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Document 62015CJ0148

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 19 de outubro de 2016.
Deutsche Parkinson Vereinigung eV contra Zentrale zur Bekämpfung unlauteren Wettbewerbs eV.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberlandesgericht Düsseldorf.
Reenvio prejudicial — Artigos 34.° e 36.° TFUE — Livre circulação de mercadorias — Regulamentação nacional — Medicamentos para uso humano sujeitos a receita — Venda pelas farmácias — Fixação de preços uniformes — Restrição quantitativa à importação — Medida de efeito equivalente — Justificação — Proteção da saúde e da vida das pessoas.
Processo C-148/15.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:776

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

19 de outubro de 2016 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Artigos 34.° e 36.° TFUE — Livre circulação de mercadorias — Regulamentação nacional — Medicamentos para uso humano sujeitos a receita — Venda pelas farmácias — Fixação de preços uniformes — Restrição quantitativa à importação — Medida de efeito equivalente — Justificação — Proteção da saúde e da vida das pessoas»

No processo C‑148/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Oberlandesgericht Düsseldorf (Tribunal Regional Superior de Düsseldorf, Alemanha), por decisão de 24 de março de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 30 de março de 2015, no processo

Deutsche Parkinson Vereinigung eV

contra

Zentrale zur Bekämpfung unlauteren Wettbewerbs eV,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, E. Regan (relator), A. Arabadjiev, C. G. Fernlund e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 17 de março de 2016,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Deutsche Parkinson Vereinigung eV, por T. Diekmann, Rechtsanwalt, K. Nordlander, advokat, M. Meulenbelt, advocaaten, e D. Costesec, solicitor,

em representação da Zentrale zur Bekämpfung unlauteren Wettbewerbs eV, por C. Dechamps, Rechtsanwalt, e J. Schwarze

em representação do Governo alemão, por T. Henze e A. Lippstreu, na qualidade de agentes,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por M. Russo, avvocato dello Stato,

em representação do Governo neerlandês, por M. Bulterman e M. de Ree, na qualidade de agentes,

em representação do Governo sueco, por A. Falk, C. Meyer‑Seitz, U. Persson, N. Otte Widgren, E. Karlsson e L. Swedenborg, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por E. Manhaeve, J. Herkommer e A. Sipos, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 2 de junho de 2016,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 34.° e 36.° TFUE.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Deutsche Parkinson Vereinigung eV (a seguir «DPV») à Zentrale zur Bekämpfung unlauteren Wettbewerbs eV (Associação de Luta contra a Concorrência Desleal, a seguir «ZBUW»), a propósito da fixação, no direito alemão, de preços uniformes para a venda pelas farmácias de medicamentos para uso humano sujeitos a receita.

Quadro jurídico alemão

Lei relativa aos medicamentos

3

O primeiro período do § 78, n.o 1, ponto 1, da Gesetz über den Verkehr mit Arzneimitteln (Arzneimittelgesetz) (Lei relativa aos medicamentos), prevê:

«O Ministério Federal da Economia e da Tecnologia é autorizado […] a fixar [...]

1.

margens de preços de revenda de medicamentos vendidos no comércio por grosso, nas farmácias ou por médicos veterinários.»

4

A Lei de 19 de outubro de 2012 (BGBl. I, p.2192) inseriu a seguinte frase no § 78, n.o1, da Lei relativa aos medicamentos:

«O regulamento relativo ao preço dos medicamentos, adotado com base no primeiro período, é igualmente aplicável aos medicamentos que entram no âmbito de aplicação da presente lei, nos termos do § 73, n.o 1, primeiro período, ponto 1a.»

5

O § 73, n.o 1, primeiro período, ponto 1a, da Lei relativa aos medicamentos, ao qual faz referência o § 78, n.o1, dessa lei, diz respeito à venda por correspondência dos medicamentos fornecidos na Alemanha a consumidores finais por farmácias com sede noutro Estado‑Membro da União Europeia. O Conselho dos Supremos Tribunais Federais alemães decidiu, por despacho de 22 de agosto de 2012, que, a exemplo da versão alterada da Lei relativa aos medicamentos, havia que interpretar a redação mais antiga dessa lei no sentido de que o Arzneimittelpreisverordnung (Regulamento relativo ao preço dos medicamentos) se aplica igualmente a essas vendas.

6

O § 78, n.o 2, da Lei relativa aos medicamentos dispõe:

«Os preços e as margens de preços devem ter em consideração os interesses legítimos dos consumidores de medicamentos, dos médicos veterinários, das farmácias e do comércio por grosso. Deve ser garantido um preço único de venda nas farmácias para os medicamentos excluídos do comércio fora das farmácias […]»

Regulamento relativo ao preço dos medicamentos

7

O § 1 do Regulamento relativo ao preço dos medicamentos prevê que o produtor deve fixar um preço para o seu medicamento ao qual, segundo o § 2 desse regulamento, acrescem os custos adicionais destinados ao comércio por grosso e, como prevê o § 3 do referido regulamento, os custos adicionais das farmácias. Este regulamento não se aplica aos medicamentos não sujeitos a receita médica.

Lei relativa à publicidade no setor da saúde

8

Decorre dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que o § 7, n.o 1, ponto 2, da Heilmittelwerbegesetz (Lei relativa à publicidade no setor da saúde) proíbe as dotações em dinheiro, como os descontos e as bonificações, bem como os brindes publicitários para medicamentos sujeitos a receita médica.

Factos no processo principal e questões prejudiciais

9

A DPV é uma organização de autoajuda cujo objetivo é melhorar as condições de vida dos doentes de Parkinson e das suas famílias. Por carta de julho de 2009 que anunciava uma colaboração entre a DPV e a farmácia neerlandesa de venda por correspondência DocMorris, a DPV apresentava aos seus associados um sistema de bónus que prevê diversas bonificações para os seus associados na compra à DocMorris de medicamentos para a doença de Parkinson, sujeitos a receita médica, e que apenas podem ser vendidos nas farmácias (a seguir «sistema de bónus»).

10

A ZBUW considera, designadamente, que o sistema de bónus viola a regulamentação alemã que prevê a fixação de um preço uniforme de fornecimento, pelas farmácias, de medicamentos sujeitos a receita médica.

11

Resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que o Landgericht Düsseldorf (Tribunal Regional de Düsseldorf, Alemanha) julgou procedente a ação intentada pela ZBUW e proibiu a DPV de recomendar o sistema de bónus de forma análoga à utilizada através da carta enviada em julho de 2009. A DPV interpôs recurso do acórdão do Landgericht Düsseldorf (Tribunal Regional de Düsseldorf) para o órgão jurisdicional de reenvio.

12

Este órgão jurisdicional salienta que o sistema de bónus viola as disposições nacionais pertinentes não apenas quando um farmacêutico fornece um medicamento cujo preço é imposto a um preço diferente do que deve ser faturado segundo o Regulamento relativo ao preço dos medicamentos, mas igualmente quando, paralelamente à aquisição do medicamento ao preço imposto, são concedidas vantagens ao cliente que fazem com que a compra seja para ele economicamente mais vantajosa.

13

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se quanto à questão de saber se, numa situação como a do caso em apreço, o § 78, n.o 1, da Lei relativa aos medicamentos, quer na sua versão inicial quer na versão alterada, constitui uma restrição proibida por força do artigo 34.o TFUE.

14

No caso de os requisitos previstos nesse artigo estarem preenchidos, o Oberlandesgericht Düsseldorf (Tribunal Regional Superior de Düsseldorf, Alemanha) questiona‑se se a fixação de preços impostos pode ser justificada nos termos do artigo 36.o TFUE por motivos de proteção da saúde e da vida das pessoas. Segundo este órgão jurisdicional, a análise da existência de uma justificação suscita, em especial, a questão de saber se a recente possibilidade dada às populações rurais de se abastecerem de medicamentos através da venda por correspondência é suscetível pelo menos de relativizar a jurisprudência do Tribunal de Justiça resultante, designadamente, do acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Sokoll‑Seebacher (C‑367/12, EU:C:2014:68).

15

O órgão jurisdicional de reenvio entende que a apreciação da questão de saber se apenas a fixação de preços impostos para os medicamentos sujeitos a receita assegura um aprovisionamento uniforme da população suscetível de cobrir todo o território em medicamentos sujeitos a receita médica é muito provavelmente determinante para a solução do litígio no processo principal. Este órgão jurisdicional salienta que, até à data, a ZBUW não apresentou uma argumentação concreta quanto a este ponto nem elementos que sustentem tal argumentação. A exposição de motivos da regulamentação nacional limita‑se também a uma mera alusão aos supostos riscos que o sistema de preços impostos em causa no processo principal visa combater.

16

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio tem, além disso, dúvidas quanto à questão de saber se, em face da possibilidade de um fornecimento por correspondência, haveria, sendo caso disso, que tolerar eventuais ameaças para as farmácias tradicionais, designadamente nas zonas rurais.

17

Apesar que serem avançados outros fundamentos na exposição de motivos da Lei de 19 de outubro de 2012, o órgão jurisdicional de reenvio considera, à partida, que não constituem uma justificação suficiente para restringir a livre circulação de mercadorias.

18

Nestas condições, o Oberlandesgericht Düsseldorf (Tribunal Regional Superior de Düsseldorf) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 34.o TFUE ser interpretado no sentido de que o preço imposto pela legislação nacional em relação aos medicamentos sujeitos a receita médica constitui uma medida de efeito equivalente na aceção do artigo 34.o TFUE?

2)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:

Pode a imposição de um preço [para os] medicamentos sujeitos a receita médica ser justificada nos termos do artigo 36.o TFUE pela proteção da saúde e da vida das pessoas, quando só através do preço imposto se possa garantir em toda a Alemanha o aprovisionamento regular em medicamentos da população, que abranja o conjunto do território, em especial as zonas rurais?

3)

Em caso de resposta afirmativa […] igualmente à segunda questão:

Quais as exigências que a declaração judicial deve cumprir a fim de poder concluir que a circunstância referida na segunda parte da segunda questão se verifica de facto?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

19

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 34.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a fixação de preços uniformes para a venda pelas farmácias de medicamentos para uso humano sujeitos a receita médica, constitui uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação na aceção desse artigo.

20

A título liminar, importa recordar que a livre circulação de mercadorias é um princípio fundamental do Tratado FUE que encontra a sua expressão na proibição, enunciada no artigo 34.o TFUE, das restrições quantitativas à importação entre os Estados‑Membros, bem como de quaisquer medidas de efeito equivalente (acórdão de 5 de junho de 2007, Rosengren e o., C‑170/04, Colet., p. I‑313, n.o 31).

21

No processo principal, é pacífico que o regime de preços impostos é aplicável tanto às farmácias com sede na Alemanha como às que têm sede noutros Estados‑Membros. Por conseguinte, há que analisar se esse regime pode ser qualificado de «medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa», na aceção do artigo 34.o TFUE.

22

A este respeito, há que recordar a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça segundo a qual a proibição, estabelecida no artigo 34.o TFUE, de medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas visa qualquer medida dos Estados‑Membros suscetível de colocar entraves, direta ou indiretamente, atual ou potencialmente, às importações entre os Estados‑Membros (v. acórdão de 9 de setembro de 2008, Comissão/Alemanha, C‑141/07, EU:C:2008:492, n.o 28 e jurisprudência referida).

23

O Tribunal de Justiça declarou igualmente, em relação a uma proibição imposta pelo direito alemão de vender por correspondência medicamentos cuja venda está reservada exclusivamente às farmácias no Estado‑Membro em causa, que tal proibição prejudica mais fortemente as farmácias situadas fora da Alemanha do que as situadas no território alemão. Se, para estas últimas, é pouco contestável que tal proibição as priva de um meio suplementar ou alternativo de atingir o mercado alemão dos consumidores finais de medicamentos, não é menos verdade que conservam a possibilidade de vender os medicamentos nos seus estabelecimentos. Em contrapartida, a Internet é, para as farmácias que não estão estabelecidas no território alemão, um meio mais importante de atingir diretamente o referido mercado. Uma proibição que afeta sobretudo as farmácias situadas fora da Alemanha poderia ser suscetível de prejudicar mais fortemente o acesso ao mercado dos produtos provenientes de outros Estados‑Membros do que o dos produtos nacionais e constitui, por isso, uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa, na aceção do artigo 34.o TFUE (v., neste sentido, acórdão de 11 de dezembro de 2003, Deutscher Apothekerverband, C‑322/01, EU:C:2003:664, n.os 74 a 76).

24

No caso em apreço, há que concluir que, como a ZBUW e os Governos alemão e sueco sublinharam, graças ao pessoal que emprega, as farmácias tradicionais estão em melhores condições do que as farmácias por correspondência para prestar aos pacientes conselhos individuais e assegurar um aprovisionamento em medicamentos em caso de urgência. Na medida em que as farmácias por correspondência não podem, dada sua oferta restrita de serviços, substituir de forma adequada tais serviços, importa considerar que a concorrência pelos preços é suscetível de representar um parâmetro concorrencial mais importante para estas últimas do que para as farmácias tradicionais, uma vez que este parâmetro condiciona a sua possibilidade de acederem diretamente ao mercado alemão e de continuarem a ser competitivas neste.

25

Por conseguinte, e uma vez que a venda por correspondência constitui um meio mais importante, ou até, eventualmente, o único meio, tendo em conta as características particulares do mercado alemão conforme resultam dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça, para as farmácias estabelecidas noutros Estados‑Membros do que para as farmácias estabelecidas na Alemanha de acederem diretamente a esse mercado, a regulamentação nacional em causa no processo principal não afeta da mesma forma a venda dos medicamentos nacionais e dos medicamentos provenientes de outros Estados‑Membros.

26

Tendo em conta o exposto, há que concluir que a imposição de preços de venda uniformes, como prevista pela regulamentação alemã, afeta mais fortemente as farmácias estabelecidas num Estado‑Membro diferente da República Federal da Alemanha do que as farmácias com sede no território alemão, o que poderia ser suscetível de prejudicar mais o acesso ao mercado dos produtos provenientes de outros Estados‑Membros do que o dos produtos nacionais.

27

Por conseguinte, há que responder à primeira questão submetida que o artigo 34.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a fixação de preços uniformes para a venda pelas farmácias de medicamentos para uso humano sujeitos a receita médica, constitui uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação na aceção desse artigo, uma vez que essa regulamentação afeta mais fortemente a venda de medicamentos sujeitos a receita médica por farmácias estabelecidas noutros Estados‑Membros do que a venda desses medicamentos por farmácias estabelecidas no território nacional.

Quanto às segunda e terceira questões

28

Através das suas segunda e terceira questões, que importa analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 36.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a fixação de preços uniformes para a venda pelas farmácias de medicamentos para uso humano sujeitos a receita médica, pode ser justificada para efeitos da proteção da saúde e da vida das pessoas, na aceção deste artigo.

29

A título liminar, há que recordar a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça segundo a qual o artigo 36.o TFUE, enquanto exceção à regra da livre circulação de mercadorias no interior da União, é de interpretação estrita (v., neste sentido, acórdãos de 10 de janeiro de 1985, Association des Centres distributeurs Leclerc e Thouars Distribution, 229/83, EU:C:1985:1, n.o 30; de 11 de setembro de 2008, Comissão/Alemanha, C‑141/07, EU:C:2008:492, n.o 50; e de 9 de dezembro de 2010, Humanplasma, C‑421/09, EU:C:2010:760, n.o 38).

30

Tratando‑se de uma medida nacional no domínio da saúde pública, o Tribunal de Justiça já declarou diversas vezes que a saúde e a vida das pessoas ocupam o primeiro lugar entre os bens e interesses protegidos pelo Tratado e que cabe aos Estados‑Membros decidir o nível a que pretendem assegurar a proteção da saúde pública, bem como o modo como esse nível deve ser alcançado. Dado que tal nível pode variar de um Estado‑Membro para outro, há que reconhecer aos Estados‑Membros uma margem de apreciação (v. acórdão de 12 de novembro de 2015, Visnapuu, C‑198/14, EU:C:2015:751, n.o 118 e jurisprudência referida).

31

Em especial, a necessidade de assegurar o aprovisionamento estável do país para fins médicos essenciais é suscetível de justificar, à luz do artigo 36.o TFUE, um entrave às trocas entre os Estados‑Membros, na medida em que esse objetivo tem em vista a proteção da saúde e da vida das pessoas (v. acórdão de 28 de março de 1995, Evans Medical e Macfarlan Smith, C‑324/93, EU:C:1995:84, n.o 37).

32

Embora seja pacífico, no processo principal, que a venda por correspondência de medicamentos sujeitos a receita médica já não é proibida na Alemanha, a ZBUW e os Governos alemão e sueco alegam que o sistema de preços uniformes aplicável à venda de tais medicamentos é justificado a fim de assegurar junto da população alemã um aprovisionamento de medicamentos seguro e de qualidade.

33

Em especial, segundo o Governo alemão, o referido sistema visa assegurar que as farmácias por correspondência não se envolvem numa concorrência ruinosa através dos preços, o que levaria ao desaparecimento de farmácias tradicionais, sobretudo nas zonas rurais ou pouco populosas que representam os locais de implantação menos atrativos para estas últimas. Este governo insiste no facto de que só essas farmácias podem assegurar um aprovisionamento seguro e de qualidade, sobretudo em caso de urgência, assim como conselhos individuais e um controlo eficaz dos medicamentos distribuídos.

34

Embora o objetivo de assegurar um aprovisionamento de medicamentos seguro e de qualidade em todo o território nacional esteja, em princípio, abrangido pelo artigo 36.o TFUE, não é menos verdade que uma regulamentação que é suscetível de restringir uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado, como a livre circulação de mercadorias, só pode ser validamente justificada se for adequada para garantir a realização do objetivo legítimo prosseguido e não ultrapassar o necessário para o alcançar (v., neste sentido, acórdãos de 9 de dezembro de 2010, Humanplasma, C‑421/09, EU:C:2010:760, n.o 34, e de 23 de dezembro de 2015, Scotch Whisky Association e o., C‑333/14, EU:C:2015:845, n.o 33).

35

Como o Tribunal já declarou, cabe às autoridades nacionais, no caso em apreço, produzir as provas necessárias para esse efeito. As razões justificativas suscetíveis de serem invocadas por um Estado‑Membro devem, por conseguinte, ser acompanhadas de uma análise da aptidão e da proporcionalidade da medida adotada por esse Estado, bem como de elementos precisos que permitam sustentar a sua argumentação (v., neste sentido, acórdão de 23 de dezembro de 2015, The Scotch Whisky Association e o., C‑333/14, EU:C:2015:845, n.o 54 e jurisprudência referida).

36

Daqui decorre que, quando examina uma regulamentação nacional à luz da justificação relativa à proteção da saúde e da vida das pessoas, na aceção do artigo 36.o TFUE, um órgão jurisdicional nacional deve examinar de maneira objetiva, com a ajuda de dados estatísticos, de dados limitados a certos pontos ou de outros meios, se os elementos de prova apresentados pelo Estado‑Membro em causa permitem razoavelmente considerar que os meios escolhidos são aptos para realizar os objetivos prosseguidos e se é possível alcançar esses objetivos através de medidas menos restritivas da livre circulação de mercadorias (v., neste sentido, acórdão de 23 de dezembro de 2015, The Scotch Whisky Association e o., C‑333/14, EU:C:2015:845, n.o 59).

37

No que diz respeito à aptidão da regulamentação nacional em causa no processo principal para alcançar os objetivos invocados, há que considerar que o argumento assente na necessidade de assegurar um aprovisionamento uniforme de medicamentos sujeitos a receita médica em todo o território alemão não é sustentado por nenhum elemento que satisfaça os requisitos precisados no n.o 35 do presente acórdão. Em especial, pelas afirmações de natureza geral que foram avançadas a este respeito no âmbito do presente processo, não ficou demonstrado, como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 51 das suas conclusões, em que medida o facto de impor preços uniformes para esses medicamentos permite assegurar uma melhor repartição geográfica das farmácias tradicionais na Alemanha.

38

Bem pelo contrário, certos elementos em que a Comissão se apoia tendem a sugerir que uma concorrência acrescida pelos preços entre as farmácias seria benéfica para o aprovisionamento uniforme em medicamentos, incitando à implantação de farmácias em regiões em que o escasso número de estabelecimentos permitiria a faturação de preços mais elevados.

39

Quanto ao argumento relativo a um aprovisionamento de qualidade de medicamentos sujeitos a receita médica, há que constatar que, contrariamente ao que o Governo alemão alega, nenhum elemento apresentado ao Tribunal é suscetível de demonstrar que, na falta de um regime como o que está em causa no processo principal, as farmácias por correspondência estariam em condições de se envolver numa concorrência em termos de preços de tal modo que serviços essenciais, como os cuidados urgentes, já não poderiam ser garantidos na Alemanha em razão da diminuição consequente dos estabelecimentos de farmácia. A este respeito, importa recordar os parâmetros de concorrência para além do preço, como referido no n.o 24 do presente acórdão, que poderiam eventualmente permitir às farmácias tradicionais continuarem a ser competitivas no mercado alemão quando confrontadas com a concorrência que constitui a venda por correspondência.

40

De igual modo, os elementos apresentados ao Tribunal de Justiça no âmbito do presente acórdão não bastam para demonstrar que uma concorrência através dos preços dos medicamentos sujeitos a receita teria uma influência negativa na realização de certas atividades de interesse geral, por parte das farmácias tradicionais, como é o caso do fabrico de medicamentos sob receita ou a manutenção de um certo stock e de uma certa variedade de medicamentos. Pelo contrário, como, em substância, salientou o advogado‑geral no n.o 47 das suas conclusões, poderia acontecer que, face a uma concorrência através dos preços por parte das farmácias por correspondência, as farmácias tradicionais fossem incitadas a desenvolver essas atividades.

41

Também não está demonstrada, em conformidade com os requisitos especificados no n.o 35 do presente acórdão, a alegada relação entre os preços de venda impostos e uma redução consequente do risco que os pacientes tentem exercer pressão sobre os médicos a fim de obter receitas a pedido.

42

No que diz respeito à tese avançada pela ZBUW e pelo Governo alemão segundo a qual o paciente, num estado de saúde enfraquecido, não devia ser obrigado a proceder a uma análise de mercado para determinar a farmácia que disponibiliza o medicamento pretendido ao preço mais favorável, importa recordar que a existência de um risco real para a saúde humana deve ser medido não à luz de considerações de ordem geral, mas com base em pesquisas científicas pertinentes (v., neste sentido, acórdão de 14 de julho de 1994, van der Veldt, C‑17/93, EU:C:1994:299, n.o 17). Ora, as considerações demasiado genéricas tecidas a este respeito não bastam de modo algum para demonstrar o verdadeiro risco para a saúde humana que representaria a possibilidade de o consumidor obter medicamentos sujeitos a receita médica a um preço mais baixo.

43

Além disso, importa observar, a exemplo da DPV e do Governo neerlandês, que, no caso em apreço, uma concorrência pelos preços poderia ser suscetível de beneficiar o paciente, na medida em que permitiria, sendo caso disso, oferecer, na Alemanha, os medicamentos sujeitos a receita médica a preços mais favoráveis do que os atualmente impostos por esse Estado‑Membro. Com efeito, como o Tribunal já declarou, a proteção eficaz da saúde e da vida das pessoas exige, designadamente, que os medicamentos sejam vendidos a preços razoáveis (v. acórdão de 20 de maio de 1976, de Peijper, 104/75, EU:C:1976:67, n.o 25).

44

Por último, deve acrescentar‑se que o facto de existirem outras medidas nacionais, como a regra da exclusão dos não farmacêuticos do direito de deter e de explorar farmácias, que têm por objetivo, segundo os autos de que o Tribunal dispõe, um aprovisionamento seguro e de qualidade na Alemanha de medicamentos sujeitos a receita médica, não é pertinente para a apreciação do Tribunal sobre o regime de fixação de preços em causa no processo principal.

45

Tendo em conta as considerações precedentes, deve considerar‑se que uma restrição como a que resulta da regulamentação em causa no processo principal não se revela adequada para alcançar os objetivos invocados e, por conseguinte, não pode ser considerada justificada pela realização desses objetivos.

46

Em consequência, há que responder às segunda e terceira questões submetidas que o artigo 36.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a fixação de preços uniformes para a venda pelas farmácias de mediamentos para uso humano sujeitos a receita médica, não pode ser justificada para efeitos da proteção da saúde e da vida das pessoas, na aceção deste artigo, na medida em que esta regulamentação não é adequada para alcançar os objetivos prosseguidos.

Quanto às despesas

47

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

1)

O artigo 34.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a fixação de preços uniformes para a venda pelas farmácias de medicamentos para uso humano sujeitos a receita médica, constitui uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação, na aceção desse artigo, uma vez que essa regulamentação afeta mais fortemente a venda de medicamentos sujeitos a receita médica por farmácias estabelecidas noutros Estados‑Membros do que a venda desses medicamentos por farmácias estabelecidas no território nacional.

 

2)

O artigo 36.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a fixação de preços uniformes para a venda pelas farmácias de mediamentos para uso humano sujeitos a receita médica, não pode ser justificada para efeitos da proteção da saúde e da vida das pessoas, na aceção deste artigo, na medida em que esta regulamentação não é adequada para alcançar os objetivos prosseguidos.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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