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Document 52014DC0064

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO CONSELHO E AO PARLAMENTO EUROPEU sobre a abordagem da UE contra o tráfico de vida selvagem

/* COM/2014/064 final */

52014DC0064

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO CONSELHO E AO PARLAMENTO EUROPEU sobre a abordagem da UE contra o tráfico de vida selvagem /* COM/2014/064 final */


COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO CONSELHO E AO PARLAMENTO EUROPEU

sobre a abordagem da UE contra o tráfico de vida selvagem

1.            O novo rosto do tráfico de vida selvagem: alteração drástica da natureza, da escala e do impacto

Atualmente, o mundo depara-se com um aumento significativo do comércio transfronteiriço ilegal de fauna e flora selvagens (tráfico de vida selvagem), que se tornou uma das atividades criminosas mais rentáveis a nível mundial. O tráfico de vida selvagem não é um fenómeno novo, mas a sua escala, a sua natureza e o seu impacto mudaram consideravelmente ao longo dos últimos anos. Uma recente resolução da ONU[1] identificou o tráfico de vida selvagem como «crime organizado grave», cometido pelo mesmo tipo de grupos de criminalidade organizada mundial responsáveis por atividades como o tráfico de seres humanos, drogas e armas de fogo. Uma vez que algumas milícias utilizam este tipo de tráfico para financiar as suas atividades, o Secretário-Geral e o Conselho de Segurança da ONU reconheceram que a caça furtiva e o tráfico de vida selvagem estão entre os fatores que contribuem para o agravamento da instabilidade na África Central e ameaçam a paz e a segurança na região[2].

Alguns números sobre o volume e o valor do tráfico de vida selvagem[3] O número de elefantes africanos mortos ilegalmente duplicou ao longo da última década e a quantidade de marfim apreendido triplicou, de acordo com as estimativas. Em 2012, caçadores furtivos mataram cerca de 22 000 elefantes. Em 2013, foram apreendidas mais de 40 toneladas de marfim ilegal. A população de elefantes africanos, estimada em 500 000 exemplares, está agora provavelmente em declínio em todas as sub-regiões africanas. A caça furtiva de rinocerontes intensificou-se significativamente na África do Sul. Em 2013, foram caçados ilegalmente mais de 1000 animais, em comparação com os 13 de 2007. No total, desde 2010, foram caçados ilegalmente na África do Sul cerca de 2500 espécimes, o que representa 80% da população total de rinocerontes africanos. Se a caça furtiva continuar a aumentar a este ritmo na África do Sul, a sua população de rinocerontes começará a declinar em 2016. A população mundial de tigres passou de 100 000 exemplares, há um século, para menos de 3500 atualmente. A caça furtiva representa 78 % das mortes de tigres de Samatra. Estima-se que o valor de revenda de chifres de rinoceronte é de cerca de 40 000 €/kg (o preço atual de 1 kg de ouro é de aproximadamente 31 000 €) e o preço do marfim em bruto atinge os 620 €/kg no mercado negro. Os ossos de tigre podem ver vendidos por 900 €/kg. Calcula-se que a exploração madeireira ilegal representa até 30 % do comércio mundial de madeira e contribui para mais de 50 % da desflorestação tropical na África Central, na Amazónia e no Sudeste Asiático. Estima-se também que o valor mundial da pesca ilegal seja de aproximadamente 10 mil milhões de euros por ano, representando 19 % do valor declarado de capturas.

O aumento do tráfico de vida selvagem é fomentado, sobretudo, por uma procura elevada e crescente de produtos de vida selvagem, especialmente em certas regiões da Ásia[4], devido a pobreza, governação deficiente e situações de instabilidade e crise nas principais regiões de origem dos produtos, e facilitado por lacunas na aplicação da lei e sanções insuficientemente dissuasivas.

O tráfico de vida selvagem constitui uma ameaça séria à biodiversidade e ao desenvolvimento sustentável. Espécies emblemáticas, como elefantes, rinocerontes, grandes símios, tigres ou tubarões, são particularmente afetadas pelo tráfico de vida selvagem, a ponto de a sobrevivência de algumas dessas espécies no seu habitat natural se encontrar em perigo. A caça furtiva de elefantes e rinocerontes atingiu os seus níveis mais elevados na história recente, pondo em causa a recuperação observada nas últimas três décadas. Mas o tráfico de vida selvagem envolve muitas mais espécies de animais e plantas (por exemplo, corais, répteis, pangolins, plantas e animais utilizados para fins medicinais) e produtos (por exemplo, madeira, carvão e carne de animais selvagens). A saúde pública está também em perigo, devido à propagação de doenças, uma vez que o contrabando de animais é feito sem qualquer controlo sanitário.

O tráfico de vida selvagem priva algumas das pessoas mais marginalizadas no mundo, incluindo comunidades indígenas, de oportunidades importantes para meios de vida sustentáveis. Direta ou indiretamente, os produtos de vida selvagem constituem um setor económico significativo em muitos países desenvolvidos e em desenvolvimento (por exemplo, através do turismo). Os governos perdem importantes fontes de receita devido ao comércio ilegal de vida selvagem, beneficiando, ao mesmo tempo, redes criminosas internacionais. O tráfico de vida selvagem está fortemente associado à corrupção e a fluxos monetários ilícitos (por exemplo, através do branqueamento de capitais) e afeta negativamente o Estado de direito e a boa governação. O tráfico de vida selvagem também custa vidas humanas: durante operações de combate à caça furtiva nos últimos dez anos, foram mortos cerca de 1000 guardas-florestais.

A UE continua a ser o maior mercado de destino de produtos ilegais de vida selvagem, com procura significativa, em especial, de espécies que atraem preços elevados no mercado negro. Ao mesmo tempo, os principais portos e aeroportos da UE são pontos de trânsito importantes para atividades de tráfico, sobretudo entre a África e a Ásia. Todos os anos, são apreendidos na União cerca de 2500 produtos de vida selvagem[5]. Também a partir dos Estados-Membros da UE, dentro da UE ou para países terceiros, são traficadas determinadas espécies raras de aves, corais, peixes e tartarugas.

De acordo com a Europol, o papel dos grupos criminosos organizados no tráfico de vida selvagem na UE está a aumentar, com base na expectativa de altos rendimentos, poucos riscos de deteção e níveis de sanções reduzidos[6].

A nova escala e dimensão do tráfico de vida selvagem atraiu maior atenção política, inclusive através de iniciativas por parte de diversos Estados-Membros da UE[7]. O Parlamento Europeu exigiu um Plano de Ação da UE específico para este efeito[8]. A Assembleia-Geral da ONU manifestou a sua profunda preocupação em dezembro de 2012. Os líderes do G8, bem como Ministros das Finanças africanos e líderes do Fórum para a Cooperação Económica Ásia-Pacífico (APEC), comprometeram-se, em 2013, a tomar medidas para combater o tráfico de vida selvagem.

O objetivo da presente comunicação é chamar a atenção para a urgência de um combate mais eficaz ao problema mundial do tráfico de vida selvagem. A comunicação examina e avalia as medidas existentes na UE para apoiar a luta contra o tráfico de vida selvagem, tanto a nível mundial (parte 2), como a nível da UE (parte 3). Por último, inicia um debate sobre a futura abordagem da UE ao tráfico de vida selvagem.

2.           Ação mundial contra o tráfico de vida selvagem

A UE tem apoiado diversas iniciativas a favor dos esforços internacionais contra o tráfico de vida selvagem. 

2.1. Regulação do comércio

O objetivo da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção (CITES) é garantir que o comércio internacional de cerca de 35 000 espécies protegidas de animais e plantas não ameaça a sua sobrevivência. Em março de 2013, as Partes na CITES chegaram a acordo sobre várias medidas concretas contra a caça furtiva e o tráfico de espécies ameaçadas (por exemplo, elefantes, rinocerontes, tigres, madeira tropical). A UE apoia firmemente a Convenção e desempenhou um papel essencial na adoção destas ações.

No domínio do tráfico de madeira, a UE celebrou acordos de parceria voluntários bilaterais, através dos quais apoia países parceiros no reforço da governação do setor florestal e na criação de um sistema nacional para a rastreabilidade e a verificação da legalidade. O Plano de Ação da UE para a aplicação da legislação, a governação e o comércio no setor florestal (FLEGT) foi suplementado pelo regulamento da UE relativo à madeira, para garantir que a madeira e os produtos da madeira colocados no mercado da União têm origem legal. 

A UE é também uma força motriz na luta contra a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN) a nível internacional, promovendo a adoção de medidas abrangentes de controlo e de mercado e de ações concretas nas organizações regionais de gestão das pescas, na FAO, na ONU e na Interpol. A UE disponibilizou apoio técnico a mais de 50 países terceiros para reforçar o cumprimento das obrigações internacionais de combate à pesca INN. Como medida de último recurso, se os países terceiros se recusarem a cooperar, a União pode inseri-los numa lista negra e, consequentemente, bloquear o seu comércio de produtos de pesca com a União Europeia.

Em todos os acordos de comércio livre (ACL) recentes com países terceiros (por exemplo, América Central, Colômbia/Peru, Singapura), a UE incluiu disposições destinadas a intensificar a implementação efetiva de acordos ambientais multilaterais, assim como disposições relacionadas com o comércio em domínios como a silvicultura e as pescas. A UE aplica a mesma abordagem nas negociações de ACL em curso, por exemplo, com o Canadá, o Japão, a Tailândia, os EUA e o Vietname. Além disso, concede preferências comerciais suplementares, através do regime especial do Sistema de Preferências Generalizadas (SPG), a países em desenvolvimento vulneráveis que ratifiquem e levem a efeito convenções internacionais sobre o desenvolvimento sustentável e a boa governação, incluindo a CITES.

2.2. Aplicação da legislação

Em muitos países de origem, de trânsito e de mercado final afetados pela caça furtiva e pelo comércio ilegal de vida selvagem, não são suficientes os recursos e o empenho das instâncias nacionais responsáveis pela aplicação da regulamentação vigente. A execução efetiva continua a ser um problema crítico, pois as rotas de comércio ilegal podem ser facilmente redirecionadas, de modo a aproveitar as deficiências da cadeia executória mundial.

Enquanto doador mais importante (1,73 milhões de euros) do Consórcio Internacional de Combate ao Crime contra a Vida Selvagem (ICCWC)[9], a Comissão tenciona abordar alguns destes problemas. O consórcio centra-se no intercâmbio de informações gerais e confidenciais, na coordenação de esforços de execução, assim como na intensificação da capacidade de execução e cumprimento (por exemplo, encorajando os países a utilizarem o seu «instrumento analítico sobre crimes contra a vida selvagem e as florestas»).

2.3. Apoio a cooperação e ação internacionais

A UE e todos os Estados-Membros fazem parte da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (UNTOC), que pode desempenhar um papel importante contra o tráfico de vida selvagem, na medida em que o tráfico organizado de vida selvagem é reconhecido como «crime organizado grave», ou seja, punível com uma sanção máxima de, pelo menos, quatro anos de prisão. Atualmente, este limite sancionatório não é cumprido por todos os Estados-Membros em relação ao tráfico de vida selvagem. Outro instrumento importante é a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, que um Estado-Membro não ratificou ainda[10]. Ações concretas e específicas contra o tráfico de vida selvagem no âmbito de ambas as convenções permanecem, até ao momento, limitadas. As vantagens de ferramentas específicas, como, por exemplo, um protocolo adicional para a UNTOC, poderão ser analisadas mais aprofundadamente.

O Grupo de Ação Financeira Internacional, que define padrões e avalia a aplicação de medidas de combate ao branqueamento de capitais, incluiu, em 2012, o «crime ambiental» na sua lista de infrações penais que devem ser consideradas relevantes para medidas de combate ao branqueamento de capitais[11]. Instrumentos que facilitem a aplicação desta nova recomendação, como diretrizes, poderão ser úteis para combater o tráfico de vida selvagem.

A nível diplomático, a UE abordou o problema do tráfico de vida selvagem diretamente junto dos principais países de origem e de destino, inclusive através de delegações suas. Até ao momento, o foco principal da ação internacional tem sido a África. A estratégia diplomática da União poderia beneficiar de um maior empenho em relação aos principais países de destino[12] e a outras regiões onde o tráfico de vida selvagem prospera, mas também de diálogos e parcerias de alto nível, a nível regional, como aconteceu na luta contra a pesca INN. Neste contexto, foram igualmente sugeridas outras ideias, como a intensificação da relação com a sociedade civil e o setor privado e a possibilidade de um representante ou enviado especial da ONU reunir e monitorizar as diferentes vias de ação mundial. 

Por outro lado, a UE celebrou uma série de acordos de parceria e cooperação com países terceiros (por exemplo, Indonésia, Filipinas, Vietname, Tailândia e Singapura), o que demonstra o empenho das partes num esforço de cooperação em questões ambientais, inclusive através da criação de capacidades para a participação em acordos ambientais multilaterais e sua concretização. Estes acordos incluem disposições sobre a cooperação no combate à criminalidade organizada.

2.4. Cooperação para o desenvolvimento

A cooperação da UE para o desenvolvimento tem contemplado as ameaças à vida selvagem, mediante o investimento na conservação, na criação de capacidades e no apoio à execução. De acordo com a sua política para o desenvolvimento, recentemente revista, a UE está ciente de que, para combater o tráfico de vida selvagem, são também necessárias medidas a longo prazo, de modo a proporcionar fontes de rendimento sustentáveis às comunidades locais, uma vez que o envolvimento no comércio ilegal de vida selvagem pode parecer, muitas vezes, uma opção fácil para gerar receitas.

A UE atribuiu mais de 500 milhões de euros para a conservação da biodiversidade em África ao longo dos últimos 30 anos, com um portefólio de projetos em curso no valor de, aproximadamente, 160 milhões de euros. Ainda assim, continua elevada a necessidade de gestão e conservação adequadas da biodiversidade em países em desenvolvimento.

A UE tem sido a principal financiadora do programa MIKE[13] desde 2001, com uma contribuição de 12 milhões de euros, abrangendo 71 locais na África e na Ásia. Em dezembro de 2013, a Comissão aprovou o financiamento de um novo programa MIKES[14], com um donativo de 12,3 milhões de euros.

A UE apoia diversos projetos nacionais e locais, por exemplo, no âmbito do Plano de Ação FLEGT e do mecanismo REDD+. Há também vários projetos, financiados pela UE com o objetivo de reduzir a corrupção e estabelecer a capacidade de ação penal e serviços judiciais, que apoiam o Estado de direito de modo geral, o que é essencial para uma luta bem-sucedida contra o tráfico de vida selvagem.

Apesar de todas estas iniciativas terem conduzido a alguns progressos, as sinergias entre conservação, meios de vida das populações locais, execução e boa governação nem sempre foram suficientemente aproveitadas. Acresce que a sustentabilidade a longo prazo de uma série de projetos continua a ser frágil, devido a responsabilidades e apoios insuficientes por partes das autoridades nacionais e locais (e, por vezes, das populações) e a uma grande dependência do financiamento externo. A programação da cooperação da UE para o desenvolvimento no período 2014-2020 representa uma oportunidade para resolver estas lacunas e definir uma abordagem completa em relação ao tráfico de vida selvagem.   

3.           Ação da UE contra o tráfico de vida selvagem

3.1. Regulação do comércio de vida selvagem

O comércio de recursos de vida selvagem para a UE e no seu interior é regulado através de um conjunto abrangente de normas, como o Regulamento (CE) n.º 338/97, relativo ao comércio da fauna e da flora selvagens, que executa a CITES na UE, o Regulamento (UE) n.º 995/2010, relativo à madeira, e o Regulamento (CE) n.º 1005/2008, contra a pesca INN. Os dois últimos proíbem a introdução no mercado da UE de, respetivamente, madeira extraída ilegalmente e peixe capturado ilegalmente.

A UE também tem em vigor legislação que proíbe o abate ilegal de espécies ameaçadas, nomeadamente a Diretiva 2009/147/CE, relativa à conservação das aves selvagens, e a Diretiva 92/43/CEE, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens. A Comissão adotou um roteiro para a eliminação do abate, da captura e do comércio de aves e monitoriza atentamente a sua aplicação[15].

Em alguns casos, as redes criminosas tiraram partido da complexidade das regras sobre o tráfico de vida selvagem, sobretudo do facto de algumas espécies poderem estar sujeitas a diferentes regimes de comércio, em função da sua origem ou dos tipos de produtos em causa. Um exemplo é o comércio de troféus de caça, que tinha sido isento de determinadas restrições comerciais. A UE atualiza continuamente e, quando necessário, reforça as suas normas internas, para garantir um controlo mais rigoroso por parte das autoridades executivas.  

3.2. Aplicação eficaz da legislação

É necessária uma aplicação eficaz da legislação em todas as cadeias nacionais de execução nos Estados-Membros, isto é, desde as autoridades do ambiente e das pescas, passando pelos funcionários das alfândegas e pela polícia, até ao Ministério Público e ao sistema judiciário.

A fim de encorajar os Estados-Membros a melhorarem a aplicação das normas da UE sobre o comércio de espécies protegidas pela CITES, a Comissão adotou em 2007 um plano de execução da UE, sob a forma de uma recomendação[16]. Este plano identifica um conjunto de ações, como planos de ação nacionais, sanções dissuasivas para crimes de comércio de vida selvagem e a utilização de avaliações de risco e informação. No entanto, estas recomendações não vinculativas foram aplicadas de forma irregular na UE e não abordam a vertente de criminalidade organizada que o tráfico de vida selvagem envolve.

Recursos limitados, falta de unidades especializadas na polícia e no Ministério Público e um grau variável de cooperação entre as agências de conservação da vida selvagem e outras instâncias executivas impedem também uma aplicação eficaz. Uma legislação sobre critérios vinculativos para inspeções eficazes e vigilância por parte dos Estados-Membros, conforme exige o 7.º Programa de Ação da UE em matéria de Ambiente para 2014-2020[17], poderia ajudar a melhorar a aplicação das normas da UE contra o tráfico de vida selvagem, se combinada com uma maior prioridade atribuída a esta questão.

A Diretiva 2008/99/CE, relativa à proteção do ambiente através do direito penal, requer que todos os Estados-Membros garantam que o comércio ilegal de vida selvagem seja considerado uma infração penal no âmbito da lei nacional e exige que todos os Estados-Membros apresentem sanções penais efetivas, proporcionais e dissuasivas. No entanto, a avaliação inicial da transposição para o direito nacional demonstra que ainda existem em diversos Estados-Membros falhas que importa solucionar.

Os níveis de sanções penais aplicáveis ao tráfico de vida selvagem variam significativamente dentro da UE. Em alguns Estados-Membros, os níveis máximos das sanções são inferiores a um ano de prisão. Isto não só limita o seu efeito dissuasivo, como também impede muitas vezes a utilização de instrumentos potencialmente importantes para investigações transfronteiriças ou nacionais, assim como para a cooperação judiciária entre os Estados-Membros, nomeadamente o mandado de detenção europeu.

3.3. Formação e criação de capacidades

Uma execução eficaz requer capacidades técnicas e consciencialização. A formação e a criação de capacidades devem abranger toda a cadeia executória, incluindo as autoridades judiciárias e o Ministério Público, de modo a evitar um grande número de casos investigados mas não processados e garantir que a gravidade da infração seja reconhecida pelos juízes. Foram organizadas algumas iniciativas a nível da UE: por exemplo, pela Academia Europeia de Polícia (CEPOL). A programação de instrumentos financeiros relevantes para o próximo período de financiamento oferece uma oportunidade para ter em consideração as falhas existentes na luta contra o tráfico de vida selvagem.

As redes da UE de agentes responsáveis pela aplicação das leis ambientais[18], de autoridades aduaneiras[19], de procuradores e de juízes[20] também desempenham um papel importante na construção de uma comunidade de autoridades executivas para combater o tráfico de vida selvagem. Instrumentos como a EU-TWIX, uma base de dados restrita para facilitar a cooperação e a partilha de informação confidencial entre as agências da UE de conservação da vida selvagem, oferecem apoio contínuo. No entanto, o estatuto e o financiamento das redes apenas são garantidos a curto prazo e, até ao momento, a cooperação entre redes tem sido escassa.

3.4. Combate à criminalidade organizada

A criminalidade organizada é um fator cada vez mais importante no tráfico de vida selvagem. Há vários instrumentos horizontais da UE para lidar com este tipo de crime em geral, como as decisões-quadro contra a criminalidade organizada[21] e sobre a confiscação e recuperação de bens[22]. Em princípio, estes instrumentos podem servir como ferramentas úteis contra o tráfico organizado de vida selvagem. No entanto, apenas podem ser aplicados se se atingir um determinado limite sancionatório, o que, neste momento, não acontece em todos os Estados-Membros no tocante ao tráfico de vida selvagem.

A investigação dos fluxos financeiros ilegais associados à criminalidade organizada, por exemplo, através do branqueamento de capitais e da evasão fiscal, é importante na luta contra o tráfico organizado de vida selvagem. A Diretiva 2005/60/CE[23] prevê medidas preventivas, nomeadamente através de obrigações de diligência devida, para que as instituições financeiras possam detetar transações suspeitas. A elaboração de diretrizes específicas sobre o significado de «diligência devida» no contexto do crime ambiental poderia ajudar a detetar crimes de branqueamento de capitais neste âmbito específico.

Em outubro de 2013, a Europol emitiu uma avaliação específica do crime ambiental, focando, nomeadamente, o comércio de espécies ameaçadas[24]. Neste momento, porém, a Europol não tem quaisquer projetos específicos relacionados com o crime ambiental. Tanto a Europol como a Eurojust poderiam prestar um apoio importante para congregar as autoridades nacionais em casos transfronteiriços de tráfico de vida selvagem e fornecer assistência analítica e prática. Para tal, as autoridades executivas nacionais devem facultar-lhes dados de qualidade e enviar-lhes pedidos de ajuda, o que, até ao momento, não tem ocorrido com frequência em relação ao tráfico de vida selvagem.

As prioridades acordadas pela UE para 2014 a 2017 para a luta contra a criminalidade grave e organizada[25] não incluem qualquer domínio de crime ambiental. A revisão intercalar em 2015 proporcionará oportunidade para reconsiderar estas prioridades, tendo em conta a avaliação recente da Europol que considera o crime ambiental uma ameaça crescente na UE, de modo a disponibilizar recursos adicionais e utilizar cada vez mais mecanismos de cooperação transfronteiriça.

3.5. Envolvimento da sociedade civil

A sociedade civil é um parceiro importante para que a UE possa garantir que a mobilização contra o tráfico de vida selvagem chega a todas as partes pertinentes. Algumas ONG têm experiência considerável em atividades como campanhas de sensibilização, investigações de conduta alegadamente ilegal ou formações especializadas, e os seus contributos provaram ser bastante valiosos para ajudar as autoridades públicas na elaboração e aplicação de políticas. A UE colabora regularmente com estas ONG em questões relacionadas com o tráfico de vida selvagem.

4. Conclusão

Existe regulamentação abrangente, a nível mundial e a nível da UE, para regular o comércio de vida selvagem, tendo a União prestado apoio significativo a iniciativas contra o tráfico de vida selvagem, como uma melhor gestão das áreas protegidas, a criação de capacidades e a cooperação para a implementação internacional. Contudo, as medidas tomadas nos últimos anos pela comunidade internacional não foram suficientes para impedir o expressivo recrudescimento recente do tráfico de vida selvagem, impulsionado por uma procura crescente, assim como pela pobreza e por uma governação deficiente nos países de origem. 

Um dos principais problemas é o facto de subsistirem falhas significativas no que respeita à aplicação efetiva das normas existentes, tanto na UE como a nível mundial. Esta situação está frequentemente associada à reduzida prioridade política que se atribui a esta questão, à insuficiência de recursos a nível nacional e à falta de consciência sobre a gravidade do problema. 

Outro ponto fraco importante das políticas vigentes é não terem tido suficientemente em conta que a abordagem à criminalidade organizada exige o envolvimento de agentes e instrumentos diferentes. Do mesmo modo, uma vez que apenas recentemente se tornaram evidentes, os aspetos do tráfico de vida selvagem relacionados com a paz e a segurança praticamente não foram abordados na resposta da UE às situações de crise, nem na política externa e de segurança preventiva.

A importância de abordar o problema sob a perspetiva da procura foi recentemente reconhecida pela comunidade internacional, sobretudo na CITES, mas poucas ações concretas foram ainda realizadas neste contexto.

Em resumo, o que falta até ao momento é uma abordagem abrangente e coordenada ao tráfico de vida selvagem, que tenha em conta simultaneamente o lado da oferta e o lado da procura e envolva todos os agentes relevantes em diferentes domínios de política.

Nesta conformidade, a Comissão convida todas as partes interessadas a contribuírem para o debate sobre a melhor forma de enfrentar os principais desafios e sobre o papel da UE na abordagem futura contra o tráfico de vida selvagem. Em particular, a Comissão solicita contributos escritos[26] relacionados com as seguintes perguntas:

O quadro político e legislativo atualmente em vigor na UE para o combate ao tráfico de vida selvagem é adequado? Deve a UE melhorar a sua abordagem ao tráfico de vida selvagem elaborando um novo plano de ação da UE, conforme solicitou o Parlamento Europeu? De que forma poderia a UE aumentar o compromisso político a todos os níveis contra o tráfico de vida selvagem? Que instrumentos diplomáticos seriam mais adequados para garantir coerência entre as diversas iniciativas internacionais? Em que instrumentos internacionais deve a UE concentrar-se para reforçar a ação executiva contra o tráfico de vida selvagem e fortalecer a governação? Que instrumentos são mais adequados para a ação da UE tratar a procura de produtos ilegais de vida selvagem a nível internacional e a nível da UE? Que papel poderiam a sociedade civil e o setor privado desempenhar neste contexto? Qual o melhor modo para a UE reforçar a abordagem das implicações do tráfico de vida selvagem em termos de paz e segurança? De que forma os instrumentos de cooperação da UE poderiam prestar maior apoio ao reforço das capacidades dos países em desenvolvimento para a conservação da vida selvagem e a ação contra o tráfico de vida selvagem? Que medidas poderiam ser tomadas para melhorar os dados sobre crimes contra a vida selvagem na UE, de modo a assegurar que a criação de políticas pode ser direcionada de forma mais eficaz? Que medidas poderiam ser tomadas para fortalecer a ação executiva das autoridades ambientais, da polícia, das autoridades aduaneiras e dos serviços dos ministérios públicos dos Estados-Membros contra o tráfico de vida selvagem e para reforçar a cooperação entre estas autoridades? Como se poderá sensibilizar o sistema judiciário? Qual a melhor forma de utilizar os instrumentos existentes contra a criminalidade organizada, a nível da UE e dos Estados-Membros, para combater o tráfico de vida selvagem? Que medidas adicionais deveriam ser consideradas (por exemplo, no que respeita a sanções)? Que contributo poderiam dar a Europol e a Eurojust neste contexto?

[1]               Adotada na Comissão de Prevenção ao Crime e Justiça Criminal da ONU e apoiada pelo Conselho Económico e Social da ONU.

[2]               Relatório do Secretário-Geral da ONU de 20 de maio de 2013, S/2013/297, Resolução 2121 (2013) do Conselho de Segurança da ONU.

[3]               Tal como acontece com todas as atividades ilegais, é muito difícil estimar o volume e o valor do tráfico de vida selvagem. Os recursos limitados atualmente disponíveis na maioria dos países para combater este tipo de crime deixam antever que, provavelmente, os valores reais são muito mais elevados.

[4]               Por exemplo, os principais destinos finais do marfim e dos chifres de rinoceronte são, respetivamente, a China e o Vietname.

[5]               O comércio ilegal de vida selvagem e a União Europeia: uma análise de dados de apreensões da EU-TWIX para o período de 2007-2011. Relatório elaborado por encargo da Comissão Europeia.

[6]               Europol, avaliações de 2011, 2012 e 2013 às ameaças organizadas graves.

[7]               A Alemanha organizou, juntamente com o Gabão, um evento de alto nível paralelo à Semana Ministerial da Assembleia-Geral, em setembro de 2013; a França organizou uma mesa-redonda por ocasião da Cimeira de Chefes de Estado e de Governo sobre Paz e Segurança em África, a 5 de dezembro de 2013; o Reino Unido organiza uma conferência de alto nível sobre o comércio ilegal de vida selvagem a 13 de fevereiro de 2014.

[8]               Resolução do Parlamento Europeu de 15/1/2014 (2013/2747(RSP)).

[9]               O ICCWC é composto pela CITES, a Interpol, o UNODC, o Banco Mundial e a Organização Mundial das Alfândegas.

[10]             Alemanha.

[11]             Normas internacionais para a luta contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo e a proliferação, adotadas em 2012 pelo GAFI.

http://www.fatf-gafi.org/media/fatf/documents/recommendations/pdfs/FATF_Recommendations.pdf

[12]             O acordo recentemente assinado pelo Comissário Potočnik e o ministro chinês da Proteção Ambiental, Zhou Sengxian, sobre os esforços comuns no combate ao tráfico de vida selvagem, ilustra este tipo de abordagem.

[13]             Monitorização do Abate Ilegal de Elefantes

[14]             Minimização do Abate Ilegal de Elefantes e de Outras Espécies Ameaçadas

[15]             www.ec.europa.eu/environment/nature/conservation/wildbirds/docs/Roadmap%20illegal%20killing.pdf

[16]             JO L 159 de 20/6/2007, p. 45.

[17]             JO L 354 de 28/12/2013, p. 171.

[18]             Por exemplo, o grupo de aplicação dos regulamentos relativos ao comércio da fauna e da flora selvagens e a EnviCrimeNet.

[19]             Grupo de peritos sobre a ação das autoridades aduaneiras para proteção da saúde, do património cultural, do ambiente e da natureza (grupo de peritos PARCS).

[20]             ENPE (rede de procuradores europeus para questões do ambiente); fórum europeu de juízes para questões do ambiente.

[21]             Decisão-Quadro 2008/841/JAI, relativa à luta contra a criminalidade organizada.

[22]             Decisão-Quadro 2005/212/JAI, relativa à perda de produtos, instrumentos e bens relacionados com o crime (atualmente em processo de revisão).

[23]             Diretiva 2005/60/CE, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo (atualmente em processo de revisão).

[24]             Avaliação da Europol à ameaça de crime ambiental, 2013.

[25]             www.consilium.europa.eu/uedocs/cms_Data/docs/pressdata/en/jha/137401.pdf.

[26]             A enviar até 10 de abril de 2014 para env-eu-against-wildlife-trafficking@ec.europa.eu.

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