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Document 61999CJ0515

Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 5 de Março de 2002.
Hans Reisch e outros (processos apensos C-515/99 e C-527/99 a C-540/99) contra Bürgermeister der Landeshauptstadt Salzburg e Grundverkehrsbeauftragter des Landes Salzburg e Anton Lassacher e outros (processos apensos C-519/99 a C-524/99 e C-526/99) contra Grundverkehrsbeauftragter des Landes Salzburg e Grundverkehrslandeskommission des Landes Salzburg.
Pedidos de decisão prejudicial: Unabhängiger Verwaltungssenat Salzburg - Áustria.
Liberdade dos movimentos de capitais - Artigo 56.º CE - Procedimento de declaração e de autorização prévia das aquisições de terrenos para construção - Situação puramente interna - Inexistência.
Processos apensos C-515/99, C-519/99 a C-524/99 e C-526/99 a C-540/99.

European Court Reports 2002 I-02157

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2002:135

61999J0515

Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 5 de Março de 2002. - Hans Reisch e outros (processos apensos C-515/99 e C-527/99 a C-540/99) contra Bürgermeister der Landeshauptstadt Salzburg e Grundverkehrsbeauftragter des Landes Salzburg e Anton Lassacher e outros (processos apensos C-519/99 a C-524/99 e C-526/99) contra Grundverkehrsbeauftragter des Landes Salzburg e Grundverkehrslandeskommission des Landes Salzburg. - Pedidos de decisão prejudicial: Unabhängiger Verwaltungssenat Salzburg - Áustria. - Liberdade dos movimentos de capitais - Artigo 56.º CE - Procedimento de declaração e de autorização prévia das aquisições de terrenos para construção - Situação puramente interna - Inexistência. - Processos apensos C-515/99, C-519/99 a C-524/99 e C-526/99 a C-540/99.

Colectânea da Jurisprudência 2002 página I-02157


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


1. Questões prejudiciais Competência do Tribunal de Justiça Limites Identificação do objecto da questão

(Artigo 234.° CE)

2. Questões prejudiciais Competência do Tribunal de Justiça Limites Questão manifestamente desprovida de pertinência

(Artigo 234.° CE)

3. Liberdade de estabelecimento Livre circulação de capitais Disposições do Tratado Âmbito de aplicação Legislação nacional que regulamenta a aquisição da propriedade imobiliária Inclusão

[Artigo 44.° , n.° 2, alínea e), CE; Directiva 88/361 do Conselho, anexo I]

4. Livre circulação de capitais Restrições à aquisição de bens imóveis Regime de declaração prévia à aquisição de bens imóveis Admissibilidade Regime de autorização prévia à aquisição de terrenos para construção Inadmissibilidade

(Artigos 56.° CE a 60.° CE)

Sumário


1. Embora o Tribunal de Justiça não tenha competência, nos termos do artigo 234.° CE, para aplicar a norma comunitária a um caso determinado e, em consequência, para qualificar uma disposição de direito nacional face a essa norma, pode, no entanto, no âmbito da cooperação judiciária estabelecida por esse artigo, fornecer a um órgão jurisdicional nacional, a partir dos elementos do processo, os elementos de interpretação do direito comunitário que lhe possam ser úteis na apreciação dos efeitos dessa disposição.

( cf. n.° 22 )

2. A circunstância de todos os elementos de um litígio estarem situados no interior de um único Estado-Membro não implica que não haja que responder às questões prejudiciais submetidas ao Tribunal de Justiça no âmbito desse litígio. Com efeito, compete unicamente aos órgãos jurisdicionais nacionais apreciar, face às particularidades de cada processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para estar em condições de proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submetem ao Tribunal de Justiça. A recusa de um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional só é possível se se verificar de modo manifesto que a interpretação solicitada do direito comunitário não tem qualquer relação com a realidade ou o objecto do litígio no processo principal.

( cf. n.os 24-25 )

3. As disposições nacionais que regulamentam a aquisição de propriedade imobiliária com o objectivo de proibir a instalação de residências secundárias em determinadas zonas, em nome de imperativos de ordenamento do território, estão condicionadas ao respeito das disposições do Tratado relativas à liberdade dos movimentos de capitais.

Com efeito, por um lado, o direito de adquirir, explorar e alienar bens imóveis no território de outro Estado-Membro, que constitui o complemento necessário da liberdade de estabelecimento, como resulta do artigo 44.° , n.° 2, alínea e), CE, gera, quando é exercido, movimentos de capitais.

Por outro lado, os movimentos de capitais envolvem as operações pelas quais os não residentes efectuam investimentos imobiliários no território de um Estado-Membro, como resulta da nomenclatura dos movimentos de capitais que consta do anexo I da Directiva 88/361 para a execução do artigo 67.° do Tratado [artigo revogado pelo Tratado de Amesterdão], conservando essa nomenclatura o seu mero valor indicativo para efeitos da definição do conceito de movimentos de capitais.

( cf. n.os 28-30 )

4. Os artigos 56.° CE a 60.° CE não se opõem a um procedimento de declaração prévia como o previsto no regime de aquisição dos bens imóveis instituído pela Salzburger Grundverkehrsgesetz 1997 (lei do Land de Salzburgo relativa à aquisição e à venda de bens imóveis, SGVG), que sujeita o adquirente de bens imóveis à apresentação de uma declaração indicando que é austríaco ou nacional de outro Estado-Membro e que destina o terreno à construção da sua residência principal ou a fins profissionais.

Com efeito, embora esta medida restrinja pelo seu próprio objecto a liberdade de circulação dos capitais, pode apesar disso, ser admitida se, como acontece com o regime em causa, as normas nacionais prosseguirem de modo não discriminatório um objectivo de interesse geral e se respeitarem o princípio da proporcionalidade, quer dizer, se outras medidas menos gravosas não permitirem alcançar o mesmo resultado.

No que diz respeito à primeira condição, as restrições à instalação de residências secundárias numa determinada zona geográfica, que um Estado-Membro cria a fim de manter, com um objectivo de ordenamento do território, uma população permanente e uma actividade económica autónoma em relação ao sector turístico, podem ser consideradas medidas que contribuem para um objectivo de interesse geral. Esta consideração só pode ser reforçada pelas outras preocupações que podem estar na origem das mesmas medidas, como as relativas à protecção do ambiente. Além disso, resulta das suas disposições que a SGVG não institui qualquer diferença de tratamento entre os adquirentes austríacos e os residentes doutros Estados-Membros que utilizam as liberdades garantidas pelo Tratado.

Quanto à segunda condição, uma exigência de declaração prévia à compra de terrenos para construção, acompanhada de uma possibilidade de sanções em caso de incumprimento da declaração subscrita, com objectivos de ordenamento do território, está em conformidade com o direito comunitário. Ora, o procedimento instaurado pela SGVG tem, em princípio, carácter essencialmente declarativo. A exigência mínima de declaração prévia tem a vantagem de dar uma certa segurança jurídica ao adquirente, diferentemente de modalidades de controlo que só fossem efectuadas a posteriori. Além disso, pode-se pensar que um exame prévio é mesmo a melhor forma de impedir prejuízos dificilmente reparáveis, ocasionados pela realização rápida de projectos de construção. Assim, a formalidade da declaração prévia pode ser analisada como uma diligência complementar das sanções penais e da acção de nulidade do acto de venda que a Administração pode intentar no órgão jurisdicional nacional. Nestas condições, este aspecto do procedimento instituído pela SGVG pode ser considerado compatível com o direito comunitário.

Em contrapartida, os artigos 56.° CE a 60.° CE opõem-se a um procedimento de autorização prévia como o previsto pelo referido regime, que sujeita a aquisição de um bem imóvel a uma autorização prévia quando, atendendo à referida declaração, não tenha sido passado um certificado pela autoridade competente.

Com efeito, as restrições à livre circulação de capitais resultante da exigência de uma autorização prévia podem ser eliminadas, graças a um sistema de declaração adequado, sem prejudicar a eficácia dos fins que essa regulamentação prossegue.

( cf. n.os 32-37, 40, disp. )

Partes


Nos processos apensos C-515/99, C-519/99 a C-524/99 e C-526/99 a C-540/99,

que têm por objecto pedidos dirigidos ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, pelo Unabhängiger Verwaltungssenat Salzburg (Áustria), destinados a obter, nos litígios pendentes neste órgão jurisdicional entre

Hans Reisch (C-515/99),

Walter Riedl (C-527/99),

Alexander Hacker (C-528/99),

Gerhard Eckert (C-529/99),

Franz Gstöttenbauer (C-530/99),

Helmut Hechwarter (C-531/99),

Alois Bixner (C-532/99),

Geza Aumüller (C-533/99),

Berthold Garstenauer (C-534/99 e C-536/99),

Robert Eder (C-535/99),

Hartmut Ramsauer (C-537/99 e C-538/99),

Harald Kronberger (C-539/99),

Erich Morianz (C-540/99)

e

Bürgermeister der Landeshauptstadt Salzburg,

Grundverkehrsbeauftragter des Landes Salzburg,

e entre

Anton Lassacher,

Heinz Schäfer (C-519/99),

Dertnig GmbH & Co. KG,

Heinrich Reutter (C-520/99),

Francesco Branka (C-521/99),

Neubau GmbH,

Baumeister Bogensberger GmbH & Co. KG (C-522/99 e C-526/99),

Peter Fidelsberger (C-523/99),

GWP Gewerbeparkentwicklung GmbH,

Johann Lindner e Emma Lindner (C-524/99)

e

Grundverkehrsbeauftragter des Landes Salzburg,

Grundverkehrslandeskommission des Landes Salzburg,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 56.° CE a 60.° CE,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: N. Colneric, presidente da Segunda Secção, exercendo funções de presidente da Sexta Secção, C. Gulmann, J.-P. Puissochet (relator), R. Schintgen e V. Skouris, juízes,

advogado-geral: L. A. Geelhoed,

secretário: H. A. Rühl, administrador principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

em representação de H. Schäfer, por A. Pirkner, Rechtsanwalt,

em representação da sociedade GWP Gewerbeparkentwicklung GmbH, por J. W. Aichlreiter, Rechtsanwalt,

em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações do Governo neerlandês, representado por H. Sevenster, na qualidade de agente, e da Comissão das Comunidades Europeias, representada por U. Wölker e M. Patakia, na qualidade de agentes, na audiência de 12 de Setembro de 2001,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 20 de Novembro de 2001,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Através de vinte e dois despachos de 22 de Dezembro de 1999, que deram entrada no Tribunal de Justiça em 30 de Dezembro do mesmo ano, o Unabhängiger Verwaltungssenat Salzburg submeteu, nos termos do artigo 234.° CE, duas questões prejudiciais sobre a interpretação dos artigos 56.° CE a 60.° CE.

2 Nos processos C-515/99 e C-527/99 a C-540/99, foi suscitada uma primeira questão no âmbito de recursos interpostos das decisões do Bürgermeister der Landeshauptstadt Salzburg (burgomestre de Salzburgo), que aplicaram multas devido à entrega tardia, ao Grundverkehrsbeauftragter des Landes Salzburg (funcionário do Land de Salzburgo encarregado de receber a declaração dos adquirentes de bens imóveis, a seguir «Grundverkehrsbeauftragter»), da declaração prevista pela Salzburger Grundverkehrsgesetz 1997 (lei do Land de Salzburgo relativa à aquisição e à venda de bens imóveis, Salzburger LGBl. n.° 11/97, a seguir «SGVG»).

3 Nos processos C-519/99 a C-524/99 e C-526/99, foi suscitada uma segunda questão no âmbito de recursos interpostos das decisões da Grundverkehrslandeskommission des Landes Salzburg (a seguir «Grundverkehrslandeskommission»), que se opunham à aquisição de terrenos para construção ou só autorizavam essas aquisições mediante a constituição de uma caução, adoptadas nos termos da SGVG.

Quadro jurídico

Direito comunitário

4 Nos termos do artigo 56.° , n.° 1, CE:

«No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.»

Regulamentação nacional

5 No direito austríaco, a propriedade de um bem imóvel adquire-se através de uma inscrição no registo de propriedade homologada pelo Grundbuchsgericht (juiz do registo de propriedade), que está encarregado de examinar se é exigida ou não uma autorização de transmissão e, se for caso disso, se essa autorização foi concedida.

6 No Land de Salzburgo, o § 12 da SGVG dispõe que certas transacções relativas a terrenos para construção, como a transmissão da propriedade ou a concessão de um direito de construção, só são autorizadas se o adquirente apresentar uma declaração indicando, em primeiro lugar, que é austríaco ou nacional de outro Estado-Membro, exercendo uma das liberdades garantidas pelo Tratado CE ou pelo Acordo sobre o Espaço Económico Europeu. Em segundo lugar, o adquirente deve declarar que destina o terreno à construção da sua residência principal ou a fins profissionais. A utilização do terreno para uma residência secundária só é possível se o terreno tiver sido destinado a essa utilização antes de 1 de Março de 1993, ou se se encontrar numa zona em que é autorizada a construção de residências secundárias.

7 Tendo em conta a declaração referida no número anterior, o Grundverkehrsbeauftragter emite um certificado. Apenas pode recusar a emissão se tiver razões para recear que o bem não seja utilizado em conformidade com a declaração ou se a aquisição não for conforme ao objectivo da SGVG. Nesse caso, informa o adquirente de que remete a decisão para a Grundverkehrslandeskommission, que emite uma autorização de transmissão depois de ter verificado que estão preenchidas as mesmas condições substanciais que levam à proibição da utilização do terreno para uma residência secundária.

8 Não existindo certificado do Grundverkehrsbeauftragter ou autorização da Grundverkehrslandeskommission, não pode ser adquirido qualquer terreno no Land de Salzburgo.

9 O § 19 da SGVG obriga o adquirente a utilizar o terreno em conformidade com a declaração referida no § 12. Permite igualmente subordinar a concessão de autorização da Grundverkehrslandeskommission a condições e imposições com vista a assegurar que o adquirente dará ao terreno a utilização prevista, nomeadamente a constituição de uma garantia financeira de montante que não pode exceder o preço de compra ou o valor do terreno.

10 O § 36 do mesmo diploma fixa os prazos em que o adquirente é obrigado a apresentar a declaração de aquisição.

11 O § 42 permite ao Grundverkehrsbeauftragter intentar no tribunal nacional uma acção de anulação da transacção imobiliária, quando esta pretenda evitar a aplicação da SGVG.

12 O § 43 prevê multas até 500 000 ATS e penas de prisão até seis semanas, nomeadamente no caso de o adquirente não ter apresentado a declaração nem solicitado a autorização exigidas ou de utilizar o terreno para fins não autorizados.

Litígios no processo principal e questão prejudicial

13 Nos processos C-515/99 e C-527/99 a C-540/99, foi aplicada uma multa a cada um dos demandantes pelo burgomestre de Salzburgo, por não terem declarado ao Grundverkehrsbeauftragter, no prazo previsto pelo § 36 da SGVG, a transacção relativa à aquisição de terrenos para construção. Os demandantes interpuseram recurso dessas decisões no Unabhängiger Verwaltungssenat Salzburg.

14 Nos processos C-519/99 a C-522/99 e C-526/99, não tendo sido concedida, em primeira instância, pela Grundverkehrslandeskommission, a autorização necessária para a venda de um terreno para construção, os adquirentes interpuseram recurso das respectivas decisões no Unabhängiger Verwaltungssenat Salzburg.

15 Nos processos C-523/99 e C-524/99, a autorização para adquirir um terreno para construção foi emitida, mas a Grundverkehrslandeskommission impôs a constituição da caução prevista no § 19, n.° 3, da SGVG. Os adquirentes interpuseram recurso das respectivas decisões no Unabhängiger Verwaltungssenat Salzburg.

16 À luz do acórdão de 1 de Junho de 1999, Konle (C-302/97, Colect., p. I-3099), em que estava em causa a legislação do Land do Tirol relativa às transacções de bens imóveis, o órgão jurisdicional de reenvio colocou a questão de saber se a exigência de uma declaração/autorização prévia para a aquisição de terrenos para construção e as disposições penais que lhe estão associadas seriam compatíveis com as liberdades fundamentais do Tratado.

17 Deste modo, o Unabhängiger Verwaltungssenat Salzburg submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

Nos processos C-515/99 e C-527/99 a C-540/99:

«Devem-se interpretar as disposições dos artigos 56.° CE e seguintes no sentido de que se opõem à aplicação dos §§ 12, 36 e 43 da Salzburger Grundverkehrsgesetz 1997, na redacção do LGBl. n.° 11/1999, segundo as quais quem pretender adquirir um terreno para construção no Bundesland Salzburg deve sujeitar-se a um processo de notificação ou de aprovação, configurando, assim, o caso concreto a violação, em relação ao proprietário, de uma liberdade fundamental prevista nas disposições da União Europeia?»

Nos processos C-519/99 a C-524/99 e C-526/99:

«Devem-se interpretar as disposições dos artigos 56.° CE e seguintes no sentido de que se opõem à aplicação dos §§ 12 a 14 da Salzburger Grundverkehrsgesetz 1997, na redacção do LGBl. n.° 11/1999, segundo as quais quem pretender adquirir um terreno para construção no Bundesland Salzburg deve sujeitar-se a um processo de notificação ou de aprovação, configurando, assim, o caso concreto a violação, em relação ao proprietário, de uma liberdade fundamental prevista nas disposições da União Europeia?»

18 Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 2000, os processos C-515/99 e C-527/99 a C-540/99 foram apensos para efeitos das fases escrita e oral, bem como do acórdão. Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 2000, os processos C-519/99 a C-524/99 e C-526/99 foram igualmente apensos para efeitos das fases escrita e oral, bem como do acórdão.

19 Para efeitos do presente acórdão, ordena-se a apensação de todos estes processos.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à admissibilidade

20 A sociedade GWP Gewerbeparkentwicklung GmbH sustenta, por um lado, que a questão prejudicial colocada nos processos C-519/99 a C-524/99 e C-526/99 é inadmissível na medida em que não é respeitante à interpretação do Tratado, mas à interpretação ou à apreciação da validade das disposições da SGVG, que são da exclusiva competência do órgão jurisdicional nacional.

21 Por outro lado, considera que o litígio no processo principal no qual é parte, que apenas respeita às condições de aquisição por uma sociedade austríaca de um terreno na Áustria em aplicação da SGVG, não tem qualquer ligação com o direito comunitário e resulta de uma situação puramente interna, o que torna, assim, o reenvio prejudicial inadmissível.

22 A este respeito, há que recordar, quanto ao primeiro fundamento, que, embora o Tribunal de Justiça não tenha competência, nos termos do artigo 234.° CE, para aplicar a norma comunitária a um caso determinado e, em consequência, para qualificar uma disposição de direito nacional face a essa norma, pode, no entanto, no âmbito da cooperação judiciária estabelecida por esse artigo, fornecer a um órgão jurisdicional nacional, a partir dos elementos do processo, os elementos de interpretação do direito comunitário que lhe possam ser úteis na apreciação dos efeitos dessa disposição (acórdão de 8 de Dezembro de 1987, Gauchard, 20/87, Colect., p. 4879, n.° 5).

23 Ora, nos litígios no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio solicita a interpretação pelo Tribunal de Justiça das disposições do Tratado apenas com o objectivo de apreciar se estas podem condicionar os efeitos das normas nacionais que lhe compete aplicar. Portanto, não pode ser sustentado que a questão prejudicial suscitada em cada um desses processos tem um objecto diferente da interpretação das disposições do Tratado.

24 No que respeita ao segundo fundamento, resulta dos documentos dos autos e, aliás, não é contestado que todos os elementos dos litígios nos processos principais estão situados no interior de um único Estado-Membro. Ora, uma regulamentação nacional como a SGVG, que é indistintamente aplicável aos cidadãos austríacos e aos cidadãos dos Estados-Membros das Comunidades Europeias, regra geral, só é susceptível de abranger as disposições relativas às liberdades fundamentais previstas pelo Tratado na medida em que seja aplicável a situações que tenham uma ligação com as trocas comerciais intracomunitárias (v., neste sentido, acórdãos de 15 de Dezembro de 1982, Oosthoek's Uitgeversmaatschappij, 286/81, Recueil, p. 4575, n.° 9, e de 18 de Fevereiro de 1987, Mathot, 98/86, Colect., p. 809, n.os 8 e 9).

25 Todavia, esta consideração não implica que não haja que responder às questões prejudiciais submetidas ao Tribunal de Justiça no presente processo. Com efeito, em princípio, compete unicamente aos órgãos jurisdicionais nacionais apreciar, face às particularidades de cada processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para estar em condições de proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submetem ao Tribunal de Justiça (v. acórdão de 5 de Dezembro de 2000, Guimont, C-448/98, Colect., p. I-10663, n.° 22). A recusa por este último de um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional só é possível se se verificar de modo manifesto que a interpretação solicitada do direito comunitário não tem qualquer relação com a realidade ou o objecto do litígio no processo principal (v. acórdão de 6 de Junho de 2000, Angonese, C-281/98, Colect., p. I-4139, n.° 18).

26 No presente caso, não é manifesto que a interpretação solicitada do direito comunitário não seja necessária para o órgão jurisdicional de reenvio. Com efeito, essa resposta pode ser-lhe útil no caso de o seu direito nacional impor que sejam atribuídos a um cidadão austríaco os mesmos direitos que os de um nacional de um outro Estado-Membro retira do direito comunitário na mesma situação (acórdão Guimont, já referido, n.° 23).

27 Assim, há que examinar se as disposições do Tratado, cuja interpretação é solicitada, se opõem à aplicação de uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal na medida em que é aplicada a pessoas que residem noutros Estados-Membros.

Quanto ao mérito

28 Antes de mais, há que precisar que as disposições nacionais que regulamentam a aquisição de propriedade imobiliária com o objectivo de proibir a instalação de residências secundárias em determinadas zonas, em nome de imperativos de ordenamento do território, estão condicionadas ao respeito das disposições do Tratado relativas à liberdade dos movimentos de capitais (acórdão Konle, já referido, n.° 22).

29 Com efeito, por um lado, o direito de adquirir, explorar e alienar bens imóveis no território de outro Estado-Membro, que constitui o complemento necessário da liberdade de estabelecimento, como resulta do artigo 44.° , n.° 2, alínea e), CE (acórdão de 30 de Maio de 1989, Comissão/Grécia, 305/87, Colect., p. 1461, n.° 22), gera, quando é exercido, movimentos de capitais.

30 Por outro lado, os movimentos de capitais envolvem as operações pelas quais os não residentes efectuam investimentos imobiliários no território de um Estado-Membro, como resulta da nomenclatura dos movimentos de capitais que consta do anexo I da Directiva 88/361/CEE do Conselho, de 24 de Junho de 1988, para a execução do artigo 67.° do Tratado [artigo revogado pelo Tratado de Amesterdão] (JO L 178, p. 5), conservando essa nomenclatura o seu mero valor indicativo para efeitos da definição do conceito de movimentos de capitais (v. acórdãos de 16 de Março de 1999, Trummer e Mayer, C-222/97, Colect., p. I-1661, n.° 21, e de 11 de Janeiro de 2001, Stefan, C-464/98, Colect., p. I-173, n.° 5).

31 Assim, como o órgão jurisdicional de reenvio sugere ao Tribunal de Justiça, há que examinar o âmbito das medidas nacionais em causa nos processos principais em relação às disposições dos artigos 56.° CE a 60.° CE.

32 É ponto assente que as referidas medidas, ao instituírem um procedimento de declaração/autorização prévia à aquisição de bens imóveis, restringem pelo seu próprio objecto a liberdade de circulação dos capitais (v., neste sentido, acórdão Konle, já referido, n.° 39).

33 Apesar disso, essas restrições podem ser admitidas se as normas nacionais prosseguirem de modo não discriminatório um objectivo de interesse geral e se respeitarem o princípio da proporcionalidade, quer dizer, se outras medidas menos gravosas não permitirem alcançar o mesmo resultado.

34 No que diz respeito à primeira condição, resulta do n.° 40 do acórdão Konle, já referido, que restrições à instalação de residências secundárias numa determinada zona geográfica, que um Estado-Membro cria a fim de manter, com um objectivo de ordenamento do território, uma população permanente e uma actividade económica autónoma em relação ao sector turístico, podem ser consideradas medidas que contribuem para um objectivo de interesse geral. Esta consideração só pode ser reforçada pelas outras preocupações que podem estar na origem das mesmas medidas, como as relativas à protecção do ambiente. Além disso, resulta das suas disposições que a SGVG não institui qualquer diferença de tratamento entre os adquirentes austríacos e as pessoas que residem noutros Estados-Membros e que utilizam as liberdades garantidas pelo Tratado.

35 Quanto à segunda condição, o Tribunal de Justiça considerou, nos n.os 44 a 48 do acórdão Konle, já referido, que uma exigência de declaração prévia à compra de terrenos para construção, acompanhada de uma possibilidade de sanções em caso de incumprimento da declaração subscrita, com objectivos de ordenamento do território, estava em conformidade com o direito comunitário. Ora, o procedimento instaurado pela SGVG tem, em princípio, carácter essencialmente declarativo.

36 Como invoca o Governo austríaco, é apenas quando o Grundverkehrsbeauftragter considera que se pode esperar que o bem não seja utilizado de um modo legal que deve remeter a decisão para a Grundverkehrslandeskommission para que seja aplicado à transacção um procedimento de autorização. Essa exigência mínima de declaração prévia tem a vantagem de dar uma certa segurança jurídica ao adquirente, diferentemente de modalidades de controlo que só fossem efectuadas a posteriori. Além disso, pode-se pensar que um exame prévio é mesmo a melhor forma de impedir prejuízos dificilmente reparáveis, ocasionados pela realização rápida de projectos de construção. Assim, a formalidade da declaração prévia pode ser analisada como uma diligência complementar das sanções penais e da acção de nulidade do acto de venda que a Administração pode intentar no órgão jurisdicional nacional. Nestas condições, este primeiro aspecto do procedimento instituído pela SGVG pode ser considerado compatível com o direito comunitário.

37 Ao invés, quanto ao processo de autorização prévia na Grundverkehrslandeskommission, o Tribunal de Justiça já decidiu que as restrições à livre circulação de capitais resultante da exigência de uma autorização prévia podiam ser eliminadas, graças a um sistema adequado de declaração, sem prejudicar a eficácia dos fins que essa regulamentação prossegue (v. acórdãos de 23 de Fevereiro de 1995, Bordessa e o., C-358/93 e C-416/93, Colect., p. I-361, n.° 27, e de 14 de Dezembro de 1995, Sanz de Lera e o., C-163/94, C-165/94 e C-250/94, Colect., p. I-4821, n.os 26 e 27).

38 Nos litígios no processo principal, tendo em conta a possibilidade de controlo que o regime de declaração prévia permite à autoridade pública, a existência de sanções penais e o facto de uma acção específica de nulidade poder ser intentada no órgão jurisdicional nacional no caso de o projecto realizado não estar em conformidade com a declaração inicial, o procedimento de autorização prévia, que compete exclusivamente ao Grundverkehrsbeauftragter desencadear com base em simples presunções, não pode ser analisado como uma medida estritamente indispensável para impedir as infracções à legislação em causa no processo principal relativa às residências secundárias, tanto mais que as autoridades competentes podem condicionar a concessão da autorização prévia ao cumprimento de imposições que a SGVG não sujeita a qualquer enquadramento legal e exigir ao adquirente a constituição de uma garantia cujo valor pode ser o valor do bem.

39 As disposições da SGVG relativas ao procedimento de autorização prévia na Grundverkehrslandeskommission ultrapassam simultaneamente aquilo que é necessário para a prossecução do objectivo de ordenamento do território pretendido e as medidas que os Estados-Membros têm o direito de adoptar, como recorda o artigo 58.° , n.° 1, alínea b), CE, para impedir infracções às suas leis e regulamentos.

40 Deste modo, há que responder ao órgão jurisdicional de reenvio que as disposições dos artigos 56.° CE a 60.° CE

não se opõem a um procedimento de declaração prévia como o previsto pelo regime de aquisição dos bens imóveis instituído pela SGVG;

opõem-se a um procedimento de autorização prévia como o previsto por esse regime.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

41 As despesas efectuadas pelos Governos austríaco e neerlandês, bem como pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Unabhängiger Verwaltungssenat Salzburg, por despachos de 22 de Dezembro de 1999, declara:

Os artigos 56.° CE a 60.° CE

não se opõem a um procedimento de declaração prévia como o previsto no regime de aquisição dos bens imóveis instituído pela Salzburger Grundverkehrsgesetz 1997;

opõem-se a um procedimento de autorização prévia como o previsto por esse regime.

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