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Document 61993CC0016

Conclusões do advogado-geral Lenz apresentadas em 20 de Janeiro de 1994.
R. J. Tolsma contra Inspecteur der Omzetbelasting Leeuwarden.
Pedido de decisão prejudicial: Gerechtshof Leeuwarden - Países Baixos.
IVA - Prestação de serviços efectuada a título oneroso - Conceito - Actividade musical na via pública.
Processo C-16/93.

European Court Reports 1994 I-00743

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1994:16

61993C0016

Conclusões do advogado-geral Lenz apresentadas em 20 de Janeiro de 1994. - R. J. TOLSMA CONTRA INSPECTEUR DER OMZETBELASTING LEEUWARDEN. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: GERECHTSHOF LEEUWARDEN - PAISES BAIXOS. - IVA - PRESTACAO DE SERVICOS EFECTUADA A TITULO ONEROSO - CONCEITO - ACTIVIDADE MUSICAL NA VIA PUBLICA. - PROCESSO C-16/93.

Colectânea da Jurisprudência 1994 página I-00743


Conclusões do Advogado-Geral


++++

Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

A - Introdução

1. Através do presente pedido de decisão prejudicial, o Gerechtshof te Leeuwarden procura saber qual o alcance do conceito de "prestações de serviços efectuadas a título oneroso" na acepção do artigo 2. da Sexta Directiva relativa ao imposto sobre o valor acrescentado (1). Esta disposição prevê nomeadamente o seguinte:

"Estão sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado:

1. ... as prestações de serviços, efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

...".

2. No litígio no processo principal, o recorrente, R. Tolsma impugna uma decisão de liquidação fiscal do Inspecteur der Omzetbelasting (a seguir "inspecteur"), recorrido, em que este lhe reclamava o pagamento de uma determinada quantia correspondente ao imposto sobre o volume de negócios a título das suas actividades enquanto explorador de um realejo.

3. É com este instrumento que o recorrente toca música na via pública convidando os passantes a darem-lhe uma "contribuição" na taça que lhes apresenta.

4. Em apoio do seu pedido no processo principal, o recorrente alegou que a prestação de serviços que fornece não é efectuada a título oneroso porque não se encontra subordinada a qualquer "contraprestação ou remuneração". Os passantes não têm qualquer obrigação de lhe dar uma contribuição.

5. O inspecteur contrapõe que este serviço era efectivamente fornecido a título oneroso porque os passantes que dão uma contribuição ao músico remuneram-no pela música que este os faz ouvir. Existe portanto um nexo directo entre o serviço prestado e a remuneração recebida, de modo que este serviço é fornecido a título oneroso. É irrelevante que esta remuneração não tenha sido acordada.

6. Nestas circunstâncias, o Gerechtshof te Leeuwarden convida o Tribunal de Justiça a pronunciar-se a título prejudicial sobre as seguintes questões:

"1a. Deve considerar-se que constitui uma prestação de serviços efectuada a título oneroso nos termos do artigo 2. da Sexta Directiva relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, uma actividade que consiste na interpretação de música na via pública quando não se exige qualquer remuneração, mas se recebe uma contribuição?

1b. É relevante para responder à referida pergunta que não se exija a referida contribuição mas que a mesma seja pedida, mesmo que o seu montante não esteja determinado nem possa determinar-se, e possa ser esperada tendo em conta a prática usual?"

B - Apreciação

7. I. A fim de responder a estas questões, parece-me importante analisar no seu contexto o conceito de "prestação de serviços efectuada a título oneroso" na acepção do artigo 2. da Sexta Directiva.

8. A Sexta Directiva, que faz parte do sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, insere-se no âmbito da Primeira Directiva (2), cujo artigo 2. , primeiro e segundo parágrafos, dispõe:

"O princípio do sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado consiste em aplicar aos bens e aos serviços um imposto geral sobre o consumo exactamente proporcional ao preço dos bens e dos serviços, qualquer que seja o número de transacções ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior à fase de tributação.

Em cada transacção, o imposto sobre o valor acrescentado, calculado sobre o preço do bem ou do serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto sobre o valor acrescentado que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço." (3)

9. O artigo 11. , letra A, n. 1, da Sexta Directiva, traduz precisamente esta ideia em relação à matéria colectável. Nos termos desta disposição, a matéria colectável é constituída pela contrapartida (4) que o fornecedor ou o prestador recebeu ou deve receber do adquirente, do destinatário ou de um terceiro.

10. Estas disposições demonstram que o fundamento do sistema comunitário do imposto sobre o valor acrescentado reside numa convenção sobre uma troca de prestações - fornecimento ou prestação de serviços por um lado, contrapartida, por outro - recíprocas. Assim, no processo Hong-Kong Trade Development Council (5), o Tribunal de Justiça considerou que

"as prestações gratuitas diferenciam-se, pela sua natureza, de operações tributáveis que pressupõem, no âmbito do sistema do imposto sobre o valor acrescentado, a estipulação de um preço ou de um contravalor" (6).

11. Em conformidade com este princípio, o artigo 22. da Sexta Directiva impõe, nomeadamente, aos sujeitos passivos que emitam facturas ou documentos que as substituam, noutros termos, que estabeleçam por escrito a que "contrapartida" têm direito, por força dos acordos concluídos.

12. No que diz respeito mais precisamente ao artigo 2. , ponto 1, aqui em causa, as suas disposições relativas ao âmbito de aplicação do imposto devem ser interpretadas à luz destas considerações. No processo Hong-Kong Trade, já referido (onde não era um acordo que não existia, mas sim a prestação do beneficiário), o Tribunal de Justiça sublinhou a importância das disposições relativas à matéria colectável para a interpretação do sistema do imposto sobre o valor acrescentado. Aí lê-se:

"(se as actividades económicas dos sujeitos passivos) são exclusivamente gratuitas, não são abrangidas pelo sistema do imposto sobre o valor acrescentado, dado que não podem, segundo o artigo 8. (7), constituir uma matéria colectável" (8).

13. Do que precede resulta que, contrariamente à opinião do Governo neerlandês, não basta, para que haja prestação de serviços "a título oneroso", que um particular tenha efectivamente receitas (eventualmente sujeitas ao imposto sobre o rendimento) a título das suas actividades, e participe assim na vida económica. Apesar do âmbito de aplicação indubitavelmente lato da Sexta Directiva (9), ao qual o Governo neerlandês faz referência, este elemento só visa, atendendo ao seu contexto, as operações que envolvam um elemento da troca contratual na acepção acima indicada (10).

14. II. A jurisprudência desenvolveu certos critérios que concretizam este princípio:

- Deve existir um nexo directo entre o serviço prestado (que neste caso seria a música) e o contravalor recebido (neste caso os pagamentos dos passantes) (11). Este nexo deve ser susceptível de estabelecer uma relação entre o nível das vantagens que os beneficiários obtêm com o serviço prestado e o montante do contravalor (12).

- O contravalor deve poder ser expresso em dinheiro (13).

- Deve ter um valor subjectivo (14), uma vez que a matéria colectável é a contrapartida realmente recebida e não um valor calculado segundo critérios objectivos. Consequentemente, uma prestação de serviços sem contrapartida subjectiva não é uma prestação de serviços "efectuada a título oneroso" (15).

15. III. 1. Partindo destes princípios, examinarei em primeiro lugar a questão "1a." submetida pelo Gerechtshof te Leeuwarden.

16. Nesta questão, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a "prestação" que consiste em tocar música na via pública, constitui uma prestação relativamente à qual "não se exige qualquer remuneração, mas se recebe uma contribuição".

17. Em minha opinião, não se pode falar, em tais circunstâncias, de uma prestação de serviços "efectuada a título oneroso". Na falta de um preço ou de outro contravalor que, de uma maneira ou de outra, teria a sua origem num acordo relativo a uma troca (16), falta com efeito um nexo directo (17) entre a prestação efectuada e os ganhos realizados. Estes dependem em larga medida da decisão espontânea de certos passantes de pagarem um montante da sua escolha.

18. Este ponto de vista é aliás corroborado pelo facto de a própria "prestação" não ser de modo algum definida contratualmente, nem no seu princípio nem quanto ao seu alcance. A Comissão salienta acertadamente que o recorrente toca voluntariamente música e que pode deixar de a tocar em qualquer momento. Inversamente, os passantes são livres de decidir quanto tempo ficarão ali a ouvi-lo tocar (18).

19. Pelas mesmas razões, não se pode estabelecer a necessária relação entre os benefícios que os passantes retiram da prestação musical e o princípio e o montante da sua contribuição (19): não estando vinculados por nenhuma obrigação contratual, o recorrente e os passantes têm na mão todos os factores determinantes desta relação. Assim, alguns passantes deixarão quase imediatamente um montante bastante elevado na taça do recorrente ao passo que outros ouvi-lo-ão tocar durante um certo tempo sem darem nada.

20. Esta consideração demonstra além disso que a comparação efectuada pelo Governo neerlandês com músicos que exercem as suas actividades com base em acordos contratuais celebrados com cada um dos auditores presentes no público não resiste à análise. Nesse caso, com efeito, a prestação e a sua contrapartida, bem como a relação existente entre elas, foram definidas por acordo entre as partes; em contrapartida, tal não se verifica no caso em apreço.

21. Contrariamente ao ponto de vista defendido pelo Governo alemão também não se pode deduzir o indispensável nexo "interno" entre as duas "prestações" do facto de que "se os passantes dão dinheiro, é apenas porque antes ouviram a música". A execução musical do recorrente podia sem dúvida levar certos passantes a dar-lhe algum dinheiro. Outros, que de qualquer maneira estariam dispostos a fazer um donativo, optam talvez por um montante mais elevado do que se o recorrente não tocasse música e se limitasse a pedir dinheiro. No entanto, o recorrente e os passantes não definem a prestação e a sua contrapartida como os elementos recíprocos de uma troca. Nestas condições, as razões subjacentes à maior ou menor inclinação dos passantes para um donativo são irrelevantes.

22. Concluindo, verifica-se que não se enconta satisfeita a condição da existência de um "nexo interno" na acepção da jurisprudência.

23. Além disso, considero que as contribuições efectuadas pelos passantes não constituem um valor subjectivo (ou uma contrapartida subjectiva) (20). Com efeito, falta uma relação (subjectiva), definida pelas partes, entre a prestação e a sua contrapartida. Apenas critérios objectivos (21) permitiriam avaliar, se tal fosse possível, a contrapartida do benefício obtido pelos passantes, o que, segundo a jurisprudência citada, não é todavia suficiente atendendo à exigência de uma prestação de serviços "efectuada a título oneroso".

24. Em consequência, há que responder do seguinte modo à questão prejudicial "1a." do Gerechtshof te Leeuwarden:

A actividade que consiste em tocar música na via pública, relativamente à qual não está estipulada qualquer remuneração mas pela qual o interessado recebe, no entanto, certas contribuições, não deve ser considerada uma prestação de serviços efectuada a título oneroso na acepção do artigo 2. da Sexta Directiva relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros relativas aos impostos sobre o volume de negócios.

25. 2. A questão "1b." distingue-se da questão "1a." por um elemento de facto suplementar. Assim, para efeitos desta questão, o órgão jurisdicional de reenvio parte do princípio de que a "contribuição"... "é pedida, mesmo que o seu montante não esteja determinado nem possa determinar-se, e pode ser esperada tendo em conta a prática usual". Chamando a atenção para este elemento suplementar, o órgão jurisdicional de reenvio, se o analisarmos mais de perto, suscita a questão de saber se tal caso pode ser equiparado ao de uma contrapartida acordada.

26. Em minha opinião, convém responder negativamente a esta questão, de modo que mantenho a apreciação anteriormente desenvolvida.

27. No que diz respeito em primeiro lugar à circunstância de ser "pedida" uma "contribuição" tal confirma que não se pode invocar qualquer direito relativamente à mesma. Tal facto não permite portanto equiparar o presente caso ao de um acordo sobre uma troca de prestações.

28. Não se percebe de modo claro o que é que o órgão jurisdicional de reenvio pretende dizer exactamente quando indica que uma "contribuição é pedida... e pode ser esperada tendo em conta a prática usual". Se tal indicação significasse que se devem esperar, por experiência, contribuições mais ou menos importantes, a mesma não teria qualquer interesse. Com efeito, o montante do donativo feito por cada um dos passantes (como tal resulta já da redacção da questão) não é determinado nem determinável. Em consequência, o costume a que se refere o órgão jurisdicional nacional não cria qualquer relação entre a prestação do recorrente e a contribuição de cada um dos passantes, que seja comparável à que existe no caso de uma troca acordada de prestações.

29. Tal acontece mesmo se na opinião do órgão jurisdicional de reenvio "a mesma pode ser esperada" de um passante médio, em razão de um costume social, que responde ao pedido de contribuição feito pelo recorrente. Não podendo o montante da soma paga ser determinado, tal prática também não cria uma situação comparável à resultante de um acordo sobre uma troca de prestações.

30. Consequentemente, cabe responder do seguinte modo à questão "1b.":

A este respeito é irrelevante que seja solicitada uma contribuição e que, atendendo à prática habitual, a mesma possa ser esperada sob a forma de um montante mais ou menos importante, mas de qualquer modo não determinado nem determinável.

C - Conclusão

31. Resumindo, proponho que se responda do seguinte modo às questões submetidas pelo Gerechtshof te Leeuwarden:

1) A actividade que consiste em tocar música na via pública, relativamente à qual não está estipulada qualquer remuneração mas pela qual o interessado recebe, no entanto, certas contribuições, não deve ser considerada uma prestação de serviços efectuada a título oneroso na acepção do artigo 2. da Sexta Directiva relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros relativas aos impostos sobre o volume de negócios.

2) A este respeito é irrelevante que seja solicitada uma contribuição e que, atendendo à prática habitual, a mesma possa ser esperada sob a forma de um montante mais ou menos importante, mas de qualquer modo não determinado nem determinável.

(*) Língua original: alemão.

(1) - Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54); alterada em último lugar pela Directiva 92/111/CEE do Conselho, de 14 de Dezembro de 1992 (JO L 384, p. 47).

(2) - Primeira Directiva 67/227/CEE do Conselho, de 11 de Abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios (JO 71, p. 1301; EE 09 F1 p. 3).

(3) - O sublinhado é nosso.

(4) - O sublinhado é nosso.

(5) - Acórdão de 1 de Abril de 1982, Hong-Kong Trade Development Council (89/81, Recueil, p. 1277).

(6) - N. 6 do acórdão; o sublinhado é nosso.

(7) - Trata-se do artigo 8. da Segunda Directiva (JO 1967, 71, p. 1303; EE 09 F1 p. 6). Este artigo é o precursor do artigo 11. da Sexta Directiva.

(8) - N. 11 do acórdão Hong-Kong Trade.

(9) - V. acórdão de 4 de Dezembro de 1990, Van Tiem/Staatsecretaris van Financiën (C-186/89, Colect., p. I-4363, n. 17).

(10) - A questão de saber se, e em que condições exactas, se podem assimilar excepcionalmente outras operações económicas às mencionadas no texto não tem que ser aqui examinada de modo definitivo. Com efeito, tal assimilação encontra-se aqui de qualquer modo excluída. V. adiante pontos 25 e segs.

(11) - Acórdãos de 5 de Fevereiro de 1981, Staatsecretaris van Financiën/Coeoperative Aardappelenbewaarplats (154/80, Recueil, p. 445, n. 12); de 8 de Março de 1988, Apple and Pear Development Council/Commissioners of Customs and Excise (102/86, Colect., p. 1443, n. 11); de 23 de Novembro de 1988, Naturally Yours Cosmetics Ltd/Commissioners of Customs and Excise (230/87, Colect., p. 6365, n. 11).

(12) - Acórdão Apple and Pear Development Council (v. nota anterior), n. 15.

(13) - Acórdãos Cooeperatieve Aardappelenbewaarplaats (v. nota 11), n. 13 e Naturally Yours Cosmetics (v. nota 11), n. 16.

(14) - V. infra, ponto 23.

(15) - Acórdão Cooeperatieve Aardappelenbewaarplaats (v. nota 11), n.os 10 e 11; acórdão Naturally Yours Cosmetics (v. nota 11), n. 16.

(16) - V. supra, pontos 7-13.

(17) - V. supra, ponto 14, primeiro travessão.

(18) - Observe-se, atendendo às circunstâncias do caso concreto, que se pode pôr em causa a própria existência de uma prestação de serviços . Resulta todavia da redacção e do contexto das questões prejudiciais que o que interessa o órgão jurisdicional de reenvio, é a característica que o artigo 2. da Sexta Directiva define pela expressão efectuadas a título oneroso .

(19) - V. supra, nota 12, bem como o respectivo texto.

(20) - V. supra, ponto 14, terceiro travessão.

(21) - Por exemplo a duração média de presença de cada um dos passantes, o montante médio da sua contribuição, etc.

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