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Document 52015IR6646

Parecer do Comité das Regiões Europeu — Desperdício alimentar

OJ C 17, 18.1.2017, p. 28–32 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, HR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

18.1.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 17/28


Parecer do Comité das Regiões Europeu — Desperdício alimentar

(2017/C 017/06)

Relator:

Ossi MARTIKAINEN (FI-ALDE)

Membro do Conselho Municipal de Lapinlahti

RECOMENDAÇÕES POLÍTICAS

O COMITÉ DAS REGIÕES EUROPEU

Introdução: panorama geral da situação e terminologia

1.

encara os resíduos alimentares e os resíduos gerados durante a produção, o tratamento, a distribuição e o consumo de alimentos como um importante problema mundial que compromete seriamente a consecução dos objetivos de desenvolvimento económico, social e ambiental. O problema só pode ser resolvido mediante uma cooperação alargada e determinada, que conte com a participação de diferentes níveis de governação e domínios de política. A sociedade civil e as empresas têm de ser plenamente associadas à adoção das medidas;

2.

considera insustentável a situação atual (1), dado que:

um terço dos produtos destinados ao consumo humano se perde nas diferentes fases do processo de produção (como matérias-primas, produtos semiacabados ou produtos acabados);

28 % das terras aráveis a nível mundial (1,4 mil milhões de hectares) produzem todos os anos alimentos que são desperdiçados;

o impacto climático dos produtos não utilizados gerados nas várias fases do processo corresponde a 3,6 Gt de equivalente-CO2 (sem contar as emissões resultantes da alteração do uso do solo);

padrões de produção e consumo geradores de desperdício implicam uma perda considerável de recursos hídricos, constituem um risco para a biodiversidade devido às terras aráveis que foram limpas desnecessariamente ou permanecem improdutivas, empobrecem o solo e causam a perda de outros recursos naturais limitados;

o elevado nível de desperdício alimentar ocorrido ao longo da cadeia de produção ou já na fase do produto final desvaloriza a agricultura e a produção alimentar e distorce a distribuição entre cada interveniente (incluindo o consumidor) na cadeia de valor dos alimentos, tornando-a injusta: as perdas financeiras anuais devido ao desperdício alimentar estão estimadas em um bilião de USD, o custo ambiental em 700 mil milhões de USD e o custo social em 900 mil milhões de USD;

3.

elaborou o presente parecer de iniciativa a fim de apoiar e encorajar a comunidade internacional no seu conjunto, assim como as Nações Unidas e as suas agências especializadas, nos seus esforços para melhorar a situação atual, nomeadamente na consecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) n.os 2 e 12 («Erradicação da fome» e «Consumo e produção responsáveis»), que visam reduzir para metade o desperdício alimentar até 2030 (2);

4.

entende que as iniciativas da Comissão Europeia nos domínios da eficiência na utilização dos recursos e da economia circular também proporcionam uma boa oportunidade para desenvolver projetos e legislação a fim de melhorar a sustentabilidade da produção e do consumo de alimentos;

5.

exorta a Comissão Europeia a tomar medidas para elaborar uma terminologia e definições normalizadas neste domínio ao nível europeu e insta-a a participar no diálogo internacional e a orientá-lo, assim como a assegurar que as medidas da UE têm em conta as observações e recomendações internacionais. Tal tornaria mais fácil identificar os problemas e fazer comparações, bem como ter em conta estas questões na legislação própria da UE e na cooperação com os seus parceiros comerciais e de desenvolvimento (3). Entre outras coisas, a UE é um mercado interno e tem uma política agrícola comum, pelo que necessita de conceitos e procedimentos comuns e de indicadores comparáveis, os quais podem servir de ponto de partida para a adoção de critérios comparáveis a nível regional e inter-regional para reduzir e prevenir o desperdício alimentar;

Políticas da União Europeia

O Comité das Regiões Europeu considera que as políticas próprias da União Europeia e as suas políticas comuns com os Estados-Membros têm um potencial considerável de resolução do problema do desperdício alimentar:

6.

a proposta de revisão da diretiva resíduos (Diretiva 2008/98/CE) aponta para uma tentativa de reduzir ainda mais a produção de resíduos, incluindo os resíduos alimentares;

7.

no que diz respeito à política agrícola comum, há que envidar mais esforços para assegurar que tanto a produção de alimentos eficiente em termos de recursos como as medidas de proteção da natureza e do ambiente sejam consideradas domínios de atividade de pleno direito. A atividade agrícola orientada para a obtenção de subsídios e a limitação das capacidades de produção são práticas que geram baixos rendimentos e levam a que algumas culturas não sejam colhidas, o que causa desperdício tanto ao nível do resultado final como ao longo de todos os esforços de produção;

8.

a política de comércio e a política dos consumidores, tanto no mercado interno como no comércio internacional, devem promover práticas e processos contratuais que reduzam os desperdícios. Por exemplo, as dimensões das embalagens adotadas pelo comércio de retalho e as normas aplicáveis ao formato e à dimensão dos alimentos geram um enorme desperdício de alimentos comestíveis. A promoção da venda de produtos a granel em recipientes domésticos recicláveis, reduzindo os custos para o consumidor, pode ajudar a educar para a compra em função da necessidade e em detrimento da aquisição de doses predefinidas e amiúde sobredimensionadas ou aliciantes porque menos dispendiosas;

9.

as práticas em matéria de prazos de validade e a rotulagem destinadas a promover a defesa do consumidor e a saúde pública não são as mais adequadas para todos os produtos, levando a que alguns alimentos sejam deitados fora desnecessariamente. À Comissão cabe um papel fundamental em determinar se é possível elaborar orientações sobre uma melhor utilização dos recursos, por exemplo, através da doação de produtos alimentares a instituições de beneficência e bancos alimentares, e da utilização como alimento para animais dos alimentos cuja data de validade tenha passado, desde que sejam cumpridas as normas de segurança alimentar. É necessário educar todos os intervenientes, produtores, retalhistas e consumidores, para que interpretem melhor as datas de validade. Importa, por exemplo, esclarecer que a inscrição «a consumir de preferência antes de» não significa que o alimento se torna tóxico findo o prazo indicado;

10.

na sua política de desenvolvimento, a União Europeia tem de unir os seus esforços aos de outros importantes dadores, a fim de celebrar acordos regionais de cooperação económica e comercial e de investir em processos que assegurem uma melhor ligação entre a produção e os consumidores, ao nível das infraestruturas e da tecnologia, e acima de tudo no desenvolvimento sustentável dos recursos naturais e dos setores agrícolas. Os programas de comércio justo, nomeadamente os que são apoiados pelos órgãos de poder local e regional, podem ser um instrumento importante neste domínio. Importa melhorar o funcionamento dos mercados locais, assim como o acesso dos produtos locais a esses mercados, nomeadamente através da internalização dos custos externos (por exemplo, o transporte de alimentos);

11.

as medidas de assistência às pessoas desfavorecidas devem continuar a incluir uma vertente de ajuda alimentar e a melhorar as ligações entre as organizações de assistência e os produtores locais, o setor de retalho e o setor da restauração, prevendo igualmente a venda direta a preço «simbólico» de produtos alimentares perto do fim do prazo de validade, e assegurando a dignidade e a privacidade de quem recebe ou compra alimentos em tais modalidades. A colaboração com o terceiro setor deve nortear-se pela proximidade, com uma ênfase particular nas redes locais e nas doações ou entregas a domicílio dentro dos municípios ou no âmbito de redes de municípios, procurando evitar, na medida do possível, o armazenamento e a grande distribuição de doações através de vastas redes regionais. A quantidade de alimentos desperdiçados pode ser reduzida através da diversificação dos alimentos e da inclusão de produtos locais e sazonais nesses programas (4);

12.

As regras em matéria de contratação pública poderiam incluir cláusulas destinadas a reduzir e a prevenir o desperdício alimentar.

Propostas de medidas concretas do ponto de vista dos órgãos de poder local e regional

O Comité das Regiões Europeu

13.

reitera o seu apelo para que a Comissão Europeia defina objetivos mais específicos de redução do desperdício alimentar em 30 % até 2025 (5), instando-a a desenvolver métodos uniformes de recolha de dados com vista a aferir os objetivos de redução do desperdício alimentar;

14.

acolhe favoravelmente o compromisso da Comissão Europeia de apoiar a consecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável através das medidas adequadas, da participação das partes interessadas, da partilha de inovações úteis e bem sucedidas e da avaliação comparativa pertinente (6);

15.

exorta a Comissão a ponderar a possibilidade de definir metas individuais de redução para cada fase da cadeia de produção alimentar: produção, transformação, comercialização e distribuição, serviços de restauração, agregados familiares e tratamento dos resíduos alimentares. Estas metas poderiam constituir uma meta global comum da UE, a alcançar através de programas e objetivos específicos por país, baseados nas características de cada um deles em cada uma das fases mencionadas, como foi o caso, por exemplo, da política de clima. A fim de ter plenamente em conta o contexto técnico, económico e ambiental, os programas e planos específicos por país seriam elaborados por todos os níveis de governo em cooperação;

16.

recomenda que a Comissão Europeia crie uma plataforma europeia que congregue diferentes níveis de governação e as partes interessadas pertinentes a fim de prevenir e reduzir o desperdício alimentar e de melhorar a gestão dos resíduos alimentares; está interessado em participar em atividades relacionadas com a avaliação comparativa de medidas concretas e com a promoção de boas práticas;

17.

insta a Comissão Europeia a promover e incentivar a criação de convenções entre o setor dos produtos alimentares a retalho e as instituições de beneficência nos Estados-Membros da UE (por exemplo, a iniciativa da França, que recentemente aprovou uma lei que proíbe as grandes lojas de deitar fora alimentos de boa qualidade prestes a ultrapassar o prazo de validade, bem como de destruir alimentos não vendidos mas ainda próprios para consumo). São igualmente necessários guias de doação de alimentos para as indústrias e instituições de beneficência, para clarificar questões de responsabilidade e incentivar as empresas a integrar mecanismos de redistribuição nos processos das suas cadeias de abastecimento. Importa instaurar procedimentos semelhantes noutras partes do setor da alimentação, como os serviços de restauração e de turismo. Os riscos para a segurança e a saúde pública devem ser avaliados em cada domínio de aplicação com base em critérios adaptados a esses domínios;

18.

convida os órgãos de poder local e regional, no que diz respeito aos géneros alimentícios retirados da distribuição primária, a estabelecerem cadeias de distribuição secundária eficazes (como o modelo das mercearias sociais) e a garantirem o acesso das pessoas desfavorecidas a alimentos ainda utilizáveis; recomenda que seja concedido apoio financeiro às instituições de beneficência e aos bancos alimentares para reforçar a sua capacidade operacional;

19.

chama também a atenção para as devoluções de peixe, que representam uma importante fonte de desperdício alimentar; convida a Comissão Europeia a prever um plano global (recomendações/orientações) para a transformação e comercialização dos produtos da pesca provenientes de capturas acessórias. Esse plano poderia incluir recomendações sobre a forma de utilizar as capturas indesejadas que sejam próprias para consumo humano;

20.

exorta os órgãos de poder local e regional que fornecem serviços de restauração a elaborar os seus próprios programas de prevenção do desperdício alimentar e a reutilizar eficazmente os resíduos produzidos; solicita que as empresas contratadas para fornecer serviços de restauração aos órgãos de poder local e regional sejam obrigadas a aplicar as mesmas medidas (7);

21.

salienta a importância de promover, em grande escala, o intercâmbio de boas práticas, nomeadamente as que visam, antes de mais, fomentar programas de incentivo ao consumo local de produtos comercializados por produtores locais através de cadeias de comercialização curtas, bem como de doações. Através dos métodos de boas práticas podem ser adotadas medidas adequadas com base na experiência adquirida, disponibilizando informação suficiente às administrações locais para porem em prática programas de desenvolvimento deste tipo e incentivando as que ainda não tenham dado um passo nesse sentido;

22.

recomenda que, na medida do possível, sejam usados produtos locais, regionais e sazonais como matérias-primas para os serviços de restauração (incluindo fornecimento público de refeições (catering), unidades de turismo e hotelaria, restaurantes e outras unidades que desenvolvem atividades similares), e defende que sejam promovidos os alimentos produzidos a nível local para encurtar a cadeia de produção e de consumo, reduzindo o número de fases de transformação e os resíduos gerados nas várias fases.

23.

recomenda a aplicação de códigos de boas práticas nas empresas dos setores alimentar, de restauração ou hoteleiro que pretendam otimizar o aproveitamento dos produtos, destinando-se os excedentes alimentares a fins sociais, através de redes de distribuição eficazes e com todas as garantias, podendo ser utilizados por entidades sociais e famílias desfavorecidas;

24.

anima os municípios e as autarquias locais que prestam serviços de ensino básico e outros serviços educativos a incluírem nos programas escolares o aspeto do desperdício alimentar e a respetiva redução, por exemplo, através de dias temáticos, visitas de estudo e da sensibilização dos alunos para a forma como a alimentação é gerida no seu estabelecimento, bem como da associação dos alunos e de outros clientes dos serviços de restauração ao desenvolvimento dos serviços de restauração. Importa que o maior número possível de alunos e estudantes adquiram, durante os seus estudos, uma visão de conjunto da forma como a produção e o consumo de alimentos afetam a economia, o ambiente e o comportamento social e eticamente sustentável dos consumidores;

da mesma forma, devem ser levadas a cabo campanhas de informação e formação sobre consumo responsável, dirigidas a todos os consumidores em geral e não só às crianças em idade escolar, centradas em especial na aquisição de produtos de acordo com as verdadeiras necessidades e na conservação dos mesmos;

25.

defende que a redução e a prevenção do desperdício alimentar sejam incluídas igualmente nos programas de aprendizagem ao longo da vida, no âmbito dos quais podem ser desenvolvidos métodos e soluções de aprendizagem orientados para as diferentes faixas etárias e etapas da vida;

26.

insta os municípios e as autarquias locais, em colaboração com as ONG, a lançar campanhas de sensibilização para a importância para os agregados familiares do planeamento das refeições;

27.

sublinha o importante papel e o empenho das organizações e dos atores da sociedade civil dos vários territórios regionais ativos na recolha e na redistribuição de alimentos resultantes do desperdício alimentar; reputa necessária, numa ótica de subsidiariedade, uma colaboração mais estreita entre os governos regionais e locais e as organizações sociais encarregadas da recolha e da redistribuição de alimentos resultantes do desperdício alimentar;

28.

recomenda que os órgãos de poder local e regional responsáveis pela gestão dos resíduos invistam na recolha seletiva e na reciclagem, divulguem de forma mais clara a proporção de alimentos desperdiçados e tornem os dados recolhidos acessíveis a todos, o que permitiria alcançar um nível mais elevado de recuperação dos resíduos, por exemplo, para compostagem e biogás. Daí poderiam advir efeitos positivos igualmente para a economia local, o emprego e a inovação ao nível local;

29.

insta todos os seus membros a divulgarem junto dos respetivos órgãos de poder local e regional os objetivos do presente parecer e a porem em prática os seus próprios programas de redução e prevenção do desperdício alimentar. Este é um dos meios mais eficientes, e capaz de produzir resultados mais rápidos, a que os órgãos de poder local e regional podem recorrer diretamente para promoverem um desenvolvimento ecológico e economicamente sustentável.

Bruxelas, 15 de junho de 2016.

O Presidente do Comité das Regiões Europeu

Markku MARKKULA


(1)  Os dados citados baseiam-se no relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) intitulado «Food wastage footprint — Impacts on natural resources» [Pegada dos resíduos alimentares — Impacto nos recursos naturais], de 2013.

(2)  Em especial os objetivos n.o 12.3 (até 2030, diminuir para metade o desperdício alimentar mundial per capita ao nível do retalho e do consumidor e reduzir as perdas de alimentos ao longo das cadeias de produção e distribuição, incluindo as perdas pós-colheita) e n.o 12.5 (redução significativa dos resíduos até 2030) preconizam programas e medidas desenvolvidos em conjunto pelos diferentes níveis de governação. O objetivo n.o 2 (erradicar a fome, alcançar a segurança alimentar, melhorar a nutrição e promover a agricultura sustentável) pode ser realizado por todos os órgãos de poder local e regional, a nível local e internacional.

(3)  A coexistência de definições e métodos de cálculo diferentes pode levar a conclusões divergentes. Segundo a FAO, a perda de alimentos (food loss) consiste na diminuição da quantidade ou da qualidade dos alimentos, refletida no valor nutricional, no valor económico ou na segurança alimentar de todos os alimentos produzidos para consumo humano mas não consumidos por seres humanos, ao passo que o desperdício alimentar (food waste) faz parte da perda de alimentos e designa o não aproveitamento ou o uso alternativo (não alimentar) de alimentos seguros e nutritivos para consumo humano ao longo das cadeias de abastecimento alimentar (FAO, 2014) http://www.fao.org/fileadmin/user_upload/save-food/PDF/FLW_Definition_and_Scope_2014.pdf. O projeto FUSIONS (2014) define o desperdício alimentar (food spill) como qualquer alimento, ou partes não comestíveis dos alimentos, que são retirados da cadeia alimentar sem terem sido utilizados.

(4)  O CR reitera a sua posição quanto às disposições do Regulamento FEAD (Fundo de Auxílio Europeu às Pessoas mais Carenciadas).

(5)  Resolução do CR sobre a «Alimentação sustentável».

(6)  COM(2015) 614 final.

(7)  Por exemplo, o CESE e o CR têm as suas próprias regras de ecogestão e cooperam no domínio das medidas concretas de reciclagem dos alimentos excedentários com a ajuda de organizações locais.


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