ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

19 de junho de 2012 ( *1 )

«Marcas — Aproximação das legislações dos Estados-Membros — Diretiva 2008/95/CE — Identificação dos produtos ou dos serviços para os quais a proteção da marca é requerida — Exigências de clareza e de precisão — Utilização dos títulos das classes da classificação de Nice para efeitos do registo das marcas — Admissibilidade — Extensão da proteção conferida pela marca»

No processo C-307/10,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pela The Person Appointed by the Lord Chancellor under Section 76 of the Trade Marks Act 1994, on Appeal from the Registrar of Trade Marks (Reino Unido), por decisão de 27 de maio de 2010, transmitida pela High Court of Justice (Queen’s Bench Division), e entrado no Tribunal de Justiça em 28 de junho de 2010, no processo

Chartered Institute of Patent Attorneys

contra

Registrar of Trade Marks,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, A. Tizzano, J. N. Cunha Rodrigues, K. Lenaerts, J.-C. Bonichot, J. Malenovský e U. Lõhmus (relator), presidentes de secção, M. Ilešič, E. Levits, A. Ó Caoimh, T. von Danwitz, A. Arabadjiev e C. Toader, juízes,

advogado-geral: Y. Bot,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 11 de outubro de 2011,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Chartered Institute of Patent Attorneys, por M. Edenborough, QC,

em representação do Governo do Reino Unido, por S. Hathaway, na qualidade de agente, assistido por S. Malynicz, barrister,

em representação do Governo checo, por M. Smolek e V. Štencel, na qualidade de agentes,

em representação do Governo dinamarquês, por C. Vang, na qualidade de agente,

em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Kemper, na qualidade de agentes,

em representação da Irlanda, por N. Travers, BL,

em representação do Governo francês, por B. Cabouat, G. de Bergues e S. Menez, na qualidade de agentes,

em representação do Governo austríaco, por E. Riedl, na qualidade de agente,

em representação do Governo polaco, por M. Szpunar, na qualidade de agente,

em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, na qualidade de agente,

em representação do Governo eslovaco, por B. Ricziová, na qualidade de agente,

em representação do Governo finlandês, por J. Heliskoski, na qualidade de agente,

em representação do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), por D. Botis e R. Pethke, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por F. W. Bulst e J. Samnadda, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 29 de novembro de 2011,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 2008/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, que aproxima as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas (JO L 299, p. 25).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Chartered Institute of Patent Attorneys (a seguir «CIPA») ao Registrar of Trade Marks (autoridade competente em matéria de registo das marcas no Reino Unido, a seguir «Registrar»), devido a este se recusar a proceder ao registo do sinal nominativo «IP TRANSLATOR» como marca nacional.

Quadro jurídico

Direito internacional

3

A nível internacional, o direito das marcas rege-se pela Convenção para a Proteção da Propriedade Industrial, assinada em Paris, em 20 de março de 1883, revista pela última vez em Estocolmo, em 14 de julho de 1967, e alterada em 28 de setembro de 1979 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 828, n.o 11851, p. 305, a seguir «Convenção de Paris»). Todos os Estados-Membros são partes nesta Convenção.

4

Nos termos do artigo 19.o da Convenção de Paris, os Estados a que a mesma se aplica reservam-se o direito de, separadamente, concluírem entre si acordos particulares para a proteção da propriedade industrial.

5

Esta disposição esteve na base da adoção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, concluído na Conferência Diplomática de Nice, em 15 de junho de 1957, revisto pela última vez em Genebra, em 13 de maio de 1977, e alterado em 28 de setembro de 1979 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 1154, n.o I-18200, p. 89, a seguir «Acordo de Nice»). Nos termos do artigo 1.o deste acordo:

«1)   Os países aos quais se aplica o presente Acordo constituem-se em União Particular e adotam, para efeito de registo de marcas, uma classificação comum dos produtos e serviços [a seguir «classificação de Nice»].

2)   A classificação [de Nice] compreende:

i)

Uma lista de classes, acompanhada, caso seja necessário, de notas explicativas;

ii)

uma lista alfabética de produtos e serviços [...], com indicação da classe em que cada produto ou serviço está inserido.

[...]»

6

O artigo 2.o do Acordo de Nice, sob a epígrafe «Âmbito jurídico e aplicação da classificação», tem a seguinte redação:

«1)   Sob reserva das obrigações impostas pelo presente Acordo, o âmbito da classificação [de Nice] será o que lhe for atribuído por cada país da União Particular. Nomeadamente, a classificação [de Nice] não obriga os países da União Particular nem quanto à apreciação da extensão da proteção da marca, nem quanto ao reconhecimento das marcas de serviço.

2)   Cada um dos países da União Particular reserva-se a faculdade de aplicar a classificação [de Nice] a título de sistema principal ou de sistema auxiliar.

3)   As administrações competentes dos países da União Particular farão figurar nos títulos e publicações oficiais dos registos das marcas os números das classes da classificação [de Nice] a que pertencerem os produtos ou os serviços para os quais a marca estiver registada.

4)   O facto de uma denominação figurar numa lista alfabética [dos produtos e serviços] não afeta em nada os direitos que possam existir sobre esta denominação.»

7

A classificação de Nice é gerida pela Secretaria Internacional da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI). A lista de classes desta classificação contém, desde 1 de janeiro de 2002, 34 classes de produtos e 11 classes de serviços. Cada classe é designada por uma ou mais indicações gerais, denominadas geralmente «títulos de classe», que indicam, de maneira geral, os domínios de que fazem parte, em princípio, os produtos ou serviços dessa classe. A lista alfabética dos produtos e serviços contém cerca de 12000 entradas.

8

Em conformidade com o guia do utilizador da classificação de Nice, para garantir a classificação correta de cada produto ou serviço, deve ser consultada a lista alfabética dos produtos e serviços e as notas explicativas relativas às diferentes classes. Se um produto ou serviço não puder ser classificado com o auxílio da lista das classes, das notas explicativas ou da lista alfabética dos produtos e serviços, as observações gerais enunciam os critérios a aplicar.

9

Segundo a base de dados da OMPI, de entre todos os Estados-Membros, só não são parte no Acordo de Nice a República de Chipre e a República de Malta, não obstante utilizarem a classificação de Nice.

10

A classificação de Nice é revista de cinco em cinco anos por um comité de peritos. A nona edição, em vigor à época dos factos no processo principal, foi substituída em 1 de janeiro de 2012 pela décima edição.

Direito da União

Diretiva 2008/95

11

A Diretiva 2008/95 substituiu a Primeira Diretiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1).

12

Nos termos do sexto, oitavo, décimo primeiro e décimo terceiro considerandos da Diretiva 2008/95:

«(6)

Os Estados-Membros deverão continuar [...] a ter toda a liberdade para fixar as disposições processuais relativas ao registo, à caducidade ou à declaração de nulidade das marcas adquiridas por registo. [...]

[...]

(8)

A realização dos objetivos prosseguidos pela aproximação [das legislações dos Estados-Membros] pressupõe que a aquisição e a conservação do direito sobre a marca registada sejam, em princípio, subordinadas às mesmas condições em todos os Estados-Membros. [...]

[...]

(11)

A proteção conferida pela marca registada, cujo objetivo consiste nomeadamente em garantir a função de origem da marca, deverá ser absoluta em caso de identidade entre a marca e o sinal e entre os produtos ou serviços. [...]

[...]

(13)

Todos os Estados-Membros estão vinculados pela Convenção de Paris [...]. É necessário que as disposições da presente diretiva estejam em harmonia completa com as da referida convenção. As obrigações dos Estados-Membros decorrentes dessa convenção não deverão ser afetadas pela presente diretiva. [...]»

13

O artigo 3.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 2008/95 dispõe:

«1.   Será recusado o registo ou ficarão sujeitos a declaração de nulidade, uma vez efetuados, os registos relativos:

[...]

b)

A marcas desprovidas de caráter distintivo;

c)

A marcas constituídas exclusivamente por sinais ou indicações que possam servir, no comércio, para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos;

[...]

3.   Não será recusado o registo de uma marca ou este não será declarado nulo nos termos das alíneas b), c) ou d) do n.o 1 se, antes da data do pedido de registo e após o uso que dele foi feito, a marca adquiriu um caráter distintivo. Os Estados-Membros podem prever, por outro lado, que o disposto no primeiro período se aplicará também no caso em que o caráter distintivo tiver sido adquirido após o pedido de registo ou o registo.»

14

O artigo 4.o, n.o 1, alínea a), desta diretiva prevê:

«O pedido de registo de uma marca será recusado ou, tendo sido efetuado, o registo de uma marca ficará passível de ser declarado nulo:

a)

Se a marca for idêntica a uma marca anterior e se os produtos ou serviços para os quais o registo da marca for pedido ou a marca tiver sido registada forem idênticos aos produtos ou serviços para os quais a marca anterior está protegida».

Comunicação n.o 4/03

15

A Comunicação n.o 4/03 do presidente do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), de 16 de junho de 2003, relativa à utilização de títulos de classe nas listas de produtos e serviços nos pedidos e registos de marca comunitária (JO IHMI 9/03, p. 1647), tem por objetivo, em conformidade com o seu ponto I, explicar e clarificar a prática do IHMI «relativa à utilização de títulos de classes e as consequências desta utilização quando os pedidos ou os registos de marca comunitária são objeto de limitação ou renúncia parcial ou quando estiverem implicados nos processos de oposição ou de declaração de nulidade».

16

Nos termos do ponto III, segundo parágrafo, da referida comunicação:

«A utilização das indicações gerais ou dos títulos de classe integrais previstos na classificação de Nice constitui uma especificação correta dos produtos e serviços num pedido de marca comunitária. A utilização destas indicações permite uma classificação e um agrupamento corretos. O [IHMI] não se opõe à utilização de indicações gerais e de títulos de classe pelo facto de serem demasiado vagos ou indefinidos, contrariamente à prática de determinados institutos nacionais da União Europeia e de países terceiros, tendo em atenção determinados títulos de classe e determinadas indicações gerais.»

17

O ponto IV, primeiro parágrafo, da Comunicação n.o 4/03 prevê:

«As 34 classes de produtos e as 11 classes de serviços compreendem a totalidade dos produtos e serviços, pelo que a utilização de todas as indicações gerais do título de classe de uma classe específica constitui uma reivindicação em relação a todos os produtos ou serviços que se incluem nessa classe específica.»

Direito inglês

18

A Diretiva 89/104 foi transposta para o direito inglês pela Lei de 1994 sobre as marcas (Trade Marks Act 1994, a seguir «Lei de 1994»).

19

Em conformidade com o artigo 32.o, n.o 2, alínea c), desta lei, o pedido de registo deve conter, nomeadamente, «a indicação dos produtos ou serviços para os quais o registo é pedido».

20

Nos termos do artigo 34.o, n.o 1, da mesma lei:

«1.   Os produtos ou serviços são classificados para efeitos de registo das marcas segundo a classificação prescrita.

2.   O Registrar tem competência para decidir das questões relativas à classe de que fazem parte os produtos ou serviços, não sendo esta decisão suscetível de recurso.»

21

A Lei de 1994 é completada pelo Regulamento sobre as marcas (Trade Mark Rules 2008), que tem por objeto a prática e o procedimento no Instituto da Propriedade Intelectual do Reino Unido (UKIPO). Em conformidade com a regra 8, n.o 2, alínea b), do referido regulamento, o requerente deve especificar os produtos e serviços para os quais o registo da marca nacional é pedido, de forma a fazer ressaltar claramente a sua natureza.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

22

Em 16 de outubro de 2009, o CIPA apresentou um pedido de registo da denominação «IP TRANSLATOR» como marca nacional nos termos do artigo 32.o da Lei de 1994. Para identificar os serviços abrangidos por este registo, o CIPA utilizou os termos gerais do título da classe 41 da classificação de Nice, a saber, «Educação; formação; divertimento; atividades desportivas e culturais».

23

Por decisão de 12 de fevereiro de 2010, o Registrar indeferiu este pedido com fundamento nas disposições nacionais correspondentes ao artigo 3.o, n.os 1, alíneas b) e c), e 3, da Diretiva 2008/95. Com efeito, o Registrar interpretou o referido pedido em conformidade com a Comunicação n.o 4/03 e concluiu que este pedido abrangia não apenas os serviços do tipo especificado pelo CIPA mas também qualquer serviço abrangido pela classe 41 da classificação de Nice, incluindo os serviços de tradução. Relativamente a estes últimos serviços, a denominação «IP TRANSLATOR», por um lado, era desprovida de caráter distintivo e, por outro, possuía caráter descritivo. Além disso, não foi produzida nenhuma prova de que o sinal nominativo «IP TRANSLATOR» tivesse adquirido caráter distintivo através do uso relativamente a serviços de tradução antes da data do pedido de registo. O CIPA também não tinha requerido que estes serviços fossem excluídos do seu pedido de registo da marca.

24

Em 25 de fevereiro de 2010, o CIPA interpôs recurso desta decisão no órgão jurisdicional de reenvio com o fundamento de que o seu pedido de registo não indicava e, por conseguinte, não incluía os serviços de tradução abrangidos pela referida classe 41. Por esta razão, as objeções ao registo apresentadas pelo Registrar eram incorretas e o seu pedido de registo foi indevidamente indeferido.

25

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, é pacífico que os serviços de tradução não são habitualmente considerados uma subcategoria dos serviços de «educação», de «formação», de «divertimento», de «atividades desportivas» ou de «atividades culturais».

26

Por outro lado, resulta da decisão de reenvio que, para além da lista alfabética dos produtos e serviços que contém 167 entradas que especificam os serviços abrangidos pela classe 41 da classificação de Nice, a base de dados gerida pelo Registrar para efeitos da Lei de 1994 engloba mais de 2000 entradas que especificam os serviços abrangidos por esta classe 41, e a base de dados Euroace, gerida pelo IHMI para efeitos do Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (JO L 78, p. 1), contém mais de 3000.

27

O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, se a abordagem seguida pelo Registrar estiver correta, todas estas entradas, incluindo os serviços de tradução, seriam abrangidas pelo pedido de registo do CIPA. Nesse caso, este pedido abrangeria produtos ou serviços que não são aí mencionados nem em nenhum registo dele resultante. Em seu entender, essa interpretação seria incompatível com os requisitos de clareza e de precisão através das quais os diversos produtos e serviços abrangidos por um pedido de registo de marca devem ser identificados.

28

O órgão jurisdicional de reenvio menciona também um inquérito conduzido em 2008 pela Association of European Trade Mark Owners (Marcas), que demonstrou que a prática varia consoante os Estados-Membros, aplicando determinadas autoridades competentes a abordagem interpretativa prevista na Comunicação n.o 4/03 enquanto outras adotam uma abordagem diferente.

29

Nestas condições, The Person Appointed by the Lord Chancellor under Section 76 of the Trade Marks Act 1994, on Appeal from the Registrar of Trade Marks, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«No âmbito da Diretiva 2008/95[...]:

1)

É necessário que os diversos produtos ou serviços abrangidos pelo pedido de marca sejam identificados com clareza e precisão? Caso assim seja, até que ponto exatamente?

2)

É permitida a utilização dos termos genéricos [dos títulos] das classes da classificação [de Nice] para identificar os diversos produtos ou serviços abrangidos pelo pedido de marca?

3)

É necessário ou permitido que uma tal utilização dos termos genéricos [dos títulos] das classes da referida classificação [...] seja interpretada de acordo com a Comunicação n.o 4/03 [...]?»

Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

30

Nas suas observações escritas, o IHMI sustenta que o pedido de decisão prejudicial deve ser julgado inadmissível pelo facto de possuir caráter artificial, de modo que a resposta do Tribunal de Justiça às questões prejudiciais não é relevante para a resolução do litígio no processo principal. A Comissão Europeia também formula dúvidas quanto à necessidade real do registo em causa.

31

A este respeito, deve recordar-se que, segundo jurisprudência constante, o processo instituído pelo artigo 267.o TFUE é um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União que lhes são necessários para a resolução do litígio que lhes foi submetido (v., designadamente, acórdãos de 16 de julho de 1992, Meilicke, C-83/91, Colet., p. I-4871, n.o 22, e de 24 de março de 2009, Danske Slagterier, C-445/06, Colet., p. I-2119, n.o 65).

32

No âmbito desta cooperação, as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar-se a responder a um pedido submetido por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem qualquer relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não disponha dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe foram submetidas (v., designadamente, acórdãos de 16 de outubro de 2003, Traunfellner, C-421/01, Colet., p. I-11941, n.o 37; de 5 de dezembro de 2006, Cipolla e o., C-94/04 e C-202/04, Colet., p. I-11421, n.o 25; e de 1 de junho de 2010, Blanco Pérez e Chao Gómez, C-570/07 e C-571/07, Colet., p. I-4629, n.o 36).

33

Tal não é, todavia, o que se verifica no caso em apreço. Com efeito, é pacífico que o pedido de registo da marca foi efetivamente apresentado e que o Registrar o indeferiu, apesar de se ter afastado da sua prática habitual. Além disso, a interpretação do direito da União solicitada pelo órgão jurisdicional de reenvio responde efetivamente a uma necessidade objetiva inerente à solução de um contencioso que nele se encontra pendente (v., neste sentido, acórdão de 22 de novembro de 2005, Mangold, C-144/04, Colet., p. I-9981, n.o 38).

34

Daqui resulta que há que julgar admissível o presente pedido de decisão prejudicial.

Quanto às questões prejudiciais

35

Com as suas três questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a Diretiva 2008/95 deve ser interpretada no sentido de que exige que os produtos e serviços para os quais a proteção da marca é requerida sejam identificados com um determinado grau de clareza e de precisão. Em caso afirmativo, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, tendo presente os referidos requisitos de clareza e de precisão, a Diretiva 2008/95 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que o requerente de uma marca nacional identifique os referidos produtos e serviços através da utilização das indicações gerais dos títulos de classes da classificação de Nice e a que a utilização de todas as indicações gerais do título de uma classe específica da classificação de Nice seja considerada uma reivindicação relativamente a todos os produtos ou serviços abrangidos por esta classe específica.

36

Importa recordar, desde já, que o objetivo da proteção conferida pela marca, como é precisado no décimo primeiro considerando da Diretiva 2008/95, é nomeadamente garantir a função de origem desta, a saber, garantir ao consumidor ou ao utilizador final a identidade de origem do produto ou do serviço designado pela marca, permitindo-lhe distinguir sem confusão possível esse produto ou serviço daqueles que têm outra proveniência (v., neste sentido, acórdãos de 29 de setembro de 1998, Canon, C-39/97, Colet., p. I-5507, n.o 28; de 12 de dezembro de 2002, Sieckmann, C-273/00, Colet., p. I-11737, n.os 34 e 35; e de 11 de junho de 2009, Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli, C-529/07, Colet., p. I-4893, n.o 45).

37

Daqui decorre que o registo de um sinal como marca deve ser sempre requerido para certos produtos ou serviços. Se a representação gráfica do sinal num pedido de registo tem por função definir o objeto exato da proteção conferida pela marca (v. acórdão Sieckmann, já referido, n.o 48), o alcance dessa proteção é determinado pela natureza e pelo número de produtos e serviços identificados no referido pedido.

Quanto aos requisitos de clareza e de precisão para a identificação dos produtos e serviços

38

A título preliminar, há que observar que a questão da identificação dos produtos e serviços em causa não é regulada diretamente por nenhuma disposição da Diretiva 2008/95.

39

Todavia, esta circunstância não basta para concluir que a determinação dos produtos ou serviços para efeitos de registo de uma marca nacional é uma questão que não é abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/95.

40

Com efeito, se é verdade que resulta do sexto considerando da Diretiva 2008/95 que os Estados-Membros têm toda a liberdade para fixar as disposições processuais relativas, nomeadamente, ao registo das marcas (v., neste sentido, acórdãos de 7 de julho de 2005, Praktiker Bau- und Heimwerkermärkte, C-418/02, Colet., p. I-5873, n.o 30, e de 14 de junho de 2007, Häupl, C-246/05, Colet., p. I-4673, n.o 26), não é menos certo que o Tribunal de Justiça já decidiu que a determinação da natureza e do conteúdo dos produtos e dos serviços suscetíveis de serem protegidos por uma marca registada não releva das disposições relativas aos procedimentos de registo, mas das condições materiais de aquisição do direito conferido pela marca (acórdão Praktiker Bau- und Heimwerkermärkte, já referido, n.o 31).

41

A este respeito, o oitavo considerando da Diretiva 2008/95 salienta que a realização dos objetivos prosseguidos pela aproximação das legislações dos Estados-Membros supõe que a aquisição do direito sobre a marca registada seja, em princípio, subordinada, em todos os Estados-Membros, às mesmas condições (v., neste sentido, acórdãos Sieckmann, já referido, n.o 36; de 12 de fevereiro de 2004, Koninklijke KPN Nederland, C-363/99, Colet., p. I-1619, n.o 122; e de 22 de setembro de 2011, Budějovický Budvar, C-482/09, Colet., p. I-8701, n.o 31).

42

No que diz respeito à exigência de clareza e de precisão para a identificação dos produtos e serviços objeto de um pedido de registo de um sinal como marca, importa declarar que a aplicação de determinadas disposições da Diretiva 2008/95 depende, em grande medida, da questão de saber se os produtos ou os serviços protegidos por uma marca registada são indicados com clareza e precisão suficientes.

43

Em particular, a questão de saber se a marca é abrangida ou não por um dos motivos de recusa de registo das marcas ou de declaração de nulidade das marcas registadas enunciados no artigo 3.o da Diretiva 2008/95 deve ser apreciada in concreto em relação aos produtos ou aos serviços objeto do pedido de registo (v. acórdãos Koninklijke KPN Nederland, já referido, n.o 33, e de 15 de fevereiro de 2007, BVBA Management, Training en Consultancy, C-239/05, Colet., p. I-1455, n.o 31).

44

Do mesmo modo, os motivos complementares de recusa ou de declaração de nulidade relativos aos conflitos com direitos anteriores previstos no artigo 4.o, n.o 1, da referida diretiva pressupõem a identidade ou a semelhança dos produtos ou dos serviços designados pelas duas marcas em conflito.

45

Além disso, o Tribunal de Justiça já decidiu que, embora não seja necessário designar concretamente o ou os serviços objeto do pedido de registo, na medida em que a identificação destes pode ser suficiente através de fórmulas gerais, deve exigir-se, em contrapartida, que o requerente especifique os produtos ou os tipos de produtos objeto desses serviços através, por exemplo, de outras indicações mais precisas. Com efeito, essas precisões são suscetíveis de facilitar a aplicação dos artigos da Diretiva 2008/95 referidos nos números precedentes, sem porém limitar sensivelmente a proteção conferida pela marca (v., por analogia, acórdão Praktiker Bau- und Heimwerkermärkte, já referido, n.os 49 a 51).

46

A este respeito, importa recordar que o registo da marca num registo público tem por objeto torná-la acessível às autoridades competentes e ao público, em particular aos operadores económicos (acórdãos Sieckmann, já referido, n.o 49, e de 24 de junho de 2004, Heidelberger Bauchemie, C-49/02, Colet., p. I-6129, n.o 28).

47

Por um lado, as autoridades competentes devem conhecer com clareza e precisão suficientes os produtos ou serviços protegidos por uma marca de modo a poderem cumprir as suas obrigações relativas ao exame prévio dos pedidos de registo, bem como à publicação e à manutenção de um registo adequado e preciso das marcas (v., por analogia, acórdãos, já referidos, Sieckmann, n.o 50, e Heidelberger Bauchemie, n.o 29).

48

Por outro lado, os operadores económicos devem poder certificar-se com clareza e precisão dos registos efetuados ou dos pedidos de registo formulados pelos seus concorrentes atuais ou potenciais e beneficiar, assim, de informações pertinentes sobre os direitos de terceiros (acórdãos, já referidos, Sieckmann, n.o 51, e Heidelberger Bauchemie, n.o 30).

49

Consequentemente, a Diretiva 2008/95 exige que os produtos ou serviços para os quais a proteção da marca é requerida sejam identificados pelo requerente com clareza e precisão suficientes para permitir às autoridades competentes e aos operadores económicos, unicamente com base na identificação dos produtos ou dos serviços, determinar o alcance da proteção requerida.

Quanto à utilização das indicações gerais dos títulos das classes da classificação de Nice

50

Importa recordar que a Diretiva 2008/95 não contém nenhuma referência à classificação de Nice e, por conseguinte, não impõe nenhuma obrigação nem proibição aos Estados-Membros no que se refere à sua utilização para efeitos do registo das marcas nacionais.

51

Contudo, a obrigação de utilizar este instrumento resulta do artigo 2.o, ponto 3, do Acordo de Nice que dispõe que as administrações competentes dos Estados da União Particular, da qual fazem parte praticamente todos os Estados-Membros, farão constar dos títulos e das publicações oficiais dos registos das marcas os números das classes da classificação de Nice dos quais fazem parte os produtos ou os serviços para a proteção dos quais a marca é registada.

52

Dado que o Acordo de Nice foi adotado em aplicação do artigo 19.o da Convenção de Paris e que a Diretiva 2008/95 não visa, nos termos do seu décimo terceiro considerando, afetar as obrigações dos Estados-Membros decorrentes desta Convenção, há que declarar que esta diretiva não se opõe a que as autoridades nacionais competentes exijam ou aceitem que o requerente de uma marca nacional identifique os produtos e os serviços para os quais requer a proteção conferida pela marca através da utilização da classificação de Nice.

53

Todavia, para garantir o efeito útil da Diretiva 2008/95 e o bom funcionamento do sistema de registo das marcas, essa identificação deve satisfazer os requisitos de clareza e de precisão exigidos por esta diretiva, como foi referido no n.o 49 do presente acórdão.

54

A este respeito, há que observar que determinadas indicações gerais que constam dos títulos das classes da classificação de Nice são, por si próprias, suficientemente claras e precisas para permitir que as autoridades competentes e os operadores económicos determinem o alcance da proteção conferida pela marca, ao passo que outras não satisfazem esta exigência por serem demasiado gerais e abrangerem produtos ou serviços variados demais para serem compatíveis com a função de origem da marca.

55

Por conseguinte, compete às autoridades competentes efetuar uma apreciação casuística, em função dos produtos ou dos serviços para os quais o requerente requer a proteção conferida pela marca, a fim de determinar se estas indicações satisfazem os requisitos exigidos de clareza e de precisão.

56

Consequentemente, a Diretiva 2008/95 não se opõe à utilização das indicações gerais dos títulos das classes da classificação de Nice para identificar os produtos e os serviços para os quais a proteção da marca é requerida, desde que essa identificação seja suficientemente clara e precisa para permitir às autoridades competentes e aos operadores económicos determinar o alcance da proteção requerida.

Quanto ao alcance da proteção resultante da utilização de todas as indicações gerais do título de uma classe específica

57

Importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que é possível requerer o registo de uma marca para a totalidade dos produtos ou serviços que fazem parte de uma classe da classificação de Nice, ou apenas para alguns destes produtos ou serviços (v., neste sentido, acórdão Koninklijke KPN Nederland, já referido, n.o 112).

58

Resulta da decisão de reenvio e das observações apresentadas ao Tribunal de Justiça que existem atualmente duas abordagens quanto à utilização das indicações gerais dos títulos das classes da classificação de Nice, a saber, a abordagem correspondente à que resulta da Comunicação n.o 4/03, segundo a qual a utilização de todas as indicações gerais do título de uma classe específica da classificação de Nice constitui uma reivindicação em relação a todos os produtos ou serviços abrangidos por esta classe específica, e a abordagem literal que tem por objetivo atribuir aos termos utilizados nestas indicações o seu significado natural e habitual.

59

A este respeito, a maioria das partes presentes na audiência alegou, em resposta a uma questão do Tribunal de Justiça, que a existência, em paralelo, destas duas abordagens é suscetível de afetar o bom funcionamento do sistema de marcas na União. Em particular, salientou-se que as duas abordagens podem conduzir a uma divergência do alcance da proteção de uma marca nacional caso seja registada em vários Estados-Membros mas também do de uma mesma marca caso esta também tiver sido registada como marca comunitária. Esta divergência poderia influenciar, designadamente, o resultado de uma ação por contrafação, na medida em que esta pode ser melhor acolhida nos Estados-Membros que se inspirem na abordagem da Comunicação n.o 4/03.

60

Além disso, a situação em que o alcance da proteção conferida pela marca depende da abordagem interpretativa adotada pela autoridade competente e não da vontade efetiva do requerente pode violar a segurança jurídica do referido requerente e dos operadores económicos terceiros.

61

Assim, com vista a respeitar os requisitos de clareza e de precisão anteriormente mencionados, o requerente de uma marca nacional que utilize todas as indicações gerais do título de uma classe específica da classificação de Nice para identificar os produtos ou serviços para os quais a proteção da marca é requerida deve precisar se o seu pedido de registo tem por objeto todos os produtos ou serviços repertoriados na lista alfabética da classe específica em causa ou apenas alguns destes produtos ou serviços. Caso o pedido tenha por objeto apenas alguns dos referidos produtos ou serviços, o requerente tem o dever de precisar quais os produtos ou serviços dessa classe visados.

62

Um pedido de registo que não permita determinar se, com a utilização do título de uma classe específica da classificação de Nice, o requerente visa todos ou apenas uma parte dos produtos dessa classe não pode ser considerado suficientemente claro e preciso.

63

Assim, no processo principal, compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se o CIPA, quando utilizou todas as indicações gerais do título da classe 41 da classificação de Nice, especificou no seu pedido se este abrangia ou não todos os serviços dessa classe e, em particular, se o seu pedido tinha por objeto ou não os serviços de tradução.

64

Há, portanto, que responder às questões submetidas que:

a Diretiva 2008/95 deve ser interpretada no sentido de que exige que os produtos ou serviços para os quais a proteção da marca é requerida sejam identificados pelo requerente com clareza e precisão suficientes para permitir às autoridades competentes e aos operadores económicos, unicamente com base na identificação dos produtos ou dos serviços, determinar o alcance da proteção conferida pela marca;

a Diretiva 2008/95 deve ser interpretada no sentido de que não se opõe à utilização das indicações gerais dos títulos das classes da classificação de Nice para identificar os produtos e os serviços para os quais a proteção da marca é requerida, desde que essa identificação seja suficientemente clara e precisa;

o requerente de uma marca nacional que utilize todas as indicações gerais do título de uma classe específica da classificação de Nice para identificar os produtos ou serviços para os quais a proteção da marca é requerida deve precisar se o pedido tem por objeto todos os produtos ou serviços repertoriados na lista alfabética dessa classe ou apenas alguns desses produtos ou serviços. Caso o pedido tenha por objeto apenas alguns dos referidos produtos ou serviços, o requerente é obrigado a precisar quais os produtos ou serviços dessa classe que são visados.

Quanto às despesas

65

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

A Diretiva 2008/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, que aproxima as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas, deve ser interpretada no sentido de que exige que os produtos ou serviços para os quais a proteção da marca é requerida sejam identificados pelo requerente com clareza e precisão suficientes para permitir às autoridades competentes e aos operadores económicos, unicamente com base na identificação dos produtos ou dos serviços, determinar o alcance da proteção conferida pela marca.

 

A Diretiva 2008/95 deve ser interpretada no sentido de que não se opõe à utilização das indicações gerais dos títulos das classes da classificação referida no artigo 1.o do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, concluído na Conferência Diplomática de Nice, em 15 de junho de 1957, revisto pela última vez em Genebra, em 13 de maio de 1977, e alterado em 28 de setembro de 1979, para identificar os produtos e os serviços para os quais a proteção da marca é requerida, desde que essa identificação seja suficientemente clara e precisa.

 

O requerente de uma marca nacional que utilize todas as indicações gerais do título de uma classe específica da classificação a que se refere o artigo 1.o do referido Acordo de Nice para identificar os produtos ou serviços para os quais a proteção da marca é requerida deve precisar se o pedido tem por objeto todos os produtos ou serviços repertoriados na lista alfabética dessa classe ou apenas alguns desses produtos ou serviços. Caso o pedido tenha por objeto apenas alguns dos referidos produtos ou serviços, o requerente é obrigado a precisar quais os produtos ou serviços dessa classe que são visados.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.