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Document 62014CJ0554

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 8 de novembro de 2016.
Processo penal contra Atanas Ognyanov.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sofiyski gradski sad.
Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria penal — Decisão‑Quadro 2008/909/JAI — Artigo 17.° — Direito que rege a execução de uma condenação — Interpretação de uma regra nacional do Estado de execução que prevê a concessão de uma redução de pena em razão do trabalho prestado pela pessoa condenada durante a sua detenção no Estado de emissão — Efeitos jurídicos das decisões‑quadro — Obrigação de interpretação conforme.
Processo C-554/14.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:835

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

8 de novembro de 2016 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria penal — Decisão‑Quadro 2008/909/JAI — Artigo 17.o — Direito que rege a execução de uma condenação — Interpretação de uma regra nacional do Estado de execução que prevê a concessão de uma redução de pena em razão do trabalho prestado pela pessoa condenada durante a sua detenção no Estado de emissão — Efeitos jurídicos das decisões‑quadro — Obrigação de interpretação conforme»

No processo C‑554/14,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Sofiyski gradski sad (Tribunal da Cidade de Sófia, Bulgária), por decisão de 25 de novembro de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 3 de dezembro de 2014, completada em 15 de dezembro de 2014, no processo penal contra

Atanas Ognyanov

sendo interveniente:

Sofyiska gradska procuratura,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

composto por: K. Lenaerts, presidente, A. Tizzano, vice‑presidente, R. Silva de Lapuerta, M. Ilešič, J. L. da Cruz Vilaça e M. Berger (relatora), presidentes de secção, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev, C. Toader, M. Safjan, E. Jarašiūnas, C. G. Fernlund, C. Vajda, S. Rodin e F. Biltgen, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: M. Aleksejev, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 12 de janeiro de 2016,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Kemper, na qualidade de agentes,

em representação do Governo espanhol, por A. Rubio González, na qualidade de agente,

em representação do Governo neerlandês, por M. Bulterman e M. Gijzen, na qualidade de agentes,

em representação do Governo austríaco, por G. Eberhard, na qualidade de agente,

em representação do Governo do Reino Unido, por D. Blundell e L. Barfoot, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por R. Troosters, W. Bogensberger e V. Soloveytchik, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 3 de maio de 2016,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 17.o, n.os 1 e 2, da Decisão‑Quadro 2008/909/JAI do Conselho, de 27 de novembro de 2008, relativa à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sentenças em matéria penal que imponham penas ou outras medidas privativas de liberdade para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia (JO 2008, L 327, p. 27), conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009 (JO 2009, L 81, p. 24, a seguir «Decisão‑Quadro 2008/909»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um procedimento relativo ao reconhecimento de uma sentença em matéria penal e à execução, na Bulgária, de uma pena privativa da liberdade aplicada por um tribunal dinamarquês a Atanas Ognyanov.

Quadro jurídico

Direito da União

3

A Decisão‑Quadro 2008/909 substituiu, para a maioria dos Estados‑Membros, a partir de 5 de dezembro de 2011, as disposições correspondentes da Convenção do Conselho da Europa, de 21 de março de 1983, relativa à transferência de pessoas condenadas e o respetivo protocolo adicional de 18 de dezembro de 1997.

4

O considerando 5 dessa decisão‑quadro tem a seguinte redação:

«Os direitos processuais em processo penal são um elemento crucial para garantir a confiança recíproca entre os Estados‑Membros no âmbito da cooperação judiciária. As relações entre Estados‑Membros, que se caracterizam por uma especial confiança mútua nos respetivos sistemas jurídicos, permitem o reconhecimento pelo Estado de execução de decisões proferidas pelas autoridades do Estado de emissão. Por conseguinte, dever‑se‑á contemplar a hipótese de aprofundar a cooperação prevista nos instrumentos do Conselho da Europa relativos à execução das sentenças em matéria penal, em particular quando cidadãos da União tiverem sido sujeitos a uma sentença penal e condenados a uma pena de prisão ou outra medida privativa de liberdade noutro Estado‑Membro. [[…]]»

5

O artigo 3.o da referida decisão‑quadro, sob a epígrafe «Objetivo e âmbito de aplicação», dispõe:

«1.   A presente decisão‑quadro tem por objetivo estabelecer as regras segundo as quais um Estado‑Membro, tendo em vista facilitar a reinserção social da pessoa condenada, reconhece uma sentença e executa a condenação imposta.

[[…]]

3.   A presente decisão‑quadro aplica‑se apenas ao reconhecimento de sentenças e à execução de condenações, na aceção da presente decisão‑quadro. [[…]]

[[…]]»

6

Nos termos do artigo 8.o da Decisão‑Quadro 2008/909, sob a epígrafe «Reconhecimento da sentença e execução da condenação»:

«1.   A autoridade competente do Estado de execução deve reconhecer a sentença enviada [[…]] e tomar imediatamente todas as medidas necessárias à execução da condenação, exceto se a autoridade competente decidir invocar um dos motivos de recusa do reconhecimento e da execução previstos no artigo 9.o

2.   Caso a duração da condenação seja incompatível com a legislação nacional do Estado de execução, a autoridade competente do Estado de execução só pode adaptá‑la se essa condenação exceder a pena máxima prevista na sua legislação nacional para infrações semelhantes. A condenação adaptada não pode ser inferior à pena máxima prevista na legislação nacional do Estado de execução para infrações semelhantes.

3.   Caso a natureza da condenação seja incompatível com a legislação nacional do Estado de execução, a autoridade competente desse Estado pode adaptá‑la à pena ou medida prevista na sua legislação nacional para infrações semelhantes. Essa pena ou medida deve corresponder tão exatamente quanto possível à condenação imposta no Estado de emissão, o que significa, por conseguinte, que a condenação não pode ser convertida em sanção pecuniária.

4.   A condenação adaptada não pode agravar, pela sua natureza ou duração, a condenação imposta no Estado de emissão.»

7

O artigo 10.o dessa decisão‑quadro, intitulado «Reconhecimento e execução parciais», dispõe, no seu n.o 1:

«Se a autoridade competente do Estado de execução estiver disposta a reconhecer a sentença e executar parcialmente a condenação, pode, antes de decidir recusar o reconhecimento da sentença e executar a condenação no seu todo, consultar a autoridade competente do Estado de emissão a fim de chegarem a acordo [[…]]»

8

O artigo 13.o da referida decisão‑quadro dispõe:

«Enquanto a execução da condenação não tiver sido iniciada no Estado de execução, o Estado de emissão pode retirar a certidão junto desse Estado, devendo apresentar uma justificação. Uma vez retirada a certidão, o Estado de execução deixa de poder executar a condenação.»

9

Nos termos do artigo 17.o da Decisão‑Quadro 2008/909, sob a epígrafe «Lei aplicável à execução»:

«1.   A execução de uma condenação é regida pela legislação nacional do Estado de execução. As autoridades do Estado de execução têm competência exclusiva para, sob reserva do disposto nos n.os 2 e 3, decidir das regras de execução e estabelecer todas as medidas com ela relacionadas, nomeadamente no que se refere às condições aplicáveis à libertação antecipada ou à liberdade condicional.

2.   A autoridade competente do Estado de execução deduz a totalidade do período de privação de liberdade já cumprido no âmbito da condenação a respeito da qual foi proferida a sentença da duração total da pena de privação de liberdade a cumprir.

3.   Se solicitada, a autoridade competente do Estado de execução informa a autoridade competente do Estado de emissão sobre as disposições aplicáveis em matéria de uma eventual libertação antecipada ou liberdade condicional. O Estado de emissão pode aceitar a aplicação de tais disposições ou retirar a certidão.

4.   Os Estados‑Membros podem prever que qualquer decisão em matéria de libertação antecipada ou de liberdade condicional possa ter igualmente em conta as disposições da legislação nacional indicadas pelo Estado de emissão, ao abrigo das quais a pessoa tem direito a libertação antecipada ou a liberdade condicional em determinado momento.»

10

A sentença proferida pelo Estado de emissão e transmitida ao Estado de execução deve ser acompanhada de uma certidão. No anexo I da Decisão‑Quadro 2008/909 figura um formulário‑tipo dessa certidão.

11

O ponto i 2. desse formulário‑tipo respeita às «[i]ndicações relativas à duração da pena». Assim, o Estado de emissão deve fornecer dados relativos, em primeiro lugar, à duração total da pena, em dias (ponto i 2.1. do certificado), em segundo lugar, à totalidade do período de privação de liberdade já cumprido no âmbito da condenação a respeito da qual foi emitida a sentença, em dias (ponto i 2.2. desse certificado) e, em terceiro lugar, o número de dias a deduzir da totalidade da pena, por motivos diferentes do indicado no ponto 2.2. (ponto i 2.3. do certificado).

Direito búlgaro

12

Resulta da decisão de reenvio que, à data da mesma, a Decisão‑Quadro 2008/909 ainda não tinha sido transposta para o direito búlgaro.

13

Nos termos do artigo 41.o, n.o 3, do Nakazatelen Kodeks (Código Penal):

«O trabalho prestado pela pessoa condenada é tomado em conta para efeitos de redução da duração da pena, considerando‑se que dois dias de trabalho equivalem a três dias de privação da liberdade.»

14

O artigo 457.o, n.os 4 a 6, do Nakazatelno protsesualen kodeks (Código Processual Penal, a seguir «NPK»), relativo às questões de execução da pena no âmbito da transferência de pessoas condenadas, prevê:

«4.   Se a duração máxima da pena de privação da liberdade prevista pelo direito búlgaro para a infração penal cometida for inferior à duração fixada na sentença, o tribunal reduz a pena para essa duração. Se o direito búlgaro não previr a privação da liberdade para a infração penal cometida, o tribunal aplica uma pena que corresponda tanto quanto possível à condenação imposta na sentença.

5.   O período de prisão preventiva e da pena já cumprida no Estado de condenação são deduzidos e — se as condenações forem diferentes — tomados em consideração na determinação da duração da pena.

6.   As penas complementares impostas na sentença devem ser executadas se estiverem previstas nas disposições correspondentes do direito búlgaro e se não tiverem sido executadas no Estado de condenação.»

15

Em conformidade com o acórdão interpretativo n.o 3/13, de 12 de novembro de 2013 (a seguir «acórdão interpretativo»), proferido pelo Varhoven kasatsionen sad (Supremo Tribunal de Cassação, Bulgária), o artigo 457.o, n.o 5, do NPK, lido em conjugação com o artigo 41.o, n.o 3, do Código Penal, deve ser interpretado no sentido de que o trabalho de interesse geral prestado, no Estado de condenação, pelo condenado búlgaro transferido deve ser tido em conta pela autoridade competente do Estado de execução tendo em vista a redução da pena, no sentido de que dois dias de trabalho equivalem a três dias de privação da liberdade, exceto se o Estado de condenação já tiver consequentemente reduzido a referida pena.

16

No seu pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio especifica que está vinculado por esse acórdão interpretativo.

17

O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que nem a lei nem o referido acórdão interpretativo fazem referência a um dever de informar o Estado de emissão ou de recolher as suas observações e o seu consentimento quanto à aplicação de tal redução de pena por parte das autoridades búlgaras competentes.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

18

Por sentença de 28 de novembro de 2012, A. Ognyanov, nacional búlgaro, foi condenado numa pena única de prisão de quinze anos por homicídio e roubo qualificado pelo Retten i Glostrup (Tribunal de Glostrup, Dinamarca).

19

A. Ognyanov começou por ficar em prisão preventiva na Dinamarca, entre 10 de janeiro e 28 de novembro de 2012, data em que a sentença condenatória proferida contra si transitou em julgado.

20

Cumpriu então uma parte da pena privativa de liberdade na Dinamarca, entre 28 de novembro de 2012 e 1 de outubro de 2013, data em que foi entregue às autoridades búlgaras.

21

Durante a sua detenção na Dinamarca, A. Ognyanov trabalhou de 23 de janeiro de 2012 a 30 de setembro de 2013.

22

Resulta da decisão de reenvio que, para efeitos da entrega de A. Ognyanov às autoridades búlgaras, as autoridades dinamarquesas basearam‑se na Decisão‑Quadro 2008/909. Estas últimas remeteram às autoridades búlgaras um pedido de informação relativo à pena que previam executar e as regras relativas à libertação antecipada aplicáveis na Bulgária. Além disso, indicaram expressamente que a lei dinamarquesa não permitia a redução da pena privativa de liberdade em consequência da prestação de trabalho durante o cumprimento dessa pena.

23

Numa data não especificada na decisão de reenvio, o Sofiyska gradska prokuratura (Ministério Público da cidade de Sófia, Bulgária) pediu ao órgão jurisdicional de reenvio que se pronunciasse, nos termos do artigo 457.o do NPK, sobre as questões relacionadas com a execução da sentença do tribunal dinamarquês contra A. Ognyanov.

24

Face à solução adotada no acórdão interpretativo, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se, para determinar a duração da pena ainda por cumprir por A. Ognyanov, deve ter em conta o período durante o qual este último trabalhou numa prisão dinamarquesa. Se assim fosse, o interessado beneficiaria de uma redução de pena não de um ano, oito meses e vinte dias, mas de dois anos, seis meses e vinte e quatro dias, o que lhe permitiria ser libertado antecipadamente. Esse órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que a Decisão‑Quadro 2008/909 não prevê essa redução de pena.

25

O órgão jurisdicional de reenvio expõe, na sua decisão, as razões que o levam a concluir pela não conformidade do direito búlgaro com as disposições pertinentes da Decisão‑Quadro 2008/909.

26

Com efeito, esse órgão jurisdicional considera, em primeiro lugar, que o artigo 17.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2008/909 habilita as autoridades competentes do Estado de execução para decidir o modo como uma pena privativa de liberdade «será» executada, mas não lhe dá competência para apreciar novamente a pena já cumprida no Estado de emissão. Assim, segundo o referido órgão jurisdicional, as autoridades competentes do Estado de execução não podem conceder uma redução da pena a cumprir devido à prestação de trabalho num estabelecimento prisional do Estado de emissão.

27

O órgão jurisdicional de reenvio considera, em segundo lugar, que o artigo 17.o, n.o 2, da Decisão‑Quadro 2008/909 obriga o Estado de execução a deduzir integralmente a pena privativa de liberdade já cumprida pela pessoa condenada no Estado de emissão na data da transferência e que tal objetivo não pode ser alcançado se as autoridades competentes do referido Estado de execução procederem a uma dedução de um período mais curto ou mais longo do que a pena executada em conformidade com o direito do Estado de emissão. Assim, segundo aquele, a dedução de um período mais longo do que o da privação de liberdade efetiva seria contrária a essa disposição.

28

Por outro lado, segundo o referido órgão jurisdicional, as duas outras disposições da Decisão‑Quadro 2008/909 que preveem uma possibilidade de redução da pena, a saber, o artigo 8.o, n.o 2, e o artigo 10.o, n.o 1, desta são manifestamente inaplicáveis no processo que lhe cabe apreciar.

29

Foi nestas condições que o Sofiyski gradski sad (Tribunal da cidade de Sófia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

As normas da Decisão‑Quadro 2008/909 permitem que o Estado de execução, no decurso do procedimento de transferência do condenado, reduza a duração da pena de ‘privação da liberdade’ aplicada pelo Estado de emissão, com fundamento no trabalho prestado durante o cumprimento dessa pena no Estado de emissão, nos seguintes termos:

a)

A redução da pena resulta da aplicação do direito do Estado de execução à execução da pena, nos termos do artigo 17.o, n.o 1, [da Decisão‑Quadro 2008/909]. Esta norma permite que o direito do Estado de execução relativo à execução da pena seja aplicado, logo no processo de transferência do condenado, a circunstâncias que se verificaram no período em que o condenado esteve sujeito à jurisdição do Estado de emissão (nomeadamente ao trabalho prestado durante a detenção no estabelecimento prisional do Estado de emissão)?

b)

A redução da pena é efetuada através da dedução prevista no artigo 17.o, n.o 2, da [Decisão‑Quadro]. Esta norma permite a dedução de um período que é superior ao período de prisão previsto no direito do Estado de emissão, quando é aplicado o direito do Estado de execução e, em consequência, são reapreciadas juridicamente as circunstâncias verificadas no Estado de emissão (nomeadamente o trabalho prestado no estabelecimento prisional do Estado de emissão)?

2)

Caso esta ou outra disposição da Decisão‑Quadro seja aplicável à redução da pena em causa, deve o Estado de emissão ser dela informado, se o tiver pedido expressamente, e deve o processo de transferência do condenado ser encerrado, em caso de recusa desse mesmo Estado? Caso se considere que o Estado de emissão deve ser informado, como se deve proceder a essa informação: informação geral e abstrata sobre o direito aplicável, ou informação sobre a redução concreta que o tribunal efetua no caso de um condenado concreto?

3)

Se o Tribunal de Justiça da União Europeia decidir que as normas do artigo 17.o, n.os 1 e 2, da Decisão‑Quadro [[…]] não admitem que o Estado de execução reduza a pena, com fundamento no seu direito interno (devido a trabalho prestado no Estado de emissão), a decisão do tribunal nacional de, não obstante, aplicar o seu direito nacional, por ser mais favorável do que o artigo 17.o dessa Decisão‑Quadro, está em consonância com o direito da União?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

30

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 17.o, n.os 1 e 2, da Decisão‑Quadro 2008/909 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regra nacional interpretada no sentido de que permite ao Estado de execução conceder à pessoa condenada uma redução da pena devido ao trabalho que prestou durante a sua detenção no Estado de emissão, quando as autoridades competentes deste último Estado, em conformidade com o seu direito, não concederam tal redução de pena.

31

Para responder a esta questão, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para interpretar uma disposição do direito da União há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação em que se integra (acórdão de 16 de julho de 2015, Lanigan, C‑237/15 PPU, EU:C:2015:474, n.o 35).

32

Quanto aos termos do artigo 17.o, n.os 1 e 2, da Decisão‑Quadro 2008/909, há que salientar que, embora o n.o 1 do referido artigo disponha que «a execução de uma condenação é regida pela legislação nacional do Estado de execução», não especifica, contudo, como o advogado‑geral salienta no n.o 63 das suas conclusões, se visa a execução da pena desde a prolação da sentença no Estado de emissão ou apenas a partir da transferência da pessoa condenada para o Estado de execução.

33

Por seu turno, o artigo 17.o, n.o 2, da Decisão‑Quadro 2008/909 dispõe que «[a] autoridade competente do Estado de execução deduz a totalidade do período de privação de liberdade já cumprido no âmbito da condenação a respeito da qual foi proferida a sentença da duração total da pena de privação de liberdade a cumprir». Esta disposição, que parte da premissa de que uma pessoa condenada é suscetível de cumprir uma parte da sua pena no Estado de emissão antes da sua transferência, não permite determinar se o Estado de execução pode aplicar uma redução de pena que tenha em conta o trabalho realizado pela pessoa condenada durante a sua detenção no Estado de emissão.

34

Importa, por isso, tomar em consideração o contexto do artigo 17.o da Decisão‑Quadro 2008/909. A este respeito, importa salientar que este artigo figura no capítulo II desta decisão‑quadro, intitulado «Reconhecimento de sentenças e execução de condenações». Este capítulo, composto pelo artigos 4.° a 25.°, enuncia uma sucessão de princípios segundo uma ordem cronológica.

35

Num primeiro momento, como refere o advogado‑geral no n.o 100 das suas conclusões, os artigos 4.° a 14.° da Decisão‑Quadro estabelecem as regras que os Estados‑Membros devem aplicar a fim de proceder à transferência da pessoa condenada. Assim, os artigos 4.° a 6.° desta decisão‑quadro contêm as regras relativas à transmissão da sentença e da certidão para o Estado de execução. Os artigos 7.° a 14.° da referida decisão‑quadro estabelecem, em seguida, os princípios aplicáveis à decisão de reconhecimento da sentença e à decisão de execução da condenação.

36

Em especial, o artigo 8.o desta mesma decisão‑quadro estabelece requisitos estritos para a adaptação, por parte da autoridade competente do Estado de execução, da condenação proferida no Estado de emissão, que constituem as únicas exceções à obrigação de princípio que impende sobre a referida autoridade de reconhecer a sentença que lhe foi transmitida e de executar a condenação cuja duração e natureza correspondem às previstas na sentença proferida nesse Estado de emissão.

37

Além disso, resulta do artigo 13.o da Decisão‑Quadro 2008/909 que o Estado de emissão continua a ser competente para a execução de uma pena enquanto «a execução da condenação não tiver sido iniciada no Estado de execução».

38

Num segundo momento, o artigo 15.o da Decisão‑Quadro 2008/909 estabelece as regras aplicáveis à transferência da pessoa condenada e o seu artigo 16.o prevê disposições específicas em caso de trânsito da pessoa condenada pelo território de outro Estado‑Membro.

39

O artigo 17.o da Decisão‑Quadro 2008/909 constitui a sequência das disposições que o antecedem, uma vez que estabelece os princípios aplicáveis à execução da condenação quando a pessoa condenada tenha sido transferida para a autoridade competente do Estado de execução.

40

Daqui decorre que o artigo 17.o da Decisão‑Quadro 2008/909 deve ser interpretado no sentido de que apenas é aplicável o direito do Estado de emissão, incluindo no que respeita à questão da eventual concessão de uma redução de pena, à parte da pena cumprida pela pessoa em causa no território do referido Estado até à sua transferência para o Estado de execução. O direito deste último Estado apenas se aplica à parte da pena que falta cumprir por essa pessoa, na sequência dessa transferência para o território do Estado de execução.

41

Esta interpretação resulta igualmente do modelo de certidão que figura no anexo I da Decisão‑Quadro 2008/909.

42

A este respeito, há que observar que esse modelo de certidão constitui um formulário‑tipo que deve ser completado pela autoridade competente do Estado de emissão, e posteriormente transmitido, com a sentença de condenação, à autoridade competente do Estado de execução. Em conformidade com o artigo 8.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2008/909, a autoridade competente do Estado de execução deve reconhecer a sentença de condenação com base nas informações indicadas, nessa certidão, pela autoridade competente do Estado de emissão.

43

Resulta do ponto i 2.2. do modelo de certidão, relativo às indicações a fornecer quanto à duração da pena, que o Estado de emissão deve indicar, em número de dias, a totalidade do período de privação de liberdade já cumprido no âmbito da condenação proferida em julgamento. No ponto i 2.3. desse modelo, o Estado de emissão deve indicar o número de dias a deduzir da totalidade da pena, por motivos diferentes do indicado no ponto i 2.2. do referido modelo. Uma lista não exaustiva desses «motivos diferentes» figura igualmente no ponto i 2.3. deste, entre os quais figuram o perdão ou medidas de clemência já concedidas em relação à condenação. Assim, como afirma o advogado‑geral no n.o 116 das conclusões, esse ponto i 2.3. permite ao Estado de emissão dar indicações suplementares quando circunstâncias particulares, como por exemplo o trabalho prestado pela pessoa condenada, já conduziram a uma redução da pena.

44

Decorre de todas as considerações precedentes que, antes do reconhecimento da sentença de condenação pelo Estado de execução e a transferência da pessoa condenada para esse último Estado, cabe ao Estado de emissão determinar as reduções de pena relativas ao período de detenção cumprido no seu território. Apenas este último é competente para conceder uma redução de pena pelo trabalho prestado antes da transferência e, se for caso disso, para indicar ao Estado de execução essa redução no certificado referido no artigo 4.o da Decisão‑Quadro 2008/909. Como tal, no que diz respeito à parte da pena já cumprida pela pessoa em causa no território do Estado de emissão, o Estado de execução não pode, de maneira retroativa, substituir o direito de execução de penas do Estado de emissão pelo seu próprio direito, em especial pela sua regulamentação relativa às reduções de pena.

45

No caso em apreço, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que, por ocasião da transferência de A. Ognyanov para as autoridades búlgaras competentes, as autoridades dinamarquesas indicaram expressamente que a lei dinamarquesa não permitia reduzir a pena privativa de liberdade devido ao trabalho prestado pela pessoa condenada durante a sua detenção. Por conseguinte, a autoridade competente, no Estado de execução, para as questões relativas à execução da pena, como o órgão jurisdicional de reenvio, não pode conceder uma redução de pena relativamente à parte da pena já cumprida pela pessoa condenada no território do Estado de emissão quando as autoridades desse último Estado, em conformidade com o seu direito nacional, não concederam tal redução da pena.

46

Por último, haveria o risco de uma interpretação contrária pôr em causa os objetivos prosseguidos pela Decisão‑Quadro 2008/909, entre os quais figura, designadamente, o respeito pelo princípio do reconhecimento mútuo, que constitui, em conformidade com o considerando 1 dessa decisão‑quadro, lido à luz do artigo 82.o, n.o 1, TFUE, a «pedra angular» da cooperação judiciária em matéria penal na União Europeia (v., neste sentido, acórdão de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru, C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.o 79).

47

A este respeito, o considerando 5 da Decisão‑Quadro 2008/909 sublinha que esta cooperação se baseia numa especial confiança mútua dos Estados‑Membros nos respetivos sistemas judiciários.

48

Ora, o facto de um órgão jurisdicional nacional do Estado de execução conceder, em conformidade com o seu direito nacional, após ter reconhecido a sentença de condenação proferida por um órgão jurisdicional do Estado de emissão e uma vez a pessoa condenada transferida para as autoridades do Estado de execução, uma redução da pena em relação à parte da pena já cumprida por essa pessoa no território do Estado de emissão, quando as autoridades competentes desse último Estado, com base no seu direito nacional, não concederam tal redução de pena, comprometeria a especial confiança mútua dos Estados‑Membros nos respetivos sistemas judiciários.

49

Com efeito, em tal hipótese, o órgão jurisdicional nacional do Estado de execução aplicaria retroativamente o seu direito nacional à parte da pena cumprida no território sob a jurisdição do Estado de emissão. Procederia, assim, a um reexame do período de detenção cumprido no território do referido Estado, o que seria contrário ao princípio do reconhecimento mútuo.

50

Por outro lado, resulta do artigo 3.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2008/909 que o reconhecimento da sentença e a execução da condenação por um Estado‑Membro diferente do que proferiu a referida sentença visam facilitar a reinserção social da pessoa condenada. Como tal, a violação do princípio do reconhecimento mútuo poria igualmente em causa esse objetivo.

51

Face à totalidade dos elementos anteriores, há que responder à primeira questão que o artigo 17.o, n.os 1 e 2, da Decisão‑Quadro 2008/909 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regra nacional interpretada no sentido de que permite ao Estado de execução conceder à pessoa condenada uma redução de pena devido ao trabalho que prestou durante a sua detenção no Estado de emissão, quando as autoridades competentes deste último Estado, em conformidade com o seu direito, não tenham tal redução de pena.

Quanto à segunda questão

52

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se, na hipótese de o artigo 17.o da Decisão‑Quadro 2008/909 permitir à autoridade competente do Estado de execução aplicar uma redução de pena, como a que está em causa no processo principal, em relação à parte da pena já cumprida pela pessoa condenada no território do Estado de emissão, o Estado de execução estaria obrigado a informar o Estado de emissão, que fez um pedido expresso nesse sentido, relativamente a essa aplicação. Em caso de resposta afirmativa a esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se quanto à natureza das informações que deveriam nesse caso ser comunicadas.

53

Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que examinar a segunda questão.

Quanto à terceira questão

54

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um órgão jurisdicional nacional aplique uma regra nacional, como a que está em causa no processo principal, embora esta seja contrária ao artigo 17.o, n.os 1 e 2, da Decisão‑Quadro 2008/909, por essa regra nacional ser mais favorável do que a referida disposição do direito da União.

55

Importa começar por sublinhar que a evocação pelo órgão jurisdicional de reenvio do princípio da aplicação retroativa da lei penal mais favorável assenta na premissa segundo a qual o direito búlgaro — em particular as regras desse direito em matéria de redução de pena — é aplicável igualmente ao período de detenção cumprido por A. Ognyanov na Dinamarca antes da sua transferência para a Bulgária. Ora, como resulta da resposta dada à primeira questão, essa premissa está errada.

56

Clarificado este ponto, importa ainda salientar que, diversamente do que o órgão jurisdicional de reenvio e a Comissão Europeia parecem sugerir, a Decisão‑Quadro 2008/909 é desprovida de efeito direto. Com efeito, essa decisão‑quadro foi adotada com fundamento no antigo terceiro pilar da União, designadamente, em aplicação do artigo 34.o, n.o 2, alínea b), UE. Ora, esta disposição prevê, por um lado, que as decisões‑quadro vinculam os Estados‑Membros quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios e, por outro lado, que as decisões‑quadro não podem ter efeito direto.

57

A este respeito, cabe recordar que, em conformidade com o artigo 9.o do Protocolo (n.o 36) relativo às disposições transitórias, anexo aos Tratados, os efeitos jurídicos dos atos das instituições, órgãos e organismos da União adotados com base no Tratado UE antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa são preservados enquanto esses atos não forem revogados, anulados ou alterados em aplicação dos Tratados. Uma vez que a Decisão‑Quadro 2008/909 não foi objeto de tal revogação, anulação ou alteração, continua a produzir efeitos jurídicos em conformidade com o artigo 34.o, n.o 2, alínea b), UE.

58

É igualmente jurisprudência constante que, embora as decisões‑quadro não possam, nos termos do artigo 34.o, n.o 2, alínea b), UE, produzir efeito direto, o seu caráter vinculativo cria, não obstante, para as autoridades nacionais, em especial para os órgãos jurisdicionais nacionais, uma obrigação de interpretação conforme do direito nacional (acórdão de 5 de setembro de 2012, Lopes da Silva Jorge, C‑42/11, EU:C:2012:517, n.o 53 e jurisprudência referida).

59

Ao aplicar o direito interno, o órgão jurisdicional nacional chamado a proceder à sua interpretação é pois obrigado a fazê‑lo, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade da decisão‑quadro, a fim de alcançar o resultado por ela prosseguido. Esta obrigação de interpretação conforme do direito nacional é inerente ao sistema do Tratado FUE, na medida em que permite aos órgãos jurisdicionais nacionais assegurar, no âmbito das suas competências, a plena eficácia do direito da União quando decidem os litígios que lhes são submetidos (v. acórdão de 5 de setembro de 2012, Lopes da Silva Jorge, C‑42/11, EU:C:2012:517, n.o 54 e jurisprudência referida).

60

Além disso, resulta da decisão de reenvio que, à data em que foi tomada, a Decisão‑Quadro 2008/909 ainda não tinha sido transposta para o direito búlgaro, quando, em conformidade com o artigo 29.o dessa decisão‑quadro, tal transposição devia ter sido efetuada antes de 5 de dezembro de 2011.

61

A este respeito, há que salientar que o órgão jurisdicional de reenvio está obrigado ao respeito do princípio da interpretação conforme a partir do termo do prazo de transposição dessa decisão‑quadro (v., por analogia, acórdão de 4 de julho de 2006, Adeneler e o., C‑212/04, EU:C:2006:443, n.os 115 e 124).

62

No entanto, há que recordar que esse princípio de interpretação está sujeito a alguns limites.

63

Assim, a obrigação de o juiz nacional se referir ao conteúdo de uma decisão‑quadro quando interpreta e aplica as regras pertinentes do seu direito nacional está limitada pelos princípios gerais do direito, em especial pelos princípios da segurança jurídica e da não retroatividade (v. acórdãos de 16 de junho de 2005, Pupino, C‑105/03, EU:C:2005:386, n.o 44, e de 5 de setembro de 2012, Lopes da Silva Jorge, C‑42/11, EU:C:2012:517, n.o 55).

64

Estes princípios opõem‑se, nomeadamente, a que a referida obrigação possa ter como resultado determinar ou agravar, com base numa decisão‑quadro e independentemente de uma lei adotada para a sua execução, a responsabilidade penal de quem atua em violação das suas disposições (v. acórdão de 16 de junho de 2005, Pupino, C‑105/03, EU:C:2005:386, n.o 45).

65

Todavia, no caso em apreço, a obrigação de interpretação conforme significaria que A. Ognyanov não pode beneficiar, ao abrigo do direito búlgaro, de uma redução de pena devido ao trabalho cumprido durante o seu período de detenção na Dinamarca, que é, com efeito, da competência exclusiva deste último Estado‑Membro. Em contrapartida, não teria por consequência determinar ou agravar a responsabilidade penal de A. Ognyanov, nem de alterar, em detrimento deste último, a duração da condenação decorrente da sentença contra si proferida em 28 de novembro de 2012 pelo Retten i Glostrup (Tribunal de Glostrup).

66

A obrigação de interpretação conforme cessa igualmente quando o direito nacional não possa ser objeto de uma aplicação tal que conduza a um resultado compatível com o pretendido pela decisão‑quadro. Por outras palavras, o princípio de interpretação conforme não pode servir de fundamento a uma interpretação contra legem do direito nacional. No entanto, este princípio exige que o órgão jurisdicional nacional tome em consideração, sendo caso disso, o direito nacional no seu todo para apreciar em que medida este pode ser objeto de uma interpretação que não conduza a um resultado contrário ao pretendido pela decisão‑quadro (v. acórdãos de 16 de junho de 2005, Pupino, C‑105/03, EU:C:2005:386, n.o 47, e de 5 de setembro de 2012, Lopes Da Silva Jorge, C‑42/11, EU:C:2012:517, n.os 55 e 56).

67

Neste contexto, importa precisar que a exigência de interpretação conforme inclui a obrigação de os órgãos jurisdicionais nacionais, incluindo os tribunais superiores, alterarem, sendo caso disso, uma jurisprudência assente, caso esta se baseie numa interpretação do direito nacional incompatível com os objetivos de uma decisão‑quadro (v., por analogia, acórdãos de 19 de abril de 2016, DI, C‑441/14, EU:C:2016:278, n.o 33 e de 5 de julho de 2016, Ognyanov, C‑614/14, EU:C:2016:514, n.o 35).

68

No caso em apreço, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que a regra nacional em causa no processo principal, segundo a qual o trabalho de interesse geral cumprido, no Estado de emissão, pelo condenado búlgaro transferido, deve ser tido em conta pela autoridade competente do Estado de execução tendo em vista a redução da pena, decorre de uma interpretação do artigo 457.o, n.o 5, do NPK, lido em conjugação com o artigo 41.o, n.o 3, do Código Penal, adotada pelo Varhoven kasatsionen sad (Supremo Tribunal de Cassação) no seu acórdão interpretativo.

69

Como tal, no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio não pode validamente considerar que lhe é impossível interpretar a disposição nacional em causa em conformidade com o direito da União unicamente pelo facto de tal disposição ter sido interpretada, pelo Varhoven kasatsionen sad (Supremo Tribunal de Cassação), num sentido que não é compatível com este direito (v., neste sentido, acórdão de 19 de abril de 2016, DI, C‑441/14, EU:C:2016:278, n.o 34).

70

Nestas circunstâncias, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio garantir a plena eficácia da Decisão‑Quadro 2008/909, não aplicando, se necessário, por sua iniciativa, a interpretação seguida pelo Varhoven Kasatsionen sad (Supremo Tribunal de Cassação), dado que essa interpretação é incompatível com o direito da União (v., neste sentido, acórdão de 5 de julho de 2016, Ognyanov, C‑614/14, EU:C:2016:514, n.o 36).

71

Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder à terceira questão que o direito da União deve ser interpretado no sentido de que um órgão jurisdicional nacional deve tomar em consideração as regras do direito nacional no seu todo e interpretá‑las, na medida do possível, em conformidade com a Decisão‑Quadro 2008/909, a fim de alcançar o resultado visado por esta, deixando, se necessário, de aplicar, por sua iniciativa, a interpretação seguida pelo órgão jurisdicional nacional que decide em última instância, quando essa interpretação seja incompatível com o direito da União.

Quanto às despesas

72

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

1)

O artigo 17.o, n.os 1 e 2, da Decisão‑Quadro 2008/909/JAI do Conselho, de 27 de novembro de 2008, relativa à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sentenças em matéria penal que imponham penas ou outras medidas privativas de liberdade para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia, conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regra nacional interpretada no sentido de que permite ao Estado de execução conceder à pessoa condenada uma redução de pena devido ao trabalho que prestou durante a sua detenção no Estado de emissão, quando as autoridades competentes deste último Estado, em conformidade com o seu direito, não tenham concedido tal redução de pena.

 

2)

O direito da União deve ser interpretado no sentido de que um órgão jurisdicional nacional deve tomar em consideração as regras do direito nacional no seu todo e interpretá‑las, na medida do possível, em conformidade com a Decisão‑Quadro 2008/909, conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299, a fim de alcançar o resultado visado por esta, deixando, se necessário, de aplicar, por sua iniciativa, a interpretação seguida pelo órgão jurisdicional nacional que decide em última instância, quando essa interpretação seja incompatível com o direito da União.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: búlgaro.

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