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Document 62015CJ0518

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 21 de fevereiro de 2018.
Ville de Nivelles contra Rudy Matzak.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela cour du travail de Bruxelles.
Reenvio prejudicial — Diretiva 2003/88/CE — Proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores — Organização do tempo de trabalho — Artigo 2.o — Conceitos de “tempo de trabalho” e de “período de descanso” — Artigo 17.o — Derrogações — Sapadores‑bombeiros — Tempo de prevenção — Prevenção no domicílio.
Processo C-518/15.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2018:82

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

21 de fevereiro de 2018 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2003/88/CE — Proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores — Organização do tempo de trabalho — Artigo 2.o — Conceitos de “tempo de trabalho” e de “período de descanso” — Artigo 17.o — Derrogações — Sapadores‑bombeiros — Tempo de prevenção — Prevenção no domicílio»

No processo C‑518/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela cour du travail de Bruxelles (Tribunal do Trabalho de Bruxelas, Bélgica), por decisão de 14 de setembro de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 28 de setembro de 2015, no processo

Ville de Nivelles

contra

Rudy Matzak,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: J. L. da Cruz Vilaça, presidente de secção, E. Levits (relator), A. Borg Barthet, M. Berger e F. Biltgen, juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: V. Giacobbo‑Peyronnel, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 15 de dezembro de 2016,

vistas as observações apresentadas:

em representação da ville de Nivelles, por L. Markey, avocate,

em representação de R. Matzak, por P. Joassart, A. Percy e P. Knaepen, avocats,

em representação do Governo belga, por M. Jacobs e L. Van den Broeck, na qualidade de agentes, assistidas por F. Baert e J. Clesse, avocats,

em representação do Governo francês, por D. Colas e R. Coesme, na qualidade de agentes,

em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman, M. Noort e J. Langer, na qualidade de agentes,

em representação do Governo do Reino Unido, por G. Brown, S. Simmons e D. Robertson, na qualidade de agentes, assistidos por R. Hill e B. Lask, barristers,

em representação da Comissão Europeia, por D. Martin e J. Tomkin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 26 de julho de 2017,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 2.o e do artigo 17.o, n.o 3, alínea c), iii), da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho (JO 2003, L 299, p. 9).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a ville de Nivelles (Cidade de Nivelles) a Rudy Matzak, a propósito da remuneração de prestações efetuadas no âmbito do serviço de incêndio dessa cidade.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O artigo 1.o da Diretiva 2003/88 dispõe:

«1.   A presente diretiva estabelece prescrições mínimas de segurança e de saúde em matéria de organização do tempo de trabalho.

2.   A presente diretiva aplica‑se:

a)

Aos períodos mínimos de descanso diário, semanal e anual, bem como aos períodos de pausa e à duração máxima do trabalho semanal; e

b)

A certos aspetos do trabalho noturno, do trabalho por turnos e do ritmo de trabalho.

3.   A presente diretiva é aplicável a todos os setores de atividade, privados e públicos, na aceção do artigo 2.o da Diretiva 89/391/CEE [do Conselho, de 12 de junho de 1989, relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho (JO 1989, L 183, p. 1)], sem prejuízo do disposto nos artigos 14.o, 17.o, 18.o e 19.o da presente diretiva.

[…]

4.   O disposto na Diretiva 89/391[…] é integralmente aplicável às áreas referidas no n.o 2, sem prejuízo de disposições mais restritivas e/ou específicas contidas na presente diretiva.»

4

O artigo 2.o da Diretiva 2003/88, sob a epígrafe «Definições», prevê, nos seus n.os 1 e 2:

«Para os efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

1.

Tempo de trabalho: qualquer período durante o qual o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à disposição da entidade patronal e no exercício da sua atividade ou das suas funções, de acordo com a legislação e/ou a prática nacional.

2.

Período de descanso: qualquer período que não seja tempo de trabalho.»

5

O artigo 15.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Disposições mais favoráveis», tem a seguinte redação:

«A presente diretiva não impede os Estados‑Membros de aplicarem ou introduzirem disposições legislativas, regulamentares ou administrativas mais favoráveis à proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores, ou de promoverem ou permitirem a aplicação de convenções coletivas ou acordos celebrados entre parceiros sociais mais favoráveis à proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores.»

6

O artigo 17.o da Diretiva 2003/88, sob a epígrafe «Derrogações», enuncia:

«1.   Respeitando os princípios gerais de proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores, os Estados‑Membros podem estabelecer derrogações aos artigos 3.o a 6.o, 8.o e 16.o […]

[…]

3.   Nos termos do n.o 2 do presente artigo, são permitidas derrogações aos artigos 3.o, 4.o, 5.o, 8.o e 16.o:

[…]

b)

No caso de atividades de guarda, de vigilância e de permanência caracterizada pela necessidade de assegurar a [proteção de pessoas e bens, nomeadamente quando se trate de guardas e porteiros ou de empresas de segurança];

c)

No caso de atividades caracterizadas pela necessidade de assegurar a continuidade do serviço ou da produção, nomeadamente quando se trate:

[…]

iii)

de serviços de imprensa, rádio, televisão, produção cinematográfica, correios ou telecomunicações, ambulância, sapadores‑bombeiros ou proteção civil,

[…]»

Direito belga

7

A Loi du 14 décembre 2000 fixant certains aspects de l’aménagement du temps de travail dans le secteur public (Lei de 14 de dezembro de 2000, que estabelece determinados aspetos da organização do tempo de trabalho no setor público) (Moniteur belge de 5 de janeiro de 2001, p. 212), transpõe a Diretiva 2003/88 para o setor público.

8

O artigo 3.o desta lei dispõe:

«Para efeitos da presente lei, entende‑se por:

Trabalhadores: as pessoas que, no quadro de uma relação laboral legal ou contratual, incluindo os estagiários e os temporários, executem prestações de trabalho sob a autoridade de outra pessoa;

Entidades patronais: as pessoas que contratam as pessoas referidas em 1°»

9

O artigo 8.o da referida lei define tempo de trabalho como «o tempo durante o qual o trabalhador se encontra à disposição da entidade patronal.»

10

O artigo 186.o da Loi du 30 décembre 2009 portant des dispositions diverses (Lei de 30 de dezembro de 2009, relativa a disposições diversas) (Moniteur belge de 31 de dezembro de 2009, p. 82925) prevê:

«O artigo 3.o da Lei de 14 de dezembro de 2000, que estabelece determinados aspetos da organização do tempo de trabalho no setor público, é interpretado no sentido de que os voluntários dos serviços públicos de incêndio e das zonas de socorro conforme previstas pela Lei de 15 de maio de 2007, relativa à proteção civil, e os voluntários das unidades operacionais da proteção civil não estão abrangidos na definição de trabalhadores.»

11

O Regulamento orgânico do serviço de incêndios da Cidade de Nivelles, adotado em aplicação do arrêté royal du 6 mai 1971 fixant les types de réglements communaux relatifs à l’organisation des services communaux d’incendie (Decreto Real, de 6 de maio de 1971, que estabelece os tipos de regulamentos municipais relativos à organização dos serviços municipais de incêndios) (Moniteur belge de 19 de junho de 1971, p. 7891), regula as questões relativas aos membros do pessoal do referido serviço.

12

Esse regulamento contém disposições específicas do pessoal profissional e do pessoal voluntário. No que diz respeito ao recrutamento, cujas condições são as mesmas para as duas categorias, o artigo 11.o bis, n.o 1, do referido regulamento prevê:

«No final do primeiro ano de estágio, o estagiário voluntário […] deverá preencher o seguinte requisito de domiciliação:

1.

Para o pessoal afeto ao quartel de Nivelles:

Estar domiciliado ou residir num local em que o tempo necessário para chegar ao quartel de Nivelles, em condições normais de circulação e respeitando o Código da Estrada, não exceda um máximo de oito minutos.

Durante o período de disponibilidade, todos os membros do pessoal voluntário que exercem funções no quartel de Nivelles devem:

permanecer sempre a uma distância do quartel que permita que o período necessário para chegar a esse local, em condições normais de circulação, não exceda um máximo de oito minutos;

demonstrar especial vigilância de modo a estar em condições de receção dos diferentes meios técnicos utilizados para convocar o pessoal e de partir imediatamente, pelo meio mais adequado, em caso de convocação do pessoal de permanência».

13

No que diz respeito à remuneração e à indemnização do pessoal, o artigo 39.o do Regulamento orgânico do serviço de incêndios da Cidade de Nivelles prevê que o pessoal profissional é remunerado segundo as condições fixadas pelo Estatuto remuneratório do pessoal da Cidade de Nivelles.

14

O pessoal voluntário recebe os subsídios especificados no artigo 40.o do referido regulamento. Estes são calculados de forma proporcional às horas de trabalho prestadas. Para os «tempos de prevenção no domicílio» dos oficiais, é fixado um subsídio anual. Tal subsídio corresponde ao subsídio do pessoal profissional.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15

O serviço de incêndios da Cidade de Nivelles abrange bombeiros profissionais e bombeiros voluntários.

16

Os bombeiros voluntários participam nas operações. Entre outras missões que lhes estão atribuídas, asseguram designadamente os tempos de prevenção e as permanências no quartel segundo um calendário fixado no início do ano.

17

R. Matzak entrou ao serviço da Cidade de Nivelles em 1 de agosto de 1980 e adquiriu a qualidade de sapador‑bombeiro voluntário um ano mais tarde. Além disso, esteve empregado numa empresa privada.

18

Em 16 de dezembro de 2009, R. Matzak intentou um processo judicial pedindo a condenação da Cidade de Nivelles a pagar‑lhe um valor, fixado provisoriamente em um euro, a título de indemnização pelo não pagamento, durante os seus anos de serviço, da remuneração relativa às suas prestações como bombeiro voluntário, designadamente os seus serviços de prevenção no domicílio.

19

Por sentença de 22 de março de 2012, o tribunal du travail de Nivelles (Tribunal do Trabalho de Nivelles, Bélgica) julgou procedente, na maior parte, a ação de R. Matzak.

20

A Cidade de Nivelles interpôs recurso da sentença na cour du travail de Bruxelles (Tribunal Superior do Trabalho de Bruxelas, Bélgica).

21

Por acórdão de 14 de setembro de 2015, o órgão jurisdicional de reenvio deu parcialmente provimento a esse recurso. No que diz respeito à remuneração pedida pelos serviços de prevenção no domicílio, que devem, segundo R. Matzak, ser qualificados de tempo de trabalho, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta‑se se pode considerar tais serviços abrangidos pela definição de tempo de trabalho na aceção da Diretiva 2003/88.

22

Nestas condições, a cour du travail de Bruxelles (Tribunal Superior do Trabalho de Bruxelas, Bélgica) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 17.o, n.o 3, alínea c), iii), da Diretiva [2003/88] ser interpretado no sentido de que permite aos Estados‑Membros excluir determinadas categorias de bombeiros recrutados pelos serviços públicos de incêndio do conjunto das disposições que transpõem esta diretiva, incluindo a que define o tempo de trabalho e o período de descanso?

2)

Na medida em que a [Diretiva 2003/88] apenas estabelece normas mínimas, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a que o legislador nacional mantenha ou adote uma definição menos restritiva do tempo de trabalho?

3)

Tendo em conta o artigo 153.o, n.o 5, TFUE e os objetivos da [Diretiva 2003/88], deve o artigo 2.o desta diretiva, na medida em que define os principais conceitos utilizados por esta e, designadamente, os de tempo de trabalho e de período de descanso, ser interpretado no sentido de que não é aplicável ao conceito de tempo de trabalho que deve permitir determinar as remunerações devidas no caso de prevenção [no domicílio]?

4)

Opõe‑se a [Diretiva 2003/88] a que o tempo de prevenção [no domicílio] seja considerado tempo de trabalho quando, apesar de a prevenção se realizar no domicílio do trabalhador, os constrangimentos impostos a este durante a prevenção (como a obrigação de responder às chamadas da entidade patronal num prazo de 8 minutos), restringem significativamente as possibilidades de outras atividades?»

Quanto às questões prejudiciais

Observações preliminares

23

A título liminar, há que salientar, em primeiro lugar, que tanto a Cidade de Nivelles como a Comissão Europeia alegam que as questões prejudiciais, na medida em que têm por objeto o conceito de remuneração, são inadmissíveis. Com efeito, a Diretiva 2003/88, fundada no artigo 153.o, n.o 2, TFUE, não é aplicável, por força do n.o 5 do mesmo artigo, à questão da remuneração dos trabalhadores abrangidos pelo seu âmbito de aplicação. Ora, o objeto do litígio no processo principal é dirimir a questão da remuneração de R. Matzak pelos serviços de prevenção no domicílio efetuados como sapador‑bombeiro voluntário da Cidade de Nivelles.

24

A este propósito, há que constatar que, excetuada uma hipótese particular relativa às férias anuais remuneradas, referida no artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88, esta diretiva limita‑se a regular certos aspetos da organização do tempo de trabalho para garantir a proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores, pelo que, em princípio, não é aplicável à remuneração dos trabalhadores (Acórdão de 26 de julho de 2017, Hälvä e o., C‑175/16, EU:C:2017:617, n.o 25 e jurisprudência referida).

25

Todavia, esta consideração não implica que não haja que responder às questões prejudiciais submetidas ao Tribunal de Justiça no presente processo.

26

Com efeito, como a advogada‑geral salientou no n.o 20 das suas conclusões, resulta da decisão de reenvio que o órgão jurisdicional nacional deseja ser esclarecido quanto à interpretação do artigo 2.o e do artigo 17.o, n.o 3, alínea c), iii), da Diretiva 2003/88, considerada necessária pelo órgão jurisdicional de reenvio para poder resolver o litígio que tem pendente. O facto de este último dizer respeito, in fine, a uma questão de remuneração é, neste contexto, irrelevante, uma vez que incumbe ao órgão jurisdicional nacional e não ao Tribunal de Justiça dirimir esta questão no âmbito do litígio no processo principal.

27

Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça declarou que a Diretiva 2003/88 se deve aplicar às atividades dos sapadores‑bombeiros, mesmo quando estas são exercidas por forças de intervenção no terreno e tenham por objetivo combater um incêndio ou prestar socorro de outra forma, quando são efetuadas em condições habituais, de acordo com a missão confiada ao serviço em causa, e isto mesmo que as intervenções a que essas atividades possam dar lugar sejam, por natureza, imprevisíveis e suscetíveis de expor os trabalhadores que as executam a determinados riscos quanto à sua segurança e/ou à sua saúde (Despacho de 14 de julho de 2005, Personalrat der Feuerwehr Hamburg, C‑52/04, EU:C:2005:467, n.o 52).

28

Em terceiro lugar, no que diz respeito à qualificação de R. Matzak como «trabalhador», importa salientar que, para efeitos da aplicação da Diretiva 2003/88, este conceito não pode ser objeto de uma interpretação que varie consoante os direitos nacionais, mas reveste um alcance autónomo, próprio do direito da União (Acórdão de 14 de outubro de 2010, Union syndicale Solidaires Isère, C‑428/09, EU:C:2010:612, n.o 28). Segundo jurisprudência constante na matéria, deve ser considerada «trabalhador» qualquer pessoa que exerce atividades reais e efetivas, com exclusão de atividades de tal maneira reduzidas que se apresentem como puramente marginais e acessórias. A característica essencial da relação laboral é a circunstância de uma pessoa realizar, durante certo tempo, em benefício de outra e sob a direção desta, prestações em contrapartida das quais recebe uma remuneração (Acórdão de 26 de março de 2015, Fenoll, C‑316/13, EU:C:2015:200, n.o 27 e jurisprudência referida).

29

O Tribunal de Justiça já declarou igualmente que a natureza jurídica sui generis de uma relação laboral face ao direito nacional não pode ter quaisquer consequências sobre a qualidade de trabalhador na aceção do direito da União (Acórdão de 20 de setembro de 2007, Kiiski, C‑116/06, EU:C:2007:536, n.o 26 e jurisprudência referida).

30

Assim, no que diz respeito ao processo principal, o facto de R. Matzak não ter, nos termos do direito nacional, o estatuto de sapador‑bombeiro profissional, mas o de um sapador‑bombeiro voluntário, não tem relevância para a sua qualificação de «trabalhador», na aceção da Diretiva 2003/88.

31

Face ao exposto, importa considerar que uma pessoa nas condições de R. Matzak deve ser qualificada de «trabalhador», na aceção da Diretiva 2003/88, na medida em que resulta das informações à disposição do Tribunal de Justiça que este último foi integrado no serviço de incêndios da Cidade de Nivelles no qual exerceu certas atividades reais e efetivas sob a direção de uma outra pessoa, pelas quais foi remunerado, o que o órgão jurisdicional de reenvio é chamado a verificar.

32

Em quarto lugar, uma vez que os artigos 1.o a 8.o da Diretiva 2003/88 estão redigidos em termos substancialmente idênticos aos dos artigos 1.o a 8.o da Diretiva 93/104/CE do Conselho, de 23 de novembro de 1993, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho (JO 1993,L 307, p. 18), conforme alterada pela Diretiva 2000/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 2000 (JO 2000, L 195, p. 41), a interpretação que o Tribunal de Justiça fez destes últimos artigos é transponível para os artigos supramencionados da Diretiva 2003/88 (Despacho de 4 de março de 2011, Grigore, C‑258/10, não publicado, EU:C:2011:122, n.o 39 e jurisprudência referida).

Quanto à primeira questão

33

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 17.o, n.o 3, alínea c), iii), da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que os Estados‑Membros podem estabelecer derrogações, relativamente a certas categorias de sapadores‑bombeiros recrutados pelos serviços públicos de incêndio, à totalidade das obrigações decorrentes das disposições dessa diretiva, incluindo o artigo 2.o da mesma, que define nomeadamente os conceitos de «tempo de trabalho» e de «período de descanso».

34

A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 2.o da Diretiva 2003/88 não figura entre as disposições da mesma que é possível derrogar (Despacho de 4 de março de 2011, Grigore, C‑258/10, não publicado, EU:C:2011:122, n.o 45).

35

Com efeito, segundo a redação do artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88, os Estados‑Membros podem estabelecer derrogações aos artigos 3.o a 6.o, 8.o e 16.o dessa diretiva, e o n.o 3 do referido artigo precisa que, para os serviços ali enunciados, incluindo os de sapadores‑bombeiros, podem ser estabelecidas derrogações aos artigos 3.o, 4.o, 5.o, 8.o e 16.o da referida diretiva.

36

Assim, a própria redação do artigo 17.o da Diretiva 2003/88 não autoriza nenhuma derrogação ao seu artigo 2.o, que define os conceitos principais contidos nessa diretiva.

37

Além disso, como a advogada‑geral salientou no n.o 27 das suas conclusões, não existe margem para adotar uma interpretação extensiva do artigo 17.o da referida diretiva que possa ir além da formulação expressa das derrogações que aí são autorizadas.

38

Com efeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, no que diz respeito às possibilidades de derrogação previstas pela Diretiva 2003/88, designadamente no artigo 17.o desta, enquanto exceções ao regime da União Europeia em matéria de organização do tempo de trabalho previsto por essa diretiva, essas derrogações devem receber uma interpretação que limite o seu alcance ao que é estritamente necessário para salvaguardar os interesses que as referidas derrogações permitem proteger (v., neste sentido, Acórdão de 14 de outubro de 2010, Union syndicale Solidaires Isère, C‑428/09, EU:C:2010:612, n.os 39 e 40).

39

À luz do exposto, há que responder à primeira questão que o artigo 17.o, n.o 3, alínea c), iii), da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que os Estados‑Membros não podem estabelecer derrogações, relativamente a certas categorias de sapadores‑bombeiros recrutados pelos serviços públicos de incêndio, à totalidade das obrigações decorrentes das disposições dessa diretiva, incluindo o artigo 2.o da mesma, que define nomeadamente os conceitos de «tempo de trabalho» e de «período de descanso».

Quanto à segunda questão

40

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 15.o da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que permite que os Estados‑Membros mantenham ou adotem uma definição menos restritiva do conceito de «tempo de trabalho» que a enunciada no artigo 2.o dessa diretiva.

41

Para responder a essa questão, há que examinar a redação do artigo 15.o da Diretiva 2003/88, à luz do sistema estabelecido por esta última assim como da sua finalidade.

42

Segundo a redação do artigo 15.o da Diretiva 2003/88, os Estados‑Membros podem aplicar ou introduzir disposições legislativas, regulamentares ou administrativas mais favoráveis à proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores. Decorre desse artigo que as disposições nacionais a que este se refere são as que podem ser comparadas às previstas pela Diretiva 2003/88, destinadas à proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores.

43

Ora, estas últimas disposições podem unicamente ser as que, pela sua função e objeto, têm vocação para fixar um nível de proteção mínimo da segurança e da saúde dos trabalhadores. Tal é o caso das disposições dos capítulos 2 e 3 dessa diretiva. Em contrapartida, as disposições do capítulo 1 da referida diretiva, que inclui os seus artigos 1.o e 2.o,, são de natureza diferente. Com efeito, estas últimas não fixam períodos mínimos de tempo de descanso nem dizem respeito a outros aspetos da organização do tempo de trabalho, estabelecendo antes as definições necessárias para delimitar o objeto da Diretiva 2003/88 e o seu âmbito de aplicação.

44

Assim, decorre da redação do artigo 15.o da Diretiva 2003/88, lido à luz do sistema estabelecido por esta, que a faculdade prevista neste último artigo não é aplicável à definição do conceito de «tempo de trabalho», que figura no artigo 2.o dessa diretiva.

45

Esta constatação é corroborada pela finalidade da Diretiva 2003/88. Com efeito, como a advogada‑geral salientou, no n.o 33 das conclusões, esta diretiva visa garantir, nos domínios abrangidos pelo seu âmbito de aplicação, uma proteção mínima, aplicável a todos os trabalhadores da União. Para este efeito, e no intuito de assegurar à referida diretiva a sua plena eficácia, as definições fornecidas no artigo 2.o da mesma não devem ser interpretadas em função dos direitos nacionais, mas revestem, como foi precisado no n.o 28 do presente acórdão quanto ao conceito de «trabalhador», um alcance autónomo próprio do direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 1 de dezembro de 2005, Dellas e o., C‑14/04, EU:C:2005:728, n.o 44 e jurisprudência referida).

46

Neste contexto, importa contudo precisar que, embora os Estados‑Membros não estejam habilitados a alterar a definição de «tempo de trabalho», na aceção do artigo 2.o da Diretiva 2003/88, permanecem, como foi recordado no n.o 42 do presente acórdão, livres de adotar, nos seus direitos nacionais respetivos, disposições que prevejam durações de tempo de trabalho e de períodos de descanso mais favoráveis aos trabalhadores que as fixadas pela diretiva.

47

Em face do exposto, há que responder à segunda questão que o artigo 15.o da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que não permite que os Estados‑Membros mantenham ou adotem uma definição menos restritiva do conceito de «tempo de trabalho» que a enunciada no artigo 2.o dessa diretiva.

Quanto à terceira questão

48

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que impõe aos Estados‑Membros que determinem a remuneração de períodos de prevenção no domicílio, como os que estão em causa no processo principal, em função da qualificação desses períodos como «tempo de trabalho» e «período de descanso».

49

A este respeito, cumpre recordar, como salienta o órgão jurisdicional de reenvio, que é pacífico que a Diretiva 2003/88 não regula a questão da remuneração dos trabalhadores, escapando esse aspeto, por força do artigo 153.o, n.o 5, TFUE, à competência da União.

50

Assim, embora os Estados‑Membros estejam habilitados a fixar a remuneração dos trabalhadores que entram no âmbito de aplicação da Diretiva 2003/88 em função da definição dos conceitos de «tempo de trabalho» e de «período de descanso», que figuram no artigo 2.o dessa diretiva, não estão obrigados a fazê‑lo.

51

Assim, os Estados‑Membros podem prever, no seu direito nacional, que a remuneração de um trabalhador em «tempo de trabalho» diverge da de um trabalhador em «período de descanso» e tal mesmo ao ponto de não atribuir nenhuma remuneração durante este último tipo de período.

52

À luz do exposto, há que responder à terceira questão que o artigo 2.o da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que não impõe aos Estados‑Membros que determinem a remuneração de períodos de prevenção no domicílio, como os que estão em causa no processo principal, em função da qualificação desses períodos como «tempo de trabalho» ou «período de descanso».

Quanto à quarta questão

53

Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que o período de prevenção que um trabalhador passa no domicílio com a obrigação de responder às chamadas da entidade patronal num prazo de 8 minutos, restringindo muito significativamente as possibilidades de ter outras atividades, deve ser considerado «tempo de trabalho».

54

A este respeito, importa recordar que o Tribunal de Justiça já teve a ocasião de se pronunciar sobre a questão da qualificação do tempo de prevenção como «tempo de trabalho» ou «período de descanso», efetuado pelos trabalhadores abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2003/88.

55

Neste contexto, o Tribunal de Justiça precisou, desde logo, que os conceitos de «tempo de trabalho» e de «período de descanso» se excluem mutuamente (v., neste sentido, Acórdãos de 3 de outubro de 2000, Simap, C‑303/98, EU:C:2000:528, n.o 47, e de 10 de setembro de 2015, Federación de Servicios Privados del sindicato Comisiones obreras, C‑266/14, EU:C:2015:578, n.o 26 e jurisprudência referida). Assim, há que constatar que, no estado atual do direito da União, o tempo de prevenção passado por um trabalhador no quadro das suas atividades desenvolvidas para a sua entidade patronal deve ser qualificado como «tempo de trabalho» ou como «período de descanso».

56

Por outro lado, entre os elementos característicos do conceito de «tempo de trabalho», na aceção do artigo 2.o da Diretiva 2003/88, não figuram a intensidade do trabalho realizado pelo trabalhador ou o rendimento deste último (Acórdão de 1 de dezembro de 2005, Dellas e o., C‑14/04, EU:C:2005:728, n.o 43).

57

Foi em seguida declarado que a presença física e a disponibilidade do trabalhador no local de trabalho, durante o período de prevenção, com vista à prestação dos seus serviços profissionais, deve ser considerada incluída no exercício das suas funções, ainda que a atividade efetivamente desenvolvida varie segundo as circunstâncias (v., neste sentido, Acórdão de 3 de outubro de 2000, Simap, C‑303/98, EU:C.2000:528, n.o 48).

58

Com efeito, excluir do conceito de «tempo de trabalho» o período de prevenção segundo o regime de presença física no local de trabalho equivaleria a pôr em causa o objetivo da Diretiva 2003/88 que é o de assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores, fazendo‑os beneficiar de períodos mínimos de descanso e de períodos de pausa adequados (v., neste sentido, Acórdão de 3 de outubro de 2000, Simap, C‑303/98, EU:C:2000:528, n.o 49).

59

Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o fator determinante para a qualificação de «tempo de trabalho», na aceção da Diretiva 2003/88, é o facto de o trabalhador ser obrigado a estar fisicamente presente no local determinado pela entidade patronal e de aí se manter à disposição desta última para poder fornecer de imediato as prestações adequadas em caso de necessidade. Com efeito, há que considerar essas obrigações, que colocam os trabalhadores em causa na impossibilidade de escolher o seu local de estada durante os períodos de prevenção, incluídas no exercício das suas funções (v., neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2003, Jaeger, C‑151/02, EU:C:2003:437, n.o 63, e Despacho de 4 de março de 2011, Grigore, C‑258/10, não publicado, EU:C:2011:122, n.o 53 e jurisprudência referida).

60

Por último, há que referir que o mesmo não se passa na situação em que o trabalhador efetue uma prevenção segundo o sistema de chamada, que exige que este esteja permanentemente acessível, sem com isso exigir a sua presença física no local de trabalho. Com efeito, mesmo estando à disposição da sua entidade patronal, na medida em que deve poder sempre ser contactado, nesta situação, o trabalhador pode gerir o seu tempo com menos constrangimentos e dedicar‑se aos seus próprios interesses. Nessas condições, apenas o tempo ligado à prestação efetiva de serviços deve ser considerado «tempo de trabalho» na aceção da Diretiva 2003/88 (v., neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2003, Jaeger, C‑151/02, EU:C:2003:437, n.o 65 e jurisprudência referida).

61

No processo principal, segundo as informações de que o Tribunal de Justiça dispõe e que o órgão jurisdicional de reenvio é chamado a verificar, R. Matzak não devia estar contactável unicamente nos seus períodos de prevenção. Este estava, por um lado, obrigado a responder às chamadas da sua entidade patronal num prazo de 8 minutos e, por outro, obrigado a estar fisicamente presente no local determinado pela entidade patronal. Todavia, esse lugar era o domicílio de R. Matzak e não, como nos litígios que deram origem à jurisprudência citada nos n.os 57 a 59 do presente acórdão, o seu local de trabalho.

62

A este respeito, há que referir que, de acordo com jurisprudência do Tribunal de Justiça, os conceitos de «tempo de trabalho» e de «período de descanso», na aceção da Diretiva 2003/88, constituem conceitos do direito da União que importa definir segundo características objetivas, tomando‑se por referência o sistema e a finalidade dessa diretiva, que visa estabelecer prescrições mínimas destinadas a melhorar as condições de vida e de trabalho dos trabalhadores (Acórdão de 10 de setembro de 2015, Federación de Servicios Privados del sindicato Comisiones obreras, C‑266/14, EU:C:2015:578, n.o 27).

63

Ora, a obrigação de permanecer fisicamente no local determinado pela entidade patronal bem como o constrangimento decorrente, de um ponto de vista geográfico e temporal, da necessidade de chegar ao local de trabalho num prazo de 8 minutos, podem limitar de maneira objetiva as possibilidades de um trabalhador que se encontra nas condições de R. Matzak se dedicar aos seus interesses pessoais e sociais.

64

À luz desses constrangimentos, a situação de R. Matzak distingue‑se da de um trabalhador que deve, durante o seu serviço de prevenção, estar simplesmente à disposição da sua entidade patronal para que esta última o possa contactar.

65

Nessas condições, cumpre interpretar o conceito de «tempo de trabalho», previsto no artigo 2.o da Diretiva 2003/88, no sentido de que se aplica a uma situação em que um trabalhador está obrigado a passar o período de prevenção no seu domicílio, de estar à disposição da sua entidade patronal e de poder chegar ao seu local de trabalho num prazo de 8 minutos.

66

Decorre de todo o exposto que há que responder à quarta questão que o artigo 2.o da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que o período de prevenção que um trabalhador passa no domicílio com a obrigação de responder às chamadas da entidade patronal num prazo de 8 minutos, restringindo muito significativamente as possibilidades de ter outras atividades, deve ser considerado «tempo de trabalho».

Quanto às despesas

67

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

1)

O artigo 17.o, n.o 3, alínea c), iii), da Diretiva 2003/88 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, deve ser interpretado no sentido de que os Estados‑Membros não podem estabelecer derrogações, relativamente a certas categorias de sapadores‑bombeiros recrutados pelos serviços públicos de incêndio, à totalidade das obrigações decorrentes das disposições dessa diretiva, incluindo o artigo 2.o da mesma, que define nomeadamente os conceitos de «tempo de trabalho» e de «período de descanso».

 

2)

O artigo 15.o da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que não permite que os Estados‑Membros mantenham ou adotem uma definição menos restritiva do conceito de «tempo de trabalho» que a enunciada no artigo 2.o dessa diretiva.

 

3)

O artigo 2.o da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que não impõe aos Estados‑Membros que determinem a remuneração de períodos de prevenção no domicílio, como os que estão em causa no processo principal, em função da qualificação desses períodos como «tempo de trabalho» ou «período de descanso».

 

4)

O artigo 2.o da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que o período de prevenção que um trabalhador passa no domicílio com a obrigação de responder às chamadas da entidade patronal num prazo de 8 minutos, restringindo muito significativamente as possibilidades de ter outras atividades, deve ser considerado «tempo de trabalho».

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.

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