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Document 62015CJ0648

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 12 de setembro de 2017.
República da Áustria contra República Federal da Alemanha.
Artigo 273.o TFUE — Diferendo entre Estados‑Membros submetido ao Tribunal de Justiça por compromisso — Fiscalidade — Convenção bilateral para evitar a dupla tributação — Tributação de juros de valores mobiliários — Conceito de “rendimentos de direitos ou de créditos com participação nos lucros”.
Processo C-648/15.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2017:664

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

12 de setembro de 2017 ( *1 )

«Artigo 273. — Diferendo entre Estados‑Membros submetido ao Tribunal de Justiça por compromisso — Fiscalidade — Convenção bilateral para evitar a dupla tributação — Tributação de juros de valores mobiliários — Conceito de “rendimentos de direitos ou de créditos com participação nos lucros”»

No processo C‑648/15,

que tem por objeto um pedido apresentado nos termos do artigo 273.o TFUE, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 3 de dezembro de 2015,

República da Áustria, representada por C. Pesendorfer, F. Koppensteiner e H. Jirousek, na qualidade de agentes,

requerente,

contra

República Federal da Alemanha, representada por T. Henze e J. Möller, na qualidade de agentes,

requerida,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, A. Tizzano, vice‑presidente, R. Silva de Lapuerta, T. von Danwitz e J. L. da Cruz Vilaça, presidentes de secção, J. Malenovský, E. Levits, J.‑C. Bonichot (relator), A. Arabadjiev, C. Toader, C. G. Fernlund, C. Vajda, S. Rodin, F. Biltgen e K. Jürimäe, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 6 de dezembro de 2016,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 27 de abril de 2017,

profere o presente

Acórdão

1

Na sua petição, a República da Áustria pede ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre o diferendo que a opõe à República Federal da Alemanha sobre a interpretação do artigo 11.o, n.o 2, da Abkommen zwischen der Republik Österreich und der Bundesrepublik Deutschland zur Vermeidung der Doppelbesteuerung auf dem Gebiet der Steuern vom Einkommen und vom Vermögen (Convenção entre a República da Áustria e a República Federal da Alemanha para evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre o rendimento e o património), de 24 de agosto de 2000 (BGB1. III, 182/2002, a seguir «convenção germano‑austríaca»), no que diz respeito à tributação dos juros de valores mobiliários (Genussscheine) emitidos por uma sociedade com sede no território da República Federal da Alemanha, e que são detidos por uma sociedade com sede no território da República da Áustria.

Quadro jurídico

Convenção de Viena

2

O artigo 31.o, n.o 1, da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de maio de 1969 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 1155, p. 331, a seguir «Convenção de Viena»), tem a seguinte redação:

«Um tratado deve ser interpretado de boa‑fé, de acordo com o sentido comum a atribuir aos termos do tratado no seu contexto e à luz dos respetivos objeto e fim».

Convenção germano‑austríaca

3

O artigo 3.o, n.o 2, da convenção germano‑austríaca dispõe:

«Para a aplicação da [convenção germano‑austríaca] num dado momento por um Estado contratante, todo o termo ou expressão nela não definido terá, salvo se o contexto exigir uma interpretação diferente, o sentido que lhe atribui, nesse momento, o direito desse Estado relativamente aos impostos aos quais a convenção se aplica, devendo o sentido atribuído a esse termo ou expressão pelo direito fiscal desse Estado prevalecer sobre o sentido que lhe atribuem os outros ramos de direito desse Estado.»

4

Nos termos do artigo 11.o, n.o 1, da referida convenção, os rendimentos sob a forma de «juros» são tributados no Estado de residência ou de estabelecimento do seu beneficiário. Este tratamento é distinto do previsto no artigo 10.o da mesma convenção para os dividendos, que são, em princípio, tributados no Estado em que têm origem.

5

O artigo 11.o, n.o 2, da referida convenção estipula:

«Os rendimentos provenientes de direitos ou créditos com participação nos lucros, incluindo os rendimentos auferidos pelo sócio oculto derivados da sua participação ou os rendimentos de empréstimos participativos e de obrigações participativas, podem, contudo, ser também tributados no Estado contratante de que provêm, de acordo com a legislação desse Estado.»

6

Para evitar a dupla tributação desses rendimentos, os dois Estados contratantes optaram pelo método dito da «imputação», definido no artigo 23.o da convenção germano‑austríaca, nos termos do qual cabe ao Estado de residência ou de estabelecimento do beneficiário dos juros deduzir do montante do imposto a aplicar aos rendimentos deste beneficiário o imposto correspondente já cobrado pelo Estado de origem.

7

O artigo 25.o, n.o 1, da convenção germano‑austríaca prevê que qualquer pessoa que se considere prejudicada por uma tributação contrária a esta convenção pode iniciar um procedimento amigável entre as autoridades competentes dos Estados contratantes.

8

Nos termos do artigo 25.o, n.o 5, da mesma convenção:

«Se as dificuldades ou dúvidas a que possa dar lugar a interpretação ou aplicação desta convenção não puderem ser resolvidas através do processo de conciliação entre as autoridades competentes organizado em conformidade com o disposto nos números precedentes do presente artigo, nomeadamente, num prazo de três anos a contar da abertura do referido procedimento, os Estados contratantes são obrigados, a pedido da pessoa referida no n.o 1, a submeter o diferendo ao Tribunal de Justiça [da União Europeia] no âmbito do procedimento de arbitragem previsto no artigo [273.o TFUE].»

9

O artigo 30.o da convenção germano‑austríaca especifica que o seu protocolo constitui parte integrante da mesma.

10

O ponto 16 do referido protocolo prevê que as cláusulas da convenção germano‑austríaca, redigidas em conformidade com as cláusulas pertinentes do modelo de convenção fiscal relativo ao rendimento e ao património elaborado pela Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE), têm geralmente o mesmo significado que aquelas que constam dos comentários dos artigos deste modelo de convenção. O mesmo ponto indica, aliás, que estes comentários constituem um meio de interpretação da convenção germano‑austríaca no sentido da Convenção de Viena.

Factos na origem do diferendo

11

Entre 1996 e 1998, o Bank Austria AG, sociedade com sede no território da República da Áustria e sujeito a uma obrigação fiscal ilimitada nesse Estado‑Membro, adquiriu títulos ao Westdeutsche Landesbank Girozentrale Düsseldorf und Münster, posteriormente denominado Landesbank NRW, com sede no território da República Federal da Alemanha.

12

Segundo as declarações da República da Áustria, não contestadas pela República Federal da Alemanha, as condições de emissão destes títulos podem ser resumidas da seguinte forma:

os títulos conferem o direito a um pagamento anual, em percentagem fixa do seu valor nominal;

se o pagamento anual for suscetível de gerar um prejuízo contabilístico, o seu montante será devidamente reduzido;

os títulos conferem, no entanto, durante a sua vigência, o direito ao pagamento de retroativos nos anos posteriores, desde que essa compensação não gere prejuízos contabilísticos;

o pagamento dos juros e o pagamento dos retroativos têm prioridade sobre a dotação para reservas e os pagamentos aos garantes;

o montante do capital disponibilizado ao emitente em troca dos títulos é reembolsado ao valor nominal destes últimos;

se o balanço revelar um prejuízo, o montante do crédito a reembolsar será, ainda assim, reduzido em conformidade. Também nesse caso, a diferença em relação ao valor nominal do título será compensada durante os anos seguintes, desde que tal não gere prejuízos contabilísticos;

os títulos não conferem o direito a uma participação nas receitas da liquidação da sociedade emitente; e

a sociedade emitente tem um direito de resolução se os títulos deixarem de ser suscetíveis de dedutibilidade fiscal.

13

Embora não seja contestado que os rendimentos dos títulos em causa são juros na aceção do artigo 11.o da convenção germano‑austríaca, e não dividendos na aceção do artigo 10.o da mesma, a República da Áustria e a República Federal da Alemanha discordam quanto à questão de saber se tais juros são abrangidos pelo artigo 11.o, n.o 1, ou pelo artigo 11.o, n.o 2, da referida convenção. Mais precisamente, enquanto a República da Áustria considera que os títulos em causa não implicam uma participação nos lucros na aceção do artigo 11.o, n.o 2, da mesma convenção, a República Federal da Alemanha afirma o contrário.

14

Esta divergência de qualificação jurídica dos juros recebidos pelo Bank Austria levou estes dois Estados a reivindicarem o direito exclusivo de os tributar, o que deu origem a uma dupla tributação dessa sociedade relativamente aos exercícios fiscais compreendidos entre 2003 e 2009.

15

Em conformidade com o artigo 25.o, n.o 1, da convenção germano‑austríaca, o Bank Austria apresentou um pedido de abertura de um procedimento amigável às autoridades austríacas. Esse procedimento foi iniciado pela República da Áustria, mas acabou por se saldar num insucesso no final de 2011.

16

O Bank Austria solicitou então à República da Áustria que submetesse o diferendo ao Tribunal de Justiça, em conformidade com o artigo 25.o, n.o 5, da convenção germano‑austríaca.

Pedidos das partes

17

A República da Áustria pede que o Tribunal de Justiça se digne:

declarar que os títulos em causa não devem ser qualificados de créditos com participação nos lucros, na aceção do artigo 11.o, n.o 2, da convenção germano‑austríaca, e que, por conseguinte, o direito exclusivo de tributação dos seus juros cabe à República da Áustria, na qualidade de Estado de residência do beneficiário efetivo;

declarar que a República Federal da Alemanha deve, por conseguinte, abster‑se de tributar estes juros e devolver o imposto já retido sobre os mesmos; e

condenar a República Federal da Alemanha nas despesas.

18

A República Federal da Alemanha pede que o Tribunal de Justiça se digne:

declarar que os rendimentos dos títulos em causa devem ser qualificados de créditos com participação nos lucros, na aceção do artigo 11.o, n.o 2, da convenção germano‑austríaca, e que, por conseguinte, o direito exclusivo de tributação dos seus juros cabe à República Federal da Alemanha, na qualidade de Estado de origem desses rendimentos;

declarar que a República da Áustria deve, por conseguinte, evitar a dupla tributação destes juros e devolver o imposto já retido sobre os mesmos; e

condenar a República da Áustria nas despesas.

Quanto ao pedido para a resolução do diferendo

Quanto à competência do Tribunal de Justiça

19

O Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se com base no artigo 273.o TFUE, segundo o qual «é competente para decidir sobre qualquer diferendo entre os Estados‑Membros, relacionado com o objeto dos Tratados, se esse diferendo lhe for submetido por compromisso».

20

Esta disposição faz depender a competência do Tribunal de Justiça, por um lado, da existência de um diferendo entre os Estados‑Membros, sobre o qual não há dúvida no caso em apreço.

21

Com efeito, a República da Áustria e a República Federal da Alemanha reivindicam ambas o direito exclusivo de tributação dos rendimentos relativos aos exercícios fiscais durante os quais estes dois Estados pertenciam à União Europeia. Esta dupla reivindicação conduziu, por parte do contribuinte, a uma dupla tributação contrária aos objetivos da convenção germano‑austríaca, pela qual os Estados contratantes entenderam, precisamente, evitar a dupla tributação. Uma vez que o processo de conciliação previsto por esta convenção foi infrutífero, está demonstrada a existência de um diferendo entre os Estados‑Membros na aceção do artigo 273.o TFUE.

22

A competência do Tribunal de Justiça é, por outro lado, condicionada pela conexão do diferendo que lhe é submetido com o objeto dos Tratados.

23

Como salientou o advogado‑geral no n.o 43 das suas conclusões, resulta de uma perspetiva das diferentes versões linguísticas do artigo 273.o TFUE que o termo «conexão» deve ser entendido como uma ligação, e não como uma relação de identidade.

24

Esta interpretação é reforçada por comparação com a possibilidade, prevista no artigo 259.o TFUE, de um Estado‑Membro propor uma ação por incumprimento contra um outro Estado‑Membro quando considere que o mesmo não cumpriu qualquer das obrigações que lhe incumbem por força dos próprios Tratados.

25

O requisito de conexão previsto no artigo 273.o TFUE está, por conseguinte, preenchido quando for estabelecido que o diferendo submetido ao Tribunal de Justiça tem uma ligação objetivamente identificável com o objeto dos Tratados.

26

Isso é evidente no caso em apreço, tendo em conta o efeito benéfico da atenuação das duplas tributações no funcionamento do mercado interno que a União Europeia tem como objetivo estabelecer em conformidade com o artigo 3.o, n.o 3, TUE e o artigo 26.o TFUE. Com efeito, como salientou a Comissão Europeia na sua Comunicação ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social Europeu, de 11 de novembro de 2011, intitulada «A dupla tributação no mercado único» [COM(2011) 712 final], o facto de dois Estados‑Membros celebrarem uma convenção que evita a dupla tributação tem como objeto e por efeito eliminar ou atenuar certas consequências do exercício não coordenado do seu poder tributário, o qual é, por natureza, suscetível de restringir, de dissuadir ou de tornar menos atraente o exercício das liberdades de circulação previstas pelo Tratado FUE.

27

Por último, o Tribunal de Justiça só é competente para decidir sobre um pedido nos termos do artigo 273.o TFUE se o mesmo for apresentado ao abrigo de um compromisso.

28

É verdade que o presente pedido foi apresentado, não em virtude de um compromisso arbitral especialmente celebrado com vista a regular o presente diferendo, mas em aplicação de uma cláusula geral da convenção germano‑austríaca, a saber, o seu artigo 25.o, n.o 5, anterior ao diferendo, pela qual os Estados contratantes se comprometeram a submeter ao Tribunal de Justiça todas as dificuldades que pudessem surgir na interpretação ou aplicação da referida convenção e que não pudessem ser resolvidas no quadro de uma resolução amigável.

29

Assim, nada impede, atendendo ao objetivo prosseguido pelo artigo 273.o TFUE, que consiste em conceder aos Estados‑Membros uma forma de resolver os seus diferendos em conexão com o objeto dos Tratados no quadro do sistema judicial da União Europeia, que um acordo sobre o reenvio ao Tribunal de Justiça seja celebrado entre as partes previamente à origem de um eventual diferendo, para casos como os previstos por uma estipulação como a do artigo 25.o, n.o 5, da convenção germano‑austríaca (v., neste sentido, acórdão de 27 de novembro de 2012, Pringle, C‑370/12, EU:C:2012:756, n.o 172).

30

Pelo exposto, o Tribunal de Justiça é competente para decidir sobre o presente diferendo.

Quanto ao mérito

31

O diferendo tem por objeto a questão de saber se o conceito de «créditos com participação nos lucros» utilizado no artigo 11.o, n.o 2, da convenção germano‑austríaca deve ser interpretado no sentido de que inclui títulos como os que estão em causa no caso em apreço.

32

A este respeito, há que salientar que estes títulos podem ser qualificados de obrigações de um género particular. Com efeito, resulta das suas condições de emissão que os mesmos vencem juros à taxa fixa aplicada ao seu valor nominal. Contudo, a sua especificidade reside, em substância, no facto de o pagamento dos juros ser reduzido ou até suspenso se, em razão de tal pagamento, a sociedade emissora encerrar o seu exercício contabilístico com prejuízos, e haver lugar a regularização dos montantes em atraso quando a sociedade voltar a ter lucros, na condição de essa regularização não dar origem a perdas.

33

A fim de resolver o diferendo, há por conseguinte que apurar se o modo de remuneração destes títulos pode ser qualificado de «participação nos lucros» na aceção do artigo 11.o, n.o 2, da convenção germano‑austríaca, conceito que não é nela definido.

34

A este respeito, a República Federal da Alemanha baseia‑se na interpretação seguida pelo seu direito nacional, em particular por um acórdão do Bundesfinanzhof (Tribunal Federal das Finanças, Alemanha) de 26 de agosto de 2010, segundo o qual a remuneração dos títulos em causa implica uma participação nos lucros.

35

É verdade que o artigo 3.o, n.o 2, da convenção germano‑austríaca estabelece uma regra de interpretação segundo a qual um termo ou uma expressão não definido nessa convenção tem o sentido que lhe é atribuído pelo direito fiscal do Estado que o aplica.

36

No entanto, esta regra de interpretação por um único Estado num dado momento não pode ser vista como uma regra para resolver as divergências de interpretação entre os dois Estados contratantes.

37

Uma leitura inversa iria, aliás, privar do seu sentido útil as disposições do artigo 25.o, n.o 5, da mesma convenção, cujos procedimento de conciliação e cláusula de atribuição de competência ao Tribunal de Justiça não teriam qualquer sentido se os Estados contratantes tivessem entendido que esta convenção seria apenas interpretada com referência unicamente aos direitos nacionais, mesmo quando os mesmos tenham, como no caso em apreço, soluções diametralmente opostas.

38

Há, por conseguinte, que interpretar o conceito de «créditos com participação nos lucros», na aceção da convenção germano‑austríaca, segundo os métodos próprios do direito internacional.

39

A este respeito, há que recordar que resulta das disposições da Convenção de Viena, na qual a República da Áustria e a República Federal da Alemanha são partes, que um tratado deve ser interpretado de boa‑fé de acordo com o sentido comum a atribuir aos seus termos no seu contexto e à luz do seu objeto e do seu fim, tendo em conta toda a regra pertinente de direito internacional aplicável às relações entre as partes nesse tratado (v., neste sentido, acórdão de 25 de fevereiro de 2010, Brita, C‑386/08, EU:C:2010:91, n.o 43).

40

No que diz respeito, desde logo, ao sentido comum a atribuir aos termos «participação nos lucros», tanto a linguagem corrente como as normas de contabilidade geralmente reconhecidas remetem para um sentido que implica, em princípio, a vocação para receber uma parte dos resultados positivos da exploração anual de uma empresa. Tal é geralmente o caso de um acionista, mas também de um trabalhador cujo contrato de trabalho preveja um prémio constituído por uma fração dos lucros realizados pelo empregador.

41

Por outro lado, a expressão «participação nos lucros» é geralmente associada à variedade e à imprevisibilidade inerente ao resultado anual de qualquer atividade económica arriscada. Deste modo, a participação nos lucros de um exercício contabilístico implica geralmente o direito a receber um montante indeterminado no início do exercício, suscetível de variar de um exercício para outro, podendo aliás ser igual a zero.

42

A expressão «participação nos lucros» refere‑se, por conseguinte, aos produtos financeiros cuja remuneração varia, pelo menos parcialmente, em função do montante dos lucros anuais do devedor.

43

Tal interpretação é confirmada por uma análise contextual e pela análise da finalidade das cláusulas em que figura o conceito de «créditos com participação nos lucros» que está no âmago do presente diferendo.

44

No que respeita, em seguida, ao contexto, há que notar que aquele conceito se insere no artigo 11.o, n.o 2, da convenção germano‑austríaca antes de uma enumeração destinada a exemplificá‑lo, da qual constam três tipos de instrumentos financeiros cuja característica comum é, como salientou o advogado‑geral nos n.os 94 a 97 das suas conclusões, o facto de a sua remuneração variar em função dos lucros anuais do emissor.

45

O mesmo sucede com «obrigações participativas», que são geralmente definidas como obrigações que dão direito, para além da taxa de juro fixa que oferecem, a uma quota‑parte dos lucros do emissor.

46

Do mesmo modo, os «empréstimos participativos» são em princípio caracterizados por um juro de base, fixo ou variável, complementado por um juro correlacionado com o montante dos lucros do devedor.

47

Quanto ao «sócio oculto», seja qual for a forma que este assuma, ele tem, por definição, vocação para participar nos lucros da sociedade em que detém partes do capital, como, aliás, salientou, sem contestação, a República da Áustria.

48

No que diz respeito, por último, à finalidade das cláusulas nas quais se insere a expressão «créditos com participação nos lucros», há que salientar que o artigo 11.o, n.o 2, da convenção germano‑austríaca se apresenta como uma derrogação ao princípio da repartição da competência fiscal entre os Estados contratantes, expresso no artigo 11.o, n.o 1, desta convenção, por força do qual os juros são, em princípio, tributados apenas no Estado de estabelecimento ou de residência do seu beneficiário. Esta disposição derrogatória permite que os juros produzidos por um crédito com participação nos lucros sejam «também» tributados pelo Estado em que têm origem. Cabe então ao Estado de estabelecimento ou de residência do beneficiário desses juros eliminar a dupla tributação imputando o imposto já cobrado por retenção na fonte nos outros impostos devidos pelo titular do crédito.

49

Tendo em conta este sistema geral e a finalidade da convenção germano‑austríaca, que consiste em evitar tanto quanto possível a dupla tributação jurídica nas situações transfronteiriças entre os dois Estados contratantes, o critério que permite derrogar a repartição convencionada de competências fiscais, a saber, a existência de uma participação nos lucros, deve ser objeto de uma interpretação estrita como aquela que consta dos n.os 40 a 42 do presente acórdão.

50

Com efeito, uma interpretação ampla da expressão «participação nos lucros» constante do artigo 11.o, n.o 2, da referida convenção poderia limitar o alcance do artigo 11.o, n.o 1, da mesma, o qual, procedendo a uma repartição estrita da competência para tributar juros, pretende evitar toda e qualquer dupla tributação, ao passo que a aplicação do referido artigo 11.o, n.o 2, implica uma dupla tributação cujos efeitos prejudiciais ao bom funcionamento do mercado interno são apenas atenuados pela regra de imputação prevista no artigo 23.o, n.o 1, alínea b), e n.o 2, alínea b), da mesma convenção.

51

No caso em apreço, é facto assente que os títulos em causa são remunerados todos os anos com base numa taxa fixa, aplicada ao seu valor nominal, este mesmo fixo, sendo estes dois dados predefinidos na subscrição.

52

É verdade que a remuneração destes títulos tem ainda a particularidade de ser reduzida ou interrompida quando o exercício contabilístico da sociedade emissora for encerrado com prejuízos devido a essa remuneração, e será regularizada retroativamente durante os exercícios contabilísticos seguintes em que haja lucros, na condição de o pagamento dos retroativos não dar origem a prejuízos, somando‑se então esses retroativos ao pagamento dos juros normalmente devidos a título dos referidos exercícios contabilísticos posteriores.

53

No entanto, esta particularidade implica apenas que o pagamento anual dos juros seja condicionado pela realização de um lucro contabilístico suficiente para o mesmo exercício, e não que os títulos em causa deem direito, além dos juros anuais, a uma parte desse lucro.

54

Tendo em conta as considerações precedentes, o conceito de «créditos com participação nos lucros» constante do artigo 11.o, n.o 2, da convenção germano‑austríaca deve ser interpretado no sentido de que não inclui títulos como os que estão em causa no caso em apreço.

55

No que diz respeito aos pedidos recíprocos da República da Áustria e da República Federal da Alemanha para cessar o seu poder tributário sobre os rendimentos dos títulos em causa, a resposta dada pelo Tribunal de Justiça à questão de interpretação do artigo 11.o, n.o 2, da convenção germano‑austríaca é suficiente para os satisfazer.

56

Quanto aos pedidos recíprocos da República da Áustria e da República Federal da Alemanha para condenar no reembolso dos impostos injustamente cobrados, os mesmos devem, em qualquer caso, ser indeferidos.

57

Com efeito, o Tribunal de Justiça não dispõe de elementos adequados que lhe permitam tomar uma posição a este respeito, nomeadamente no que respeita a qualquer possível interferência com os processos eventualmente em curso nos tribunais de qualquer dos dois Estados.

58

Cabe, por conseguinte, à República da Áustria e à República Federal da Alemanha tirar as consequências do presente acórdão, cooperando lealmente para esse efeito.

Quanto às despesas

59

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

60

Tendo a República da Áustria pediu a condenação da República Federal da Alemanha e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

1)

O conceito de «créditos com participação nos lucros» constante do artigo 11.o, n.o 2, da Abkommen zwischen der Republik Österreich und der Bundesrepublik Deutschland zur Vermeidung der Doppelbesteuerung auf dem Gebiet der Steuern vom Einkommen und vom Vermögen (Convenção entre a República da Áustria e a República Federal da Alemanha para evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre o rendimento e o património), de 24 de agosto de 2000, deve ser interpretado no sentido de que não inclui títulos como os que estão em causa no caso em apreço.

 

2)

A República Federal da Alemanha é condenada nas despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua de processo: alemão.

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