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Document 62007CO0557

Despacho do Tribunal de Justiça (Oitava Secção) de 19 de Fevereiro de 2009.
LSG-Gesellschaft zur Wahrnehmung von Leistungsschutzrechten GmbH contra Tele2 Telecommunication GmbH.
Pedido de decisão prejudicial: Oberster Gerichtshof - Áustria.
Artigo 104.º, n.º 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça - Sociedade da informação - Direito de autor e direitos conexos - Conservação e divulgação de determinados dados relativos ao tráfego - Protecção da confidencialidade das comunicações electrónicas - Conceito de ‘intermediário’ na acepção do artigo 8.º, n.º 3, da Directiva 2001/29/CE.
Processo C-557/07.

European Court Reports 2009 I-01227

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2009:107

DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

19 de Fevereiro de 2009 ( *1 )

No processo C-557/07,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.o CE, apresentado pelo Oberster Gerichtshof (Áustria), por decisão de 13 de Novembro de 2007, entrado no Tribunal de Justiça em 14 de Dezembro de 2007, no processo

LSG-Gesellschaft zur Wahrnehmung von Leistungsschutzrechten GmbH

contra

Tele2 Telecommunication GmbH,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, G. Arestis e J. Malenovský (relator), juízes,

advogado-geral: Y. Bot,

secretário: R. Grass,

propondo-se o Tribunal de Justiça decidir da segunda questão por meio de despacho fundamentado, em conformidade com o artigo 104.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do seu Regulamento de Processo,

tendo o órgão jurisdicional de reenvio sido informado de que o Tribunal de Justiça se propõe decidir da primeira questão por meio de despacho fundamentado, em conformidade com o artigo 104.o, n.o 3, segundo parágrafo, do seu Regulamento de Processo,

tendo os interessados referidos no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça sido convidados a apresentar as suas observações a este respeito,

ouvido o advogado-geral,

profere o presente

Despacho

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação das Directivas 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO L 167, p. 10), 2002/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Julho de 2002, relativa ao tratamento de dados pessoais e à protecção da privacidade no sector das comunicações electrónicas (Directiva relativa à privacidade e às comunicações electrónicas) (JO L 201, p. 37), e 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual (JO L 157, p. 45).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a LSG-Gesellschaft zur Wahrnehmung von Leistungsschutzrechten GmbH (a seguir «LSG») à Tele2 Telecommunication GmbH (a seguir «Tele2»), relativamente à recusa desta última de lhe transmitir os nomes e endereços das pessoas a quem fornece acesso à Internet.

Quadro jurídico

Regulamentação comunitária

Disposições relativas à sociedade da informação e à protecção da propriedade intelectual, nomeadamente do direito de autor

— Directiva 2000/31/CE

3

Segundo o seu artigo 1.o, a Directiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2000, relativa a certos aspectos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio electrónico, no mercado interno («Directiva sobre o comércio electrónico») (JO L 178, p. 1), tem por objectivo contribuir para o correcto funcionamento do mercado interno, garantindo a livre circulação dos serviços da sociedade da informação entre Estados-Membros.

— Directiva 2001/29

4

O quinquagésimo nono considerando da Directiva 2001/29 enuncia:

«Nomeadamente no meio digital, os serviços de intermediários poderão ser cada vez mais utilizados por terceiros para a prática de violações. Esses intermediários encontram-se frequentemente em melhor posição para porem termo a tais actividades ilícitas. Por conseguinte, sem prejuízo de outras sanções e vias de recurso disponíveis, os titulares dos direitos deverão ter a possibilidade de solicitar uma injunção contra intermediários que veiculem numa rede actos de violação de terceiros contra obras ou outros materiais protegidos. Esta possibilidade deverá ser facultada mesmo nos casos em que os actos realizados pelos intermediários se encontrem isentos ao abrigo do artigo 5.o As condições e modalidades de tais injunções deverão ser regulamentadas nas legislações nacionais dos Estados-Membros.»

5

Segundo o artigo 1.o, n.o 1, da referida directiva, esta tem por objectivo a protecção jurídica do direito de autor e dos direitos conexos no âmbito do mercado interno, com especial ênfase na sociedade da informação.

6

O artigo 5.o da Directiva 2001/29, sob a epígrafe «Excepções e limitações», enuncia, no seu n.o 1:

«Os actos de reprodução temporária referidos no artigo 2.o, que sejam transitórios ou episódicos, que constituam parte integrante e essencial de um processo tecnológico e cujo único objectivo seja permitir:

a)

Uma transmissão numa rede entre terceiros por parte de um intermediário, ou

b)

Uma utilização legítima

de uma obra ou de outro material a realizar, e que não tenham, em si, significado económico, estão excluídos do direito de reprodução previsto no artigo 2.o»

7

Nos termos do artigo 8.o da mesma directiva, sob a epígrafe «Sanções e vias de recurso»:

«1.   Os Estados-Membros devem prever as sanções e vias de recurso adequadas para as violações dos direitos e obrigações previstas na presente directiva e tomar todas as medidas necessárias para assegurar a aplicação efectiva de tais sanções e vias de recurso. As sanções previstas devem ser eficazes, proporcionadas e dissuasivas.

2.   Os Estados-Membros tomarão todas as medidas necessárias para assegurar que os titulares dos direitos cujos interesses sejam afectados por uma violação praticada no seu território possam intentar uma acção de indemnização e/ou requerer uma injunção e, quando adequado, a apreensão do material ilícito, bem como dos dispositivos, produtos ou componentes referidos no n.o 2 do artigo 6.o

3.   Os Estados-Membros deverão garantir que os titulares dos direitos possam solicitar uma injunção contra intermediários cujos serviços sejam utilizados por terceiros para violar um direito de autor ou direitos conexos.»

— Directiva 2004/48

8

O artigo 8.o da Directiva 2004/48 tem a seguinte redacção:

«1.   Os Estados-Membros devem assegurar que, no contexto dos procedimentos relativos à violação de um direito de propriedade intelectual, e em resposta a um pedido justificado e razoável do queixoso, as autoridades judiciais competentes possam ordenar que as informações sobre a origem e as redes de distribuição dos bens ou serviços que violam um direito de propriedade intelectual sejam fornecidas pelo infractor e/ou por qualquer outra pessoa que:

a)

Tenha sido encontrada na posse de bens litigiosos à escala comercial;

b)

Tenha sido encontrada a utilizar serviços litigiosos à escala comercial;

c)

Tenha sido encontrada a prestar, à escala comercial, serviços utilizados em actividades litigiosas; ou

d)

Tenha sido indicada pela pessoa referida nas alíneas a), b) ou c) como tendo participado na produção, fabrico ou distribuição desses bens ou na prestação desses serviços.

2.   As informações referidas no n.o 1 incluem, se necessário:

a)

Os nomes e endereços dos produtores, fabricantes, distribuidores, fornecedores e outros possuidores anteriores dos bens ou serviços, bem como dos grossistas e dos retalhistas destinatários;

b)

Informações sobre as quantidades produzidas, fabricadas, entregues, recebidas ou encomendadas, bem como sobre o preço obtido pelos bens ou serviços em questão.

3.   Os n.os 1 e 2 são aplicáveis, sem prejuízo de outras disposições legislativas ou regulamentares que:

a)

Confiram ao titular direitos à informação mais extensos;

b)

Regulem a utilização em processos cíveis ou penais das informações comunicadas por força do presente artigo;

c)

Regulem a responsabilidade por abuso do direito à informação;

d)

Confiram a possibilidade de recusar o fornecimento de informações que possa obrigar a pessoa referida no n.o 1 a admitir a sua própria participação ou de familiares próximos na violação de um direito de propriedade intelectual; ou

e)

Regulem a protecção da confidencialidade das fontes de informação ou o tratamento dos dados pessoais.»

Disposições relativas à protecção dos dados pessoais

— Directiva 95/46/CE

9

O artigo 13.o, n.o 1, da Directiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (JO L 281, p. 31), dispõe, sob a epígrafe «Derrogações e restrições»:

«1.   Os Estados-Membros podem tomar medidas legislativas destinadas a restringir o alcance das obrigações e direitos referidos no n.o 1 do artigo 6.o, no artigo 10.o, no n.o 1 do artigo 11.o e nos artigos 12.o e 21.o, sempre que tal restrição constitua uma medida necessária à protecção:

a)

Da segurança do Estado;

b)

Da defesa;

c)

Da segurança pública;

d)

Da prevenção, investigação, detecção e repressão de infracções penais e de violações da deontologia das profissões regulamentadas;

e)

De um interesse económico ou financeiro importante de um Estado-Membro ou da União Europeia, incluindo nos domínios monetário, orçamental ou fiscal;

f)

De missões de controlo, de inspecção ou de regulamentação associadas, ainda que ocasionalmente, ao exercício da autoridade pública, nos casos referidos nas alíneas c), d) e e);

g)

De pessoa em causa ou dos direitos e liberdades de outrem.»

— Directiva 2002/58

10

O artigo 5.o, n.o 1, da Directiva 2002/58 prevê:

«Os Estados-Membros garantirão, através da sua legislação nacional, a confidencialidade das comunicações e respectivos dados de tráfego realizadas através de redes públicas de comunicações e de serviços de comunicações electrónicas publicamente disponíveis. Proibirão, nomeadamente, a escuta, a instalação de dispositivos de escuta, o armazenamento ou outras formas de intercepção ou vigilância de comunicações e dos respectivos dados de tráfego por pessoas que não os utilizadores, sem o consentimento dos utilizadores em causa, excepto quando legalmente autorizados a fazê-lo, de acordo com o disposto no n.o 1 do artigo 15.o O presente número não impede o armazenamento técnico que é necessário para o envio de uma comunicação, sem prejuízo do princípio da confidencialidade.»

11

O artigo 6.o da referida directiva dispõe:

«1.   Sem prejuízo do disposto nos n.os 2, 3 e 5 do presente artigo e no n.o 1 do artigo 15.o, os dados de tráfego relativos a assinantes e utilizadores tratados e armazenados pelo fornecedor de uma rede pública de comunicações ou de um serviço de comunicações electrónicas publicamente disponíveis devem ser eliminados ou tornados anónimos quando deixem de ser necessários para efeitos da transmissão da comunicação.

2.   Podem ser tratados dados de tráfego necessários para efeitos de facturação dos assinantes e de pagamento de interligações. O referido tratamento é lícito apenas até final do período durante o qual a factura pode ser legalmente contestada ou o pagamento reclamado.

3.   Para efeitos de comercialização dos serviços de comunicações electrónicas ou para o fornecimento de serviços de valor acrescentado, o prestador de um serviço de comunicações electrónicas publicamente disponível pode tratar os dados referidos no n.o 1 na medida do necessário e pelo tempo necessário para a prestação desses serviços ou dessa comercialização, se o assinante ou utilizador a quem os dados dizem respeito tiver dado o seu consentimento. Será dada a possibilidade aos utilizadores ou assinantes de retirarem a qualquer momento o seu consentimento para o tratamento dos dados de tráfego.

[…]

5.   O tratamento de dados de tráfego, em conformidade com o disposto nos n.os 1 a 4, será limitado ao pessoal que trabalha para os fornecedores de redes públicas de comunicações ou de serviços de comunicações electrónicas publicamente disponíveis encarregado da facturação ou da gestão do tráfego, das informações a clientes, da detecção de fraudes, da comercialização dos serviços de comunicações electrónicas publicamente disponíveis, ou da prestação de um serviço de valor acrescentado, devendo ser limitado ao necessário para efeitos das referidas actividades.

6.   Os n.os 1, 2, 3 e 5 são aplicáveis sem prejuízo da possibilidade de os organismos competentes serem informados dos dados de tráfego, nos termos da legislação aplicável, com vista à resolução de litígios, em especial os litígios relativos a interligações ou à facturação.»

12

Nos termos do artigo 15.o, n.o 1, da Directiva 2002/58:

«Os Estados-Membros podem adoptar medidas legislativas para restringir o âmbito dos direitos e obrigações previstos nos artigos 5.o e 6.o, nos n.os 1 a 4 do artigo 8.o e no artigo 9.o da presente directiva sempre que essas restrições constituam uma medida necessária, adequada e proporcionada numa sociedade democrática para salvaguardar a segurança nacional (ou seja, a segurança do Estado), a defesa, a segurança pública, e a prevenção, a investigação, a detecção e a repressão de infracções penais ou a utilização não autorizada do sistema de comunicações electrónicas, tal como referido no n.o 1 do artigo 13.o da Directiva 95/46/CE. Para o efeito, os Estados-Membros podem designadamente adoptar medidas legislativas prevendo que os dados sejam conservados durante um período limitado, pelas razões enunciadas no presente número. Todas as medidas referidas no presente número deverão ser conformes com os princípios gerais do direito comunitário, incluindo os mencionados nos n.os 1 e 2 do artigo 6.o do Tratado da União Europeia.»

Legislação nacional

13

O § 81 da Lei Federal relativa ao direito de autor sobre obras literárias e artísticas e direitos conexos (Bundesgesetz über das Urheberrecht an Werken der Literatur und der Kunst und über verwandte Schutzrechte), na sua redacção publicada no BGBl. I, 81/2006 (a seguir «UrhG»), dispõe:

«1)   Quem for lesado ou recear ser lesado num direito exclusivo conferido pela presente lei, pode requerer judicialmente a cessação do acto lesivo. O titular de uma empresa também pode ser accionado judicialmente se essa infracção tiver sido cometida, ou for potencialmente cometida, no âmbito da actividade da sua empresa, por um funcionário ou mandatário seu.

1 a)   Caso o infractor ou potencial infractor recorra ao serviço de um intermediário, também a este poderá ser judicialmente requerida […] a cessação da infracção.

[…]»

14

O § 87b, n.os 2 a 3, da UrhG tem a seguinte redacção:

«2)   Quem tenha sido lesado num direito exclusivo conferido pela presente lei, poderá exigir informações sobre a origem e as redes de distribuição dos bens e dos serviços violadores da lei, desde que tal não seja desproporcionado em relação à gravidade da infracção e não seja contrário a deveres de sigilo impostos por lei. São obrigados a prestar informações o infractor e as pessoas que, no exercício de uma actividade comercial:

1.

Tenham tido na sua posse bens que violam a lei;

2.

Tenham utilizado serviços que violam a lei;

3.

Tenham prestado serviços utilizados para violar a lei.

2 a)   O dever de informação, de acordo com o disposto no n.o 2, abrange, se necessário:

1.

Os nomes e os endereços dos produtores, distribuidores, fornecedores e possuidores anteriores dos bens e dos serviços, bem como dos grossistas e dos retalhistas destinatários;

2.

As quantidades de bens produzidas, entregues, recebidas ou encomendadas e o preço pago pelos bens ou serviços.

3)   Mediante pedido reduzido a escrito e devidamente fundamentado dos lesados, os intermediários, na acepção do § 81, n.o 1a, deverão disponibilizar-lhes as informações sobre a identidade do infractor (nome e endereço) ou os dados necessários para a sua identificação. Da fundamentação deverão constar sobretudo dados suficientemente concretos sobre os factos em que se baseia a suspeita de violação da lei. O lesado deve reembolsar o intermediário das despesas razoáveis suportadas para prestar essas informações.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15

A LSG é uma sociedade de gestão colectiva de direitos de autor. Enquanto fiel depositária, defende os direitos dos produtores de fonogramas sobre as suas gravações produzidas a nível mundial, bem como os direitos dos artistas executantes sobre as suas execuções na Áustria. Esses direitos são, nomeadamente, os direitos à reprodução e à distribuição e o direito à disponibilização pública.

16

A Tele2 é um fornecedor de acesso à Internet que atribui aos seus clientes um endereço IP («Internet Protocol»), na maioria das vezes dinâmico. A partir deste e do período ou data precisos para que esse endereço foi atribuído, a Tele2 pode identificar um cliente.

17

Devido à instalação de sistemas de partilhas de ficheiros, que permitem aos participantes trocar cópias de dados armazenados, os titulares de direitos que a LSG representa sofrem um prejuízo financeiro. Para poder propor uma acção cível contra os infractores, a LSG requereu judicialmente que fosse dada ordem à Tele2 para lhe transmitir os nomes e dados das pessoas a que esta última fornecera serviços de acesso à Internet e de que se conhecem o endereço IP e o dia e hora da ligação. Por seu lado, a Tele2 entendia que o pedido de informações devia ser julgado improcedente. Sustentava que não é um intermediário e que não estava obrigada a armazenar os dados relativos ao acesso.

18

Por sentença de 21 de Junho de 2006, o Handelsgericht Wien julgou procedente o pedido da LSG, por considerar que a Tele2, enquanto fornecedora de acesso à Internet, é um intermediário na acepção do § 81, n.o 1a, da UrhG e, nessa qualidade, é obrigada a prestar as informações previstas no § 87b, n.o 3, da UrhG.

19

Resulta da decisão de reenvio que, em sede de recurso, o Oberlandesgericht Wien confirmou a sentença do Tribunal de Primeira Instância, por acórdão de 12 de Abril de 2007, que foi alvo de recurso de «Revision» para o Oberster Gerichtshof.

20

No âmbito deste recurso, a Tele2 sustenta, por um lado, que não é intermediária na acepção do § 81, n.o 1a, da UrhG e do artigo 8.o, n.o 3, da Directiva 2001/29, pois, como fornecedora do acesso à Internet, faculta realmente ao utilizador o acesso à rede, mas não exerce qualquer controlo, de direito ou de facto, sobre os serviços utilizados por este último. Por outro, o conflito existente entre o direito à informação, que a protecção do direito de autor implica, e os limites à conservação e transmissão de dados pessoais impostos pelo direito da protecção de dados foi resolvido por directivas comunitárias a favor da protecção de dados.

21

O Oberster Gerichtshof entende que as conclusões do advogado-geral no processo que deu origem ao acórdão de 29 de Janeiro de 2008, Promusicae (C-275/06, Colect., p. I-271), proferido após o presente reenvio prejudicial, suscitam dúvidas quanto à questão de saber se o direito à informação consagrado no § 87b, n.o 3, da UhrG, conjugado com o § 81, n.o 1a, da mesma lei, está conforme com as directivas adoptadas em matéria de protecção de dados, em especial, com os artigos 5.o, 6.o e 15.o da Directiva 2002/58. Com efeito, as referidas directivas impõem a prestação, a terceiros privados, das informações sobre dados pessoais relativos ao tráfego, exigindo esse dever de informação o prévio tratamento e armazenamento dos dados relativos ao tráfego.

22

Nestes termos, o Oberster Gerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões:

«1)

O termo ‘intermediário’, na acepção do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), e do artigo 8.o, n.o 3, da Directiva [2001/29], deve ser interpretado no sentido de que abrange um fornecedor de acesso à Internet que apenas faculta o acesso à rede mediante a atribuição ao utilizador de um endereço IP dinâmico, não lhe disponibilizando, contudo, quaisquer serviços (‘services’), como por exemplo correio electrónico, serviços de FTP [File Transfer Protocol] ou um serviço de filesharing, e que também não exerce qualquer vigilância legal ou factual sobre o serviço utilizado pelo utilizador?

2)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão prejudicial[,] [o] artigo 8.o, n.o 3, da Directiva [2004/48] deve ser interpretado, tendo em conta os artigos 6.o e 15.o da Directiva [2002/58], no sentido (restritivo) de que não permite a transmissão de dados de tráfego pessoais a terceiros privados com vista a que estes possam proceder judicialmente, em instâncias cíveis, contra violações comprovadas de direitos exclusivos no domínio da propriedade intelectual (direitos de exploração e de utilização da obra)?»

Quanto às questões prejudiciais

23

Em consonância com o artigo 104.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, designadamente quando a resposta a uma questão prejudicial possa ser claramente deduzida da jurisprudência ou quando a resposta a essa questão não suscite nenhuma dúvida razoável, o Tribunal pode decidir por meio de despacho fundamentado.

Quanto à segunda questão

24

Com a sua segunda questão, que importa examinar em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o direito comunitário, nomeadamente o artigo 8.o, n.o 3, da Directiva 2004/48, conjugado com os artigos 6.o e 15.o da Directiva 2002/58, se opõe a que os Estados-Membros estabeleçam a obrigação de transmitir a terceiros privados dados pessoais relativos ao tráfego, para permitir proceder judicialmente, em instâncias cíveis, contra violações do direito de autor.

25

A resposta a esta questão pode ser claramente deduzida da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

26

Com efeito, no n.o 53 do acórdão Promusicae, já referido, o Tribunal de Justiça decidiu que, entre as excepções previstas no artigo 15.o, n.o 1, da Directiva 2002/58, que refere expressamente o artigo 13.o, n.o 1, da Directiva 95/46, contam-se as medidas necessárias à protecção dos direitos e liberdades de outrem. Uma vez que a Directiva 2002/58 não esclarece quais são os direitos e liberdades abrangidos por essa excepção, há que interpretá-la no sentido de que exprime a vontade do legislador comunitário de não excluir do seu âmbito de aplicação nem a protecção do direito de propriedade nem as situações em que os autores procuram obter essa protecção no âmbito de uma acção cível.

27

O Tribunal inferiu daí, nos n.os 54 e 55 do referido acórdão Promusicae, que a Directiva 2002/58, nomeadamente o seu artigo 15.o, n.o 1, não exclui a possibilidade de os Estados-Membros preverem a obrigação de transmitir, no âmbito de uma acção cível, dados pessoais, mas tão-pouco obriga os Estados-Membros a prever essa obrigação.

28

Por outro lado, o Tribunal de Justiça esclareceu que a liberdade deixada aos Estados-Membros de darem prevalência ao respeito pela vida privada ou pelo direito de propriedade é atenuada por diversas exigências. Assim, na transposição das Directivas 2000/31, 2001/29, 2002/58 e 2004/48, compete aos Estados-Membros zelar por que seja seguida uma interpretação das mesmas que permita assegurar o justo equilíbrio entre os vários direitos fundamentais protegidos pela ordem jurídica comunitária. Além disso, as autoridades e os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros devem, na execução das medidas de transposição das referidas directivas, não só interpretar o seu direito nacional em conformidade com estas últimas mas também zelar por que seja seguida uma interpretação dessas directivas que não entre em conflito com os referidos direitos fundamentais ou com os outros princípios gerais do direito comunitário, como o princípio da proporcionalidade (acórdão Promusicae, já referido, n.o 70).

29

Há, pois, que responder à segunda questão que o direito comunitário, nomeadamente o artigo 8.o, n.o 3, da Directiva 2004/48, conjugado com o artigo 15.o, n.o 1, da Directiva 2002/58, não se opõe a que os Estados-Membros estabeleçam a obrigação de transmitir a terceiros privados dados pessoais relativos ao tráfego, para permitir proceder judicialmente, em instâncias cíveis, contra violações do direito de autor. Porém, o direito comunitário exige que os Estados-Membros, na transposição das Directivas 2000/31, 2001/29, 2002/58 e 2004/48, zelem por que seja seguida uma interpretação das mesmas que permita assegurar o justo equilíbrio entre os vários direitos fundamentais em presença. Por outro lado, as autoridades e os órgãos jurisdicionais dos Estados Membros devem, na execução das medidas de transposição das referidas directivas, não só interpretar o seu direito nacional em conformidade com estas últimas mas também zelar por que seja seguida uma interpretação dessas directivas que não entre em conflito com os direitos fundamentais ou com os outros princípios gerais do direito comunitário, como o princípio da proporcionalidade.

Quanto à primeira questão

30

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se um fornecedor de acesso, que se limita a proporcionar aos utilizadores acesso à Internet, sem propor outros serviços nem fiscalizar, de direito ou de facto, o serviço utilizado, está abrangido pelo conceito de «intermediário», na acepção dos artigos 5.o, n.o 1, alínea a), e 8.o, n.o 3, da Directiva 2001/29.

31

Por considerar que a resposta a esta questão não suscita nenhuma dúvida razoável, o Tribunal, em consonância com o artigo 104.o, n.o 3, segundo parágrafo, do seu Regulamento de Processo, informou o órgão jurisdicional de reenvio de que se propunha decidir por meio de despacho fundamentado e convidou os interessados a apresentar as suas eventuais observações sobre esse assunto.

32

A LSG, os Governos espanhol e do Reino Unido e a Comissão das Comunidades Europeias indicaram ao Tribunal que não tinham nenhuma objecção a formular quanto à intenção do Tribunal de decidir por meio de despacho fundamentado.

33

A Tele2 limita as suas observações a este respeito, no essencial, aos elementos já avançados nas suas observações escritas. Por força do direito comunitário, o fornecedor de acesso à Internet beneficia, no que respeita à sua responsabilidade, de um tratamento privilegiado, incompatível com um dever de informação ilimitado. Porém, esses argumentos reiterados não levam o Tribunal de Justiça a afastar a via processual pretendida.

34

Decorre claramente tanto da decisão de reenvio como das questões submetidas que, com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional pretende saber se um fornecedor de acesso à Internet, que se limita a facultar ao utilizador o acesso à rede, pode ser obrigado a prestar as informações mencionadas na segunda questão.

35

A título preliminar, verifica-se que o artigo 5.o, n.o 1, alínea a), da Directiva 2001/29 obriga os Estados-Membros a prever exclusões do direito de reprodução.

36

Ora, o litígio que o órgão jurisdicional foi chamado a dirimir tem por base a questão de saber se a LSG pode invocar um direito de informação contra a Tele2 e não a de saber se esta infringiu um direito de reprodução.

37

Donde se conclui que uma interpretação do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), da Directiva 2001/29 não apresenta nenhuma utilidade para a solução do litígio no processo principal.

38

A Tele2 sustenta, nomeadamente, que os intermediários devem ter meios para pôr termo às violações do direito de autor. Ora, os fornecedores de acesso à Internet, porque não têm nenhum controlo, de direito ou de facto, sobre os serviços a que o utilizador acede, não estão em condições de pôr termo a essas lesões e, por isso, não estão abrangidos pelo conceito de «intermediário» na acepção da Directiva 2001/29.

39

Refira-se desde já que o processo que deu origem ao acórdão Promusicae, já referido, dizia respeito à transmissão, pela Telefónica de España SAU, sociedade comercial que tem como actividade, nomeadamente, a prestação de serviços de acesso à Internet, da identidade e endereço físico de determinadas pessoas a quem aquela prestava serviços de acesso à Internet e relativamente às quais se conhecia o endereço IP e a data e hora da ligação (acórdão Promusicae, já referido, n.os 29 e 30).

40

É pacífico, como resulta da questão submetida e da matéria de facto do processo principal que deu origem ao acórdão Promusicae, já referido, que a sociedade comercial Telefónica de España SAU era fornecedora de acesso à Internet (acórdão Promusicae, já referido, n.os 30 e 34).

41

Por conseguinte, ao decidir, no n.o 70 do acórdão Promusicae, já referido, que as Directivas 2000/31, 2001/29, 2002/58 e 2004/48 não impõem aos Estados-Membros que prevejam, numa situação como a do processo que deu origem ao referido acórdão, a obrigação de transmitir dados pessoais para garantir a efectiva protecção do direito de autor no âmbito de uma acção cível, o Tribunal não excluiu liminarmente a possibilidade de os Estados-Membros imporem, em aplicação do artigo 8.o, n.o 1, da Directiva 2004/48, um dever de informação ao fornecedor de acesso à Internet.

42

Importa referir também que, nos termos do artigo 8.o, n.o 3, da Directiva 2001/29, os Estados-Membros deverão garantir que os titulares dos direitos possam solicitar uma injunção contra intermediários cujos serviços sejam utilizados por terceiros para violar um direito de autor ou direitos conexos.

43

Ora, um fornecedor de acesso que se limita a facultar ao cliente o acesso à Internet, mesmo sem propor outros serviços nem fiscalizar, de direito ou de facto, o serviço utilizado, fornece um serviço susceptível de ser utilizado por terceiros para violar um direito de autor ou direitos conexos, na medida em proporciona ao utilizador a ligação que lhe permitirá violar esses direitos.

44

De resto, segundo o quinquagésimo nono considerando da Directiva 2001/29, os titulares dos direitos deverão ter a possibilidade de solicitar uma injunção contra intermediários que veiculem numa rede actos de violação de terceiros contra obras ou outros materiais protegidos. Ora, é pacífico que o fornecedor de acesso, ao facultar o acesso à rede de Internet, permite a transmissão, numa rede, de um acto ilícito dessa natureza entre um assinante e um terceiro.

45

Esta interpretação é corroborada pela finalidade da Directiva 2001/29, que é, como resulta nomeadamente do seu artigo 1.o, n.o 1, assegurar a protecção jurídica do direito de autor e dos direitos conexos no âmbito do mercado interno. Com efeito, excluir do conceito de «intermediário», na acepção do artigo 8.o, n.o 3, dessa directiva, um fornecedor de acesso, único detentor dos dados que permitem identificar os utilizadores que violaram esses direitos, diminuiria substancialmente a protecção pretendida pela referida directiva.

46

Pelo exposto, há que responder à primeira questão prejudicial que um fornecedor de acesso, que se limita a proporcionar aos utilizadores acesso à Internet, sem propor outros serviços, como os serviços de correio electrónico e de descarregamento ou partilha de ficheiros, nem fiscalizar, de direito ou de facto, o serviço utilizado, deve ser considerado um «intermediário», na acepção do artigo 8.o, n.o 3, da Directiva 2001/29.

Quanto às despesas

47

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

 

1)

O direito comunitário, nomeadamente o artigo 8.o, n.o 3, da Directiva 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual, conjugado com o artigo 15.o, n.o 1, da Directiva 2002/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Julho de 2002, relativa ao tratamento de dados pessoais e à protecção da privacidade no sector das comunicações electrónicas (Directiva relativa à privacidade e às comunicações electrónicas), não se opõe a que os Estados-Membros estabeleçam a obrigação de transmitir a terceiros privados dados pessoais relativos ao tráfego, para permitir proceder judicialmente, em instâncias cíveis, contra violações do direito de autor. Porém, o direito comunitário exige que os Estados-Membros, na transposição das Directivas 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2000, relativa a certos aspectos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio electrónico, no mercado interno («Directiva sobre o comércio electrónico»), 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, 2002/58 e 2004/48, zelem por que seja seguida uma interpretação das mesmas que permita assegurar o justo equilíbrio entre os vários direitos fundamentais em presença. Por outro lado, as autoridades e os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros devem, na execução das medidas de transposição das referidas directivas, não só interpretar o seu direito nacional em conformidade com estas últimas mas também zelar por que seja seguida uma interpretação dessas directivas que não entre em conflito com os direitos fundamentais ou com os outros princípios gerais do direito comunitário, como o princípio da proporcionalidade.

 

2)

Um fornecedor de acesso, que se limita a proporcionar aos utilizadores acesso à Internet, sem propor outros serviços, como os serviços de correio electrónico e de descarregamento ou partilha de ficheiros, nem fiscalizar, de direito ou de facto, o serviço utilizado, deve ser considerado um «intermediário», na acepção do artigo 8.o, n.o 3, da Directiva 2001/29.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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