ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

19 de dezembro de 2019 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Função pública — Estatuto dos Funcionários da União Europeia — Artigo 1.o‑D — Artigo 17.o, primeiro parágrafo, do anexo VIII — Pensão de sobrevivência — Requisitos de concessão — Conceito de “cônjuge sobrevivo” de um funcionário da União — Casamento e parceria não matrimonial — Coabitação — Princípio da não discriminação — Situação comparável — Inexistência — Requisito de duração do casamento — Luta contra a fraude — Justificação»

No processo C‑460/18 P,

que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 12 de julho de 2018,

HK, com domicílio em Espartinas (Sevilha, Espanha), representado por S. Rodrigues e A. Champetier, avocats,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Comissão Europeia, representada por G. Gattinara e B. Mongin, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

Conselho da União Europeia, representado por M. Bauer e R. Meyer, na qualidade de agentes,

interveniente em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, M. Safjan (relator), L. Bay Larsen e C. Toader, juízes,

advogado‑geral: P. Pikamäe,

secretário: V. Giacobbo‑Peyronnel, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 8 de maio de 2019,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 29 de julho de 2019,

profere o presente

Acórdão

1

Com o seu recurso, HK pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 3 de maio de 2018, HK/Comissão (T‑574/16, não publicado, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2018:252), que negou provimento ao seu recurso destinado, por um lado, à anulação da decisão da Comissão Europeia que recusou conceder‑lhe o benefício da pensão de sobrevivência (a seguir «decisão controvertida») e, se necessário, da decisão da Comissão que indeferiu a sua reclamação e, por outro, à indemnização dos danos materiais e morais alegadamente sofridos.

Quadro jurídico

Diretiva 2000/78/CE

2

O artigo 1.o da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (JO 2000, L 303, p. 16), sob a epígrafe «Objeto» enuncia:

«A presente diretiva tem por objeto estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à atividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento.»

3

O artigo 2.o desta diretiva, sob a epígrafe «Conceito de discriminação», prevê:

«1.   Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por “princípio da igualdade de tratamento” a ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o

2.   Para efeitos do n.o 1:

a)

Considera‑se que existe discriminação direta sempre que, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o, uma pessoa seja objeto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável.

[…]»

Estatuto

4

Nos termos do artigo 1.o‑D do Estatuto dos Funcionários da União Europeia, na sua versão aplicável ao presente litígio (a seguir «Estatuto»):

«1.   Na aplicação do presente Estatuto, é proibida qualquer discriminação em razão, designadamente, do sexo, raça, cor, origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual.

Para efeitos do presente Estatuto, as parcerias não matrimoniais são objeto de um tratamento idêntico ao concedido ao casamento, desde que todas as condições enumeradas no n.o 2, alínea c), do artigo 1.o do anexo VII estejam preenchidas.»

[…]

5.   Sempre que pessoas abrangidas pelo presente Estatuto se considerem lesadas por não lhes ter sido aplicado o princípio da igualdade de tratamento anteriormente enunciado e estabeleçam factos a partir dos quais se possa presumir que existia discriminação direta ou indireta, cabe à instituição o ónus da prova da inexistência de violação do princípio da igualdade de tratamento. A presente disposição não é aplicável em processos disciplinares.

6.   No respeito dos princípios da não discriminação e da proporcionalidade, qualquer limitação da sua aplicação deve ser justificada em fundamentos objetivos e razoáveis e destinada a prosseguir os objetivos legítimos de interesse geral no quadro da política de pessoal. Estes objetivos podem, nomeadamente, justificar a fixação de uma idade obrigatória de aposentação e de uma idade mínima para beneficiar de uma pensão de aposentação.»

5

O artigo 79.o, primeiro parágrafo, do Estatuto determina:

«Em conformidade com o preceituado no capítulo IV do anexo VIII, o cônjuge sobrevivo de um funcionário ou de um antigo funcionário tem direito a uma pensão de sobrevivência igual a 60 % da pensão de aposentação ou do subsídio de invalidez de que o seu cônjuge beneficiava ou de que teria beneficiado se a tivesse podido reclamar, independentemente do tempo de serviço e da idade, à data da sua morte.»

6

O artigo 91.o, n.o 2, do Estatuto prevê:

«Um recurso para o Tribunal de Justiça [da União Europeia] só pode ser aceite:

se tiver sido previamente apresentada uma reclamação à entidade competente para proceder a nomeações, na aceção do n.o 2, do artigo 90.o e no prazo nele previsto e,

se esta reclamação tiver sido objeto de uma decisão explícita ou implícita de indeferimento.»

7

O artigo 1.o, n.o 2, do anexo VII do Estatuto dispõe:

«Tem direito ao abono de lar:

[…]

c)

O funcionário que esteja registado como parceiro estável não matrimonial, desde que:

i)

o casal [apresente] um documento oficial, reconhecido como tal por um Estado‑Membro da União Europeia ou por qualquer autoridade competente de um Estado‑Membro da União Europeia, que certifique o seu estatuto de parceiros não casados,

ii)

nenhum dos parceiros seja casado, nem faça parte de outra parceria não matrimonial,

iii)

os parceiros não estejam ligados por qualquer dos seguintes laços: pais, filhos, avós, irmãos, irmãs, tias, tios, sobrinhos, sobrinhas, genros e noras,

iv)

o casal não tenha acesso ao casamento civil num Estado‑Membro da União Europeia; para efeitos da presente subalínea, considera‑se que um casal tem acesso ao casamento civil apenas nos casos em que os membros do casal satisfazem o conjunto das condições fixadas pela legislação de um Estado‑Membro que autorize o casamento desse casal;

[…]»

8

O artigo 17.o do anexo VII do Estatuto tem a seguinte redação:

«O cônjuge sobrevivo de um funcionário falecido numa das situações previstas no artigo 35.o do Estatuto beneficia, contanto que tenha sido seu cônjuge durante, pelo menos, um ano, e sem prejuízo do disposto no n.o 1 do artigo 1.o e no artigo 22.o do anexo VIII do Estatuto, de uma pensão de sobrevivência igual a 60 % da pensão de aposentação que teria sido paga ao funcionário se este, independentemente do tempo de serviço e da idade, tivesse podido requerê‑la à data da sua morte.

A condição relativa à data da celebração do casamento acima prevista não é exigida se um ou vários filhos tiverem nascido deste casamento, ou de um casamento anterior do funcionário, contanto que o cônjuge sobrevivo proveja ou tenha provido às necessidades desses filhos ou se a morte do funcionário resultar quer de enfermidade ou doença contraída por ocasião do exercício das suas funções, quer de acidente.»

Antecedentes do litígio

9

HK, o recorrente, e N iniciaram a sua vida em comum em de 1994, em Liège (Bélgica), onde residiam.

10

N era funcionária da Comissão Europeia e foi afetada ao Centro Comum de Investigação (JRC) em Sevilha (Espanha), a partir de 16 de maio de 2005.

11

Devido aos seus problemas de saúde, o recorrente não podia trabalhar nem seguir formações. Este recebia regularmente dinheiro por parte de N.

12

O recorrente e N casaram‑se em Liège em 9 de maio de 2014.

13

N faleceu a 11 de abril de 2015.

14

Após a morte de N., a Comissão informou verbalmente o recorrente que não lhe seria paga qualquer pensão de sobrevivência.

15

Em 15 de junho de 2015, o recorrente apresentou uma reclamação administrativa prévia contra a decisão controvertida. Por Decisão da Comissão de 15 de setembro de 2015, essa reclamação foi indeferida.

Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

16

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal da Função Pública em 23 de dezembro de 2015, o recorrente interpôs um recurso destinado a obter a anulação da decisão controvertida e a indemnização dos danos materiais e morais alegadamente sofridos.

17

Por carta entrada na Secretaria do Tribunal da Função Pública em 18 de fevereiro de 2016, o Conselho da União Europeia pediu para intervir no processo em apoio dos pedidos da Comissão. O presidente da Primeira Secção do Tribunal da Função Pública deferiu esse pedido por Despacho de 13 de abril de 2016.

18

Em aplicação do artigo 3.o do Regulamento (UE, Euratom) 2016/119 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de julho de 2016, relativo à transferência para o Tribunal Geral da União Europeia da competência para decidir, em primeira instância, dos litígios entre a União Europeia e os seus agentes (JO 2016, L 200, p. 137), o referido processo foi transferido para o Tribunal Geral da União Europeia no estado em que se encontrava em 31 de agosto de 2016.

19

Em apoio dos seus pedidos de anulação da decisão controvertida e, «se necessário», da decisão de indeferimento da reclamação de 15 de junho de 2015, o recorrente suscitou, por via de exceção, a ilegalidade do artigo 17.o, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto, alegando, por um lado, que o critério do casamento ou da parceria não matrimonial, com uma duração superior a um ano, é arbitrário e inadequado à luz do objetivo prosseguido pela pensão de sobrevivência e, por outro, que essa disposição é ilegal na medida em que viola o artigo 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e o artigo 2.o da Diretiva 2000/78.

20

O recorrente pediu igualmente que a Comissão fosse condenada a indemnizar os danos materiais e morais que sofreu, avaliados ex aequo et bono em 5000 euros.

21

No acórdão recorrido, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso na íntegra e condenou o recorrente nas despesas.

Pedidos das partes no Tribunal de Justiça

22

Com o presente recurso, o recorrente pede que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o acórdão recorrido;

avocar o processo e dar provimento aos pedidos que formulou em primeira instância, incluindo a condenação da Comissão nas despesas ou, em alternativa,

devolver o processo ao Tribunal Geral para que este decida, devendo nesse caso decidir sobre as despesas do presente recurso em conformidade com o artigo 184.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

23

A Comissão pede que o Tribunal de Justiça se digne:

negar provimento ao recurso; e

condenar o recorrente na totalidade das despesas.

Quanto ao presente recurso

24

O requerente apresenta dois fundamentos de recurso, relativos, o primeiro, à violação do artigo 17.o, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto e a uma fundamentação simultaneamente equívoca, incoerente e contraditória do acórdão recorrido e, o segundo, à violação do princípio da não discriminação e a uma fundamentação insuficiente do referido acórdão.

Quanto à admissibilidade

25

Na audiência, a Comissão e o Conselho alegaram que, na sua petição no Tribunal Geral, o recorrente invocou, nomeadamente, por via de exceção, um fundamento relativo à ilegalidade do artigo 17.o, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto, sustentando que esta disposição tem caráter discriminatório pelo facto de a concessão da pensão de sobrevivência estar subordinada à existência de um vínculo matrimonial entre as pessoas em causa. Ora, em apoio do primeiro fundamento do presente recurso, o recorrente alega agora que o referido artigo 17.o, primeiro parágrafo, não reserva a pensão de sobrevivência aos casais que contraíram matrimónio. Este fundamento não foi debatido no Tribunal Geral e apresenta, por isso, um caráter novo, pelo que deve ser julgado inadmissível.

26

A este respeito, cabe salientar que, segundo jurisprudência constante, permitir a uma parte invocar no Tribunal de Justiça, pela primeira vez, um fundamento e argumentos que não invocou no Tribunal Geral equivaleria a permitir‑lhe apresentar ao Tribunal de Justiça, cuja competência para julgar recursos em segunda instância é limitada, um litígio com um objeto mais lato do que o submetido ao Tribunal Geral. No âmbito dos recursos em segunda instância, a competência do Tribunal de Justiça encontra‑se limitada à apreciação da solução legal dada aos fundamentos debatidos em primeira instância (Acórdãos de 1 de junho de 1994, Comissão/Brazzelli Lualdi e o., C‑136/92 P, EU:C:1994:211, n.o 59, e de 8 de novembro de 2016, BSH/EUIPO,C‑43/15 P, EU:C:2016:837, n.o 43).

27

Contudo, no âmbito de um fundamento que é admissível, em princípio, compete ao recorrente apresentar, como entender, argumentos em seu apoio, baseando‑se nos argumentos já utilizados no Tribunal Geral ou elaborando novos argumentos, designadamente em relação às posições do Tribunal Geral. Se assim não fosse, o processo ficaria privado de parte do seu sentido (Acórdão de 18 de janeiro de 2007, PKK e KNK/Conselho, C‑229/05 P, EU:C:2007:32, n.o 64 e jurisprudência referida).

28

No caso em apreço, há que constatar que a interpretação do artigo 17.o, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto e a sua aplicação à situação do recorrente foram debatidas no Tribunal Geral no decurso do processo em primeira instância. O presente fundamento visa contestar de forma circunstanciada a interpretação e a aplicação feita pelo Tribunal Geral desta disposição e não constitui um fundamento novo cuja apresentação na fase do presente recurso seja proibida.

29

Daqui resulta que o primeiro fundamento do recurso é admissível.

Quanto ao mérito

Argumentos das partes

30

O recorrente alega que o acórdão recorrido enferma de uma fundamentação equívoca, incoerente e contraditória. A este respeito, considera que, em resposta ao seu primeiro fundamento segundo o qual o critério do casamento ou da parceria não matrimonial era arbitrário e inadequado, o Tribunal Geral adotou um raciocínio errado ao estabelecer «sem reserva» uma relação entre o conceito de «cônjuge», na aceção do artigo 17.o, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto, e o de «casamento». O Tribunal Geral acrescentou uma condição à aplicação desta disposição, que não subordina o benefício da pensão de sobrevivência a favor do cônjuge sobrevivo de um funcionário falecido à existência de um vinculo conjugal entre estas duas pessoas. O recorrente sustenta que o direito positivo evoluiu, tendo várias legislações nacionais aproximado o regime do casamento ao de outras formas de união, como a coabitação ou a parceria não matrimonial.

31

Além disso, a própria legislação da União evoluiu, nomeadamente no contexto da reforma do Estatuto em 2004, com a alteração, em especial, do primeiro parágrafo do seu artigo 1.o‑D. Com efeito, o legislador da União acrescentou a menção da orientação sexual, que permite aos parceiros do mesmo sexo oficialmente registados beneficiar, sob certas condições, das vantagens conferidas pelo Estatuto, da mesma forma que as pessoas casadas.

32

Por conseguinte, segundo o recorrente, o Tribunal Geral não podia validamente considerar, no n.o 30 do acórdão recorrido, que as disposições do Estatuto pertinentes para efeitos da solução do litígio, entre as quais figura o artigo 17.o, primeiro parágrafo, do anexo VIII, contêm conceitos de direito da União como os de «casamento» e de «cônjuge» que visam exclusivamente uma relação baseada no casamento civil, na aceção tradicional do termo.

33

Além disso, o acórdão recorrido é contraditório na medida em que o Tribunal Geral sublinhou igualmente, no n.o 28 desse acórdão, que o casamento não é «em princípio» comparável à coabitação ou a outras situações de facto. O Tribunal Geral reconhece, assim, que existem situações em que o casamento pode ser comparável a esses outros tipos de união. Todavia, não retira as consequências desta possibilidade para apreciar se, no caso em apreço, a união com o funcionário falecido que o recorrente pode invocar era comparável a uma união conjugal e se podia ser considerado um «cônjuge sobrevivo», na aceção do artigo 17.o, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto, a fortiori, na medida em que pôde provar a existência e a duração da sua comunhão de vida com N.

34

Além disso, no n.o 47 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral deduziu do n.o 22 desse acórdão que a condição para a concessão da pensão de sobrevivência não se baseia na perda da remuneração do funcionário falecido, mas na natureza jurídica dos vínculos que uniam esse funcionário ao seu cônjuge ou ao seu parceiro sobrevivo. Ao decidir desta forma, o Tribunal Geral considerou, acertadamente, que os conceitos de «cônjuge» e de «parceiro» são equivalentes.

35

A Comissão contrapõe que o juiz da União não pode ser obrigado a tomar em consideração as legislações nacionais quando interpreta os conceitos contidos no Estatuto. Alega que as parcerias não matrimoniais podem, em certos casos, conferir direitos ao parceiro não casado, mas unicamente quando as condições estabelecidas no Estatuto estão preenchidas. Este último subordina o reconhecimento de uma «parceria não matrimonial» à prova de uma comunhão de vida caracterizada por uma certa estabilidade e ao respeito das condições estabelecidas no artigo 1.o, n.o 2, alínea c), do anexo VII do Estatuto, nomeadamente a impossibilidade de se casar. Só no caso de estarem preenchidas todas as condições enumeradas nesta disposição é que, nos termos do artigo 1.o‑D, n.o 1, segundo parágrafo, do Estatuto, as parcerias não matrimoniais deverão ser equiparadas ao casamento. Ora, o recorrente não demonstra preencher todas essas condições.

36

No que respeita aos alegados vícios de fundamentação do acórdão recorrido, a Comissão considera que o n.o 47 desse acórdão não é equívoco nem contraditório. Neste número, o Tribunal Geral convida a ter em conta a natureza jurídica dos vínculos existentes entre os parceiros, ou seja, a existência de um casamento, que permite receber a pensão de sobrevivência, ou a existência de uma parceria, como indica a conjunção «ou». A interpretação segundo a qual o Tribunal Geral, no referido número, equiparou o «parceiro sobrevivo» ao «cônjuge» é desmentida pelo referido acórdão, considerado no seu conjunto.

Apreciação do Tribunal de Justiça

37

Com o seu primeiro fundamento, o recorrente alega que o acórdão recorrido enferma de uma fundamentação equívoca, incoerente e contraditória. Com efeito, enquanto, em alguns números desse acórdão, o conceito de «cônjuge», mencionado no artigo 17.o, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto, visa apenas a pessoa casada, noutros números do referido acórdão, o Tribunal Geral aplicou este conceito igualmente ao «parceiro».

38

Segundo jurisprudência constante, a fundamentação de um acórdão deve revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio do Tribunal Geral, de forma a permitir aos interessados conhecerem as justificações da medida tomada e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização jurisdicional (v., neste sentido, Acórdão de 14 outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão, C‑280/08 P, EU:C:2010:603, n.os 135 e 136, e Despacho de 4 de junho de 2019, Aldo Supermarkets/EUIPO, C‑822/18 P, não publicado, EU:C:2019:466, n.o 18).

39

A questão de saber se a fundamentação de um acórdão do Tribunal Geral é contraditória ou insuficiente constitui uma questão de direito que pode, enquanto tal, ser invocada no quadro de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral (Acórdãos de 17 de dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão, C‑185/95 P, EU:C:1998:608, n.o 25, e de 23 de janeiro de 2019, Klement/EUIPO, C‑698/17 P, não publicado, EU:C:2019:48, n.o 29).

40

Na sua petição apresentada no Tribunal Geral, o recorrente suscitou, por via de exceção, dois fundamentos relativos à ilegalidade do artigo 17.o do anexo VIII do Estatuto, na medida em que este artigo, por um lado, prevê um critério alegadamente «arbitrário e inadequado» para determinar o direito à pensão de sobrevivência e, por outro, viola o artigo 21.o da Carta e o artigo 2.o da Diretiva 2000/78.

41

Para se pronunciar sobre estes fundamentos, o Tribunal Geral examinou o âmbito de aplicação pessoal do artigo 17.o, n.o 1, do anexo VIII do Estatuto.

42

A este respeito, o Tribunal Geral indicou, no n.o 22 do acórdão recorrido, que esta disposição estabelece, «por um lado, uma condição relativa à situação familiar, que é a de ser cônjuge sobrevivo do funcionário falecido, e, por outro, uma condição relativa à duração dessa situação, ou seja, ter estado casado durante, pelo menos, um ano».

43

O Tribunal Geral salientou, no n.o 23 desse acórdão, que as «disposições do artigo 17.o, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto são claras e precisas e expõem, sem ambiguidade, as condições a preencher para beneficiar de uma pensão de sobrevivência, a saber, ter sido casado durante, pelo menos, um ano, com o funcionário falecido». No n.o 25 do referido acórdão, o Tribunal Geral precisou que, «[de] acordo com a sua definição jurídica bem como segundo o seu sentido comum, o termo “cônjuge” refere‑se a uma pessoa que contraiu formalmente um “casamento” civil reconhecido por lei, com todos os direitos e obrigações daí decorrentes».

44

O Tribunal Geral acrescentou, no n.o 29 do acórdão recorrido, que os «conceitos de “parceria não matrimonial” ou de “coabitação” se distinguem do de “casamento”, cujos contornos estão claramente determinados em todos os Estados‑Membros».

45

Consequentemente, no n.o 30 do referido acórdão, o Tribunal Geral considerou que as disposições do Estatuto pertinentes para a resolução do litígio, entra as quais se inclui o artigo 17.o, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto, «contêm conceitos comunitários como os de “casamento” e de “cônjuge” que se referem exclusivamente a uma relação baseada no casamento civil na aceção tradicional do termo».

46

Assim, nestes diferentes números da fundamentação, o Tribunal Geral considerou que o artigo 17.o, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto se aplica unicamente à pessoa que tenha contraído um casamento civil reconhecido por lei.

47

No entanto, no n.o 32 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que, «ao limitar a concessão da pensão de sobrevivência às pessoas casadas civilmente e aos parceiros registados e que não tenham acesso ao casamento, o legislador da União não atuou de forma arbitrária».

48

Por conseguinte, nesse número da fundamentação do acórdão recorrido, contrariamente ao que declarou no n.o 30 deste último, o Tribunal Geral considerou, sem fundamentar a sua apreciação a esse respeito, que o artigo 17.o, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto não visava apenas as pessoas casadas, mas também os parceiros registados.

49

Por outro lado, no n.o 47 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral observou que decorria do n.o 22 desse acórdão que «não é a perda da remuneração do funcionário falecido que constitui a condição de concessão da pensão de sobrevivência, mas a natureza jurídica dos vínculos que o uniam ao cônjuge ou ao parceiro sobrevivo».

50

Nestas circunstâncias, a fundamentação do acórdão recorrido não revela de forma clara e compreensível o raciocínio do Tribunal Geral quanto à determinação das pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 17.o, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto.

51

Ora, como salientou o advogado‑geral no n.o 50 das suas conclusões, a questão do âmbito de aplicação pessoal desta disposição está estreitamente ligada à questão do caráter comparável das situações ponderadas para efeitos do exame da conformidade da referida disposição com o princípio geral da não discriminação.

52

Consequentemente, tendo em conta a jurisprudência referida nos n.os 38 e 39 do presente acórdão, há que constatar que o Tribunal Geral violou o dever de fundamentação, uma vez que a ambiguidade da fundamentação do acórdão recorrido não permite ao recorrente, por um lado, compreender o raciocínio do Tribunal Geral relativo ao âmbito de aplicação do artigo 17.o, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto e, por outro, ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização.

53

Resulta do exposto que há que julgar procedente o primeiro fundamento invocado pelo recorrente e, portanto, anular o acórdão recorrido, sem que seja necessário examinar o segundo fundamento do presente recurso.

Quanto ao recurso no Tribunal Geral

54

Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, segunda frase, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, este pode, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado.

55

É o que acontece no presente processo.

Quanto à admissibilidade

56

Na contestação que apresentou no Tribunal Geral, a Comissão invocou a inadmissibilidade dos fundamentos invocados pelo recorrente por diferirem dos invocados em apoio da reclamação administrativa prévia, e a consequente violação da «regra de concordância» entre tal reclamação administrativa prévia e o consecutivo recurso contencioso.

57

No entanto, na audiência que teve lugar em 19 de outubro de 2017 no Tribunal Geral, a Comissão renunciou a contestar a admissibilidade desses fundamentos.

58

Nestas circunstâncias, não há que examinar a admissibilidade do recurso no Tribunal Geral.

Quanto ao mérito

Quanto aos pedidos de anulação da decisão controvertida

– Argumentos das partes

59

Em apoio dos seus pedidos de anulação, o recorrente alega, em primeiro lugar, que a pensão de sobrevivência tem por objeto permitir à pessoa que beneficiou dos rendimentos de um funcionário da União, ao longo da vida que partilhou com este último, compensar parcialmente a perda de rendimentos causada pela morte do funcionário. O recorrente reconhece que o facto de ser casado ou de ter celebrado uma parceria não matrimonial não implica necessariamente que o cônjuge ou o parceiro sobrevivo tenha beneficiado dos rendimentos do funcionário falecido durante a sua vida em comum e, portanto, que tenha necessidade de um rendimento de substituição.

60

No entanto, refere que isso sucede quando, como no caso em apreço, o cônjuge ou parceiro sobrevivo dependia dos rendimentos do funcionário falecido. Alega assim que, devido a problemas de saúde, a partir de 2013, deixou de poder trabalhar ou seguir formações e que dependia exclusivamente dos rendimentos de N.

61

Sustenta que o artigo 17.o, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto é ilegal na medida em que, a título das condições de concessão da pensão de sobrevivência, prevê que o requerente deve ter sido casado ou mantido uma parceria não matrimonial com o funcionário falecido durante, pelo menos, um ano. Na sua opinião, estas condições são arbitrárias e inadequadas à luz do objetivo prosseguido pela pensão de sobrevivência. Assim, um cônjuge sobrevivo que tenha estado casado durante um ano e um dia beneficiaria da pensão de sobrevivência, ao passo que um parceiro em coabitação sobrevivo que tenha partilhado durante várias décadas a vida e os rendimentos de um funcionário não teria direito a esta pensão.

62

Em segundo lugar, o recorrente sublinha que existem semelhanças entre as uniões de facto e as uniões legais. Uma parte da doutrina e da jurisprudência belgas consideram que existem obrigações naturais entre os parceiros em coabitação. O reconhecimento destas obrigações, que poderiam tornar‑se obrigações civis, permite considerar que a situação dos casais casados e a dos parceiros em coabitação são semelhantes, pelo menos se existir uma assistência financeira por um dos parceiros em coabitação em benefício do outro, durante uma relação estável e duradoura, como no caso em apreço.

63

Por conseguinte, a diferença de tratamento existente entre os cônjuges sobrevivos e os parceiros em coabitação sobrevivos, tal como prevista no artigo 17.o, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto, é discriminatória. A este respeito, o recorrente refere‑se ao Acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de abril de 2008, Maruko (C‑267/06, EU:C:2008:179).

64

Por conseguinte, o artigo 17.o, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto viola o artigo 21.o da Carta e o artigo 2.o da Diretiva 2000/78 e, consequentemente, a decisão controvertida, adotada com base no mesmo, deve ser anulada.

65

A Comissão e o Conselho, na qualidade de interveniente, alegam que os fundamentos invocados pelo recorrente devem ser julgados improcedentes.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

66

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o princípio da não discriminação exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a menos que esse tratamento seja objetivamente justificado (Acórdão de 20 de junho de 2019, Ustariz Aróstegui, C‑72/18, EU:C:2019:516, n.o 28 e jurisprudência referida).

67

A apreciação do caráter comparável de situações diferentes é efetuada à luz de todos os elementos que as caracterizam. Estes elementos devem, nomeadamente, ser determinados e apreciados à luz do objeto e da finalidade do ato da União que institui a distinção em causa. Devem, além disso, ser tomados em consideração os princípios e os objetivos do domínio em que o ato em causa foi adotado (Acórdãos de 16 de dezembro de 2008, Arcelor Atlantique et Lorraine e o., C‑127/07, EU:C:2008:728, n.o 26, e de 6 de junho de 2019, P. M. e o., C‑264/18, EU:C:2019:472, n.o 29).

68

No caso em apreço, o objetivo da pensão da sobrevivência visada no artigo 17.o, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto é conceder ao «cônjuge sobrevivo» um rendimento de substituição que lhe permita compensar parcialmente a perda dos rendimentos do seu cônjuge falecido.

69

Como salientou o advogado‑geral no n.o 90 das suas conclusões, resulta da redação do artigo 17.o, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto, conjugado com o artigo 1.o ‑D, n.o 1, segundo parágrafo, do Estatuto e o artigo 1.o, n.o 2, alínea c), do anexo VII do Estatuto, que o direito à pensão de sobrevivência não está sujeito a condições de recursos ou de património que deva caracterizar uma incapacidade do cônjuge sobrevivo para fazer face às suas necessidades e que demonstrem assim a sua dependência financeira passada em relação ao falecido.

70

Em contrapartida, a concessão da pensão de sobrevivência depende apenas da natureza jurídica dos vínculos que uniam a pessoa em causa ao funcionário falecido (v., neste sentido, Acórdão de 31 de maio de 2001, D e Suécia/Conselho, C‑122/99 P e C‑125/99 P, EU:C:2001:304, n.o 47).

71

Assim, a condição estabelecida no artigo 17.o, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto para determinar o âmbito de aplicação pessoal desta disposição, a saber, o facto de ser o «cônjuge» do funcionário falecido, implica que o beneficiário da pensão de sobrevivência deve ter estado ligado ao funcionário falecido, no âmbito de uma relação civil que fez surgir um conjunto de direitos e obrigações entre eles.

72

A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, embora, sob certos aspetos, as uniões de facto e as uniões legais, como o casamento, possam apresentar semelhanças, estas não conduzem necessariamente a uma equiparação entre esses dois tipos de união (Acórdão de 15 de abril de 2010, Gualtieri/Comissão, C‑485/08 P, EU:C:2010:188, n.o 75).

73

Com efeito, o casamento caracteriza‑se por um formalismo rigoroso e cria direitos e obrigações recíprocas entre os cônjuges de especial importância, incluindo os deveres de assistência e de solidariedade.

74

Por outro lado, o legislador da União alargou expressamente aplicação das disposições do Estatuto relativas às pessoas casadas, incluindo, sob certas condições, às pessoas vinculadas por uma parceria não matrimonial registada.

75

Assim, nos termos do artigo 1.o‑D, n.o 1, segundo parágrafo, do Estatuto, para efeitos deste último, as parcerias não matrimoniais são equiparadas ao casamento, desde que todas as condições enumeradas no artigo 1.o, n.o 2, alínea c), do anexo VII estejam preenchidas. As condições previstas nesta disposição compreendem, nomeadamente, a produção pelo casal de um documento oficial, reconhecido como tal por um Estado‑Membro ou por qualquer autoridade competente de um Estado‑Membro, que certifique o seu estatuto de parceiros não casados, e que o casal não tenha acesso ao casamento civil num Estado‑Membro.

76

Por conseguinte, esta disposição exige que, para que uma parceria não matrimonial registada seja equiparada ao casamento na aceção do Estatuto, o funcionário registado como parceiro estável não matrimonial preencha as condições legais estabelecidas na referida disposição.

77

Decorre do artigo 17.o, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto, lido em conjugação com o artigo 1.o‑D, n.o 1, segundo parágrafo, deste, que, quando estão preenchidas as condições previstas nesta última disposição, um parceiro não casado pode beneficiar da pensão de sobrevivência na sequência da morte do seu parceiro.

78

Em contrapartida, uma união de facto, como a coabitação, não apresenta estas características na medida em que, como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 94 das suas conclusões, não existe, em princípio, um estatuto estabelecido por lei que a regule.

79

Na sua petição, o recorrente defende, por um lado, que a situação dos cônjuges e dos parceiros em coabitação são semelhantes, uma vez que uma parte da doutrina e da jurisprudência belgas consideram que há que reconhecer a existência de obrigações naturais entre os parceiros em coabitação, que tendem a tornar‑se obrigações civis.

80

A este respeito, sem que seja necessário pronunciar‑se sobre a existência de tais obrigações naturais no direito belga, basta salientar que o recorrente não alega, em todo o caso, que a coabitação, na aceção desse direito nacional, dá lugar a obrigações da mesma natureza que as que decorrem do casamento.

81

Por conseguinte, não se pode considerar que do argumento assim invocado resulta que o legislador da União não podia validamente decidir submeter as situações de coabitação e de casamento a um regime distinto.

82

Por outro lado, o recorrente refere‑se ao Acórdão de 1 de abril de 2008, Maruko (C‑267/06, EU:C:2008:179), nos termos do qual o Tribunal de Justiça declarou que as disposições conjugadas dos artigos 1.o e 2.o da Diretiva 2000/78 se opõem a uma regulamentação nos termos da qual, após a morte do seu parceiro, o parceiro sobrevivo não recebe uma prestação de sobrevivência equivalente à concedida a um cônjuge sobrevivo, apesar de, no direito nacional aplicável, a união de facto colocar as pessoas do mesmo sexo numa situação comparável à dos cônjuges no que respeita à referida prestação de sobrevivência e que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se um parceiro sobrevivo está numa situação comparável à de um cônjuge beneficiário da prestação de sobrevivência prevista pelo regime socioprofissional em causa.

83

No entanto, no processo que deu origem a esse acórdão, estava em causa uma união de facto registada num Estado‑Membro e não, como no caso em apreço, uma coabitação. Por conseguinte, não se pode inferir desse acórdão que a coabitação deva ser equiparada ao casamento para efeitos da aplicação do artigo 17.o, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto.

84

Nestas circunstâncias, há que declarar que, no que se refere à pensão de sobrevivência, os parceiros em coabitação não se encontram numa situação comparável à dos cônjuges nem à dos parceiros que tenham celebrado uma união de facto registada que preencha as condições exigidas para beneficiar da aplicação do artigo 17.o, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto.

85

O artigo 17.o, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto, na medida em que exclui do seu âmbito de aplicação os parceiros em coabitação, não se afigura, portanto, manifestamente inadequado em relação ao objetivo da pensão de sobrevivência e não viola o princípio geral da não discriminação.

86

Além disso, o recorrente sustenta que a condição relativa à duração mínima de um ano de casamento para beneficiar da pensão de sobrevivência é arbitrária, inadequada e discriminatória. Uma vez que foi casado durante quase um ano com N., devia assim ter direito à pensão de sobrevivência.

87

A este respeito, a Comissão alega que a exigência de uma duração mínima de casamento à data da morte tem por objeto evitar que este não seja meramente um pacto sucessório, motivado mais por considerações financeiras do que por um projeto de vida em comum. Esta condição de duração permite, nomeadamente combater a fraude.

88

Importa recordar que o princípio da proibição da fraude e do abuso de direito constitui um princípio geral do direito da União cujo respeito se impõe aos particulares (v., neste sentido, Acórdão de 6 de fevereiro de 2018, Altun e o., C‑359/16, EU:C:2018:63, n.o 49 e jurisprudência referida).

89

Por conseguinte, há que observar que, para combater os abusos, ou mesmo a fraude, o legislador da União dispõe de uma margem de apreciação na determinação do direito a uma pensão de sobrevivência. No caso em apreço, a condição de o casamento dever ter durado pelo menos um ano para que o cônjuge sobrevivo beneficie da pensão de sobrevivência visa assegurar a realidade e a estabilidade das relações entre as pessoas em causa.

90

Tal condição não se afigura discriminatória ou manifestamente inadequada relativamente ao objetivo da pensão de sobrevivência.

91

Atendendo a todas estas considerações, há que julgar improcedentes os pedidos de anulação apresentados pelo recorrente contra a decisão controvertida.

Quanto aos pedidos de indemnização

92

O recorrente alega que a decisão controvertida lhe causou danos materiais e morais.

93

A este respeito, há que salientar que, em matéria de função pública, os pedidos de indemnização de danos materiais ou morais devem ser julgados improcedentes quando apresentem uma estreita relação com os pedidos de anulação que tenham, eles próprios, sido julgados improcedentes (v., neste sentido, Acórdão de 6 de março de 2001, Connolly/Comissão, C‑274/99 P, EU:C:2001:127, n.o 129).

94

No caso em apreço, há que declarar que os pedidos de indemnização apresentam uma estreita relação com os pedidos de anulação.

95

Uma vez que os pedidos de anulação foram julgados improcedentes, os pedidos de indemnização também devem ser julgados improcedentes.

96

Decorre de todas as considerações precedentes que deve ser negado provimento ao recurso em primeira instância na sua totalidade.

Quanto às despesas

97

Em conformidade com o artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

98

Nos termos do artigo 138.o, n.o 3, desse regulamento, aplicável aos processos de recurso de decisões do Tribunal Geral por força do disposto no artigo 184.o, n.o 1, do referido regulamento, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. No entanto, se tal se afigurar justificado tendo em conta as circunstâncias do caso, o Tribunal de Justiça pode decidir que, além das suas próprias despesas, uma parte suporte uma fração das despesas da outra parte.

99

No caso vertente, tendo em conta o facto de o acórdão recorrido ter sido anulado, mas o recurso em primeira instância sido julgado improcedente, há que condenar o recorrente e a Comissão a suportarem as suas próprias despesas relativas ao processo em primeira instância e ao presente recurso.

100

O artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, aplicável aos processos de recurso de decisões do Tribunal Geral por força do disposto no artigo 184.o, n.o 1, desse regulamento, dispõe que os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas.

101

Por conseguinte, como interveniente em primeira instância, o Conselho suportará as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

 

1)

O Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 3 de maio de 2018, HK/Comissão (T‑574/16, não publicado, EU:T:2018:252), é anulado.

 

2)

É negado provimento ao recurso interposto por HK destinado à anulação da decisão da Comissão Europeia que lhe recusou a concessão do benefício de uma pensão de sobrevivência e à indemnização dos danos materiais e morais alegadamente sofridos.

 

3)

HK, a Comissão Europeia e o Conselho da União Europeia suportam as suas próprias despesas relativas ao processo em primeira instância e ao presente recurso.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.