ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

8 de novembro de 2012 ( *1 )

«Código Aduaneiro Comunitário — Artigo 220.o, n.o 2, alínea b) — Cobrança a posteriori dos direitos de importação — Confiança legítima — Impossibilidade de verificar a exatidão de um certificado de origem — Conceito de ‘certificado elaborado com base numa declaração materialmente incorreta do exportador’ — Ónus da prova — Sistema de preferências pautais generalizadas»

No processo C-438/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Finanzgericht Hamburg (Alemanha), por decisão de 22 de junho de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 26 de agosto de 2011, no processo

Lagura Vermögensverwaltung GmbH

contra

Hauptzollamt Hamburg-Hafen,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, A. Borg Barthet, M. Ilešič (relator), M. Safjan e M. Berger, juízes,

advogado-geral: J. Mazák,

secretário: M. Aleksejev, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 5 de julho de 2012,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Lagura Vermögensverwaltung GmbH, por T. Lieber, Rechtsanwalt,

em representação do Governo checo, por M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por G. Albenzio, avvocato dello Stato,

em representação da Comissão Europeia, por L. Bouyon e B.-R. Killmann, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho, de 12 de outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 302, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 2700/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de novembro de 2000 (JO L 311, p. 17, a seguir «código aduaneiro»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a sociedade alemã Lagura Vermögensverwaltung GmbH (a seguir «Lagura») ao Hauptzollamt Hamburg-Hafen (Serviço Aduaneiro Principal do Porto de Hamburgo, a seguir «Hauptzollamt»), a propósito da cobrança a posteriori de direitos de importação aplicados a esta sociedade pela importação de calçado na União Europeia.

Quadro jurídico

Código aduaneiro

3

O código aduaneiro foi revogado pelo Regulamento (CE) n.o 450/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2008, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (Código Aduaneiro Modernizado) (JO L 145, p. 1), do qual certas disposições se tornaram aplicáveis a partir de 24 de junho de 2008. Não obstante, tendo em conta a data dos factos do litígio no processo principal, este continua a reger-se pelas regras enunciadas no código aduaneiro.

4

O artigo 220.o do código aduaneiro dispunha:

«1.   Sempre que o registo de liquidação do montante de direitos resultante de uma dívida aduaneira não tenha sido efetuado […] ou tenha sido efetuado num nível inferior ao montante legalmente devido, o registo de liquidação do montante de direitos a cobrar ou da parte por cobrar deverá efetuar-se no prazo de dois dias a contar da data em que as autoridades aduaneiras se tenham apercebido dessa situação e em que possam calcular o montante legalmente devido e determinar o devedor (registo de liquidação a posteriori). […]

2.   […] não se efetuará um registo de liquidação a posteriori quando:

[…]

b)

O registo da liquidação do montante dos direitos legalmente devidos não tiver sido efetuado em consequência de um erro das próprias autoridades aduaneiras, que não podia ser razoavelmente detetado pelo devedor, tendo este, por seu lado, agido de boa-fé e observado todas as disposições previstas pela regulamentação em vigor, no que se refere à declaração aduaneira.

Se o estatuto preferencial das mercadorias for determinado com base num sistema de cooperação administrativa que envolva as autoridades de um país terceiro, a emissão de um certificado por estas autoridades constitui, quando este se revele incorreto, um erro que não podia ser razoavelmente detetado na aceção do primeiro parágrafo.

Todavia, se o certificado se basear numa declaração materialmente incorreta do exportador, a emissão de um certificado incorreto não constitui um erro, salvo, nomeadamente, se for evidente que as autoridades emissoras tinham ou deviam ter tido conhecimento de que as mercadorias não tinham direito a tratamento preferencial.

A boa-fé do devedor pode ser invocada sempre que este possa demonstrar que, durante o período das operações comerciais em causa, diligenciou para se assegurar de que foram respeitadas todas as condições para o tratamento preferencial.

[…]»

Regulamento (CEE) n.o 2454/93

5

O artigo 94.o do Regulamento (CEE) n.o 2454/93 da Comissão, de 2 de julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 (JO L 253, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1602/2000 da Comissão, de 24 de julho de 2000 (JO L 188, p. 1), dispõe:

«1.   O controlo a posteriori dos certificados de origem, fórmula A, […] efetuar-se-á por amostragem ou sempre que as autoridades aduaneiras da Comunidade tenham dúvidas fundamentadas quanto à autenticidade dos documentos, ao caráter originário dos produtos em causa ou ao cumprimento dos outros requisitos da presente secção.

2.   Para efeitos do n.o 1, as autoridades aduaneiras da Comunidade devolverão o certificado de origem, fórmula A, e a fatura, se esta tiver sido apresentada, […] à autoridade central competente do país de exportação beneficiário, comunicando-lhes, se necessário, as razões que justificam a realização de um inquérito. Em apoio ao pedido de controlo a posteriori devem ser enviados todos os documentos e informações obtidas que levem a supor que as menções inscritas na prova de origem são inexatas.

Se as autoridades aduaneiras decidirem suspender a concessão das preferências pautais […] até serem conhecidos os resultados do controlo, concederão a autorização de saída dos produtos ao importador, sob reserva da aplicação das medidas cautelares consideradas necessárias.

3.   Quando um pedido de controlo a posteriori tiver sido feito nos termos do disposto no n.o 1, esse controlo será efetuado e os seus resultados comunicados às autoridades aduaneiras da Comunidade […]. Os resultados devem permitir determinar se a prova de origem se aplica aos produtos efetivamente exportados e se estes podem ser considerados como produtos originários do país beneficiário ou da Comunidade.

[…]»

Regulamento (CE) n.o 980/2005

6

O artigo 1.o do Regulamento (CE) n.o 980/2005 do Conselho, de 27 de junho de 2005, relativo à aplicação de um sistema de preferências pautais generalizadas (JO L 169, p. 1), prevê:

«1.   O sistema comunitário de preferências pautais generalizadas […] será aplicável entre a data de entrada em vigor do presente regulamento e 31 de dezembro de 2008 em conformidade com o disposto no presente regulamento.

2.   O presente regulamento prevê:

a)

Um regime geral;

[…]»

7

O artigo 2.o deste regulamento precisa que «[o]s países beneficiários dos regimes referidos no n.o 2 do artigo 1.o constam do Anexo I». A Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China figura entre estes países e territórios beneficiários, constantes deste Anexo I.

8

Segundo o artigo 7.o, n.o 2, do referido regulamento, «[o]s direitos ad valorem da pauta aduaneira comum aplicáveis aos produtos sensíveis enumerados no Anexo II são reduzidos em 3,5 pontos percentuais». O calçado, qualificado de produto sensível, é referido entre os produtos que figuram no Anexo II deste mesmo regulamento, beneficiando assim do regime preferencial nele previsto.

9

Segundo o Anexo I do Regulamento n.o 980/2005, as preferências pautais foram suprimidas para o calçado proveniente da China.

Litígio no processo principal e questão prejudicial

10

A Lagura importou calçado na União, no decurso do ano de 2007. Entre os meses de fevereiro e setembro desse ano, a Lagura apresentou várias declarações aduaneiras para a introdução em livre prática dessas mercadorias na União. A fim de comprovar a origem das mesmas, juntou às declarações aduaneiras certificados de origem «fórmula A», indicando que as mercadorias provinham de Macau e que tinham sido produzidas pelas sociedades S. e V., com sede nessa mesma região. Com base nestes documentos, o Hauptzollamt apenas aplicou à importação do calçado, em cada caso, um direito preferencial à taxa de 3,5%.

11

O Hauptzollamt, na sequência da receção de informações segundo as quais algumas mercadorias originárias da China tinham sido indevidamente declaradas como provenientes de Macau a fim de eludir o pagamento de um direito de importação não preferencial, apresentou às autoridades competentes de Macau pedidos de controlo a posteriori, em conformidade com o disposto no artigo 94.o do Regulamento n.o 2454/93, conforme alterado pelo Regulamento n.o 1602/2000. No âmbito desses controlos, as referidas autoridades competentes confirmaram ter emitido certificados de origem para as mercadorias em causa, mas não puderam verificar a exatidão do teor dos referidos certificados, na medida em que as sociedades neles identificadas como exportadoras tinham cessado a respetiva produção e, por conseguinte, tinham sido encerradas. Não obstante, as autoridades de Macau não invalidaram os certificados de origem.

12

Uma vez que a origem das mercadorias não foi confirmada nos controlos a posteriori, o Hauptzollamt considerou que eram de origem desconhecida. Por esta razão, mediante três avisos de liquidação de, respetivamente, 21, 22 e 25 de agosto de 2008, com base no artigo 220.o, n.o 1, do código aduaneiro, reclamou a diferença entre os direitos aduaneiros calculados segundo a taxa preferencial (3,5%) e os direitos aduaneiros resultantes da taxa não preferencial (7%).

13

A Lagura, após ter contestado, sem sucesso, essa cobrança a posteriori de direitos de importação, interpôs recurso para o órgão jurisdicional de reenvio, no âmbito do qual invoca, nomeadamente, o princípio da proteção da confiança legítima, conforme resulta do artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do código aduaneiro.

14

O órgão jurisdicional de reenvio interroga-se sobre a questão de saber a quem incumbe o ónus de provar que o certificado de origem foi elaborado com base numa apresentação correta ou incorreta dos factos pelo exportador. A este respeito, salienta que o Tribunal de Justiça declarou, no acórdão de 9 de março de 2006, Beemsterboer Coldstore Services (C-293/04, Colet., p. I-2263), que incumbe ao devedor dos direitos provar que o certificado emitido pelas autoridades do Estado terceiro se baseou numa apresentação exata dos factos, não obstante as regras tradicionais de repartição do ónus da prova, segundo as quais este ónus incumbe às autoridades aduaneiras que pretendam invocar o artigo 220.o, n.o 2, alínea b), terceiro parágrafo, initio, do código aduaneiro. Fazendo referência ao n.o 43 do acórdão Beemsterboer Coldstore Services, já referido, do qual decorre que a União não pode suportar as consequências prejudiciais das atuações incorretas dos fornecedores dos importadores, interroga-se sobre se o ónus da prova não deverá recair sobre o devedor dos direitos apenas em caso de comportamento repreensível do exportador.

15

Nestas condições, o Finanzgericht Hamburg decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Se as autoridades de um país terceiro, nas circunstâncias descritas no processo principal, já não puderem averiguar se um certificado que emitiram se baseia numa declaração materialmente correta, deve ser negada ao devedor dos direitos aduaneiros a possibilidade de invocar a proteção da confiança [legítima] nos termos do artigo 220.o, n.o 2, alínea b), segundo e terceiro parágrafos, do código aduaneiro, quando as razões pelas quais não é possível determinar a exatidão do conteúdo do certificado de origem não são exteriores ao exportador, ou a [inversão] do ónus da prova, no âmbito do artigo 220.o, n.o 2, alínea b), primeiro período do terceiro parágrafo do código aduaneiro, das autoridades aduaneiras para o devedor pressupõe, pelo contrário, que aquela impossibilidade de determinação seja exterior às autoridades [do Estado] de exportação ou consista numa negligência imputável unicamente ao exportador?»

Quanto à questão prejudicial

16

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do código aduaneiro deve ser interpretado no sentido de que, quando as autoridades competentes do Estado terceiro não puderem verificar, num controlo a posteriori, se o certificado de origem «fórmula A» que emitiram assenta numa apresentação correta dos factos pelo exportador, o ónus de provar que esse certificado foi elaborado com base numa apresentação correta dos factos pelo exportador só incumbe ao devedor dos direitos quando esta impossibilidade resultar de uma negligência exclusivamente imputável ao exportador ou também quando a causa da referida impossibilidade for, sem negligência da sua parte, imputável ao exportador ou não for imputável às autoridades aduaneiras do Estado de exportação.

17

A título preliminar, importa assinalar a este respeito que a finalidade do controlo a posteriori consiste em verificar a exatidão da origem indicada no certificado de origem «fórmula A» (v., por analogia, a respeito dos certificados de circulação das mercadorias EUR.1, acórdãos de 7 de dezembro de 1993, Huygen e o., C-12/92, Colet., p. I-6381, n.o 16; de 17 de julho de 1997, Pascoal & Filhos, C-97/95, Colet., p. I-4209, n.o 30; Beemsterboer Coldstore Services, já referido, n.o 32; e de 15 de dezembro de 2011, Afasia Knits Deutschland, C-409/10, Colet., p. I-13331, n.o 43).

18

Ora, se um controlo a posteriori não permitir confirmar a origem das mercadorias indicadas num certificado de origem «fórmula A», há que concluir que essas mercadorias são de origem desconhecida e que, assim, o certificado de origem e a tarifa preferencial foram erradamente concedidos (v., por analogia, acórdão Huygen e o., já referido, n.os 17 e 18; acórdão de 14 de maio de 1996, Faroe Seafood e o., C-153/94 e C-204/94, Colet., p. I-2465, n.o 16; e acórdãos, já referidos, Beemsterboer Coldstore Services, n.o 34, e Afasia Knits Deutschland, n.o 44).

19

Assim, quando as autoridades do Estado de exportação tiverem emitido certificados de origem «fórmula A» incorretos, esta emissão deve ser considerada, por força do artigo 220.o, n.o 2, alínea b), segundo e terceiro parágrafos, como um erro cometido pelas referidas autoridades, a menos que se verifique que esses certificados foram elaborados com base numa apresentação incorreta dos factos pelo exportador. Se os referidos certificados tiverem sido elaborados com base em falsas declarações do exportador, a cobrança a posteriori dos direitos de importação deve consequentemente ter lugar, salvo se, nomeadamente, for manifesto que as autoridades que emitiram esses certificados sabiam ou deviam saber que as mercadorias não preenchiam os requisitos impostos para beneficiar do tratamento preferencial (v., por analogia, acórdão Afasia Knits Deutschland, já referido, n.o 48).

20

O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, incumbe ao Hauptzollamt o ónus de provar que os certificados foram elaborados com base em declarações falsas dos exportadores, ou se, pelo contrário, incumbe ao devedor dos direitos, a Lagura, provar que os exportadores apresentaram corretamente os factos às autoridades competentes de Macau.

21

A este respeito, importa sublinhar que o Tribunal de Justiça já declarou, a propósito desta repartição do ónus da prova, que incumbe ao devedor dos direitos provar que o certificado de circulação das mercadorias EUR.1 emitido pelas autoridades do Estado terceiro se baseava numa apresentação exata dos factos pelo exportador, quando, na sequência de uma negligência exclusivamente imputável ao exportador, nomeadamente se este não tiver cumprido a sua obrigação, decorrente da regulamentação aplicável, de conservar os documentos probatórios, durante pelo menos três anos, as próprias autoridades aduaneiras não puderem fazer a prova necessária de que o certificado EUR.1 foi elaborado com base na apresentação exata ou inexata dos factos pelo referido exportador (v., neste sentido, acórdão Beemsterboer Coldstore Services, já referido, n.os 40 e 46).

22

Essa exigência, que impõe ao devedor dos direitos o ónus de provar que os exportadores apresentaram corretamente os factos às autoridades competentes, constitui uma derrogação às regras tradicionais da repartição do ónus da prova, segundo as quais incumbe, em princípio, às autoridades aduaneiras que pretendam invocar o artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do código aduaneiro, com vista a proceder à cobrança a posteriori, fazer prova, em apoio da respetiva pretensão, de que a emissão dos certificados incorretos é imputável à apresentação inexata dos factos pelo exportador (v. acórdão Beemsterboer Coldstore Services, já referido, n.os 39 e 46).

23

Importa examinar de que modo deve ser aplicada, a circunstâncias como as do processo principal, a interpretação do artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do código aduaneiro feita pelo Tribunal de Justiça no acórdão Beemsterboer Coldstore Services, já referido.

24

A Lagura sustenta que esta interpretação não é transponível para o presente processo, pelo que incumbe às autoridades aduaneiras do Estado de importação fazer prova da inexatidão das declarações dos exportadores com base nas quais foram elaborados os certificados de origem incorretos. Considera que esta posição se justifica tendo em conta, nomeadamente, o facto de, diferentemente da situação no processo principal subjacente ao acórdão Beemsterboer Coldstore Services, já referido, não ser possível identificar, no caso vertente, nenhuma negligência exclusivamente imputável aos exportadores, suscetível de ter impossibilitado as autoridades aduaneiras de fazerem prova de que o certificado que concederam foi elaborado com base na apresentação exata ou inexata dos factos pelo exportador. Assim, e mais concretamente, não se pode imputar aos exportadores nenhum incumprimento da obrigação de conservar os documentos probatórios. Além disso, a Lagura sublinha que, diferentemente do acórdão Beemsterboer Coldstore Services, já referido, os certificados de origem não foram, neste caso, invalidados ou revogados pelas autoridades competentes de Macau.

25

Tanto os Governos checo e italiano como a Comissão Europeia consideram, pelo contrário, que incumbe ao devedor dos direitos demonstrar que os certificados assentavam numa apresentação correta dos factos pelo exportador.

26

A este respeito, importa sublinhar que as circunstâncias do presente processo se distinguem das circunstâncias do processo que deu lugar ao acórdão Beemsterboer Coldstore Services, já referido, por o regime preferencial não ter sido instaurado através de um acordo de comércio livre entre um Estado terceiro e a União, mas, unilateralmente, por esta última, através do Regulamento n.o 980/2005.

27

Este regulamento, diferentemente do acordo de comércio livre em causa no acórdão Beemsterboer Coldstore Services, já referido, não prevê, para o exportador, a obrigação de conservar os documentos probatórios, devido à impossibilidade de a União impor unilateralmente obrigações aos operadores económicos de Estados terceiros.

28

Assim, no que se refere ao argumento segundo o qual o ónus da prova não incumbe, no caso vertente, ao devedor dos direitos, dado que não pode ser imputado ao exportador o incumprimento da obrigação de conservação dos documentos probatórios, há que concluir que, uma vez que essa obrigação não existe na legislação pertinente neste caso, a mesma não podia, obviamente, ser infringida.

29

Ora, a inexistência de tal obrigação para o exportador não pode, em si, ter como consequência que o devedor dos direitos fique dispensado de proceder com diligência ou isento do risco relativo à verificação e à determinação da origem das mercadorias num controlo a posteriori.

30

Como o Tribunal de Justiça reiteradamente declarou, compete aos operadores económicos, no âmbito das respetivas relações contratuais, tomar as disposições necessárias para se precaverem contra os riscos de uma ação de cobrança a posteriori (acórdão Pascoal & Filhos, já referido, n.o 60; despacho de 9 de dezembro de 1999, CPL Imperial 2 e Unifrigo/Comissão, C-299/98 P, Colet., p. I-8683, n.o 38; e acórdão Beemsterboer Coldstore Services, já referido, n.o 41).

31

Em particular, a obtenção, pelo devedor dos direitos, da outra parte contratante, durante ou após a celebração do contrato, de todos os elementos de prova que confirmem que as mercadorias provêm do Estado beneficiário do sistema de preferências pautais generalizadas, incluindo documentos que provem essa origem, pode constituir a prevenção contra os riscos de uma ação de cobrança a posteriori.

32

Além do mais, importa sublinhar que o facto de as autoridades aduaneiras do Estado de importação terem de provar a inexatidão dos factos apresentados pelo exportador, mas de não o poderem fazer visto que este último cessou as respetivas atividades, poderia criar um risco de comportamentos incompatíveis com os objetivos do sistema de preferências pautais generalizadas. Com efeito, mesmo que a cessação da produção represente, em princípio, uma decisão económica corrente, não é de excluir que possa constituir uma atuação incorreta por parte do exportador, com vista a contornar as disposições do sistema de preferências pautais generalizadas, que esse exportador utiliza como um meio de dissimular a origem real das mercadorias, provenientes de um Estado que não beneficia do regime preferencial.

33

Ora, é pacífico que a União não pode suportar as consequências prejudiciais das atuações incorretas dos fornecedores dos importadores (acórdãos, já referidos, Pascoal & Filhos, n.o 59, e Beemsterboer Coldstore Services, n.o 43).

34

Em seguida, no que se refere ao argumento relativo ao facto de os certificados de origem em causa no processo principal não terem sido invalidados pelas autoridades competentes de Macau, importa realçar que é verdade que, no âmbito de acordos entre a União e Estados terceiros, como um acordo de associação ou de comércio livre, o Tribunal de Justiça declarou que o sistema de cooperação administrativa só pode funcionar se a Administração Aduaneira do Estado de importação reconhecer as apreciações legalmente efetuadas pelas autoridades do Estado de exportação (v. acórdãos de 12 de julho de 1984, Les Rapides Savoyards e o., 218/83, Recueil, p. 3105, n.o 27; de 9 de fevereiro de 2006, Sfakianakis, C-23/04 a C-25/04, Colet., p. I-1265, n.o 23; de 1 de julho de 2010, Comissão/Alemanha, C-442/08, Colet., p. I-6457, n.o 72; e acórdão Afasia Knits Deutschland, já referido, n.o 29).

35

Todavia, não deixa de ser verdade que a necessidade de as Administrações Aduaneiras dos Estados-Membros reconhecerem as apreciações feitas pelas autoridades aduaneiras do Estado de exportação não se manifesta da mesma maneira quando o regime preferencial é instituído não por um acordo internacional que vincula a União a um Estado terceiro com base em obrigações recíprocas, mas por uma medida da União de caráter autónomo (acórdão Faroe Seafood e o., já referido, n.o 24).

36

Assim, há que declarar que, no âmbito do sistema de preferências pautais generalizadas instituído unilateralmente pela União, as autoridades do Estado de exportação não podem vincular a União nem os seus Estados-Membros no que respeita à sua apreciação da validade dos certificados de origem «fórmula A», quando, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, as autoridades aduaneiras do Estado de importação continuem a ter dúvidas sobre a verdadeira origem das mercadorias, apesar de os referidos certificados de origem não terem sido invalidados.

37

Uma solução contrária, que privasse as autoridades aduaneiras do Estado de importação, no âmbito de um processo como o do processo principal, instaurado num órgão jurisdicional deste mesmo Estado, da possibilidade de pedir a prova de que o certificado de origem foi elaborado com base numa apresentação incorreta ou correta dos factos pelo exportador, poria em causa o objetivo de controlo a posteriori, que consiste, como decorre do n.o 17 do presente acórdão, em verificar posteriormente a exatidão da origem das mercadorias indicada no certificado de origem «fórmula A».

38

Decorre do que precede que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, incumbe ao devedor o ónus de provar que o certificado de origem foi elaborado com base numa apresentação correta dos factos pelo exportador.

39

É verdade que o facto de se impor ao devedor esse ónus da prova pode ser fonte de inconvenientes para ele, em particular quando tiver importado, de boa-fé, mercadorias do Estado beneficiário de preferências pautais, cuja origem foi posteriormente posta em causa, num controlo a posteriori, devido às declarações pretensamente falsas do exportador.

40

Contudo, importa recordar que um operador económico avisado e conhecedor do estado da regulamentação deve, na sua avaliação das vantagens que o comércio de mercadorias suscetíveis de beneficiar de preferências pautais pode proporcionar, ter em conta os riscos inerentes ao mercado que prospeta e aceitá-los como fazendo parte da categoria dos inconvenientes normais do negócio (v. acórdão de 11 de dezembro de 1980, Acampora, 827/79, Recueil, p. 3731, n.o 8; acórdão Pascoal & Filhos, já referido, n.o 59; e despacho CPL Imperial 2 e Unifrigo/Comissão, já referido, n.o 37).

41

Atendendo às considerações precedentes, há que responder à questão prejudicial que o artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do código aduaneiro deve ser interpretado no sentido de que, quando as autoridades competentes do Estado terceiro não puderem, pelo facto de o exportador ter cessado a respetiva produção, verificar, num controlo a posteriori, se o certificado de origem «fórmula A» que emitiram assenta numa apresentação correta dos factos por esse exportador, incumbe ao devedor dos direitos o ónus de provar que esse certificado foi elaborado com base numa apresentação correta dos factos pelo exportador.

Quanto às despesas

42

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

O artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho, de 12 de outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 2700/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de novembro de 2000, deve ser interpretado no sentido de que, quando as autoridades competentes do Estado terceiro não puderem, pelo facto de o exportador ter cessado a respetiva produção, verificar, num controlo a posteriori, se o certificado de origem «fórmula A» que emitiram assenta numa apresentação correta dos factos por esse exportador, incumbe ao devedor dos direitos o ónus de provar que esse certificado foi elaborado com base numa apresentação correta dos factos pelo exportador.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.