma estratégia europeia de segurança do aprovisionamento energético", COM(2002) 321, 29-06-2002

[36] Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à aproximação das medidas em matéria de segurança dos aprovisionamentos em produtos petrolíferos, JO C 331 E, 21.12.2002, p.249; Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à aproximação das medidas em matéria de segurança a segurança do aprovisionamento em gás natural, JO C 331 E, 21.12.2002, p.262;

69. Alguns serviços de interesse geral fora do sector energético podem também suscitar preocupações em matéria de segurança de aprovisionamento. Porém, em geral, o direito comunitário derivado não evoca esta questão. Poderá em consequência ser oportuno considerar a possibilidade de haver outros sectores nos quais se pode colocar de forma específica a problemática da segurança do aprovisionamento. Todavia, qualquer avaliação deverá ter em conta que as medidas complementares específicas vocacionadas para reforçar a segurança do aprovisionamento comportam geralmente custos económicos adicionais e podem obstar à concorrência. Qualquer acção proposta para aumentar a segurança do aprovisionamento tem pois de dar garantias de que os custos daí decorrentes não são superiores aos benefícios esperados [37].

[37] Cf. Documento dos serviços da Comissão, Security of supply - The current situation at European Union level, SEC(2002)243, 28.2.2002

70. Acesso à rede e interconectividade

Sempre que existe concorrência real, os mecanismos do mercado podem garantir a prestação de serviços a preços acessíveis e com a qualidade adequada, reduzindo assim de forma significativa a necessidade de intervenção regulamentar. Quando os serviços de interesse económico geral são prestados com base em redes com cobertura universal, as empresas já instaladas gozam da consideráveis vantagens competitivas, devido sobretudo aos substanciais custos irrecuperáveis ligados ao estabelecimento e à manutenção de redes alternativas. Nos casos em que os concorrentes só podem operar enquanto fornecedores de serviços, o acesso à rede estabelecida é indispensável para entrar no mercado. Todavia, mesmo nos sectores onde os concorrentes têm o direito de estabelecer a sua própria infra-estrutura, o acesso à rede já existente pode ser necessário para a concorrência com o operador já estabelecido. Se o acesso de terceiros às redes existentes em condições leais e não discriminatórias não for possível, manter-se-ão monopólios de facto ou pelo menos prevalecerá o incentivo ao operador já instalado para discriminar em termos de acesso, distorcendo assim a concorrência. Afim de cumprir os objectivos da política de concorrência e do mercado interno, proporcionando aos consumidores maior escolha, mais qualidade e preços mais baixos, a legislação comunitária específica para os sectores liberalizados ao nível da Comunidade regula o acesso às infra-estruturas das redes.

71. A Comunidade adoptou diferentes estratégias regulamentares para as várias indústrias e serviços de interesse geral, em razão do facto de que estas indústrias são diferentes e encontram-se em fases diferentes do processo de liberalização. Diferem designadamente em termos de rentabilidade, estrutura de produção, intensidade de capital, métodos de prestação de serviços e estrutura da procura. Em alguns sectores, o operador já estabelecido pode permanecer verticalmente integrado, mas tem de garantir acesso à rede para que os concorrentes possam entrar no mercado. Nas telecomunicações, os operadores públicos são obrigados a negociar a interconexão das respectivas redes. Acresce que os concorrentes têm o direito de utilizar a infra-estrutura já estabelecida. O mesmo acontece actualmente nos sectores da electricidade e do gás. No que se refere aos serviços postais, os novos operadores estabeleceram redes para a distribuição de encomendas sem solicitar acesso às infra-estruturas já estabelecidas. Quando existe uma obrigação de garantia de acesso, a tarificação do mesmo revelou-se a grande questão a regulamentar.

72. A experiência demonstra que não existe uma única abordagem ideal da regulamentação do acesso à rede. As escolhas têm de ter em conta as características de cada indústria. Por este motivo, a Comunidade tem optado por uma perspectiva sectorial na regulamentação do acesso às indústrias de redes. Todavia, é necessário considerar a possibilidade de serem retiradas ilações úteis de uma comparação intersectorial das estratégias e técnicas reguladoras.

73. Pluralismo nos meios de comunicação

As medidas para garantir o pluralismo nos meios de comunicação limitam geralmente a tomada de participações maioritárias nas empresas de comunicação e exercem uma função de prevenção do controlo cumulativo ou da participação simultânea em várias empresas. O seu objectivo reside em salvaguardar a liberdade de expressão e garantir que os media reflectem o largo espectro de pontos de vista e de opiniões que caracteriza uma sociedade democrática.

74. Importa salientar que a protecção do pluralismo dos meios de comunicação é uma tarefa que cabe essencialmente aos Estados-Membros. Actualmente, a legislação comunitária derivada não contém quaisquer disposições directamente destinadas a salvaguardar o pluralismo dos meios de comunicação. Todavia, a legislação comunitária permite a aplicação de disposições nacionais de salvaguarda no que se refere a esta questão. O propósito dos instrumentos legislativos comunitários existentes reside em garantir um certo equilíbrio entre os operadores no mercado: estes instrumentos, têm incidência nos media enquanto área de actividade económica, mas não - ou só muito indirectamente - enquanto veículo de informação destinada aos cidadãos. Em Dezembro de 2002, a Comissão publicou um Livro Verde [38] destinado a lançar o debate público sobre a necessidade de acção comunitária neste domínio. Os debates não permitiram retirar conclusões claras e a Comissão não tomou qualquer iniciativa. Dez anos mais tarde, perante a progressiva concentração dos meios de comunicação e a proliferação dos meios de comunicação electrónicos, a protecção do pluralismo dos media permanece uma questão importante [39]. Procura-se agora determinar se a Comissão deveria re-examinar a necessidade de acção comunitária neste domínio.

[38] Pluralismo e concentração dos meios de comunicação no mercado interno - Avaliação da necessidade de uma acção comunitária COM(92)480, 23.12.1992

[39] Cf. Protocolo relativo ao serviço público de radiodifusão nos Estados-Membros, anexo ao Tratado de Amesterdão

75. Questões a debater:

(14) Que tipos de serviços de interesse geral são susceptíveis de levantar problemas de segurança de aprovisionamento? Deve a Comunidade tomar medidas suplementares?

(15) Devem ser tomadas medidas adicionais ao nível da Comunidade para melhorar o acesso à rede e a interconectividade? Em que áreas? Que medidas devem ser consideradas, em especial no que respeita aos serviços transfronteiras?

(16) Que outras obrigações de serviço público sectoriais deveriam ser consideradas?

(17) Deve a possibilidade de serem tomadas medidas concretas para proteger o pluralismo ser reconsiderada ao nível da Comunidade? Que medidas se poderiam prever?

4. Boa governança: Organização, Financiamento e Avaliação

76. No que se refere à intervenção das autoridades públicas nacionais na provisão de serviços de interesse geral, há três aspectos a ter em conta para efeitos de maior clareza:

* definição e cumprimento de obrigações e escolha da organização

* financiamento dos serviços de interesse geral

* avaliação dos serviços de interesse geral.

4.1. Definição de obrigações e escolha da organização

77. Conforme foi já salientado, as autoridades nacionais, regionais e locais de cada Estado-Membro estão em princípio habilitadas a definir aquilo que consideram um serviço de interesse geral. Esta prerrogativa também inclui a liberdade de impor obrigações aos provedores de tais serviços, desde que as mesmas respeitem as normas comunitárias. Na falta de legislação comunitária específica, cabe pois em princípio aos Estados-Membros definir exigências como obrigações de serviço universal, requisitos de cobertura territorial, normas de qualidade e segurança, direitos dos utilizadores e dos consumidores e requisitos ambientais.

78. Só em relação às grandes indústrias de redes é que a Comunidade harmonizou as disposições relativas a obrigações de serviço público e definiu requisitos comuns em legislação comunitária específica. É o caso designadamente das comunicações electrónicas e dos serviços postais. Todavia, sempre que existem tais obrigações harmonizadas, os Estados-Membros também são responsáveis pela elaboração e a implementação das mesmas, de acordo com as características específicas do sector. Em geral, a harmonização sectorial das obrigações de serviço público não impede que os Estados-Membros imponham normas mais abrangentes ou adicionais compatíveis com o direito comunitário, a menos que as medidas de harmonização estabeleçam algo em contrário [40]. Nas comunicações electrónicas, tais obrigações adicionais não podem ser financiadas no interior do sector.

[40] A directiva sobre serviços postais, por exemplo, obriga os Estados-Membros a garantir um mínimo de cinco distribuições diárias por semana aos utilizadores finais. Os Estados-Membros podem impor um número mais elevado de distribuições ou requisitos de entrega mais circunstanciados

79. Também no que se refere à organização da provisão de um serviço de interesse económico geral, os Estados-Membros podem escolher livremente a forma como o serviço opera, desde que, no entanto, sejam observadas as disposições comunitárias. O grau de abertura do mercado e de concorrência num determinado serviço de interesse económico geral será decidido em função das disposições comunitárias relevantes aplicáveis ao mercado interno e à concorrência. No tocante à participação do Estado na prestação de serviços de interesse geral, cabe às autoridades públicas decidir se garantem esses serviços através das respectivas estruturas ou se confiam a sua prestação a uma entidade terceira (pública ou privada) [41].

[41] No que se refere aos transportes internos, a Comissão propôs legislação que exige dos Estados-Membros o recurso a concessões de serviço público. Cf... Proposta alterada de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à acção dos Estados-Membros em matéria de obrigações de serviço público e adjudicação de contratos de serviço público no sector do transporte de passageiros por via férrea, estrada e via navegável interior, JO C 151 E, 25.6.2002, p. 246

80. Todavia, os operadores de serviços de interesse económico geral, incluindo os operadores de serviços internos, são empresas, pelo que aos mesmos se aplicam as disposições do Tratado em matéria de concorrência. Quaisquer decisões para conceder direitos especiais ou exclusivos a operadores de serviços internos, ou para os favorecer de outras formas, podem conduzir à interposição de acções por incumprimento, não obstante a protecção parcial garantida pelo artigo 86º do Tratado. A jurisprudência confirma este facto, designadamente quando as obrigações de serviço público a cumprir pelo operador não são correctamente especificadas [42]; quando o operador se revela manifestamente incapaz de responder à procura [43]; ou ainda quando existem formas alternativas de cumprir as obrigações, com efeitos menos prejudiciais em termos de concorrência [44].

[42] Cf. Acórdão do Tribunal no Processo Silver Line Reisebüro (C-66/86, acórdão de 11.4.89)

[43] Cf. Acórdão do Tribunal no Processo Höfner (C-41/90, acórdão de 23-04-1991)

[44] Cf. Acórdão do Tribunal no Processo Vlaamse Televisie Maatschappi (T-266/97, acórdão de 08-07-1999)

81. Sempre que uma autoridade pública nacional opte por investir terceiros da provisão de um serviço de interesse geral, a selecção do operador tem de respeitar certas regras e princípios, a fim de garantir condições de intervenção idênticas para todos os operadores, públicos ou privados, potencialmente capazes de fornecer o serviço em questão. Assim, os serviços serão prestados nas condições economicamente mais vantajosas disponíveis no mercado. No contexto destas regras e princípios, as autoridades públicas podem definir as características do serviço a fornecer, designadamente as condições a respeitar em matéria de qualidade do serviço, a fim de darem cumprimento aos seus objectivos políticos. Importa distinguir dois cenários:

* Se o acto por força do qual as autoridades públicas entregam a terceiros a provisão de um serviço de interesse económico geral for um contrato de serviço público ou um contrato para a execução de obras, na acepção do disposto nas directivas relativas aos concursos públicos ou uma concessão, nos termos definidos pela Directiva 93/37/CEE [45], deverá cumprir os requisitos definidos na directiva relevante, desde que atinja ou exceda os limites definidos na mesma e não esteja excluído do seu âmbito de aplicação.

[45] Independentemente da definição utilizada na legislação nacional.

* Se o acto por força do qual as autoridades públicas entregam a terceiros a provisão de um serviço de interesse económico geral não estiver abrangido pelas directivas relativas a concursos públicos, deverá no entanto respeitar os princípios decorrentes do Tratado CE e em especial as disposições relativas à liberdade de prestação de serviços e à liberdade de estabelecimento. É o caso designadamente dos contratos de direito público ou das concessões de obras que não atingem os limites fixados, das concessões de serviços (dos contratos que estipulam que a contrapartida para o fornecedor do serviço consiste, pelo menos em parte, no direito de explorar o serviço), ou dos actos unilaterais que conferem o direito de fornecer um serviço de interesse económico geral. Entre estas regras e estes princípios incluem-se a igualdade de tratamento, a transparência, a proporcionalidade, o reconhecimento mútuo e a salvaguarda dos direitos dos indivíduos [46].

[46] Cf. Comunicação interpretativa da Comissão sobre as concessões em direito comunitário, JO C 121, 29.4.2000, p. 2

82. No que se refere aos serviços na área do ambiente, em especial a gestão dos resíduos, as autoridades públicas podem garantir direitos exclusivos a organizações criadas pelos produtores para a reciclagem de determinados resíduos. Tais organizações estão sujeitas às regras da concorrência. São geralmente criadas no contexto de estratégias inovadoras para garantir a prevenção e a reciclagem de resíduos, no cumprimento do princípio da "responsabilidade do produtor". Esta questão envolve a atribuição de responsabilidades financeiras pela gestão dos resíduos aos produtores de produtos que estão na origem dos mesmos.

83. Em consequência, as autoridades nacionais dispõem de margem de manobra considerável para definir e aplicar obrigações de serviço público e organizar a provisão de serviços de interesse geral. Por um lado, esta situação permite aos Estados-Membros definir políticas que têm em conta realidades nacionais, regionais ou locais específicas. Por exemplo, as áreas longínquas ou pouco povoadas poderão ter de ser objecto de tratamento diferente do que é dado às zonas centrais ou de elevada densidade populacional. Por outro lado, a ausência de legislação específica pode gerar incerteza jurídica e distorções no mercado [47]. No plano europeu, as diferentes formas de cooperação entre as autoridades reguladoras nacionais levou a uma tentativa de melhorar a coerência das políticas nos Estados-Membros, mas não existe uma autoridade reguladora europeia para nenhum serviço [48]. Um processo mais vasto de intercâmbio de boas práticas e de experiências, que envolva não só os reguladores mas também outras partes interessadas, poderia revelar-se útil. A Comissão tem por oportuna a realização de um vasto debate sobre estas questões.

[47] Por exemplo, no sector dos recursos hídricos, a falta de regulamentação específica relevante levou ao aparecimento de estruturas industriais diferentes nos Estados-Membros.Cf. WRC/Ecologic, Study on the Application of the Competition Rules to the Water Sector in the European Community, Dezembro de 2002, disponível no seguinte endereço:http://europa.eu.int/comm/competition/ publications/studies/water_sector_report.pdf Contudo, para além dos aspectos comerciais, a Directiva-quadro relativa à água, 2000/60/CE, JO L 327. 22.12.2000, p.1, estabelece regras de transparência para os serviços nestas área. O artigo 9º da directiva trata da formação dos preços e exige que os Estados-Membros tenham em devida conta o princípio da recuperação dos custos, incluindo os custos ambientais e dos recursos, assim como o princípio de que quem polui, paga

[48] Ver Anexo

84. Questões a debater:

(18) Há conhecimento de casos em que as disposições comunitárias tenham restringido indevidamente a forma como são organizados os serviços de interesse geral ou como são definidas as obrigações de serviço público nos planos nacional, regional e local? Há conhecimento de casos em que a forma como são organizados os serviços de interesse geral ou como são definidas as obrigações de serviço público nos planos nacional, regional e local constitua um obstáculo disproporcionado à conclusão do mercado interno?

(19) Devem as obrigações específicas de serviço público ser harmonizadas com maior pormenor ao nível comunitário? Para que serviços?

(20) É oportuno intensificar o intercâmbio de boas práticas e a avaliação comparativa em questões ligadas à organização dos serviços de interesse geral na União? Quem deveria participar no processo e que sectores deveriam ser abrangidos?

4.2. Financiamento dos serviços de interesse geral

85. A prestação de muitos serviços de interesse geral não é viável com base exclusivamente nos mecanismos de mercado, sendo necessárias disposições específicas para garantir o equilíbrio financeiro do operador. Assim, o acesso universal ou a cobertura geográfica plena nem sempre podem ser garantidos pelo mercado. Actualmente, cabe aos Estados-Membros garantir o financiamento dos serviços de interesse geral e calcular os custos adicionais da provisão de tais serviços. Em alguns casos, a Comunidade pode co-financiar determinados projectos, designadamente através dos Fundos Estruturais ou dos programas RTE.

86. Em função das tradições históricas e das características específicas dos serviços em questão, os Estados-Membros recorrem a diferentes instrumentos para garantir o equilíbrio financeiro dos operadores de serviços de interesse geral. Entre os mecanismos de financiamento utilizados pelos Estados-Membros contam-se os seguintes:

* Apoio financeiro directo através do orçamento de Estado (subsídios ou benefícios financeiros, tais como reduções fiscais).

* Direitos especiais ou exclusivos (i.e. um monopólio legal).

* Contribuições dos participantes no mercado (fundo de financiamento do serviço universal).

* Harmonização das tarifas (uma tarificação uniforme à escala nacional, apesar de consideráveis diferenças nos custos da provisão do serviço).

* Financiamento solidário (contribuições de segurança social).

87. Ainda que coexistam diferentes formas de financiamento, nos últimos anos a tendência tem apontado para uma crescente retirada por parte dos Estados-Membros dos direitos exclusivos para a provisão de serviços de interesse geral e uma abertura dos mercados a novos operadores. Esta situação tornou necessário recorrer a outras formas de apoio financeiro, designadamente a criação de fundos especiais financiados pelos intervenientes no mercado ou pelo Estado através do orçamento, a forma de financiamento com menores efeitos de distorção [49]. Estas formas de financiamento tornaram mais transparentes o custo da provisão de serviços de interesse geral e as escolhas políticas subjacentes, ao mesmo tempo que alimentaram o debate político sobre estes serviços.

[49] Cf. Liberalisation of Network Industries, Economic implications and main policy issues, European Economy No. 4, 1999

88. Regra geral, os Estados-Membros podem escolher o sistema que entenderem para financiar os respectivos serviços de interesse geral. Devem só garantir que o mecanismo escolhido não distorce indevidamente o funcionamento do mercado interno. Os Estados-Membros podem também conceder compensações de serviço público, necessárias para garantir o bom funcionamento dos serviços de interesse económico geral. As regras aplicáveis aos auxílios estatais apenas proíbem as compensações excessivas. A fim de reforçar a segurança jurídica e a transparência na aplicação das disposições que regem os auxílios estatais aos serviços de interesse geral, a Comissão anunciou no relatório que apresentou ao Conselho Europeu de Laeken a sua intenção de definir um enquadramento comunitário para os auxílios estatais destinados aos serviços de interesse económico geral e, se a experiência com a aplicação do mesmo o justificar, adoptar um regulamento de isenção por categoria na área dos serviços de interesse geral. Está-se actualmente a trabalhar na elaboração de orientações para a aplicação das disposições que regem os auxílios estatais aos serviços de interesse económico geral [50].

[50] Relatório relativo à situação dos trabalhos referentes às orientações em matéria de auxílios estatais no domínio dos serviços de interesse económico geral, 13.12.2002

89. Em alguns casos, a legislação sectorial pode estabelecer regras específicas para o financiamento dos custos adicionais das obrigações de serviço público. No que se refere às comunicações electrónicas, a regulamentação sectorial exige que os Estados-Membros retirem todos os direitos especiais ou exclusivos, mas admite a possibilidade de criação de um fundo para cobrir os custos adicionais da provisão de um serviço universal com base em contribuições dos intervenientes no mercado [51]. Em relação aos serviços postais, a directiva relevante permite a manutenção de um monopólio postal bem definido e prevê a criação de um fundo para financiamento do serviço universal para estes serviços [52]. Para os transportes aéreos, os Estados-Membros podem conceder licenças exclusivas temporárias com base em concursos públicos, a fim de assegurar serviços regulares em determinadas rotas para as quais o mercado não oferece um serviço adequado [53]. Em relação aos transportes públicos, a Comunidade estabeleceu regras para o cálculo das compensações [54].

[51] Artigo 13º da Directiva 2002/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 7 de Março de 2002 relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva serviço universal), JO L 108, 24.4.2002, p. 51

[52] Artigo 7º e nº 4 do artigo 9º da Directiva 97/67/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Dezembro de 1997 relativa às regras comuns para o desenvolvimento do mercado interno dos serviços postais comunitários e a melhoria da qualidade de serviço, JO L 15, 21.1.1998, com a redacção que lhe foi dada pela Directiva 2002/39/CE do Conselho e do Parlamento Europeu, JO L176, 5.7.2002, p. 21

[53] Artigo 4º do Regulamento (CEE) n° 2408/92 do Conselho, de 23 de Julho de 1992, relativo ao acesso das transportadoras aéreas comunitárias às rotas aéreas intracomunitárias, JO L 045 de 23/02/1993, p.8

[54] Regulamento n.° 1169/69 do Conselho, de 26 de Junho de 1969, relativo à acção dos Estados-Membros em matéria de obrigações inerentes à noção de serviço público no domínio dos transportes ferroviários, rodoviários e por via navegável interior, JO L 156, 28.6.1969 (Edição especial portuguesa: Capítulo 8 Fascículo 1 P. 131), com a redacção que lhe foi dada pelo Regulamento CEE nº1893/91 do Conselho, JO L 169, 29.6.1991, p.1

90. As disposições em vigor no domínio do mercado interno, da concorrência e dos auxílios estatais visam garantir que qualquer apoio financeiro concedido a prestadores de serviços de interesse económico geral não distorce a concorrência e o funcionamento do mercado interno. Também a legislação sectorial em vigor procura garantir que os mecanismos de financiamento instituídos pelos Estados-Membros produzem efeitos de distorção menos acentuados na concorrência e facilitam a entrada no mercado de novos operadores. Em consequência, a legislação comunitária permite entradas selectivas no mercado.

91. Outros critérios relevantes para a selecção dos mecanismos de financiamento, designadamente a eficácia ou os efeitos redistributivos, não são actualmente considerados na legislação comunitária. Tão pouco o são os efeitos dos mecanismos seleccionados no investimento a longo prazo dos operadores de serviços e infra-estruturas e na segurança do aprovisionamento.

92. Na presente fase, a Comissão considera oportuno discutir se estes critérios poderiam levar a concluir pela preferência de determinados mecanismos de financiamento e se a Comunidade deveria tomar medidas em favor de determinados mecanismos.

93. Questões a debater:

(21) Há notícia de casos em que o direito comunitário, e em especial a aplicação das disposições em matéria de auxílios estatais, obstou ao financiamento de serviços de interesse geral ou levou a escolhas ineficazes?

(22) Deverá um dado tipo de financiamento merecer preferência, por considerações de transparência, responsabilização, eficácia, efeitos redistributivos ou concorrência? Em caso afirmativo, deve a Comunidade tomar as medidas que se impõem?

(23) Existem sectores e/ou situações em que a entrada no mercado sob forma de «triagem» pode revelar-se ineficaz ou contrária ao interesse público?

(24) Devem as consequências e os critérios do financiamento solidário ser clarificados ao nível comunitário?

4.3. Avaliação dos serviços de interesse geral.

94. As mudanças registadas no contexto regulamentar e tecnológico, assim como o crescente impacto das políticas comunitárias nos serviços de interesse geral evidenciaram a necessidade de uma correcta avaliação do desempenho destes serviços no plano comunitário e nacional. Essa avaliação é importante em razão do significado destes serviços para a economia no seu conjunto e para a qualidade de vida dos cidadãos. É necessária para acompanhar o efectivo cumprimento pelos operadores das missões de interesse geral que lhes são cometidas pelas autoridades públicas. Uma avaliação global é um factor de transparência acrescida, ao mesmo tempo que proporciona bases para opções políticas mais correctas e para um debate democrático mais esclarecido. Permite aferir simultaneamente a eficácia económica de um serviço e o cumprimento real de outros objectivos políticos que as autoridades públicas visam. Ao nível comunitário, a avaliação dos serviços de interesse económico geral é essencial para garantir a prossecução dos objectivos de coesão social e territorial e de protecção do ambiente. A avaliação do desempenho pode também servir de base para a permuta de boas práticas além fronteiras e entre sectores económicos. Constitui um elemento central de uma boa governança europeia [55].

[55] Relatório ao Conselho Europeu de Laeken, COM(2001)428, 25-07-2001; Relatório ao Conselho Europeu de Laeken, COM(2001)598, 17-10-2001;

95. Nos últimos anos, a Comissão intensificou os esforços na área dos serviços de interesse geral e desenvolveu uma estratégia de avaliação assente em três vertentes [56]:

[56] Relatório ao Conselho Europeu de Laeken, COM(2001)598, 17-10-2001; Comunicação da Comissão - Nota metodológica para a avaliação horizontal dos serviços de interesse económico geral, COM(2002)331 final, 18.6.2002

* A Comissão procede regularmente a avaliações das indústrias de redes que foram liberalizadas ao nível comunitário (avaliação sectorial).

* Acresce que a Comissão iniciou em 2001 uma avaliação anual intersectorial das indústrias de redes (avaliação horizontal).

* Em terceiro lugar, a Comissão procede regularmente a inquéritos à satisfação dos consumidores na área dos serviços de interesse económico geral (sondagens de opinião Eurobarómetro, inquéritos qualitativos).

96. A avaliação dos serviços de interesse geral é uma tarefa complexa. Uma avaliação global deve ser pluridisciplinar e pluridimensional, para além de abranger aspectos políticos, económicos, sociais e ambientais, incluindo externalidades. Deve ainda ter em conta os interesses e as opiniões de todas as partes interessadas. É importante saber o que é os utilizadores, os consumidores (incluindo grupos vulneráveis e marginalizados), os parceiros sociais e outros intervenientes consideram um bom desempenho para estes serviços e quais as suas expectativas relativamente ao futuro. Por estes motivos, o presente Livro Verde visa lançar um debate sobre os critérios que as partes interessadas consideram dever ser utilizados para efeitos de avaliação. No contexto da sua avaliação horizontal, a Comissão apresentou uma metodologia para avaliar os serviços de interesse geral [57]. Sublinhou a necessidade de gradualmente desenvolver e melhorar as avaliações horizontais ao longo dos próximos anos. As profundas disparidades na disponibilidade e na qualidade dos dados constitui o principal obstáculo a uma avaliação global, devendo ser estudadas formas de melhorar estes aspectos [58].

[57] Comunicação da Comissão - Nota metodológica para a avaliação horizontal dos serviços de interesse económico geral, COM(2002)331 final, 18.6.2002

[58] Ver Anexo

97. Ao nível comunitário, a Comissão elaborou relatórios de avaliação do desempenho das indústrias de redes que prestam serviços de interesse económico geral. Os resultados foram apresentados ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu, ao Comité das Regiões e a todas as partes interessadas, com o intuito de informar uma audiência tão vasta quanto possível. Todavia, os recursos de que a Comissão dispõe para proceder a essas avaliações são limitados, pelo que não é possível fazer um levantamento das posições, por vezes divergentes, de todas as partes interessadas. Seria pois oportuno discutir como realizar a avaliação ao nível da Comunidade e de que forma as responsabilidades deveriam ser partilhadas.

98. Acresce que a avaliação do desempenho ao nível comunitário está actualmente circunscrita essencialmente às indústrias de redes abrangidas pela legislação comunitária sectorial. Outro sectores não estão incluídos na estratégia de avaliação da Comissão. Poderia considerar-se a oportunidade de alargar o âmbito da avaliação comunitária, sem pôr em causa o princípio da subsidiariedade.

99. Questões a debater:

(25) Como deveria ser organizada ao nível comunitário a avaliação do desempenho dos serviços de interesse geral? Que disposições institucionais escolher?

(26) Que aspectos deverão ser abrangidos pelo processo de avaliação à escala comunitária? Quais deverão ser os critérios para as avaliações comunitárias? Que serviços de interesse geral deveriam ser incluídos numa avaliação comunitária?

(27) Como poderiam os cidadãos ser associados à avaliação? Existem exemplos de boas práticas?

(28) Como se pode melhorar a qualidade dos dados para as avaliações? Em que medida devem os operadores ser obrigados a fornecer dados?

5. Os serviços de interesse geral e o desafio da globalização

5.1. Política comercial

100. Os acordos comerciais internacionais, no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) e muitas vezes ao nível bilateral, incluem disposições relativas aos serviços que não são prestados no âmbito do exercício da autoridade do Estado (i.e. são fornecidos numa base comercial ou em concorrência com um ou mais operadores). Tais disposições dizem respeito ao intercâmbio de serviços e às condições em que os operadores de serviços podem intervir em mercados estrangeiros. Por força do Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (GATS), as partes podem livremente determinar que sectores de serviços estão dispostas a abrir aos operadores estrangeiros (a chamada abordagem ascendente, bottom-up) e em que condições. Acresce que o GATS reconhece explicitamente o direito soberano dos membros da OMC de regulamentarem as actividades económicas e não económicas nos respectivos territórios na prossecução dos seus objectivos políticos. No que se refere aos serviços abrangidos por estas disposições, a cada uma das partes contratantes assiste o direito de determinar as obrigações específicas que podem ser impostas aos operadores. Os membros da OMC podem excluir dos compromissos assumidos no âmbito do GATS os sectores relativamente aos quais consideram que uma abertura à concorrência pode pôr em risco, por exemplo, a disponibilidade, a qualidade e a acessibilidade dos preços dos serviços em causa. Em consequência, podem manter esses serviços em situação de monopólio (público ou privado). As negociações no contexto da OMC não têm qualquer influência directa ou indirecta nas decisões dos Estados-Membros de privatizar certas empresas.

101. Neste contexto, a Comunidade Europeia decidiu livremente assumir compromissos relativamente a certos serviços de interesse geral já abertos à concorrência no mercado interno. Por força destes compromissos, aos operadores estrangeiros é garantido acesso ao mercado na Comunidade Europeia em condições idênticas, ou por vezes mais restritivas, às que se aplicam a qualquer operador de serviços europeu. Os compromissos assumidos no contexto multilateral da OMC (compromissos GATS) ou num âmbito bilateral não tiveram até à data qualquer impacto na forma como os serviços de interesse geral são regulamentados na legislação comunitária. Também não surtiram qualquer efeito no financiamento dos mesmos. Com efeito, as obrigações mais importantes neste domínio foram assumidas ao nível bilateral e limitam-se à extensão territorial do regime comunitário dos auxílios estatais.

102. Ulteriores negociações na área da liberalização do comércio de serviços, bem como no que se refere ao regime aplicável aos subsídios ao comércio de serviços, estão em curso no contexto da Agenda de Desenvolvimento de Doha. A Comunidade Europeia está também a negociar acordos comerciais bilaterais no sector dos serviços. Neste contexto, como aconteceu no passado, a Comunidade Europeia aborda a problemática dos serviços de interesse geral com o intuito de garantir plena coerência com o nível de liberalização e a regulamentação em vigor no mercado interno.

103. Questões a debater:

(29) Existe alguma evolução específica ao nível da Comunidade Europeia que mereça ser discutida nas negociações comerciais internacionais sobre serviços de interesse geral? Especificar.

5.2. Política de desenvolvimento e de cooperação

104. O principal objectivo da política de desenvolvimento da Comunidade Europeia reside na redução da pobreza nos países em desenvolvimento. Garantir o acesso a um nível mínimo de serviços de interesse geral, é um requisito essencial para cumprir este objectivo, já que os serviços de interesse geral não só satisfazem algumas das necessidades fundamentais do ser humano, como também proporcionam uma plataforma indispensável para o desenvolvimento da economia dos países mais pobres.

105. O investimento privado em serviços de interesse geral pode ajudar a melhorar a prestação de serviços essenciais nestes países. Todavia, a abertura dos mercados e a privatização nos países em desenvolvimento pode também suscitar preocupações legítimas em matéria de governança e de regulamentação. Em consequência, qualquer reforma deverá ter em conta a necessidade de um enquadramento regulamentar e institucional adequado e assentar numa avaliação global do seu impacto no crescimento económico, no emprego, na prestação dos serviços, no acesso equitativo, nas condições ambientais e no orçamento nacional.

106. Questões a debater:

(30) Como poderá a Comunidade apoiar e promover o investimento nos serviços essenciais necessários nos países em desenvolvimento, no contexto da sua política de cooperação para o desenvolvimento?

6. Conclusões práticas

107. A Comissão convida todas as partes interessadas a pronunciar-se sobre as questões suscitadas no presente Livro Verde. As respostas poderão ser enviadas por correio para o seguinte endereço: COMISSÃO EUROPEIA Consulta - Livro Verde sobre Serviços de Interesse Geral BREY 7/342 B-1049 Bruxelas Ou por correio electrónico para o seguinte endereço: SGI-Consultation@cec.eu.int Os eventuais comentários deverão ser enviados até 15 Setembro de 2003. As respostas e os comentários devem mencionar o número da questão a que se referem. A fim de informar todas as partes interessadas, e desde que os respectivos autores concordem explicitamente com essa divulgação, o Secretariado-Geral da Comissão colocará as contribuições recebidas por correio electrónico, acompanhadas das coordenadas do respectivo autor, no website do Livro Verde, http://europa.eu.int/comm/ secretariat_general/services_general_interest/

108. A partir, designadamente, das contribuições recebidas, a Comissão entende tirar as conclusões que reputar oportunas no Outono e, se o considerar necessário, apresentar propostas concretas.

Síntese de todas as questões postas à discussão

Que tipo de subsidiariedade?

(1) Deve o desenvolvimento de serviços de interesse geral de elevada qualidade ser incluído nos objectivos da Comunidade? Deve a Comunidade ser investida de competências jurídicas adicionais na área dos serviços económicos e não económicos de interesse geral?

(2) É necessário clarificar a forma como são partilhadas as responsabilidades entre a Comunidade e as administrações nacionais? É necessário clarificar o conceito de serviços sem efeito no comércio entre os Estados-Membros? Em caso afirmativo, como?

(3) Existem serviços (que não as grandes indústrias de redes referidas no parágrafo 32) para os quais deveria ser definido um enquadramento regulamentar de âmbito comunitário?

(4) É necessário melhorar o enquadramento institucional? Como? Quais os papéis respectivos das autoridades da concorrência e das autoridades reguladoras? É oportuna a criação de uma instância reguladora europeia para cada indústria regulamentada ou de redes de autoridades nacionais reguladoras estruturadas à escala europeia?

Legislação sectorial e enquadramento legislativo geral

(5) É oportuno definir um enquadramento geral comunitário para os serviços de interesse geral? Qual seria o seu valor acrescentado relativamente à legislação sectorial existente? Quais os sectores e os temas a abranger? Que instrumentos deveriam ser utilizados (directiva, regulamento, recomendação, comunicação, orientações, acordo interinstitucional)?

(6) Qual tem sido o impacto da regulamentação sectorial específica? Foram registadas quaisquer incoerências?

Serviços económicos e não económicos

(7) É necessário especificar ulteriormente o critério utilizado para determinar se um serviço é de natureza económica ou não económica? Deve a situação das organizações sem fins lucrativos e das organizações que desempenham funções sociais ser ulteriormente clarificada?

(8) Qual deveria ser o papel da União no que se refere aos serviços não económicos de interesse geral?

Um conjunto comum de obrigações

(9) Haverá outros requisitos que deveriam ser incluídos num conceito comum de serviços de interesse geral? Qual a eficácia dos requisitos actuais em termos de cumprimento dos objectivos da coesão social e territorial?

(10) Deverão todos ou alguns destes requisitos ser extensíveis a serviços aos quais actualmente se não aplicam?

(11) Que matérias de regulamentação relativas a estes elementos devem ser tratadas a nível da Comunidade e quais devem permanecer na esfera dos Estados-Membros?

(12) Foram estes requisitos eficazmente integrados na áreas a que se aplicam?

(13) Devem alguns ou todos estes requisitos aplicar-se aos serviços de interesse geral de natureza não económica?

Obrigações sectoriais específicas

(14) Que tipos de serviços de interesse geral são susceptíveis de levantar problemas de segurança de aprovisionamento? Deve a Comunidade tomar medidas suplementares?

(15) Devem ser tomadas medidas adicionais ao nível da Comunidade para melhorar o acesso à rede e a interconectividade? Em que áreas? Que medidas devem ser consideradas, em especial no que respeita aos serviços transfronteiras?

(16) Que outras obrigações de serviço público sectoriais deveriam ser consideradas?

(17) Deve a possibilidade de serem tomadas medidas concretas para proteger o pluralismo ser reconsiderada ao nível da Comunidade? Que medidas se poderiam prever?

Definição de obrigações e escolha da organização

(18) Há conhecimento de casos em que as disposições comunitárias tenham restringido indevidamente a forma como são organizados os serviços de interesse geral ou como são definidas as obrigações de serviço público nos planos nacional, regional e local? Há conhecimento de casos em que a forma como são organizados os serviços de interesse geral ou como são definidas as obrigações de serviço público nos planos nacional, regional e local constitua um obstáculo disproporcionado à conclusão do mercado interno?

(19) Devem as obrigações específicas de serviço público ser harmonizadas com maior pormenor ao nível comunitário? Para que serviços?

(20) É oportuno intensificar o intercâmbio de boas práticas e a avaliação comparativa em questões ligadas à organização dos serviços de interesse geral na União? Quem deveria participar no processo e que sectores deveriam ser abrangidos?

Financiamento

(21) Há notícia de casos em que o direito comunitário, e em especial a aplicação das disposições em matéria de auxílios estatais, obstou ao financiamento de serviços de interesse geral ou levou a escolhas ineficazes?

(22) Deverá um dado tipo de financiamento merecer preferência, por considerações de transparência, responsabilização, eficácia, efeitos redistributivos ou concorrência? Em caso afirmativo, deve a Comunidade tomar as medidas que se impõem?

(23) Existem sectores e/ou situações em que a entrada no mercado sob forma de «triagem» pode revelar-se ineficaz ou contrária ao interesse público?

(24) Devem as consequências e os critérios do financiamento solidário ser clarificados ao nível comunitário?

Avaliação

(25) Como deveria ser organizada ao nível comunitário a avaliação do desempenho dos serviços de interesse geral? Que disposições institucionais escolher?

(26) Que aspectos deverão ser abrangidos pelo processo de avaliação à escala comunitária? Quais deverão ser os critérios para as avaliações comunitárias? Que serviços de interesse geral deveriam ser incluídos numa avaliação comunitária?

(27) Como poderiam os cidadãos ser associados à avaliação? Existem exemplos de boas práticas?

(28) Como se pode melhorar a qualidade dos dados para as avaliações? Em que medida devem os operadores ser obrigados a fornecer dados?

Política comercial

(29) Existe alguma evolução específica ao nível da Comunidade Europeia que mereça ser discutida nas negociações comerciais internacionais sobre serviços de interesse geral? Especificar.

Cooperação para o desenvolvimento

(30) Como poderá a Comunidade apoiar e promover o investimento nos serviços essenciais necessários nos países em desenvolvimento, no contexto da sua política de cooperação para o desenvolvimento?

ANEXO Obrigações de serviço público e instrumentos de política comunitária na área dos serviços de interesse económico geral

O presente Anexo analisa mais circunstanciadamente um conjunto de obrigações de serviço público que podem proceder de legislações comunitárias vigentes em sectores específicos e caracterizar um conceito comunitário de serviços de interesse económico geral (Parte 1). São ainda examinados em pormenor os instrumentos políticos disponíveis para assegurar o cumprimento destas obrigações de serviço público e a eficaz consecução dos objectivos de interesse público visados (Parte II).

I. Obrigações de serviço público na legislação comunitária

1. A legislação comunitária vigente em matéria de serviços de interesse económico geral é específica de determinados sectores. Contudo, há um conjunto de elementos comuns que podem ser usados como base para definir um conceito comunitário de serviços de interesse económico geral. Entre estes elementos contam-se, em especial, o serviço universal, a continuidade, a qualidade do serviço, a acessibilidade dos preços e a defesa dos consumidores e utilizadores (ver ponto 1 infra). Estes elementos comuns identificam valores e objectivos da Comunidade que foram transpostos enquanto obrigações para as legislações nacionais. Podem ser ainda complementados por obrigações de carácter mais específico em função das características do sector em questão (ver ponto 2 infra).

1. Um conjunto comum de obrigações

1.1 Serviço universal

2. O conceito de serviço universal refere-se a um conjunto de requisitos de interesse geral que garantem que certos serviços são disponibilizados, com a qualidade especificada, a todos os consumidores e utentes no território de um Estado-Membro, independentemente da sua localização geográfica, e a um preço acessível, em função das condições nacionais específicas. [59] Foi desenvolvido especificamente para algumas das indústrias de redes (por exemplo, telecomunicações, electricidade, serviços postais). O conceito estabelece o direito que a todos assiste de aceder a determinados serviços considerados essenciais e impõe às indústrias obrigações de prestar um serviço definido segundo condições especificadas, incluindo uma completa cobertura territorial. Numa envolvente liberalizada, uma obrigação de serviço universal garante que todas as pessoas na União Europeia têm acesso ao serviço a preços módicos e que a qualidade do mesmo é mantida e, se necessário, melhorada.

[59] Cf. nº 1 do artigo 3º da Directiva 2002/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 7 de Março de 2002 relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva serviço universal), JO L 108, 24.4.2002, p. 51

3. O conceito de serviço universal tem um carácter dinâmico. Garante que as exigências de interesse geral têm em conta os avanços políticos, sociais, económicos e tecnológicos e permite, sempre que necessário, um ajustamento regular destas exigências às necessidades em mutação de utilizadores e consumidores.

4. Trata-se também de um conceito flexível, plenamente compatível com o princípio da subsidiariedade. Quando os princípios básicos de serviço universal são definidos a nível da Comunidade, a sua aplicação pode ser deixada aos Estados-Membros, permitindo assim atender às diferentes tradições e circunstâncias nacionais ou regionais específicas. Acresce que o conceito de serviço universal pode aplicar-se a diferentes estruturas de mercado e, por conseguinte, ser usado para regulamentar serviços em fases distintas da abertura dos mercados.

5. O conceito de serviço universal diz respeito ao conteúdo do serviço e respectivo método de prestação. O conteúdo do serviço é definido de forma dinâmica. A sua definição abrange o âmbito dos serviços e respectivas características em termos de preço (que deverá ser acessível) e qualidade (que deverá ser satisfatória). No tocante ao método de prestação, um Estado-Membro não tem de intervir ou de tomar medidas adicionais caso considere que a prestação de um serviço universal é assegurada pelo mero funcionamento do mercado, isto é quando estão disponíveis propostas comerciais a preços acessíveis para todos. Todavia, se os Estados-Membros considerarem que o mercado não é suficiente para garantir a prestação de um serviço universal, a legislação comunitária permite-lhes designar um ou mais prestadores e possivelmente compensar o custo líquido da prestação desse serviço, a fim de minimizar distorções do mercado.

6. As directivas sectoriais específicas que definem serviço universal comportam vários elementos comuns: um conjunto de exigências de serviço universal, princípios relativos à selecção do prestador de serviço universal, regras em matéria de compensação do custo da prestação de serviço universal, o direito de um Estado-Membro impor exigências adicionais e normas referentes a autoridades reguladoras independentes [60].

[60] Ver Directiva 2002/22/CE (JO L 108, 24.4.2002, p. 51); Directiva 97/67/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Dezembro de 1997, relativa às regras comuns para o desenvolvimento do mercado interno dos serviços postais comunitários e a melhoria da qualidade de serviço (JO L 015, 21.01.1998, p. 14; "Proposta alterada de Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera as Directivas 96/92/CE e 98/30/CE relativas às regras comuns para o mercado interno da electricidade e do gás natural", JO 227 E, 24.9.2002, p. 393

7. O direito derivado vigente assenta nos seguintes princípios. Se os Estados-Membros considerarem que os mecanismos do mercado não são por si só suficientes para prestar um serviço universal, deverão intervir para assegurar a sua prestação. Qualquer intervenção deverá ser objectiva, transparente, não discriminatória e proporcionada. Não deverá originar qualquer distorção da concorrência, no sentido em que não deve gerar discriminações entre empresas activas no mesmo mercado, e deverá minimizar distorções no mercado, no sentido em que o serviço deverá ser prestado com a melhor relação custo-eficácia, devendo qualquer compensação ser recuperada através de uma repartição tão vasta quanto possível das contribuições. Estes princípios irão assegurar a transparência e a eficácia da intervenção pública, reforçando assim o primado do direito (dimensão democrática) e o bem-estar global (dimensão económica).

8. Acresce que, a fim de assegurar a eficácia do serviço universal, as regras nesta matéria deveriam ser complementadas por uma série de direitos do utente e do consumidor. Entre estes contam-se o acesso físico, independentemente de uma deficiência ou idade, a transparência e plena informação sobre tarifas, os termos e as condições contratuais, os indicadores de qualidade de desempenho e os índices de satisfação dos consumidores, o tratamento de queixas e os mecanismos de resolução de litígios.

9. As exigências de serviço universal podem implicar custos substanciais. Ao julgar a pertinência de manter ou alargar o âmbito dessas obrigações, é pois importante considerar os usos alternativos possíveis desses recursos.

10. No decurso das últimas duas décadas, o conceito de serviço universal tornou-se um pilar fundamental e indispensável da política comunitária na área dos serviços de interesse económico geral. Permitiu abordar exigências de interesse público relativas, em especial, à eficácia económica, ao progresso tecnológico, à defesa do ambiente, à transparência e à responsabilização, aos direitos dos consumidores e utilizadores, bem como medidas específicas em matéria de deficiência, idade ou educação. O conceito provou igualmente estar em plena sintonia com o princípio da subsidiariedade. Acresce que a aplicação do conceito pode basear-se na participação alargada das partes interessados (por exemplo, indústria, pequenas e médias empresas, consumidores e outros grupos sociais representativos). Este processo poderá incluir uma avaliação periódica de desenvolvimentos subsequentes.

1.2 Continuidade

11. Alguns serviços de interesse geral caracterizam-se por requisitos de continuidade, sendo que o respectivo operador é obrigado a garantir que o mesmo é prestado sem interrupção. Por vezes, a continuidade não é considerada como um requisito independente, mas sim definida enquanto parte de uma obrigação de serviço universal. Em relação a certos serviços, a provisão ininterrupta pode até corresponder ao interesse comercial do prestador, pelo que nem sempre é necessário impor ao operador um requisito legal de continuidade. A nível nacional, a exigência de continuidade tem obviamente de ser conciliada com o direito dos trabalhadores à greve e com a obrigação de pleno respeito pelo Estado de direito.

12. A garantia da continuidade da prestação de um serviço não é tratada de forma coerente na legislação sectorial da Comunidade. Em alguns casos, essa legislação estabelece explicitamente uma obrigação de continuidade. Por exemplo, o nº 1 do artigo 3º da Directiva relativa aos serviços postais (97/67/CE) obriga os Estados-Membros "a assegurar (...) um serviço universal que envolva uma oferta permanente de serviços postais" [61]. Noutros casos, a regulamentação específica de sector não comporta uma exigência de continuidade, mas autoriza explicitamente os Estados-Membros a impor uma obrigação desse tipo aos prestadores de serviços. O nº 2 do artigo 3º da Directiva relativa à electricidade [62] estabelece que "os Estados-Membros podem impor às empresas do sector da electricidade, no interesse económico geral, obrigações de serviço público relativas à segurança, incluindo do abastecimento, regularidade, ... . Essas obrigações devem ser claramente definidas, transparentes, não discriminatórias e controláveis; devem, assim como a sua eventual revisão, ser publicadas e prontamente comunicadas pelos Estados-Membros à Comissão...".

[61] Directiva 97/67/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Dezembro de 1997, relativa às regras comuns para o desenvolvimento do mercado interno dos serviços postais comunitários e a melhoria da qualidade de serviço JO L 015, 21.01.1998, p. 14

[62] Directiva 96/92/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Dezembro de 1996, que estabelece regras comuns para o mercado interno da electricidade, JO L 27 de 30.1.1997, p. 20

1.3.Qualidade do serviço

13. A definição, o acompanhamento e o cumprimento das exigências de qualidade por parte das autoridades públicas tornou-se um elemento fundamental na regulamentação dos serviços de interesse geral. A concretização de um nível socialmente aceitável de qualidade no serviço justifica, por vezes, obrigações de serviço público. Em alguns casos, a qualidade é considerada um aspecto tão importante que constitui a razão de ser da prestação da obrigação de serviço público, sendo objecto de estreita supervisão e regulamentação. Em áreas onde a prestação de um serviço é confiada a terceiros, a definição de normas de qualidade por parte das autoridades públicas é por vezes indispensável, a fim de assegurar a consecução de objectivos políticos. Também nos casos em que os serviços são prestados por administrações públicas, a definição e o acompanhamento das exigências de qualidade poderão contribuir para aumentar a transparência e a responsabilização. Não há, porém, consenso quanto a uma definição geral de qualidade, à excepção de que deve integrar a defesa e a segurança de consumidores e utilizadores. A protecção ambiental e o desenvolvimento sustentável são também aspectos cada vez mais considerados aquando da definição de critérios de qualidade do serviço. Os objectivos de qualidade serão variáveis consoante os sectores, em função das respectivas características.

14. Nos sectores que foram abertos à concorrência a nível comunitário, a Comunidade não confiou apenas nas forças de mercado para manter e desenvolver a qualidade dos serviços. Em alguns casos, a legislação comunitária fixou padrões de qualidade. Entre estes incluem-se designadamente, normas em matéria de segurança, correcção e transparência da facturação, cobertura territorial e protecção contra cortes de fornecimento ou serviço. Noutros casos, os Estados-Membros estão autorizados ou são mesmo instados a estabelecer normas de qualidade. Poderão ser ainda obrigados a acompanhar e a fazer respeitar as normas de qualidade e a assegurar a divulgação de informações sobre essas normas e os reais desempenhos dos operadores. É nas áreas dos serviços postais e dos serviços de comunicações electrónicas que se avançou mais no que respeita à regulamentação da qualidade ao nível comunitário.

15. Acresce que a Comissão desenvolveu medidas de índole não regulamentar para promover a qualidade nos serviços de interesse económico geral, incluindo instrumentos financeiros, normas europeias voluntárias e intercâmbios de boas práticas. A título de exemplo, refira-se que nos sectores do gás e da electricidade, a Comunidade promove a cooperação voluntária entre as instâncias reguladoras.

16. Ao discutir a questão da qualidade do serviço, é importante ter presente a relação de compromisso existente entre a qualidade e o custo de um determinado serviço. Seria ineficaz, por exemplo, que uma autoridade pública impusesse uma obrigação onerosa de prestação de um serviço de elevada qualidade quando a preferência dos consumidores e utilizadores fosse no sentido de uma qualidade inferior mas satisfatória a preços mais baixos. Acresce que a imposição de normas de qualidade poderá ser desnecessária em mercados onde existe concorrência eficaz, desde que consumidores e utilizadores sejam capazes de fazer uma escolha informada entre prestadores de serviço concorrentes. Este facto coloca a tónica no papel dos reguladores enquanto garante da exactidão e da pertinência da informação disponibilizada a utilizadores e consumidores.

1.4 Acessibilidade de preços

17. O conceito de acessibilidade de preços foi desenvolvido no âmbito da regulamentação dos serviços de telecomunicações. Foi subsequentemente introduzido para os serviços postais. Este conceito determina que um serviço de interesse económico geral seja oferecido a um preço módico de modo a ser acessível a todas as pessoas. A aplicação do princípio da acessibilidade de preços contribui para a concretização da coesão económica e social na União Europeia.

18. O conceito de acessibilidade de preços não deve ser confundido com o de determinação dos preços com base nos custos, não sendo estes necessariamente correspondentes. De facto, o melhor que o mercado pode oferecer é um preço fixado em função dos custos. No entanto, se este custo for considerado não acessível, o Estado poderá optar por intervir, garantindo assim a acessibilidade para todos. Em alguns casos, a acessibilidade de preços pode implicar a gratuitidade de um serviço para todas as pessoas ou grupos específicos. Em função das condições nacionais, os Estados-Membros podem exigir que as empresas designadas ofereçam opções ou pacotes tarifários diferentes dos propostos em condições comerciais normais, sobretudo com o intuito de assegurar que as pessoas com baixos rendimentos ou com necessidades sociais especiais não sejam impedidos de aceder a um serviço ou de o utilizar [63]. O conceito de acessibilidade de preços parece ser mais próximo do de "preços razoáveis" actualmente em discussão no contexto das alterações propostas às directivas do mercado interno relativas ao gás e à electricidade. Ainda que a acessibilidade de preços seja um critério que atende essencialmente à perspectiva do consumidor, o princípio de "tarificação razoável" sugere também a consideração de outros elementos.

[63] Ver nº 2 do artigo 9º da Directiva 2002/22/CE

19. A legislação sectorial vigente não especifica os critérios para determinar preços acessíveis, deixando aos Estados-Membros a verificação dessa mesma acessibilidade. Alguns dos critérios para determinar a acessibilidade de preços devem ser definidos pelos Estados-Membros. Estes critérios podem ser associados, por exemplo, à taxa de penetração ou ao preço de um cabaz de serviços básicos relacionados com o rendimento disponível de categorias específicas de clientes. Por último, uma vez definido o nível acessível, os Estados-Membros devem assegurar a efectiva aplicação do mesmo, instituindo mecanismos de controlo de preços (regulação dos preços máximos, nivelamento geográfico dos preços) e/ou subsidiando os consumidores e utilizadores em questão.

20. Por conseguinte, poderá considerar-se a pertinência de desenvolver ulteriormente este conceito a nível comunitário. Poderá ser ainda discutida a oportunidade de alargar o conceito a outros serviços de interesse económico geral.

1.5 Protecção dos utilizadores e dos consumidores

21. A política de consumidores da UE constitui parte integrante da estratégia subjacente ao modelo europeu de sociedade. O seu principal objectivo é assegurar que o mercado interno proporciona aos consumidores resultados progressivamente melhores e que são remediadas as insuficiências do mercado que prejudicam os consumidores. Para tal, há que assegurar a transparência do mercado e a lealdade das práticas comerciais. Nos serviços de interesse geral, as normas horizontais de defesa do consumidor e utilizador aplicam-se da mesma forma que em outros sectores económicos. Acresce que em virtude da importância económica e social destes serviços, foram tomadas medidas na legislação sectorial da Comunidade, com o objectivo de dar resposta às preocupações e às necessidades dos consumidores e das empresas. Os direitos dos consumidores e dos utilizadores estão consagrados na legislação sectorial aplicável às comunicações electrónicas, aos serviços postais, à energia (electricidade e gás), aos transportes e à radiodifusão.

22. A Comunicação da Comissão de Setembro de 2000 [64] estabelece um conjunto de princípios susceptíveis de ajudar a definir as exigências específicas dos utilizadores relativamente a serviços de interesse económico geral. Entre estes princípios contam-se uma boa qualidade do serviço, níveis elevados de protecção da saúde e de segurança física dos serviços, transparência (em matéria de tarifas, contratos, escolha e financiamento de prestadores), escolha de serviço, escolha de fornecedor, concorrência eficaz entre fornecedores, existência de organismos reguladores, disponibilidade de mecanismos de recurso, representação e activa participação de utilizadores e consumidores na definição de serviços e escolha de modalidades de pagamento.

[64] JO C 17, 19-01-2001, p. 4

23. A Comunicação salientava ainda a garantia de acesso universal, a continuidade, a elevada qualidade e a acessibilidade de preços enquanto elementos essenciais de uma política de consumidores no domínio dos serviços de interesse económico geral. Sublinhava ainda a necessidade de dar resposta a preocupações mais vastas dos cidadãos, tais como a garantia de um elevado nível de protecção ambiental; as necessidades específicas de determinadas categorias da população, tais como as pessoas com deficiência e as que auferem baixos rendimentos; e uma cobertura territorial completa de serviços essenciais em áreas remotas ou inacessíveis.

24. Acresce que os serviços de interesse geral devem ser abrangidos pelos seguintes direitos e princípios do utilizador/consumidor:

* Transparência e plena informação: neste aspecto devem ser incluídas informações claras e comparáveis sobre tarifas; termos e condições dos contratos; tratamento de queixas; e mecanismos de resolução de litígios.

* Saúde e segurança: aqui se inclui a necessidade de garantir o mais elevado nível possível de protecção da saúde e segurança física dos serviços.

* Regulamentação independente: os organismos reguladores independentes da esfera industrial, dotados de recursos adequados, poderes de sanção e deveres inequívocos em matéria de defesa dos interesses de utilizadores e consumidores.

* Representação e participação activa: há que prever disposições que permitam a consulta sistemática de representantes de consumidores a fim de lhes dar uma voz no processo decisório.

* Recurso: sistemas de tratamento de queixas rápidos e acessíveis e mecanismos alternativos de resolução de litígios.

25. Com base nos princípios de defesa do utilizador e do consumidor identificados na Comunicação, um conjunto de direitos de utilizadores e consumidores no que respeita a serviços de interesse geral poderá ter por base os seguintes princípios:

* acesso (cobertura geográfica completa, incluindo acesso transfronteiriço e acesso de pessoas com mobilidade reduzida e de pessoas com deficiência);

* acessibilidade de preços (incluindo esquemas especiais para pessoas com baixos rendimentos);

* segurança (serviço seguro e fiável, elevado nível de saúde pública);

* qualidade (incluindo fiabilidade e continuidade de serviços e mecanismos de compensação em caso de insuficiências);

* escolha (ampla escolha de serviços e, sempre que pertinente, escolha de fornecedor e concorrência eficaz entre fornecedores, direito de transitar de fornecedores);

* plena transparência e informação da parte dos operadores (por exemplo em matéria de tarifas, facturas, termos e condições dos contratos);

* direito de acesso a informações recolhidas pelas instâncias reguladoras (dados sobre qualidade do serviço, escolha e financiamento dos operadores, tratamento de queixas);

* segurança e fiabilidade (serviços contínuos e fiáveis, incluindo protecção contra cortes do fornecimento ou serviço);

* lealdade (concorrência leal e genuína);

* regulamentação independente (com poderes de sanção adequados, deveres claros);

* representação e participação activa de consumidores e utilizadores (na definição de serviços, escolha de formas de pagamento);

* vias de recurso (disponibilização de mecanismos de tratamento de queixas e de resolução de litígios, regimes de compensação);

* cláusula evolutiva (os direitos dos utilizadores/consumidores evoluem em função das suas preocupações variáveis e de mudanças na envolvente económica, jurídica e tecnológica);

* igualdade de acesso e tratamento de utilizadores e consumidores quando recorrem a serviços transfronteiriços entre Estados-Membros.

2. Ulteriores obrigações específicas

2.1. Segurança do aprovisionamento

26. A necessidade de assegurar a provisão contínua e sustentável de serviços de interesse económico geral exige a segurança do aprovisionamento. Em geral, o desenvolvimento do mercado interno gerou um aumento considerável do nível de segurança do aprovisionamento em produtos e serviços, na medida em que os mercados em questão funcionam agora de forma competitiva.

27. No sector da energia, em especial, a questão da segurança do aprovisionamento tem sido objecto de um amplo debate público a nível comunitário, tendo por base o Livro Verde publicado pela Comissão em 2001 [65]. O Livro Verde em questão visava lançar um debate com o objectivo de definir uma estratégia de longo prazo em matéria de segurança do aprovisionamento energético, para garantir uma disponibilidade física ininterrupta de produtos energéticos no mercado, a preços acessíveis para os consumidores e os utilizadores, tendo em conta simultaneamente preocupações ambientais e de desenvolvimento sustentável. A Comissão deu conta dos resultados do debate público numa Comunicação de Junho de 2002 [66]. Com base nesse processo de consulta, o relatório da Comissão conclui ser necessário reforçar a coordenação de medidas, de modo a garantir a segurança do aprovisionamento no domínio energético. Como acção de acompanhamento, a Comissão apresentou, em Setembro de 2002, duas propostas de directivas que contribuirão para aumentar a segurança do aprovisionamento em produtos petrolíferos e gás natural na União Europeia [67].

[65] Para uma estratégia europeia de segurança do aprovisionamento energético, Livro Verde COM(2000) 769, 29.11.2000

[66] Relatório Final sobre o Livro Verde intitulado "Para uma estratégia europeia de segurança do aprovisionamento energético", COM(2002) 321, 29.6.2002

[67] Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à aproximação das medidas em matéria de segurança dos aprovisionamentos em produtos petrolíferos, JO C 331 E, 21.12.2002, p.249; Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à aproximação das medidas em matéria de segurança a segurança do aprovisionamento em gás natural, JO C 331 E, 21.12.2002, p.262;

28. Alguns serviços de interesse geral que não no sector energético podem também suscitar preocupações em matéria de segurança do aprovisionamento, designadamente em razão de riscos de subinvestimento prolongado em infra-estruturas ou capacidades. Contudo, de um modo geral, o direito derivado da Comunidade não aborda esta problemática. No sector das telecomunicações, a Comissão propôs uma estratégia global para garantir a segurança das redes de comunicações electrónicas [68]. Poderá ser útil considerar a pertinência de aumentar especificamente os níveis de segurança do aprovisionamento em outros sectores. Todavia, qualquer avaliação deverá ter em conta que as medidas complementares específicas vocacionadas para reforçar a segurança do aprovisionamento comportam geralmente custos económicos adicionais. Qualquer acção proposta neste contexto tem, pois, de dar garantias de que os custos decorrentes não são superiores aos benefícios esperados [69].

[68] COM(2001)298

[69] Cf. Documento dos serviços da Comissão, Security of supply - The current situation at European Union level, SEC (2002)243, 28.2.2002

2.2. Acesso à rede e interconectividade

29. Em casos de monopólios naturais com significativos custos irrecuperáveis, rendimentos de escala crescente e custo médio decrescente, a entrada no mercado é particularmente difícil. Estes serviços são tipicamente prestados por meio de tecnologias estáveis e duradouras. Nestes casos, a mera aplicação de regras comuns (por exemplo regras relativas à concorrência ou aos contratos públicos) pode ser insuficiente e ser, por conseguinte, necessário completá-la por uma supervisão mais intensa e contínua em sectores específicos (regulamentação), cujo âmbito mínimo está, em muitos casos, especificado na legislação comunitária.

30. Entre os sectores afectados contam-se as indústrias de rede nas quais um acesso justo - em especial para os novos operadores - a redes existentes, por exemplo de electricidade, telecomunicações ou transporte ferroviário, constituirá por vezes pré-requisito para operar com êxito no mercado [70]. A Comunidade encontrou quatro grandes soluções para resolver a questão do acesso:

[70] Acresce que vários mercados de serviços de interesse geral só recentemente foram abertos à concorrência e os prestadores efectivos mantêm, por vezes, uma posição dominante no respectivo mercado nacional durante um certo período de tempo. É, pois, necessário um determinado grau de supervisão e controlo para evitar abusos de poder no mercado

(1) Manter um prestador já estabelecido integrado verticalmente com direito exclusivo de operar serviços. Esta era a forma normal de organização destes sectores no momento em que foi criada a Comunidade, tendo sido agora proibida na maioria das indústrias de redes através de legislação comunitária específica. Actualmente, essa proibição não abrange os sectores da água; dos transportes públicos urbanos (autocarro/metropolitano/metro ligeiro); e partes residuais das indústrias da electricidade, gás e serviços postais. No tocante ao sector dos autocarros/metropolitano/metro ligeiro, não existem planos que obriguem as autoridades públicas a separar o funcionamento da infra-estrutura da provisão de serviços a passageiros, e essas autoridades poderão continuar a garantir direitos exclusivos a operadores, desde que atribuídos na sequência de concursos.

(2) Manter um prestador verticalmente integrado que deverá abrir a respectiva infra-estrutura aos concorrentes. A legislação comunitária obriga os prestadores já estabelecidos a conceder aos concorrentes acesso à rede local de assinantes no sector das telecomunicações, nos mercados energéticos, à rede de electricidade e às condutas de gás (tanto ao nível de transmissão como de distribuição), bem como às redes de transportes ferroviários nacionais no que respeita a serviços internacionais.

(3) Permitir a concorrentes verticalmente integrados criar as suas próprias infra-estruturas. Esta abordagem tem sido aplicada nos sectores das telecomunicações, serviços postais, aviação [e radiodifusão] [71].

[71] Em outros sectores, esta não é uma opção técnica ou economicamente atraente

(4) Separar as funções de operador e gestor da infra-estruturas. Esta é abordagem até ao momento escolhida para o acesso à rede de electricidade e de transportes ferroviários [72]. A Comissão propôs recentemente a mesma estratégia para os sectores da electricidade e do gás, tendo esta proposta sido aprovada pelo Conselho "Energia".

[72] O gestor e o operador da infra-estrutura podem fazer parte da mesma entidade jurídica, mas o processo de repartição das capacidades de infra-estrutura ferroviária e a cobrança de taxas para a sua utilização tem de ser assegurado por um organismo jurídica, organizativa e administrativamente independente da empresa de transporte ferroviário (ver Directiva 2001/14/CE, JO L 75, 15.03.2001, p.29)

31. É óbvio que não existe uma única abordagem ideal da regulamentação das indústrias de redes. As escolhas dependem das características de cada sector. O quadro que se segue mostra como a legislação comunitária aborda a regulamentação do acesso de forma diferente em função das especificidades do sector em causa e do estádio em que se encontra o processo de liberalização.

>POSIÇÃO NUMA TABELA>

32. Em casos de reduzidos custos irrecuperáveis, o grau de intervenção pública pode ser inferior. Podem ser atribuídos adjudicados de curto prazo a um único operador, sendo a opinião dos clientes sobre a qualidade tida em conta para avaliar os seus desempenhos.

33. A aplicação de cada uma das abordagens anteriormente expostas pode ser condicionada por directivas que regem os concursos públicos ou por disposições gerais do Tratado. A selecção transparente e não discriminatória (seja ou não por concurso) de um único operador - o qual beneficiará de direitos exclusivos/especiais - garante que o serviço é prestado com a mais elevada qualidade ao mais baixo custo líquido adicional.

2.3 Exigências que visam assegurar o pluralismo dos meios de comunicação

34. Desde meados da década de 80, os Estados-Membros introduziram legislação relativa à propriedade dos meios de comunicação. A legislação em vigor restringe normalmente holdings máximos nas empresas de comunicação e previne o controlo cumulativo ou a participação simultânea em várias empresas de comunicação. O objectivo destas medidas legislativas consiste em salvaguardar a liberdade de expressão e assegurar que os meios de comunicação reflectem um espectro de pontos de vista e opiniões que caracterize a sociedade democrática.

35. Ainda que a salvaguarda do pluralismo dos meios de comunicação incumba, primeiramente, aos Estados-Membros, cabe à Comunidade ter em devida conta este objectivo no âmbito das suas políticas. Actualmente a legislação comunitária derivada não contém quaisquer disposições directamente destinadas a salvaguardar o pluralismo dos meios de comunicação. Todavia, a legislação comunitária permite a aplicação de disposições nacionais de salvaguarda no que se refere a esta questão. Este facto está patente no nº 3 do artigo 21º do Regulamento das Concentrações, que estabelece explicitamente a possibilidade de aplicar medidas nacionais que salvaguardem a pluralismo dos meios de comunicação, juntamente com regras comunitárias em matéria de concentrações, ou no artigo 8º da Directiva-Quadro relativa às comunicações electrónicas [73], que refere que as autoridades reguladoras nacionais podem contribuir para o pluralismo nos meios de comunicação.

[73] Directiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 Março 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações electrónicas (Directiva-Quadro), JO L 108 de 24.4.2002, p. 33

36. Em Dezembro de 1992, a Comissão publicou um Livro Verde [74] com o objectivo de lançar um debate público sobre a eventual necessidade de acção comunitária neste domínio. As opções consideradas nesse Livro Verde incluíam a ausência de acção, a proposta de uma recomendação no sentido de aumentar a transparência e a proposta de legislação comunitária para harmonizar as restrições nacionais em matéria de propriedade dos meios de comunicação. Os debates não permitiram retirar conclusões claras e a Comissão não tomou qualquer iniciativa formal específica.

[74] Pluralismo e concentração dos meios de comunicação no mercado interno - Avaliação da necessidade de uma acção comunitária COM(92)480, 23.12.1992

37. Dez anos depois, e dada a crescente concentração do sector dos meios de comunicação e a proliferação dos meios de comunicação electrónicos, a protecção do pluralismo neste sector continua a ser um aspecto a considerar, nomeadamente no contexto do Protocolo de Amesterdão relativo a radiodifusão pública [75]. Procura-se agora determinar se a Comissão deveria reexaminar a necessidade de acção comunitária neste domínio.

[75] Ver Protocolo relativo ao serviço público de radiodifusão nos Estados-Membros, anexo ao Tratado CE por via do Tratado de Amesterdão

II. Instrumentos de política

1. Organização de intervenção regulamentar

1.1.Regulamentação comunitária e Autoridades Reguladoras Nacionais (ARN)

38. O direito primário e secundário da Comunidade e dos Estados-Membros comporta as regras básicas aplicáveis aos mercados de serviços de interesse geral. Não obstante, para garantir a consecução dos objectivos da regulamentação, seria insuficiente confiar exclusivamente na execução e nos mecanismos habituais de aplicação da legislação. Acresce que a legislação comunitária pode obrigar os Estados-Membros a designar uma ou várias "autoridades reguladoras nacionais" responsáveis pela execução destas tarefas de índole regulamentar. Existem disposições deste tipo nos sectores das comunicações electrónicas, serviços postais, transportes ferroviários e aviação. No tocante aos sectores da electricidade e do gás, a Comissão sugeriu, na sua proposta de Março de 2001 e nas propostas alteradas de Junho de 2002, uma obrigação a impor aos Estados-Membros de designar um ou mais órgãos competentes enquanto autoridades reguladoras nacionais. No que respeita a serviços que não estão abrangidos por um regime regulamentar geral a nível comunitário, alguns Estados-Membros, nomeadamente o Reino Unido, decidiram criar uma autoridade reguladora no domínio da água (OFWAT).

39. As disposições institucionais circunstanciadas relativas à autoridade reguladora nacional exigidas na legislação comunitária pertinente são deixadas ao critério dos Estados-Membros. Deste modo, pode ser um órgão já existente ou o ministério que tutela o sector, abordagem esta adoptada em vários Estados-Membros. Contudo, esta solução revelou-se problemática no que se refere à independência da autoridade reguladora nacional em alguns casos em que os Estados-Membros também detêm ou controlam empresas que operam no sector em questão. A directiva-quadro no sector das comunicações exige nestes casos "uma separação estrutural efectiva entre a função reguladora e as actividades ligadas à propriedade ou controlo". A designação de um ministério enquanto autoridade reguladora predominante responsável por todas as decisões de carácter regulamentar continua a ser a excepção. A importância e a natureza complexa e contínua das tarefas regulamentares implicam, por vezes, a proficiência e a independência de um órgão regulador específico de um determinado sector [76]. Quase todos os Estados-Membros criaram um órgão deste tipo para os sectores em questão, nomeadamente a electricidade e o gás, para os quais a legislação comunitária em vigor não determina ainda a designação de uma autoridade reguladora nacional.

[76] A Decisão da Comissão 2002/627/CE, de 29 de Julho de 2002, que institui o grupo de reguladores europeus para as redes e serviços de comunicações electrónicas, JO L 200/38, 30.07.2002, inclui uma definição de "autoridade reguladora nacional": "Para efeitos da presente decisão entende-se por "autoridade reguladora nacional competente" a autoridade pública instituída em cada Estado-Membro para supervisionar diariamente a interpretação e aplicação das disposições das directivas relacionadas com as redes e serviços de comunicações electrónicas, como definido na directiva-quadro."

40. Convém, porém, notar que mesmo nos casos em que existe uma autoridade reguladora específica num determinado sector, o governo - i.e. o ministério competente - detém, por vezes, a responsabilidade por certas decisões de carácter regulamentar. A situação em que essa autoridade reguladora específica assume todas as questões regulamentares é actualmente a excepção. Essas autoridades reguladoras são mais predominantes no sector das comunicações e, em menor grau, no sector da energia ou serviços postais, enquanto que na aviação e nos transportes ferroviários as responsabilidades são normalmente partilhadas entre o ministério e as agências de aviação civil ou de transportes ferroviários. No sector da água, a agência OFWAT no Reino Unido tem autoridade para regular preços e o nível de serviço a prestar, enquanto que as agências existentes neste domínio em França podem ser consideradas reguladores do ambiente, na medida em que cobram taxas ambientais.

41. A principal característica de uma autoridade reguladora específica de um sector é a sua independência relativamente aos operadores de mercado nesse mesmo sector. Esta exigência é crucial para evitar conflitos de interesse e assegurar a imparcialidade da autoridade reguladora [77], estando, pois, estabelecida em legislações comunitárias sempre que é obrigatória a designação de um autoridade reguladora nacional. Os Estados-Membros têm em vigor regras mais específicas para assegurar esta independência, como por exemplo o facto de o pessoal da autoridade reguladora não estar autorizado a deter acções de empresas no sector em questão.

[77] Ver TJCE, Processo C-202/88, França vs Comissão [1991], Colectânea da Jurisprudência I-1223, para. 51, 52; Processo C-91/94, Thierry Tranchant [1995] Colectânea da Jurisprudência I-3911, para. 18, 19

42. As autoridades reguladoras específicas de sector têm também um elevado grau de independência do governo. Na maioria dos casos, o governo nomeia a chefia e os membros da autoridade reguladora e determina os seus objectivos políticos gerais [78]. Contudo, as autoridades reguladoras não são normalmente sujeitas a instruções do governo para a tomada de decisões individuais; acresce que aos membros da autoridade pode ser especificamente exigidos sólidos conhecimentos das regras aplicáveis no sector. Este facto aumenta a imparcialidade do regulador e reforça a continuidade das abordagens regulamentares. Algumas autoridades regulamentares financiam os respectivos orçamentos através de fontes de rendimento autónomas, por oposição ao orçamento geral administrado pelo governo, facto que reforça a sua independência.

[78] Em alguns casos, tais como no sector das comunicações electrónicas, as metas e os objectivos políticos globais da "autoridade reguladora nacional" são especificados na legislação comunitária

43. Convém notar que independência não significa falta de responsabilização pelos desempenhos. De um modo geral, as autoridades reguladoras têm que regularmente prestar contas ao governo e/ou ao parlamento e, o que é mais importante, as partes em questão podem recorrer das suas decisões na justiça. Por outro lado, as possibilidades de recurso devem ser proporcionais. Se as decisões do regulador se arrastam em anos de controversa antes de se tornarem efectivas, o objectivo da regulamentação não será concretizado. Por conseguinte, em alguns casos, os recursos de decisões da autoridade reguladora não têm efeitos suspensivos.

44. Antes de tomar quaisquer decisões, os reguladores têm de consultar as partes interessadas e o público, a fim de assegurar a tomada em consideração de todos os aspectos relevantes. Igualmente importante é o facto de os reguladores terem de consultar e coordenar actividades com outras autoridades públicas, tais como autoridades da concorrência e organismos de defesa dos consumidores, por forma a garantir a compatibilidade e a coerência das decisões tomadas.

45. Para realizarem as suas actividades de forma eficaz, os reguladores têm por vezes de confiar em informações que apenas empresas regulamentadas podem fornecer. Por conseguinte, têm de dispor de autoridade para exigir dessas empresas, num prazo definido, eventuais informações necessárias ao desempenho da missão em questão. No caso de informações delicadas do ponto de vista comercial, as autoridades reguladoras estão sujeitas ao respeito das regras em matéria de sigilo comercial. A fim de regulamentar as tarifas de acesso a redes, por exemplo, o regulador tem de dispor de informações fiáveis e exaustivas sobre os custos incorridos pelos operadores das redes.

46. Os poderes e as responsabilidades das autoridades reguladoras nos Estados-Membros variam em função dos sectores e das legislações nacionais em vigor, incluindo a divisão de tarefas entre a autoridade reguladora do sector e o ministério competente. Esta divisão de tarefas é grandemente influenciada pelas tradições legais e administrativas prevalecentes nos Estados-Membros. Algumas responsabilidades fundamentais são, contudo, partilhadas por quase todas as autoridades reguladoras dos sectores em questão. A regulamentação de termos e condições de acesso a redes existentes e dos preços no retalhista, para excluir abusos de posição dominante no mercado, são provavelmente os exemplos mais proeminentes. A este respeito, os reguladores complementam as actividades das autoridades de concorrência: enquanto que estas últimas aplicam a legislação geral neste domínio a um sector específico através de medidas ex-post, ou seja após o abuso ter ocorrido, uma autoridade reguladora intervém normalmente a montante, definindo regras destinadas a reduzir o risco de ocorrência desses abusos numa fase precoce [79].

[79] Convém notar que, em certa medida, as responsabilidades das autoridades de concorrência e reguladoras sobrepõem-se. Uma estratégia incorrecta de fixação de preços pode ser incompatível com as regras definidas pela autoridade reguladora e, ao mesmo tempo, constituir um abuso de posição dominante na acepção da legislação da concorrência. É, pois, importante que os papéis de reguladores e autoridades de concorrência sejam claros na prática. Regra geral, pode dizer-se que a autoridade reguladora aplica regras específicas a um determinado sector, o que por vezes torna redundante a necessidade de intervenção da autoridade de concorrência Por outro lado, incumbe a esta última intervir quando o regulador não tem autoridade para assegurar o respeito pelas regras horizontais de concorrência ou quando não empreende qualquer acção

47. Habitualmente, o acto legislativo em questão define as obrigações relacionadas com a prestação de serviço universal. Contudo, as autoridades reguladoras desempenham por vezes um papel importante na ulterior definição e aplicação dessas regras. Por exemplo, quando um prestador de serviço universal recebe compensações pela prestação do serviço, as regras gerais relativas ao cálculo dos custos e o mecanismo de financiamento são normalmente definidos pelo parlamento ou pelo ministério competente. A aplicação destas regras é da responsabilidade do regulador.

48. Um elemento importante do conceito de serviço universal é a acessibilidade dos preços para os utilizadores finais e os consumidores. Sempre que é necessário para atingir este objectivo, as autoridades reguladoras aplicam medidas de regulamentação de preços. Uma vez que, em princípio, cabe ao mercado determinar o preço, esta regulamentação assume habitualmente a forma de preços máximos, que existem em vários Estados-Membros, nomeadamente no que respeita à electricidade. A regulamentação de preços pode, porém, assumir a forma de preços mínimos, de modo a prevenir comportamentos abusivos por parte de agentes dominantes (por exemplo, no sector das comunicações).

49. Especialmente importante do ponto de vista do consumidor ou utilizador é o papel que as autoridades reguladoras desempenham por vezes no desenvolvimento e na aplicação de normas vinculativas de segurança e qualidade do serviço. Estas são relevantes em termos da satisfação de expectativas relativas, nomeadamente, a questões como o acesso, a escolha, a transparência (incluindo em matéria de preços), a acessibilidade, a qualidade, a segurança, e a fiabilidade. Sempre que os operadores não cumprem as normas vigentes nestes domínios, é essencial que os consumidores e os utilizadores tenham à sua disposição mecanismos de recurso adequados.

50. A concessão de licenças constitui um importante instrumento para garantir o cumprimento de normas vinculativas. Se um operador de mercado desobedece às regras definidas pela autoridade reguladora - e especificadas na licença concedida aos operadores - esta pode revogar a licença. A imposição de sanções é também um outro meio de garantir o cumprimento das normas.

51. Consumidores e utilizadores têm de ter a possibilidade de apresentar queixas na eventualidade de incumprimento por parte de um operador das normas anteriormente referidas. Estas queixas são normalmente tratadas por uma autoridade reguladora e, em muitos casos, estes são obrigados por lei a tomar uma decisão rápida (ou seja, dentro de um determinado limite temporal).

52. Algumas autoridades reguladoras estão também activas no fornecimento sistemático aos consumidores de informações sobre o mercado [80], enquanto que na maioria dos casos esta é uma tarefa assegurada pelas organizações de consumidores. Para além das já enumeradas responsabilidades fundamentais que incumbem às autoridades reguladoras, vários Estados-Membros confiam-lhe outras tarefas: no sector da energia, por exemplo, a execução da política social e ambiental [81] e o planeamento da segurança a longo prazo do fornecimento de electricidade e gás [82]. Estas incumbências adicionais são normalmente determinadas por circunstâncias nacionais específicas. A razão para a transferência dessas tarefas para as autoridades reguladoras prende-se, em muitos casos, com a sua competência e conhecimentos técnicos no sector.

[80] Por exemplo, a autoridade reguladora do sector da energia no Reino Unido e na Dinamarca; no sector das comunicações, a legislação comunitária estabelece que as autoridades reguladoras devem incentivar a prestação de informações aos consumidores, a fim de permitir a escolha dos clientes (artigos 21º e 22º da Directiva 2002/22/CE relativa ao serviço universal)

[81] Por exemplo, no Reino Unido e na Suécia

[82] Por exemplo, na Bélgica

1.2 Disposições de cooperação institucional a nível comunitário

53. As autoridades reguladoras específicas são criadas pelos Estados-Membros para regulamentar o mercado nacional de um sector. Contudo, os mercados nacionais fazem parte integrante do mercado interno da Comunidade e as decisões regulamentares adoptadas pelos reguladores nacionais têm, por vezes, impacto nas transacções transfronteiriças. Por conseguinte, é necessária uma certa coerência entre as abordagens das autoridades reguladoras nacionais, de modo a evitar distorções decorrentes de diferentes estratégias susceptíveis de ter efeitos no bom funcionamento do mercado interno. Nos sectores ferroviário e das comunicações, a legislação comunitária contém uma disposição que obriga expressamente os reguladores a coordenar os respectivos princípios de tomada de decisão [83].

[83] Artigo 31º da Directiva CE/2001/!4 e nº 2 do artigo 7º da Directiva-Quadro que rege o sector das comunicações

54. Actualmente, existe um conjunto de disposições organizativas que visam incentivar a coerência regulamentar nos sectores em questão. Em vários sectores foram criadas associações europeias que reúnem autoridades reguladoras provenientes dos Estados-Membros e por vezes de países terceiros. Exemplos:

* Conselho dos Órgãos Europeus de Regulamentação da Energia (CEER) serve de ponto focal de contacto entre autoridades reguladoras e a Direcção-Geral da Energia e os Transportes da Comissão. Este órgão mantém relações de trabalho estreitas com autoridades reguladoras na América do Norte e nos países candidatos à UE. O trabalho do CEER tem incidido em questões relacionadas com transacções transfronteiriças, tendo este órgão participado activamente nos Processos Regulamentares de Florença e Madrid (ver infra).

* O Comité Europeu da Regulamentação dos Correios (CERP) é composto por representantes da CEPT (Conferência Europeia dos Correios e Telecomunicações), de autoridades reguladoras nacionais no sector dos correios, nomeadamente na UE e nos países candidatos, nos países da EFTA, Albânia e na Federação Russa. O CERP debate questões regulamentares e operacionais no sector dos correios e facilita os contactos entre os organismos relevantes, com o objectivo de desenvolver uma abordagem comum que possa conduzir, sempre que tal se relevar adequado, à emissão de propostas e recomendações.

* A Joint Aviation Authority reúne as agências nacionais de aviação civil. Desenvolveu regras comuns de segurança e procedimentos para a maioria das áreas do sector da aviação civil. Estas regras não têm carácter vinculativo, a menos que sejam transformadas em legislação comunitária ou nacional.

55. Nos sectores da electricidade e do gás, está instituída uma forma singular de coordenação e cooperação entre as autoridades reguladoras nacionais. A fim de criar consensos entre todas as partes em matérias relacionadas com transacções transfronteiriças nos sectores da electricidade e do gás, foram criados dois fóruns regulamentares, o Fórum de Madrid e o Fórum de Florença. Estes espaços de debate, presididos pela Comissão, reúnem reguladores nacionais no domínio da energia e representantes de alto nível dos Estados-Membros, da indústria e dos consumidores. As decisões emanadas destes fóruns não são formalmente vinculativas, mas são tomadas com a certeza de que serão aplicadas nos Estados-Membros pelas autoridades reguladoras nacionais [84]. Todavia, as suas limitações têm vindo a tornar-se aparentes, em especial quando se trata de tomar decisões sobre questões controversas. Por conseguinte, em Março de 2001, a Comissão propôs uma regulamentação das trocas transfronteiriças de electricidade que estabelece um processo de comitologia em matérias que foram debatidas no contexto do Fórum de Florença.

[84] Para mais informações sobre os Fóruns de Florença e Madrid, consultar: http://europa.eu.int/comm/energy/en/ elec_single_market/florence/index_en.html; http://europa.eu.int/comm/energy/en/ gas_single_market/madrid.html

56. Grupos europeus de autoridades reguladoras Recentemente, foi desenvolvida uma nova forma organizativa de participação dos reguladores nacionais a nível comunitário, sob a forma de grupos europeus de autoridades reguladoras que visa reforçar e formalizar o papel das autoridades sectoriais a nível da UE. Contrariamente ao processo de comitologia, estes grupos devem ser compostos pelos reguladores nacionais do sector em questão. Este conceito foi, por exemplo, discutido em pormenor no "relatório Lamfalussy" sobre o futuro processo legislativo e regulamentar do mercado europeu de títulos, com vista a desenvolver uma nova forma de regulamentação mais eficaz. No tocante aos serviços económicos de interesse geral, foi recentemente criado, por Decisão da Comissão, um grupo de reguladores europeus para as redes e serviços de comunicações electrónicas [85]. Os seus objectivos consistem em: (a) aconselhar e assistir a Comissão na consolidação do mercado interno das redes e serviços das comunicações electrónicas; (b) proporcionar uma interface entre as autoridades reguladoras nacionais e a Comissão; e (c) dar apoio para assegurar a aplicação coerente do enquadramento regulamentar em todos os Estados-Membros.

[85] JO L 200, 30.7.2002, p.38

57. No que respeita à electricidade e ao gás, as propostas alteradas da Comissão relativamente à conclusão do mercado interno da energia, apresentadas na sequência da proposta do Parlamento Europeu, sugeriam que fosse criado um grupo de reguladores nesses sectores.

58. Comitologia Na maioria dos sectores em questão, a legislação comunitária prevê procedimentos de comitologia para definir os pormenores da aplicação das regras do direito comunitário primário. Característica comum a estes procedimentos é o facto de a Comissão aprovar decisões após consulta de um comité consultivo ou regulamentar composto por representantes dos Estados-Membros. As questões abordadas são, por vezes, as que são particularmente relevantes para as transacções transfronteiriças, tais como as normas de qualidade dos serviços postais transfronteiros ou a interoperabilidade dos transportes ferroviários. Existem comités deste tipo nos sectores das comunicações, serviços postais, transportes ferroviários e aviação. Importa salientar que cabe aos Estados-Membros determinar como se fazem representar nesses comités e, por conseguinte, a participação da autoridade reguladora específica do sector não está garantida. Todavia, na prática, na maioria dos casos em que existem reguladores estes são envolvidos neste processo pelos Estados-Membros. No tocante à electricidade, a Comissão sugeriu, na sua proposta de conclusão do mercado interno da energia, um procedimento de comitologia para questões atinentes à transmissão transfronteiriça de electricidade.

1.3 Serão os reguladores europeus necessários?

59. Não existe actualmente uma autoridade reguladora europeia para qualquer dos sectores em questão. Contudo, a ideia de criar um organismo deste tipo a nível europeu tem vindo a ser discutida para alguns sectores, em especial o das comunicações [86]. No sector da aviação, por exemplo, o Conselho decidiu recentemente, com base numa proposta da Comissão, criar a Agência Europeia para a Segurança da Aviação (EASA). Esta agência assistirá a Comissão na adopção de normas comuns em matéria de segurança dos transportes aéreos e questões de protecção ambiental, no âmbito de um procedimento de comitologia. Será também responsável pela aeronavegabilidade e certificação ambiental dos produtos aeronáuticos concebidos ou usados nos Estados-Membros. Esta incumbência era até agora assegurada pelas agências nacionais de aviação. Neste aspecto (limitado) a nova agência pode ser considerada um regulador europeu. Nos transportes ferroviários, a Comissão propôs, no seu pacote de Janeiro de 2002 relativo ao sector, a criação de uma Agência Ferroviária Europeia. Esta agência não teria, porém, um papel regulador directo. Em certas áreas, o seu papel seria de natureza consultiva, sendo assim comparável à missão desempenhada pelo grupo europeu de reguladores para as comunicações.

[86] Ver os dois estudos independentes realizados para a Comissão: Eurostrategies/Cullen International, The possible added value of a European Regulatory Authority for telecommunications, Dezembro de 1999; Nera & Denton Hall, Issues associated with the creation of a European Regulatory authority for telecommunications, Março de 1997

2. Financiamento dos serviços de interesse geral

60. Ainda que a viabilidade de um número significativo de serviços de interesse económico geral seja assegurada apenas pelos mecanismos de mercado, alguns serviços de interesse geral precisam de esquemas de financiamento específicos de forma a manterem um equilíbrio financeiro.

61. Regra geral, a legislação comunitária não impõe uma forma específica de financiamento dos serviços de interesse geral, cabendo aos Estados-Membros decidirem essa questão. Não obstante, nos casos em que se aplica um esquema de financiamento, este deve ser conforme às regras de concorrência e dos auxílios estatais, bem como às normas que regem o mercado interno estabelecidas no Tratado. Em qualquer dos casos, o Tratado autoriza os prestadores de serviços de interesse económico geral a serem compensados pelos custos adicionais do desempenho de uma missão de serviço público. Qualquer compensação que exceda o necessário para a realização da tarefa de serviço público é, por princípio, incompatível com o Tratado.

62. Os esquemas de financiamento podem assumir diferentes formas, tais como financiamento directo através do orçamento de Estado, contributos dos participantes no mercado, concessões de direitos especiais ou exclusivos, harmonização de tarifas ou, no caso de serviços sociais não oferecidos pelo mercado, financiamento solidário. (a) Compensação directa através do orçamento de um Estado-Membro Uma forma de providenciar apoio financeiro a serviços de interesse geral implica uma compensação directa através do orçamento de um Estado-Membro. Esta compensação pode assumir a forma de pagamentos directos ao prestador do serviço ou outras vantagens financeiras, tais como isenções fiscais, o que reduz as receitas orçamentais nacionais. Em alguns casos, a compensação directa por um Estado-Membro pode ser complementada por fundos comunitários com base no princípio de co-financiamento, isto é através dos Fundos Estruturais. A compensação directa reparte por todos os contribuintes os encargos de financiamento de um serviço público. Esta forma de financiamento não cria uma barreira à entrada. Está sujeita a controlo da assembleia parlamentar nacional, enquanto parte do processo orçamental. (b) Contribuições dos participantes do mercado Os Estados-Membros podem também decidir que os custos líquidos da prestação de um serviço de interesse geral devem ser recuperados junto dos beneficiários do serviço através de taxas impostas às empresas. Esta possibilidade está explicitamente prevista na legislação comunitária em matéria de telecomunicações e de serviços postais. Neste caso, os Estados-Membros devem assegurar que o método de repartição entre as empresas se baseie em critérios objectivos e não discriminatórios e esteja de acordo com o princípio da proporcionalidade. Este princípio não deverá impedir os Estados-Membros de isentarem dessas taxas os novos operadores que ainda não alcançaram uma presença significativa no mercado. Qualquer mecanismo de financiamento adoptado deve assegurar que os participantes no mercado apenas contribuem para o financiamento do serviço universal e não para outras actividades que não estejam directamente ligadas ao cumprimento das obrigações de serviço universal. O mecanismo de recuperação deve respeitar sempre os princípios do direito comunitário e, nomeadamente, no caso dos mecanismos de repartição, os princípios da não discriminação e da proporcionalidade. O custo líquido das obrigações de serviço universal pode ser repartido por todas as empresas ou por certas classes específicas de empresas. As autoridades reguladoras nacionais devem certificar-se de que as empresas que beneficiam de financiamento apresentam, em justificação do seu pedido, de informações suficientemente detalhadas sobre os custos específicos que requerem esse financiamento. Existem incentivos para que os operadores designados aumentem o custo líquido estimado das obrigações de serviço público. Por conseguinte, os Estados-Membros devem assegurar a transparência e o controlo efectivos dos montantes cobrados para financiar as obrigações de serviço universal. Acresce que e Directiva 2002/22/CE relativa ao serviço universal nas comunicações electrónicas estipula que os regimes de contabilização dos custos e de financiamento das obrigações de serviço universal devem ser comunicados pelos Estados-Membros à Comissão para que esta verifique a sua compatibilidade com o Tratado. Além disso, o considerando 21 desta Directiva estabelece que "qualquer mecanismo de financiamento deve garantir que os consumidores e os utilizadores de um Estado-Membro não contribuam para os custos do serviço universal de outro Estado-Membro, por exemplo, ao fazerem chamadas de um Estado-Membro para outro." (c) Direitos especiais e exclusivos Em alguns casos, os Estados-Membros concedem direitos especiais ou exclusivos para garantir a viabilidade financeira de um prestador de serviço de interesse económico geral. A concessão destes direitos não é de per se incompatível com o Tratado. O Tribunal de Justiça considerou [87] que o nº 2 do artigo 86º do Tratado "permite aos Estados-Membros a atribuição a empresas por eles incumbidas da gestão de serviços de interesse económico geral, de direitos exclusivos que podem prejudicar a aplicação das normas do Tratado relativas à concorrência, na medida em que restrições à concorrência, ou até a exclusão de qualquer concorrência, por parte de outros operadores económicos, sejam necessárias ao desempenho da missão especial atribuída às empresas titulares de direitos exclusivos." Não obstante, os Estados-Membros devem assegurar que esses direitos são compatíveis com as regras do mercado interno e não constituem um abuso de posição dominante na acepção do artigo 82º. De um modo geral, a concessão de direitos exclusivos ou especiais pode restringir a concorrência em determinados mercados na medida em que são necessários para o desempenho de uma missão de serviço público específica. Acresce que a liberdade dos Estados-Membros de concederem direitos especiais ou exclusivos a prestadores de serviços de interesse geral pode ser também condicionada em legislação sectorial comunitária [88]. (d) Uniformização de tarifas Para alguns serviços, tais como certas telecomunicações ou serviços postais, os Estados-Membros exigem que seja prestado um serviço universal a uma tarifa uniforme em todo o território nacional. Nestes casos, a tarifa tem por base um custo médio que pode variar consideravelmente, isto é dependendo do facto de ser prestado numa área com elevada densidade populacional ou numa zona rural remota. Regra geral, e estando sujeita a um controlo por parte da Comissão, a uniformização das tarifas é compatível com a legislação comunitária desde que imposta por um Estado-Membro por motivos de coesão territorial e social e satisfaça as condições estabelecidas no nº 2 do artigo 86º do Tratado [89]. (e) Financiamento solidário e adesão obrigatória Em virtude da sua importância, esta forma de financiamento é aqui referida, ainda que apenas diga respeito a serviços de interesse geral de natureza não económica. Os regimes de segurança social nos Estados-Membros assentam geralmente em mecanismos que têm um objectivo social e dão corpo ao princípio da solidariedade. São concebidos para dar cobertura a todas as pessoas a quem se aplicam, protegendo-as contra riscos como doença, velhice, morte e invalidez, independentemente da sua situação financeira e do seu estado de saúde no momento da inscrição. O princípio da solidariedade em regimes de seguro de saúde, por exemplo, pode ser traduzido no facto de o regime ser financiado através de contribuições proporcionais ao rendimento profissional das pessoas que as pagam, ao passo que as prestações têm por base as necessidades de quem delas usufrui. Neste caso, a solidariedade implica a redistribuição de rendimento entre os que mais têm e todos quantos seriam privados da cobertura social necessária em virtude dos respectivos recursos e estado de saúde. Atenua ainda insuficiências do mercado associadas a seguros de saúde relacionados com economias de escala, selecção de riscos e risco moral. Nos regimes de seguro de velhice, a solidariedade pode traduzir-se no facto de as contribuições pagas pelos trabalhadores activos servirem para financiar as pensões dos trabalhadores reformados. Reflecte-se igualmente na concessão de direitos de pensões sem terem sido feitas contribuições e de direitos de pensões não proporcionais às contribuições pagas. Por último, pode existir solidariedade entre os vários regimes de segurança social, na medida em que os que registam excedentes contribuem para financiar os outros com dificuldades financeiras estruturais. Estes regimes de segurança social assentam num sistema de contribuições obrigatórias, indispensável para a aplicação do princípio da solidariedade e para o equilíbrio financeiros desses regimes. Acresce que a gestão de regimes deste tipo é normalmente sujeita a um rigoroso controlo por parte do Estado. Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, as organizações a quem se confiam estas actividades que têm por base o princípio da solidariedade nacional e são desprovidas de qualquer fim lucrativo desempenham uma função exclusivamente social. Estas organizações não exercem uma actividade económica e não são consideradas empresas na acepção do direito comunitário [90]. Não obstante, poderá considerar-se a necessidade de clarificar a nível comunitário os critérios e as consequências do financiamento solidário dos regimes de segurança social.

[87] TJCE Processo 320/91, acórdão de 17 de Maio de 1993, Corbeau, [1993] I-2533 (ponto 14)

[88] Ver nº 1 do artigo 2º da Directiva 2002/77/CE da Comissão, de 16 de Setembro de 2002, relativa à concorrência nos mercados de redes e serviços de comunicações electrónicas, JO L 249 de 17.9.2002, p. 21; nº 1 do artigo 7º da Directiva 97/67/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Dezembro de 1997 relativa às regras comuns para o desenvolvimento do mercado interno dos serviços postais comunitários e a melhoria da qualidade de serviço, JO L 15, 21.1.1998 p.14

[89] TJCE Caso 320/91, acórdão de 19 de Maio de 1993, Corbeau, [1993] Colectânea da Jurisprudência I-2533 (ponto 15)

[90] Processos apensos C-159/91 e 160/91, acórdão do TJCE de 17 de Fevereiro de 1993, Poucet e Pistre, [1993], Colectânea da Jurisprudência, I-637 (pontos 18, 19); Processo C-218/00, acórdão de 22 de Janeiro de 2002, Cisal di Battistello Venanzio & C. Sas ./. INAIL [2002] Colectânea da Jurisprudência, I-691 (ponto 44)

63. As regras que regem o mercado interno, a concorrência e os auxílios estatais visam assegurar que o apoio financeiro concedido a serviços de interesse geral não implica distorções da concorrência e do funcionamento do mercado interno. Também a legislação sectorial em vigor procura garantir que os mecanismos de financiamento instituídos pelos Estados-Membros produzem efeitos de distorção menos acentuados na concorrência e facilitam a entrada no mercado de novos operadores. Outros critérios relevantes para a escolha de um mecanismo de financiamento, tais como a eficácia, a responsabilização ou os seus efeitos redistributivos, não são tidos em consideração. Na presente fase, a Comissão considera oportuno discutir se estes critérios poderiam levar a concluir pela preferência de determinados mecanismos de financiamento e se a Comunidade deveria tomar medidas em favor de determinados mecanismos.

3. Avaliação dos serviços de interesse geral.

64. A avaliação dos serviços de interesse geral está intrinsecamente associada à avaliação dos desempenhos dos sectores que os prestam. Estes desempenhos traduzem-se em benefícios quantitativos e qualitativos para utilizadores e consumidores e, por conseguinte, em satisfação acrescida para estes. A avaliação do desempenho destes sectores com o objectivo de assegurar a consecução das metas de coesão económica, social e territorial e a protecção ambiental é, pois, uma tarefa essencial a nível comunitário. Numa perspectiva puramente económica, a avaliação de serviços de interesse geral é importante, na medida em que os sectores que prestam estes serviços são responsáveis por uma fatia substancial do PIB da UE e que os preços nessas indústrias afectam os custos em outros sectores. A avaliação das indústrias de rede que prestam serviços de interesse económico geral neste momento particular justifica-se também pelo facto de nestes sectores estarem em curso importantes reformas estruturais decorrentes de alterações de natureza regulamentar, tecnológica, social e económica. Não obstante, a avaliação dos desempenhos deveria ser realizada em todos os sectores que prestam serviços de interesse geral, independentemente de estarem ou não sujeitos a mudanças estruturais. A avaliação afigura-se ainda essencial porque a informação que fornece contribui para os amplos debates políticos e para a concepção esclarecida de regulamentação nesses sectores. Por último, a avaliação justifica-se em termos de boa governança, fornecendo indícios, ilações e informações úteis para as políticas em termos de concepção, adaptação e responsabilização. Por todos estes motivos, a Comissão considera importante avaliar os serviços de interesse geral, tendo definido uma estratégia para tal.

3.1 Uma abordagem em torno de três pilares

65. Tal como foi já referido na Comunicação de 2000 sobre serviços de interesse geral na Europa, "o envolvimento da Comunidade nos serviços de interesse geral ultrapassa o desenvolvimento do mercado único, incluindo também a criação de instrumentos que assegurem os padrões de qualidade, a coordenação das entidades reguladoras e a avaliação das operações. (...) Estas contribuições destinam-se a melhorar, e de modo nenhum a substituir, o papel dos níveis nacional, regional e local nos domínios respectivos [91]. Guiada por estes princípios, a Comissão Europeia realiza avaliações regulares dos desempenhos das indústrias que prestam serviços de interesse económico geral. Estas avaliações têm por base três pilares.

[91] COM (2000) 580, p. 23-24

66. A Comissão realizou "avaliações horizontais" enquanto parte da sua estratégia para uma avaliação eficaz dos serviços de interesse económico geral. Em Dezembro de 2001, apresentou uma primeira avaliação horizontal [92] anexa ao "Relatório sobre o funcionamento dos mercados de produtos e de capitais" [93]. Este documento constituiu uma referência para futuros processos de acompanhamento horizontal e avaliação regular destes serviços, tal como fora solicitado pelo Conselho. Em linha com o convite do Conselho no sentido de apresentar uma metodologia para a avaliação dos serviços de interesse geral, a Comunicação intitulada "Nota metodológica para a avaliação horizontal dos serviços de interesse económico geral" [94] definiu métodos a aplicar pela Comissão em futuras avaliações horizontais. A Comissão elaborará relatórios anuais donde constarão os resultados da avaliação horizontal dos serviços de interesse económico geral. Estes relatórios serão compostos por três partes principais: uma análise das mudanças estruturais e dos desempenhos do mercado, os resultados do processo em curso de consulta dos consumidores e uma revisão intersectorial de tópicos horizontais. Inicialmente, as avaliações horizontais abrangerão, nos Estados-Membros, os sectores dos transportes aéreos, transportes públicos locais e regionais, electricidade, gás, serviços postais, transportes ferroviários e telecomunicações.

[92] Market performance of network industries providing services of general interest: a first horizontal assessment, SEC(2001) 1998

[93] COM(2001) 736 final

[94] COM(2002) 331 final

67. Em paralelo com estas avaliações horizontais, a Comissão Europeia prossegue a realização de avaliações sectoriais de indústrias que prestam serviços de interesse económico geral [95]. Os enquadramentos regulamentares, económicos e técnicos são diferentes em função dos sectores, de forma a que algumas questões são específicas de uma determinada indústria e não podem ser abordados na íntegra nas avaliações horizontais. Acresce que estas avaliações sectoriais são instrumentos adequados para acompanhar a transposição de directivas e a eficaz aplicação das regras tal como transpostas para o direito nacional, bem como para obter um termo de comparação de regulamentação sectorial. A Comissão fica assim a dispor de uma base para orientar os Estados-Membros em termos de regulamentação futura e para debater as melhores práticas a nível sectorial. Estas avaliações fornecem também uma imagem clara de possíveis incumprimentos da legislação da UE.

[95] Ver exemplos dos sectores das telecomunicações, serviços postais, energia e transportes no relatório da Comissão sobre serviços de interesse geral, COM(2001) 598, 17.10.2001, p. 15

68. A avaliação do desempenho dos serviços de interesse geral não ficaria completa se não contemplasse o parecer das várias partes interessadas (todos os consumidores/utilizadores, operadores, reguladores, parceiros sociais, autoridades públicas, etc.) envolvidas nestes serviços. Os pontos de vista das partes interessadas são tidos em conta na avaliação realizada pela Comissão e fornecem linhas de orientação para uma futura acção política. Mais especificamente, a satisfação dos consumidores relativamente aos serviços de interesse geral é objecto dos inquéritos Eurobarómetro e de sondagens qualitativas [96].

[96] http://europa.eu.int/comm/consumers/ cons_int/serv_gen/cons_satisf/index_en.html

3.2 Âmbito da avaliação

69. No actual clima de mudança estrutural e regulamentar, o processo de avaliação deve dar resposta a quatro questões. (a) As mudanças estruturais em curso nas indústrias que prestam serviços de interesse geral induzem benefícios para os utilizadores e os consumidores em termos de preços mais baixos e melhores serviços? A liberalização das indústrias que prestam serviços de interesse económico geral deverá fomentar a concorrência e, como tal, multiplicar a escolha, obrigando as empresas a racionalizar a produção e a oferecer serviços inovadores e de melhor qualidade a preços inferiores. Estes benefícios múltiplos deverão aumentar o bem-estar, desde que tomadas as medidas adequadas para salvaguardar os direitos de consumidores e utilizadores. Contudo, os benefícios da abertura dos mercados só podem ser transmitidos aos utilizadores e aos consumidores se em vigor estiverem uma regulamentação adequada e as correctas condições concorrenciais. A avaliação dos serviços de interesse económico geral é importante para detectar sinais de possíveis insuficiências na transmissão desses benefícios e o seu eventual aproveitamento por certos operadores económicos. Este objectivo é coerente com a iniciativa geral da Comissão de melhorar o processo de governança e a qualidade da regulamentação na União Europeia. (b) Como evoluem o acesso e a qualidade relativamente à provisão de serviços de interesse geral? O desempenho do mercado inclui a qualidade e a acessibilidade do serviço prestado. Com a abertura dos mercados, corre-se o risco potencial de um clima competitivo colocar pressões nos preços à custa da qualidade destes serviços ou de uma distribuição desigual dos benefícios entre utilizadores e consumidores. Por conseguinte, esta análise global deveria atender em especial à interacção entre as diversas redes de infra-estruturas, bem como aos objectivos em termos de eficácia económica, protecção do consumidor e coesão económica, social e territorial. Neste contexto, um aspecto essencial a considerar é o grau de acessibilidade às redes. Por exemplo, nos sectores da energia e dos transportes, afigura-se útil avaliar o grau de interconexão entre as diversas redes, e em especial a sua ligação geográfica entre as áreas mais desenvolvidas e as regiões menos favorecidas. (c) De que forma as alterações nos sectores que prestam serviços de interesse geral afectam o emprego? As indústrias que prestam serviços de interesse geral são tradicionalmente geridos pelo sector público e são empregadores importantes. A introdução do elemento concorrência suscita preocupações quanto a custos substanciais de ajustamento que venham a recair sobre o emprego. Estes receios constituem a principal fonte de resistência a mudanças estruturais, motivo pelo qual é importante avaliar a dimensão destes custos. O objectivo da avaliação consiste em pesar efeitos directos e indirectos no emprego. Por conseguinte, é particularmente importante alargar o campo da análise e avaliar o impacto a longo prazo no conjunto da economia, em paralelo com as repercussões imediatas nos sectores que prestam estes serviços. (d) Que percepção têm os utilizadores/consumidores relativamente a estes desenvolvimentos? A derradeira questão a abordar prende-se com a forma como são percebidos na prática os desempenhos destes sectores. Com efeito, poderá não haver uma correspondência entre os avanços observados e a forma como o público os apreende. Na medida em que utilizadores e consumidores deverão ser os derradeiros beneficiários dos serviços prestados por estes sectores, é crucial conhecer os seus pontos de vista. Importa, porém, ter presente que entre os beneficiários se conta uma multiplicidade de agentes que vão dos agregados domésticos a empresas com diferentes rendimentos, dimensões e outras características. Por conseguinte, em qualquer avaliação os diferentes grupos deverão ser considerados separadamente.

3.3 Questões

70. Um dos principais obstáculos a uma avaliação exaustiva é a acentuada disparidade em termos de disponibilidade de dados. Ao fornecer linhas de orientação, a Comissão Europeia desempenhou um importante papel na racionalização e na normalização do processo de recolha de dados. Desde 2000, a Comissão publicou uma lista de indicadores estruturais [97], alguns dos quais relacionados com os sectores que prestam serviços de interesse geral. A Comunicação sobre uma metodologia para avaliar os serviços de interesse geral inclui, em anexo, uma lista de indicadores (alguns dos quais não estão actualmente disponíveis) que fornece um quadro ideal de avaliação. Esta lista poderá constituir a base de discussão com os potenciais fornecedores de dados no sentido de melhorar o apuramento dos mesmos. Juntamente com a falta de recursos dos organismos reguladores ou estatísticos nacionais e as persistentes diferenças de metodologias que complicam o processo de comparação, uma dificuldade acrescida é o facto de a própria abertura dos mercados poder afectar a disponibilidade e a qualidade dos dados. Por um lado, a introdução do elemento concorrência induziu, em alguns casos, um processo de recolha e avaliação de dados mais exaustivo do que o existente antes da emergência de operadores do sector privado. Por outro lado, alguns Estados-Membros estão a ter dificuldades nos casos em que as empresas privadas se recusam a revelar informações estratégicas, alegando o seu carácter sensível, embora nem sempre assim seja. Um tópico de discussão é a consecução do equilíbrio entre a necessidade de obter dados para efeitos de avaliação e elaboração de políticas e o direito que assiste às empresas de atribuir a esta informação um carácter confidencial.

[97] Ver COM(2002) 551, 16.10.2002 e Documento de Trabalho da Comissão em apoio do relatório da Comissão ao Conselho Europeu da Primavera de Bruxelas - Progressos na estratégia de Lisboa (COM(2003) 5), SEC(2003) 25/2, 7.3.2003

71. A avaliação tem ainda de encontrar o correcto equilíbrio entre considerações de ordem económica e social, em especial no que respeita à provisão de qualidade nos serviços e à coesão social e territorial. Esta é uma questão relativamente à qual o enquadramento jurídico vigente dos serviços de interesse geral só parcialmente fornece linhas de orientação.

72. Para dar resposta a estas questões, a Comissão desenvolveu uma estratégia de avaliação, com os necessários contributos para o debate. Até ao momento, o seu papel tem sido o de realizar avaliações horizontais nos países e sectores, assegurando uma maior coordenação entre os reguladores nacionais, de modo a tornar mais equitativas as condições de concorrência e regulamentação entre os Estados-Membros. Não obstante, a Comissão não pode reunir, sintetizar e apresentar uma visão consolidada que represente todos os pontos de vista por vezes divergentes das diversas partes interessadas sobre os desempenhos dos serviços de interesse geral. Isto implica que é necessário lançar um amplo debate sobre formas de avaliar e a quem confiar esta missão. Acresce que a avaliação efectuada pela Comissão no plano comunitário não exclui avaliações complementares a outros níveis (em conformidade com o princípio da subsidiariedade) ou realizadas por outros organismos. Continua em aberto a discussão sobre a independência de um avaliador a nível da Comunidade relativamente à Comissão e/ou aos Estados-Membros.

73. Tal como foi sugerido na resolução do Parlamento Europeu [98], a participação do público poderá ser consideravelmente alargada. O Parlamento propõe organizar o debate no seio dos vários fóruns existentes (Comité Económico e Social Europeu, Comité das Regiões, órgãos consultivos, associações envolvidas em serviços de interesse geral e organizações de consumidores). Os resultados deste debate deverão inspirar e orientar as avaliações, devendo estas ser também objecto de discussão. Um amplo debate social deste tipo sobre os desempenhos dos serviços de interesse geral é bem vindo, desde que os interesses de todas as partes envolvidas sejam bem equilibrados e estejam devidamente representados. No actual quadro institucional, continua a não ser claro qual deverá ser o papel respectivo das diferentes instituições e organizações na avaliação dos serviços de interesse geral e de que forma o debate deverá ser estruturado e organizado.

[98] Relatório do Parlamento Europeu sobre a Comunicação da Comissão intitulada "Serviços de interesse geral na Europa", COM(2000) 580 C5-0399/2001 - 2001/2157/COS; Final A5/0361/2001. Relator: Werner Langen 17.10.2001

4. A dimensão internacional: política comercial

4.1 Liberalização do comércio de serviços de interesse geral no contexto da Organização Mundial do Comércio (OMC)

74. A Comunidade e respectivos Estados-Membros são signatários do Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (GATS) [99], principal conjunto multilateral de disciplinas sobre comércio de serviços, documento por força do qual os membros da OMC assumem compromissos vinculativos no sentido de abrir, segundo certas limitações, sectores de serviços específicos à concorrência de operadores estrangeiros.

[99] Ver a publicação da Comissão intitulada GATS. A guide for business e a publicação da OMC GATS. Facts and fiction. O texto do GATS está publicado no JO L 336, 23.12.1994, p.190

4.1.1 Os serviços de interesse geral não estão excluídos enquanto tal do GATS

75. A expressão "serviços de interesse geral" não se encontra no texto do GATS, cujas disciplinas se aplicam a todos os serviços com duas excepções:

* no sector dos transportes aéreos, os direitos de circulação e todos os serviços directamente relacionados com o exercício desses direitos, e

* em todos os sectores, serviços prestados ao público no exercício da autoridade do Estado, o que significa qualquer serviço que não seja prestado nem numa base comercial nem em concorrência com um ou mais prestadores de serviços. Pode acrescentar-se que a oferta de serviços a entidades públicas através de contratos de direito público - incluindo serviços de interesse geral - não está actualmente sujeita às obrigações fundamentais do GATS (nação mais favorecida, tratamento nacional, acesso ao mercado, possíveis compromissos adicionais). Contudo, a Comunidade comprometeu-se a conceder o estatuto de nação mais favorecida e o tratamento nacional às partes signatárias do Acordo relativo aos Contratos Públicos, também negociado no âmbito da OMC.

4.1.2 O GATS estabelece excepções gerais e de segurança que, em larga medida, correspondem às excepções contempladas no Tratado CE

76. Na condição de essas medidas não serem aplicadas de um modo que constitua um meio de discriminação arbitrária ou injustificável entre países em que existem condições idênticas, ou uma restrição dissimulada ao comércio de serviços, nenhuma disposição do GATS poderá ser interpretada no sentido de impedir a adopção ou a aplicação por qualquer membro de medidas necessárias para proteger os bons costumes ou manter a ordem pública, salvaguardar a vida e a saúde das pessoas e animais e preservar as plantas, garantir a observância das disposições legislativas e regulamentares relativas à prevenção de práticas falaciosas e fraudulentas ou destinadas a corrigir os efeitos do incumprimento de contratos de serviços, à protecção da privacidade dos indivíduos relativamente ao processamento e divulgação de dados pessoais e à protecção da confidencialidade de registos e contas pessoais e à segurança (Artigo XIV do GATS).

77. Acresce que nenhuma disposição do GATS poderá ser interpretada no sentido de exigir que qualquer membro forneça informações cuja divulgação considere contrária aos seus interesses essenciais em matéria de segurança ou impedir qualquer membro de tomar medidas que considere necessárias para a protecção dos seus interesses essenciais em matéria de segurança (artigo XIV A do GATS). O preâmbulo do GATS consagra igualmente o direito de os membros regulamentarem a oferta de serviços de modo a satisfazerem objectivos de política nacional.

4.1.3 A liberalização do comércio de serviços de interesse geral depende dos compromissos assumidos pelos membros da OMC

78. No tocante aos serviços de interesse geral que não são excluídos do âmbito do GATS, o grau de abertura que os países oferecem não está automaticamente determinado e tem de ser objecto de negociações. Enquanto que algumas disciplinas do GATS - tais como o princípio de tratamento da nação mais favorecida e de transparência - se aplicam a todos os sectores de serviços abrangidos pelo Acordo, as disposições relativas a compromissos específicos - acesso ao mercado, tratamento nacional e possíveis compromissos adicionais - são apenas aplicáveis se os países tiverem assumido um compromisso num determinado sector. O grau de cobertura sectorial dos membros varia grandemente e nenhum deles assumiu compromissos em todos os sectores dos serviços. Uma vez assumidos, os compromissos podem ainda ser retirados ou modificados segundo condições especiais. Este procedimento específico encontra-se definido no artigo XXI do GATS.

4.1.4 O GATS não impõe a privatização nem a desregulamentação dos serviços de interesse geral. Cabe aos membros da OMC decidir estas questões no exercício dos seus direitos soberanos.

79. Não existe um modelo único de serviços de interesse geral no âmbito da OMC. O conceito varia em função dos diferentes sectores, tradições nacionais e condições jurídicas vigentes nos membros em questão. O GATS deixa inteiramente ao discernimento dos membros decidir se prestam eles mesmos os serviços de interesse geral, directa ou indirectamente (através de empresas públicas) ou se confiam essa prestação a terceiros. Deste modo, os serviços de interesse geral podem ser e são realizados quer por empresas privadas ou públicas, quer conjuntamente.

80. O objectivo do GATS é estabelecer um enquadramento multilateral de princípios e regras para o comércio de serviços, com vista à expansão desse comércio em condições de transparência e liberalização progressiva. Não se trata de desregulamentar serviços, muitos dos quais são rigorosamente regulamentados por bons motivos. Acresce que, em termos de excepções gerais, o GATS não impede a adopção ou a aplicação de medidas necessárias para proteger, nomeadamente, os bons costumes, a ordem pública, a vida e a saúde das pessoas, dos animais e das plantas.

81. Importa notar, porém, que sempre que os membros da OMC tiverem assumido, no exercício da sua soberania, compromissos num determinado sector dos serviços, ficam obrigados a administrar de forma transparente e previsível a sua regulamentação nesse domínio no sector em questão. Neste contexto, o GATS apela aos membros da OMC que desenvolvam disciplinas para certas medidas específicas que afectam o comércio de serviços (requisitos e processos em matéria de qualificações, normas técnicas e requisitos em matéria de concessão de licenças). Estas disciplinas deverão assegurar que as medidas específicas são baseadas em critérios objectivos e transparentes e que não são mais complexas do que o necessário para garantir a qualidade do serviço. Até ao momento, apenas no sector contabilístico foram acordadas disciplinas, não tendo ainda entrado estas em vigor.

82. Os membros da OMC podem, no exercício dos seus direitos soberanos, assumir compromissos adicionais relativamente ao acesso ao mercado e ao tratamento nacional, no âmbito dos quais aceitam observar obrigações regulamentares específicas. Neste contexto, importa notar que cerca de 75 membros da OMC acordaram determinados princípios regulamentares comuns aplicáveis ao sector das telecomunicações, subscrevendo um "documento de referência" que contém regras relativas a questões como a concorrência, a interconexão, a concessão de licenças e a independência do regulador.

4.1.5 O GATS não exclui a imposição de obrigações de serviço público

83. O GATS autoriza os membros da OMC a impor obrigações de serviço público num contexto de liberalização. Nos compromissos que assumem, os membros da OMC podem conceder acesso ilimitado ao mercado e o tratamento nacional a prestadores de serviços estrangeiros e, ao mesmo tempo, impor-lhes as mesmas obrigações de serviço público que exigem aos operadores nacionais. Mesmo quando vão mais além e subscrevem princípios regulamentares comuns, como alguns fizeram através do "documento de referência" para o sector das telecomunicações, podem ao mesmo tempo preservar o direito de definir o tipo de obrigação de serviço público (universal) que pretendem manter.

4.1.6 O GATS não proíbe a concessão de subvenções aos serviços de interesse geral

84. Actualmente, o GATS apenas prevê negociações com vista a desenvolver as disciplinas necessárias para evitar efeitos de distorção do comércio provocados pelas subvenções (artigo XV do GATS). Na ausência dessas disciplinas multilaterais, todas as subvenções são permitidas, ainda que sujeitas ao princípio de tratamento nacional, na medida em que são medidas que afectam o comércio de serviços. Do mesmo modo, no tocante aos serviços relativamente aos quais um membro da OMC tenha assumido compromissos de acesso ao mercado, um país que queira limitar o acesso a subvenções de fornecedores de serviços nacionais deve especificar este facto na lista de compromissos enquanto uma limitação ao princípio de tratamento nacional.

85. Um membro da OMC que tenha assumido compromissos relativamente a serviços de interesse geral é, pois, livre de decidir se e em que medida concede subvenções nacionais a prestadores de serviços estrangeiros que têm acesso ao mercado desses serviços. Esta decisão terá de ser transcrita num compromisso de tratamento nacional.

4.1.7 Os compromissos da Comunidade relativamente a serviços de interesse geral são assumidos em coerência com as regras do mercado interno aplicáveis a esses serviços.

86. No contexto do Uruguai Round, a Comunidade assumiu compromissos vinculativos relativamente a certos serviços de interesse geral (ex. telecomunicações, ensino privado, ambiente, serviços de saúde e sociais e transportes). Estes compromissos tinham em conta a situação no mercado interno, limitavam-se a determinadas actividades estritamente definidas e estavam sujeitos a um certo número de condicionalismos específicos.

87. Os compromissos específicos assumidos no quadro do Uruguai Round nunca foram além da concessão de acesso ao mercado e tratamento nacional a prestadores de serviços estrangeiros, condições de que os fornecedores de serviços na Comunidade beneficiam no âmbito do mercado interno em sectores abertos à concorrência. As regras do mercado interno são também plenamente respeitadas pelo compromisso da Comunidade de subscrever o "documento de referência" relativo ao sector das telecomunicações. Nenhum destes compromissos colocou constrangimentos à política interna de organização destes sectores. Os Estados-Membros mantêm ainda o direito, mesmo em áreas onde foram assumidos compromissos específicos, de impor obrigações de serviço público também aplicáveis a operadores privados estrangeiros (por exemplo, em matéria de serviço universal, normas de qualidade ou defesa dos consumidores/utilizadores) [100]. No que respeita ao financiamento dos serviços de interesse geral relativamente aos quais foram assumidos compromissos de acesso ao mercado, a Comunidade reservou a possibilidade de, através de uma limitação horizontal, prestar ou subsidiar serviços no sector público.

[100] Além disso, a Comunidade e os Estados-Membros podem aplicar as excepções do GATS

88. No que respeita às negociações em curso na OMC sobre os serviços, a Comunidade dirigiu aos outros membros da organização solicitações [101] no sentido da liberalização da maioria dos sectores: serviços profissionais e outros serviços às empresas, telecomunicações, serviços postais e de correio, construção, distribuição, ambiente, serviços financeiros, agências noticiosas, turismo, transportes e energia. Não foram feitos a nenhum país pedidos relativos aos serviços de saúde ou audiovisuais e, no tocante aos serviços educativos, apenas os EUA receberam uma solicitação limitada a serviços de ensino superior privados. Com destes pedidos, a Comunidade não procura desmantelar serviços de interesse geral ou privatizar empresas estatais em países terceiros. Reconhece-se igualmente que a liberalização do comércio de serviços pode, em vários casos, ter que ser apoiada por um quadro institucional e regulamentar para assegurar a concorrência e ajudar a melhorar o acesso dos mais desfavorecidos a esses serviços. Neste contexto, os pedidos de forma alguma prejudicam ou reduzem a autoridade do governo em causa de regular os preços, a disponibilidade e a acessibilidade dos serviços de interesse geral. A Comunidade apenas solicita que seja concedido aos fornecedores de serviços comunitários acesso ao mercado para concorrer com operadores domésticos em condições idênticas.

[101] Ver http://europa.eu.int/comm/ trade: «GATS: Pascal Lamy responds to Trade Union concerns on public services», Bruxelas, 7 de Junho de 2002 e «Summary Of The EC's Initial Requests To Third Countries In The GATS Negotiations», Bruxelas, 1 de Julho de 2002

89. Do mesmo modo, as ofertas da Comunidade não afectarão a prestação de serviços de interesse geral no seu território ou o seu direito de regular o sector dos serviços e conceber os seus próprios quadros regulamentares. Neste contexto, a proposta apresentada à OMC pela Comunidade Europeia e seus Estados-Membros em 29 de Abril de 2003 [102], ainda que exaustiva, não propõe quaisquer novos compromissos para os serviços de saúde e educação. Para outros serviços de interesse geral (ex. telecomunicações, serviços postais e de correio, serviços ambientais e transportes), a proposta não vai além da liberalização no mercado interno, salvaguardando a possibilidade de imposição de obrigações de serviço universal.

[102] Ver http://europa.eu.int/comm/ trade.

90. No que respeita ao financiamento de serviços de interesse geral, propõe-se que sejam mantidas as limitações horizontais no tocante às subvenções, a fim de preservar a viabilidade do sector público. Relativamente às negociações sobre subvenções estabelecidas no artigo XV do GATS, as quais não estão muito avançadas, a Comunidade terá plenamente em consideração os desenvolvimentos internos em matéria de serviços de interesse geral.

4.2 Liberalização do comércio de serviços de interesse geral num contexto multilateral e bilateral

91. Num contexto bilateral [103], vários acordos contêm disposições para a liberalização de serviços entre a Comunidade e o parceiro comercial em questão. Normalmente, abrangem todo o comércio de serviços, com algumas excepções relativas aos sectores audiovisual, cabotagem marítima e direitos de tráfego aéreo. Nenhum destes acordos prevê uma excepção específica para serviços de interesse geral, salvo em casos em que as entidades públicas detêm monopólios ou direitos exclusivos.

[103] Ver http://europa.eu.int/comm/trade/bilateral/ index_en.htm

92. O grau de liberalização do comércio de serviços varia em função do acordo em questão. Os compromissos assumidos pelas partes determinam, pois, o grau de liberalização prevista para os serviços de interesse geral. Ainda que vários sectores em consideração e o nível de ambição para a liberalização dos serviços sejam diferentes no âmbito do GATS e de acordos bilaterais, a posição da Comunidade é essencialmente a mesma em ambos os contextos. Em qualquer circunstância, os compromissos assumidos pela Comunidade num contexto bilateral serão igualmente coerentes com o mercado interno comunitário.

93. No tocante às subvenções, alguns acordos bilaterais (EEE e os Acordos Europeus) contêm disposições que têm por base o regime de auxílios estatais da Comunidade. A Comunidade acompanha de perto a sua aplicação de modo a garantir a coerência com esse regime. Os outros acordos bilaterais de que a Comunidade é parte não abrangem subvenções aos sectores dos serviços ou, em caso afirmativo, as suas disposições não são muito vinculativas.