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Document 52012PC0085

Proposta de DIRETIVA DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO sobre o congelamento e o confisco do produto do crime na União Europeia

/* COM/2012/085 final - 2012/0036 (COD) */

52012PC0085

Proposta de DIRETIVA DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO sobre o congelamento e o confisco do produto do crime na União Europeia /* COM/2012/085 final - 2012/0036 (COD) */


EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

1. CONTEXTO DA PROPOSTA 1.1. Contexto geral

A presente proposta de diretiva visa facilitar o confisco e a recuperação pelas autoridades dos Estados-Membros dos produtos do crime provenientes da criminalidade grave e organizada transnacional. Procura combater os incentivos financeiros ao crime, proteger a economia legal contra a infiltração da criminalidade e da corrupção e restituir os produtos do crime às autoridades públicas que prestam serviços aos cidadãos. A proposta dá uma resposta ao contexto económico atual de crise financeira e de desaceleração do crescimento económico, que tem criado novas oportunidades para os criminosos, agravado as vulnerabilidades das nossas economias e do sistema financeiro e colocado novos desafios às autoridades públicas, as quais têm de financiar uma necessidade crescente de serviços sociais e de assistência.

Os grupos criminosos organizados desenvolvem atividades ilegais concebidas para gerar lucros. Estão envolvidos numa grande diversidade de atividades criminosas transnacionais – tráfico de droga ou de seres humanos, tráfico de armas e corrupção – que podem gerar lucros enormes.

Segundo as estimativas das Nações Unidas, em 2009 o montante total do produto das atividades criminosas a nível mundial terá ascendido a 2,1 biliões de USD, ou seja 3,6% do produto interno bruto mundial[1]. Embora não existam estimativas fidedignas sobre montantes de origem criminosa na União Europeia[2], o Banco de Itália estimou o produto do crime organizado objeto de branqueamento em 2011 em Itália em 150 mil milhões de EUR. No Reino Unido esses ganhos foram estimados em 2006 em 15 mil milhões de libras.

Os lucros obtidos com essas atividades são objeto de branqueamento e reinvestidos em atividades legais. Cada vez mais os grupos de criminalidade organizada ocultam e reinvestem os seus ativos em Estados-Membros distintos daqueles em que os crimes foram praticados[3]. Isto dificulta os esforços de luta contra o crime organizado grave e transnacional no conjunto da UE, afeta o funcionamento do mercado interno, falseia a concorrência com as empresas legítimas e prejudica a confiança depositada no sistema financeiro[4]. Por último, a criminalidade grave e organizada priva os governos nacionais e o orçamento da UE de importantes receitas fiscais.

Todos os Estados-Membros devem, por conseguinte, adotar regimes eficazes para poder congelar, gerir e confiscar os produtos do crime, apoiados num enquadramento institucional e em recursos humanos e financeiros adequados. No entanto, embora regulamentado pelas legislações nacionais e pelas normas da UE, o confisco de bens de origem criminosa continua a ser pouco desenvolvido e é muito poucas vezes utilizado. O montante total recuperado à criminalidade na UE é muito modesto, quando comparado com os ganhos estimados dos grupos de criminalidade organizada[5]. Por exemplo, os bens confiscados em 2009 elevaram-se a 185 milhões de EUR em França, 154 milhões de libras no Reino Unido, 50 milhões de EUR nos Países Baixos e 281 milhões de EUR na Alemanha.

Tratando-se de um instrumento muito eficaz na luta contra a criminalidade grave e organizada, o confisco de bens de origem criminosa recebeu prioridade estratégica a nível da UE. O Programa de Estocolmo de 2009[6] insta os Estados-Membros e a Comissão a tornarem mais eficaz o confisco de bens de origem criminosa e a reforçarem a cooperação entre os gabinetes de recuperação de bens.

As conclusões do Conselho «Justiça e Assuntos Internos» sobre confisco e recuperação de bens, de junho de 2010[7], apelam a uma maior coordenação entre os Estados‑Membros para permitir um confisco mais eficaz e generalizado dos produtos do crime. Instam a Comissão, em especial, a considerar a possibilidade de reforçar o quadro jurídico, de modo a criar regimes de confisco de bens de terceiros e de confisco alargado mais eficazes. Essas conclusões realçam a importância de todas as fases do processo de confisco e recuperação de bens, formulando recomendações de medidas destinadas preservar o valor desses bens durante esse processo.

A comunicação da Comissão intitulada «Estratégia de Segurança Interna da UE em Ação»[8] previa que Comissão propusesse legislação para reforçar o quadro jurídico da UE neste domínio, a fim de facilitar o confisco de bens de terceiros[9] e o confisco alargado, bem como o reconhecimento mútuo entre os Estados-Membros das decisões de confisco não baseadas em condenações[10].

Em outubro de 2011, o Parlamento Europeu adotou um relatório de iniciativa sobre a criminalidade organizada, no qual instava a Comissão a propor, o mais rapidamente possível, nova legislação sobre o confisco, nomeadamente definindo regras sobre a utilização eficaz do confisco alargado e do confisco não baseado numa condenação, normas que permitam o confisco dos bens transferidos para terceiros e regras para tornar menos rigorosas as disposições em matéria de ónus da prova após a condenação do infrator por um crime grave relativo à origem dos bens na sua posse[11].

Na sua Comunicação sobre o produto da criminalidade organizada, adotada em 2008[12], a Comissão definiu dez prioridades estratégicas para os trabalhos futuros, tendo identificado as lacunas existentes no quadro jurídico da UE (falta de execução, falta de clareza de certas disposições, incoerência entre as disposições em vigor).

Neste contexto, a Comissão propõe a adoção de uma diretiva que fixe normas mínimas para os Estados-Membros em matéria de congelamento e confisco de bens de origem criminosa, através das seguintes formas: confisco direto, confisco de valores, confisco alargado, confisco não baseado numa condenação (em circunstâncias determinadas) e confisco de bens de terceiros. A adoção dessas regras mínimas contribuirá para harmonizar os regimes de congelamento e confisco de bens dos Estados-Membros, promovendo, assim, a confiança mútua e uma cooperação transnacional mais eficaz.

A Comissão deve, além disso, continuar a explorar formas possíveis de consolidar o reconhecimento mútuo das decisões de congelamento ou de confisco, respeitando plenamente os direitos fundamentais. A prazo, todas as decisões de confisco e de congelamento proferidas por um Estado‑Membro devem ser efetivamente executadas em relação a bens situados noutro Estado-Membro. Para o efeito, a Comissão continuará a incentivar os Estados‑Membros a desenvolverem os instrumentos jurídicos em vigor na UE em matéria de reconhecimento mútuo.

A presente proposta não implica quaisquer custos para o orçamento da UE. Não diz respeito à dotação orçamental do produto dos confiscos.

1.2. Disposições da UE em vigor neste domínio

O enquadramento jurídico em vigor na UE em matéria de congelamento e confisco dos produtos do crime é composto por quatro decisões-quadro do Conselho e por uma decisão do Conselho:

· Decisão-Quadro 2001/500/JAI[13], que obriga os Estados-Membros a permitirem o confisco, ao autorizar o confisco de valores[14] quando o produto direto do crime não possa ser apreendido, e a garantir que os pedidos provenientes de outros Estados‑Membros são tratados com a mesma prioridade concedida aos internos;

· Decisão-Quadro 2005/212/JAI[15], que harmoniza as legislações em matéria de confisco. O confisco comum, incluindo o confisco de valores, deve ser imposto a todos os crimes puníveis com pena de prisão até 1 ano. O confisco alargado[16] deve ser imposto a certos crimes graves, quando «praticados no quadro de uma organização criminosa»;

· Decisão-Quadro 2003/577/JAI[17], que prevê o reconhecimento mútuo das decisões de congelamento;

· Decisão-Quadro 2006/783/JAI[18], que prevê o reconhecimento mútuo das decisões de confisco; e

· Decisão 2007/845/JAI[19] do Conselho relativa à cooperação entre os gabinetes de recuperação de bens, que obriga os Estados-Membros a criar ou a designar gabinetes nacionais de recuperação de bens como pontos de contacto centrais a nível nacional, a fim de facilitar, através da cooperação reforçada, uma deteção mais rápida dos bens provenientes de atividades criminosas em toda a UE.

Estes instrumentos foram desenvolvidos essencialmente para combater a criminalidade grave e organizada. No entanto, com exceção das disposições em matéria de confisco alargado, o atual quadro jurídico da UE em matéria penal aplica-se ao confisco de produtos de qualquer crime passível de pena privativa de liberdade superior a um ano.

1.3. Coerência com outras políticas

O programa de trabalho da Comissão para 2011 contemplava a presente proposta como uma iniciativa estratégica, no âmbito de uma iniciativa política mais vasta destinada a proteger a economia legal da infiltração da criminalidade. Essa iniciativa contemplava medidas de combate à corrupção na UE[20], assim como uma estratégia de luta contra a fraude na UE[21], adotada em Junho de 2011. Ao proteger a economia legal, a presente proposta contribui para o crescimento e o emprego na Europa, promovendo o crescimento sustentável, em sintonia com a Estratégia Europa 2020[22].

O pacote de medidas de luta contra a corrupção, adotado pela Comissão em junho de 2011, criou uma estratégia reforçada de luta contra a corrupção, abrangendo uma vasta gama de políticas internas e externas da UE, tendo instituído um novo mecanismo de apresentação de relatórios que irá permitir, a partir de 2013, avaliar com regularidade os esforços envidados pelos Estados-Membros em matéria de luta contra a corrupção. A comunicação sobre a luta contra a corrupção na UE apelava aos Estados-Membros para que adotassem todas as medidas necessárias para assegurar a deteção, o julgamento, a aplicação sistemática de sanções dissuasoras e a recuperação dos bens adquiridos ilegalmente em casos de corrupção. Salientava, além disso, a necessidade de uma revisão do quadro jurídico da UE em matéria de confisco e de recuperação de bens, de modo a que os tribunais dos Estados‑Membros possam confiscar eficazmente os produtos do crime, assim como outros bens ilegitimamente adquiridos e recuperar a totalidade dos montantes correspondentes, incluindo nos casos que envolvem corrupção.

No mesmo contexto de proteção da economia legal, a Comissão lançou, em 2011, várias iniciativas a fim de estabelecer melhores garantias para proteger o dinheiro dos contribuintes a nível da UE contra a fraude e a corrupção. Entre estas incluem-se uma proposta da Comissão que altera o quadro jurídico do OLAF[23], a Comunicação sobre a proteção dos interesses financeiros da UE pelo direito penal e os inquéritos administrativos[24] e a Comunicação sobre a Estratégia Antifraude da Comissão. A aplicação desta estratégia é levada a cabo em estreita coordenação com os trabalhos relativos ao mecanismo da UE de apresentação de relatórios anticorrupção. Este último incide principalmente sobre a aplicação das políticas anticorrupção nos Estados‑Membros enquanto a Estratégia Antifraude centra-se sobretudo nas medidas que permitem prevenir e combater a fraude e a corrupção, em especial no que se refere aos recursos financeiros da UE.

A presente proposta é compatível com a legislação da UE em matéria de branqueamento de capitais, designadamente a terceira diretiva da UE relativa ao branqueamento de capitais[25] e outras iniciativas conexas que a Comissão, as outras instituições da UE e os Estados‑Membros levam a cabo neste domínio.

2. Resultados da consulta das partes interessadas e da avaliação de impacto 2.1. Consulta das partes interessadas

A presente proposta foi elaborada em conformidade com os princípios da Comissão visando legislar melhor. Na sua elaboração e na avaliação de impacto foram respeitadas as regras mínimas de consulta das partes interessadas.

Foram mantidas consultas e discussões com peritos no âmbito da reunião plenária da rede CARIN, que reagrupa as autoridades competentes em matéria de recuperação de bens[26] (setembro de 2010) e em oito reuniões da plataforma informal dos gabinetes de recuperação de bens da UE entre 2009 e 2011.

Não foi efetuada qualquer consulta aberta na Internet, pois trata-se de um assunto demasiado especializado e em relação ao qual não existem muitos peritos. Foram estabelecidos contactos com a sociedade civil, nomeadamente com as organizações de defesa da legalidade, de luta contra a criminalidade organizada e de proteção das vítimas da criminalidade[27].

Foram também amplamente debatidos com os peritos questões relativas ao confisco dos produtos do crime. É cada vez mais frequente a organização de reuniões internacionais de profissionais e seminários estratégicos sobre o confisco e a recuperação de bens[28]. Os profissionais consideram que a maior parte das disposições incluídas na proposta refletem as melhores práticas previstas nas recomendações formuladas pela rede CARIN entre 2005 e 2010. Essas disposições também estão em conformidade com as recomendações em matéria de confisco formuladas pelo Grupo de Ação Financeira (GAFI) da OCDE[29].

Os Estados-Membros já haviam expressado, em 2010, nas conclusões do Conselho JAI acima referidas, a sua posição sobre estas questões. Embora se tenha registado um amplo consenso quanto à maioria das questões, alguns Estados-Membros manifestaram reservas quanto às decisões de confisco não baseadas em condenações. Em contrapartida, em relação a outras questões (nomeadamente o confisco de bens de terceiros e a gestão de ativos) acordaram em que é necessária uma resposta mais forte da UE.

Os advogados de defesa consultados manifestaram a sua preocupação quanto ao aumento das possibilidades de confisco alargado, de confisco na falta de uma condenação e de confisco de bens de terceiros, dadas as suas implicações em matéria de direitos fundamentais (eventual limitação do direito de propriedade e do direito a um julgamento justo). Como é seguidamente descrito, tais preocupações foram cuidadosamente tidas em conta na elaboração da presente proposta.

2.2. Avaliação de impacto

Em conformidade com a sua política visando legislar melhor, a Comissão procedeu a uma avaliação do impacto das várias opções com base num estudo externo concluído em março de 2011[30].

Esse estudo externo baseou-se numa vasta consulta dos profissionais e peritos, incluindo alguns pontos de contacto nacionais da rede CARIN. Tal como ficou demonstrado pela sua posição na negociação das referidas conclusões do Conselho, os Estados‑Membros estão, em geral, de acordo em que a UE precisa de normas mais rigorosas em matéria de recuperação de bens.

A avaliação de impacto baseou-se igualmente nas conclusões e recomendações de outro estudo, concluído em 2009[31]. Esse estudo analisou as práticas dos Estados-Membros em matéria de confisco, incidindo especialmente nas experiências que se mostraram mais eficazes a nível nacional, de modo a promover o intercâmbio de melhores práticas. O estudo identificou vários obstáculos à eficácia do confisco, designadamente a existência de tradições jurídicas antagónicas, o que impede uma abordagem comum das medidas de confisco, a existência de dificuldades para apreender ou conservar os bens, a falta de recursos e de formação, a falta de contacto entre os diferentes serviços e a inexistência de estatísticas coerentes e comparáveis.

Por último, a avaliação de impacto baseou-se nos relatórios de execução publicados pela Comissão sobre os atos jurídicos em vigor na UE. Os relatórios sobre as decisões-quadro 2005/212/JAI[32], 2003/577/JAI[33] e 2006/783/JAI[34] revelam que os Estados-Membros têm sido lentos a transpor estes textos e que as suas disposições foram muitas vezes transpostas de forma incompleta ou incorreta. Apenas a aplicação da Decisão 2007/845/JAI do Conselho nos Estados-Membros pode ser considerada moderadamente satisfatória[35].

A avaliação de impacto analisou as várias opções que correspondem a diferentes graus de intervenção da UE: uma opção não legislativa, uma opção legislativa mínima (correção das insuficiências no atual quadro jurídico que impedem o seu correto funcionamento) e uma opção legislativa máxima (que excede os objetivos do atual quadro jurídico da UE). Neste último caso, foram analisadas duas subopções legislativas máximas, uma incluindo e outra excluindo uma intervenção da UE quanto ao reconhecimento mútuo pelos Estados‑Membros das decisões de congelamento ou de confisco.

A opção preferida é a opção legislativa máxima. Esta opção melhoraria consideravelmente a harmonização das regras nacionais em matéria de confisco e de execução das decisões, nomeadamente alterando as disposições em vigor em matéria de confisco alargado, introduzindo novas disposições em matéria de confisco não baseado numa condenação e de confisco de bens de terceiros, assim como regras mais eficazes para o reconhecimento mútuo das decisões de congelamento ou de confisco.

Entre outros direitos fundamentais, a avaliação de impacto analisou os efeitos em termos de proteção dos dados pessoais, que foram considerados negligenciáveis.

O texto completo da avaliação de impacto está disponível em: http://ec.europa.eu/home-affairs/policies/crime/crime_confiscation_en.htm

2.3. Base jurídica

A presente proposta tem por base o artigo 82.º, n.º 2 e o artigo 83.º, n.º 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

A atribuição de competências relacionadas com o confisco e a recuperação de ativos sofreu alterações na sequência da entrada em vigor do Tratado de Lisboa. Como a principal base jurídica da presente proposta é o artigo 83.º, n.º 1, do TFUE, o seu âmbito de aplicação está limitado às infrações nos domínios enunciados no mesmo artigo, designadamente terrorismo, tráfico de seres humanos e exploração sexual de mulheres e crianças, tráfico de droga, branqueamento de capitais, corrupção, contrafação de meios de pagamento, criminalidade informática e criminalidade organizada. O tráfico de armas só é abrangido se o crime for cometido no âmbito da criminalidade organizada.

Um dos domínios de criminalidade enumerado é o «crime organizado». A proposta irá, por conseguinte, abranger outras atividades criminosas não especificamente enumeradas no artigo 83.º, n.º 1, sempre que estas sejam praticadas através de participação em organização criminosa na aceção da Decisão-Quadro 2008/841/JAI do Conselho relativa à luta contra a criminalidade organizada[36].

A limitação do âmbito de aplicação da presente proposta aos domínios de criminalidade enumerados no artigo 83.º, n.º 1, incluindo os crimes cometidos através da participação em organização criminosa, implica que as disposições atuais das normas da UE em matéria de confisco devem permanecer em vigor de modo a assegurar um certo grau de harmonização quanto às atividades criminosas que não se insiram no âmbito de aplicação da presente diretiva. Consequentemente, a proposta mantém em vigor os artigos 2.º, 4.º e 5.º da Decisão‑Quadro 2005/212/JAI.

2.4. Subsidiariedade, proporcionalidade e respeito dos direitos fundamentais

Nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do Tratado da União Europeia, a União só pode agir se os objetivos da ação proposta não puderem ser suficientemente realizados pelos Estados‑Membros. O artigo 67.º do TFUE prevê que a União proporcione aos seus cidadãos um elevado nível de segurança mediante a prevenção e a luta contra a criminalidade. O confisco de bens de origem criminosa é cada vez mais encarado como um importante instrumento de combate à criminalidade organizada, na medida em que esta assume muitas vezes um caráter transnacional e, por essa razão, deve ser combatida numa base comum. A UE está, portanto, mais bem colocada do que os Estados-Membros isoladamente para regulamentar o congelamento e o confisco dos bens de origem criminosa.

É cada vez mais frequente os grupos de criminalidade organizada esconderem e investirem os seus ativos fora do país onde estes foram obtidos (e muitas vezes em vários países)[37]. Esta dupla dimensão transnacional (das atividades do crime organizado e dos seus investimentos) reforça a necessidade de uma intervenção da UE relativamente aos bens dos grupos de criminalidade organizada.

Todas as disposições respeitam plenamente o princípio da proporcionalidade e os direitos fundamentais, designadamente o direito de propriedade, a presunção de inocência, o direito de defesa, o direito a um julgamento justo, o direito a um processo equitativo e público dentro de um prazo razoável, o direito a um recurso efetivo para um órgão jurisdicional e a ser informado sobre a forma de o exercer, o direito ao respeito pela vida privada e familiar, o direito à proteção dos dados de caráter pessoal, o direito a não ser julgado ou punido penalmente mais do que uma vez pelo mesmo delito, assim como os princípios da legalidade e da proporcionalidade dos delitos e das penas.

Concretamente, a introdução de disposições harmonizadas em matéria de confisco não baseado numa condenação está prevista apenas em circunstâncias muito limitadas, ou seja, nos casos em que o arguido não possa ser alvo de uma ação judicial por motivo de falecimento, doença ou fuga. O confisco alargado só é autorizado se um tribunal concluir, com base em dados concretos, que uma pessoa condenada por um crime possui bens em relação aos quais é muito mais provável provirem de outras atividades criminosas do que de outro tipo de atividades. A pessoa que foi alvo da condenação deve ter possibilidades efetivas de ilidir tal presunção. Além disso, as competências alargadas em matéria de confisco não se aplicam ao alegado produto de atividades criminosas em relação ao qual a pessoa em causa tenha sido absolvida num julgamento anterior ou nos outros casos em que é aplicável o princípio ne bis in idem. O confisco de bens de terceiros só é autorizado em determinadas condições, ou seja, quando o terceiro adquirente, tendo pago um valor inferior ao valor de mercado, devesse ter suspeitado que o bem em causa tinha uma origem criminosa, e apenas depois de uma avaliação que demonstre ser pouco provável que o confisco de bens diretamente junto da pessoa que os transferiu tenha êxito. Por último, a proposta prevê garantias específicas e vias de recurso judiciais que assegurem um nível equivalente de proteção e de respeito dos direitos fundamentais. Estas incluem o direito de ser informado quanto ao andamento do processo, o direito de ser representado por um advogado, a obrigação de comunicar o mais rapidamente possível as decisões que afetem o direito de propriedade e a possibilidade efetiva de recurso contra essas decisões. Estas vias de recurso específicas devem estar ao dispor não só das pessoas suspeitas ou arguidas mas também de outras pessoas no âmbito do confisco de bens de terceiros.

Embora tenha evitado pronunciar-se sobre questão de princípio da compatibilidade com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem dos regimes de confisco alargado e de confisco não baseado numa condenação, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já proferiu várias decisões defendendo a aplicação destes regimes em casos concretos. Em certos casos, o Tribunal tem aceite processos nacionais de confisco não baseados em condenações que implicam uma inversão do ónus da prova relativa à legitimidade dos bens (o que é muito mais ambicioso do que o previsto nas disposições da presente diretiva), desde que aplicados de forma equitativa no caso concreto e acompanhados de garantias adequadas para o interessado. Por exemplo, num processo relativo à aplicação da legislação italiana foi aceite como uma limitação proporcionada dos direitos fundamentais na medida em que constituía uma «arma necessária» para combater a Máfia[38]. Noutro processo, a aplicação do regime de confisco civil do Reino Unido foi considerada conforme com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem[39].

2.5. Escolha dos instrumentos

Para alterar as disposições da UE em matéria de harmonização, o único instrumento viável é uma diretiva que substitua a Ação Comum 98/699/JAI e, parcialmente, as decisões‑quadro 2001/500/JAI e 2005/212/JAI.

2.6. Disposições específicas

- Objeto (artigo 1.º)

Esta disposição esclarece que a Diretiva estabelece apenas normas mínimas (a legislação nacional pode ter um alcance mais vasto) e que apenas diz respeito ao confisco de instrumentos e de produtos do crime.

- Definições (artigo 2.º)

A maior parte das definições foram retiradas de decisões-quadro da UE anteriores ou de convenções internacionais. A definição de «produto do crime» foi alargada, comparativamente com a prevista na Decisão-Quadro 2005/212/JAI do Conselho, de modo a abranger a possibilidade de se proceder ao confisco de todos os benefícios resultantes de produtos do crime, incluindo o produto indireto.

A definição de «infração penal» remete para as definições específicas nos domínios da criminalidade enumeradas no artigo 83.º, n.º 1, do TFUE, tal como constam da legislação da UE em vigor.

- Confisco (artigo 3.º)

Esta disposição integra (parcialmente) o artigo 2.º da Decisão-Quadro 2005/212/JAI do Conselho e (parcialmente) o artigo 3.º da Decisão-Quadro 2001/500/JAI. Exige aos Estados‑Membros que permitam o confisco de instrumentos e de produtos do crime na sequência de uma condenação definitiva, assim como o confisco de bens de valor equivalente ao produto do crime.

- Poderes de confisco alargados (artigo 4.º)

O confisco alargado abre a possibilidade de confiscar outros bens para além do produto direto de um determinado crime. Uma condenação penal pode dar origem a um confisco (alargado) não só dos bens diretamente relacionados com esse crime específico mas também de outros bens que o tribunal tenha determinado serem produto de crimes semelhantes.

A legislação da UE já prevê poderes de confisco alargado. A Decisão-Quadro 2005/212/JAI do Conselho obriga os Estados-Membros a autorizarem o confisco de bens pertencentes, direta ou indiretamente, a pessoas condenadas por crimes graves (relacionados com a criminalidade organizada ou com o terrorismo). No entanto, a Decisão-Quadro estabelece um conjunto mínimo de regras facultativas para o confisco alargado, deixando aos Estados‑Membros a possibilidade de aplicarem uma, duas ou as três opções. O relatório da Comissão sobre a aplicação revelou que estas disposições não eram claras e haviam causado uma transposição fragmentada. Além disso, as diferentes opções de confisco alargado reduziram as possibilidades de reconhecimento mútuo das decisões de confisco. As autoridades de um Estado-Membro só podem executar as decisões de confisco proferidas noutro Estado-membro se estas forem baseadas nas mesmas opções alternativas aplicadas nesse Estado-Membro. Como resultado, é muito difícil o reconhecimento mútuo de decisões de confisco alargado.

A presente proposta introduz a possibilidade de confisco alargado em relação aos crimes enumerados no artigo 83.º. n.º 1, do TFUE, nos termos da na legislação da União em vigor. Simplifica igualmente o regime atual de opções facultativas de confisco alargado, prevendo uma norma mínima única. O confisco alargado só pode ter lugar quando um tribunal concluir, com base em dados factuais concretos, que uma pessoa condenada por uma infração abrangida pela presente diretiva possui bens em relação aos quais é muito mais provável provirem de outras atividades criminosas de caráter ou gravidade semelhantes do que de outro tipo de atividades. Não é possível proceder ao confisco alargado quando essas atividades criminosas semelhantes não possam ser objeto de processo penal por este ter prescrito ao abrigo do direito penal nacional. A proposta exclui igualmente a possibilidade de confisco do produto de alegadas atividades criminosas relativamente às quais a pessoa já tenha sido absolvida num processo anterior (confirmando, assim, a presunção de inocência prevista no artigo 48.º da Carta dos Direitos Fundamentais) ou noutras situações em que seja aplicável o princípio ne bis in idem.

- Confisco não baseado numa condenação (artigo 5.º)

Esta disposição introduz disposições sobre a possibilidade de, em certas circunstâncias, se proceder a um confisco não baseado numa condenação, a fim de ter em conta os casos em que não pode ser exercida a ação penal. Diz respeito a casos de confisco relacionados com a prática de delitos penais, mas permite aos Estados-Membros escolher se o confisco deve ser imposto pelos tribunais criminais e/ou pelos tribunais civis/administrativos. Os processos não baseados em condenações permitem proceder ao congelamento e confisco de bens, independentemente da condenação prévia do respetivo proprietário num tribunal criminal.

Para poder satisfazer o requisito da proporcionalidade, a proposta não autoriza que se proceda ao confisco não baseado numa condenação em qualquer caso, mas apenas quando não possa ser obtida uma condenação penal por o arguido ter falecido, ter uma doença crónica ou a sua fuga ou doença impedir um procedimento criminal eficaz dentro de um prazo razoável e correndo o risco de prescrição.

Esta disposição reflete as disposições da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção. De modo a facilitar a cooperação internacional em matéria de confisco, a Convenção incentiva as partes a considerarem a possibilidade de adotar as medidas necessárias para permitir o confisco do produto da corrupção na ausência de condenação penal quando não possa ser instaurado um procedimento criminal contra o autor da infração por morte, fuga, ausência ou noutros casos adequados [artigo 54.º, n.º 1, alínea c)]. Assenta igualmente nos trabalhos do Grupo de Ação Financeira (GAFI) da OCDE, que incentiva os países membros a estudarem a adoção de medidas que permitam confiscar instrumentos e produtos do crime sem necessidade de uma condenação penal, ou que obriguem o infrator a provar a origem lícita dos bens alegadamente passíveis de confisco (Recomendação n.º 3). Além disso, esta disposição inspira-se nos pontos de vista expressos pelo Grupo de Trabalho Roma-Lião do G8, num relatório em que se salientava que, se o confisco deve, em princípio, continuar a basear-se numa condenação, há situações em que a ação penal não é possível devido à morte ou evasão do arguido, à insuficiência dos meios de prova para se iniciar a ação penal, ou a outras razões técnicas[40]. A introdução de disposições em matéria de confisco não baseado numa condenação recebeu também o apoio dos juristas reunidos no âmbito da rede CARIN e da plataforma de gabinetes de recuperação de bens da UE.

- Confisco de bens de terceiros (artigo 6.º)

Quando são alvo de investigações os criminosos muitas vezes transferem os seus bens para terceiros que conhecem, a fim de evitarem a sua apreensão. O confisco de bens de terceiros implica a apreensão de bens que foram transferidos para terceiros por uma pessoa alvo de uma investigação ou já condenada. As disposições dos Estados‑Membros em matéria de confisco de bens de terceiros são díspares, o que dificulta o reconhecimento mútuo das decisões de congelamento ou de confisco dos bens transferidos para terceiros.

A fim de satisfazer a exigência da proporcionalidade e defender a posição de terceiros que tenham adquirido um bem de boa-fé, a proposta não introduz disposições mínimas em matéria de harmonização quanto ao confisco de bens de terceiros em todos os casos. Esta disposição exige que o confisco de bens de terceiros só possa ter lugar em relação a produtos do crime ou a outros bens do arguido que tenham sido adquiridos por um preço inferior ao seu valor de mercado e que qualquer pessoa razoável, na posição desse terceiro, tivesse obrigação de suspeitar serem produto de um crime ou de uma transferência destinada a prevenir o seu confisco. Esta disposição clarifica ainda que a apreciação da razoabilidade da pessoa em causa deve ser baseada em factos e circunstâncias concretas, de modo a evitar decisões arbitrárias. Além disso, o confisco de bens de terceiros só é possível após se ter concluído, com base em factos concretos, que o confisco dos bens da pessoa considerada suspeita, arguida ou condenada tem poucas probabilidades de ter êxito, ou quando um objeto concreto deva ser restituído ao seu legítimo proprietário.

- Congelamento (artigo 7.º)

O n.º 1 deste artigo exige aos Estados-Membros que permitam o congelamento de bens ou instrumentos que corram o risco de dissimulados, ocultados ou transferidos da jurisdição competente, tendo em vista o seu eventual confisco posterior. Esclarece ainda que tais medidas têm de ser ordenadas por um tribunal.

A introdução da possibilidade de utilizar o poder de congelar bens em casos urgentes para prevenir a sua ocultação em situações em que a pendência de uma sentença judicial possa comprometer a eficácia da medida de congelamento do bem responde a uma preocupação de longa data dos procuradores e dos organismos responsáveis pela aplicação da lei. O n.º 2 exige aos Estados-Membros que adotem medidas destinadas a garantir que os bens em risco de serem dissimulados, ocultados ou transferidos para fora da sua jurisdição possam ser congelados imediatamente pelas autoridades competentes, antes de ter sido solicitada qualquer decisão do tribunal ou na pendência deste pedido.

- Garantias (artigo 8.º)

Segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, os direitos fundamentais, como o direito de propriedade, não são absolutos. Estes direitos podem legitimamente ser sujeitos a restrições, desde que essas restrições estejam previstas na lei e, de acordo como o princípio da proporcionalidade, sejam necessárias e correspondam efetivamente a objetivos de interesse geral ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros, como sucede no caso da luta contra a criminalidade organizada.

O artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais garante o direito a uma ação perante um tribunal e a um julgamento equitativo. Na medida em que as decisões de congelamento ou de confisco afetam os direitos de propriedade ou outros direitos fundamentais, a sua contestação pelas partes afetadas deve ser permitida, nas condições previstas no presente artigo.

A legislação da UE em vigor (nomeadamente o artigo 4.º da Decisão-Quadro 2005/212/JAI) estabelece que os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que as partes afetadas disponham de vias de recurso eficazes.

A fim de respeitar plenamente a Carta dos Direitos Fundamentais, o presente artigo introduz garantias mínimas a nível da UE. Essas garantias visam assegurar o respeito da presunção de inocência, o direito a um julgamento equitativo (incluindo o princípio ne bis in idem), a existência de vias de recurso eficazes perante um tribunal e o direito a ser informado sobre a forma de utilizá-las.

- Determinação do âmbito do confisco e execução efetiva (artigo 9.º)

As pessoas suspeitas de pertencerem a organizações criminosas são muito eficazes a esconder os respetivos bens, muitas vezes com o aconselhamento de profissionais qualificados. As investigações efetuadas tendo em vista o eventual confisco de bens são, em geral, muito longas e devem ser levadas a cabo dentro dos prazos dos processos penais correspondentes.

Caso tenha sido proferida uma decisão de confisco e não tenham sido encontrados bens suficientes, não podendo a decisão ser executada, este artigo exige aos Estados‑Membros que autorizem a realização de uma investigação financeira ao património da pessoa na medida do necessário para permitir a plena execução da decisão. Esta disposição visa solucionar o problema da prescrição das atividades de confisco no final do processo penal, permitindo que decisões de confisco não executadas ou parcialmente executadas possam ser aplicadas em relação a bens que tenham sido ocultados e que tenham entretanto «ressurgido» numa altura em que o processo penal já esteja concluído.

- Gestão dos bens congelados (artigo 10.º)

Esta disposição pretende facilitar a gestão dos bens congelados tendo em vista um eventual confisco posterior. Exige aos Estados-Membros que adotem medidas para assegurar uma gestão adequada desses bens, nomeadamente através da delegação de poderes para alienar os bens objeto do congelamento, pelo menos nos casos em que estes se possam desvalorizar ou a sua conservação não seja economicamente rentável.

- Eficácia e obrigação de prestar informações (artigo 11.º)

Esta disposição introduz a obrigação de os Estados-Membros prestarem periodicamente informações, contribuindo assim para a elaboração de estatísticas para efeitos de avaliação.

2012/0036 (COD)

Proposta de

DIRETIVA DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO

sobre o congelamento e o confisco do produto do crime na União Europeia

O PARLAMENTO EUROPEU E O CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA,

Tendo em conta o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, nomeadamente o artigo 82.º, n.º 2, e o artigo 83.º, n.º 1,

Tendo em conta a proposta da Comissão Europeia,

Após transmissão do projeto de ato legislativo aos parlamentos nacionais,

Tendo em conta o parecer do Comité Económico e Social Europeu[41],

Tendo em conta o parecer do Comité das Regiões[42],

Deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário,

Considerando o seguinte:

(1) A criminalidade internacional organizada tem por principal objetivo o lucro. Para serem eficazes, as autoridades responsáveis pela aplicação da lei e o poder judicial precisam de dispor dos meios necessários para detetar, congelar, gerir e confiscar os produtos do crime.

(2) Os grupos de criminalidade organizada ignoram as fronteiras e adquirem cada vez mais ativos noutros Estados-Membros e em países terceiros. Sente-se a necessidade crescente de uma cooperação internacional eficaz em matéria de aplicação da lei, recuperação de ativos e assistência jurídica mútua.

(3) Embora as estatísticas existentes sejam limitadas, os montantes de origem criminosa recuperados na União são muito reduzidos quando comparados com o valor das estimativas dos produtos do crime. Alguns estudos demonstram que, embora regulamentados pela legislação da UE e pelas legislações nacionais, os procedimentos de confisco continuam a ser muito pouco utilizados.

(4) O Programa de Estocolmo[43] e as conclusões do Conselho «Justiça e Assuntos Internos» sobre o confisco e a recuperação de ativos, adotadas em junho de 2010, sublinham a importância de maior eficácia na identificação, no confisco e na reutilização de bens de origem criminosa.

(5) O quadro jurídico em vigor na União em matéria de congelamento, apreensão e confisco de ativos é constituído pelos seguintes atos jurídicos: Decisão-Quadro 2001/500/JAI do Conselho, de 26 de Junho de 2001, relativa ao branqueamento de capitais, à identificação, deteção, congelamento, apreensão e perda dos instrumentos e produtos do crime[44]; Decisão‑Quadro 2003/577/JAI do Conselho, de 22 de julho de 2003, relativa à execução na União Europeia das decisões de congelamento de bens ou de provas[45]; Decisão-Quadro 2005/212/JAI do Conselho, de 24 de fevereiro de 2005, relativa à perda de produtos, instrumentos e bens relacionados com o crime[46]; Decisão‑Quadro 2006/783/JAI do Conselho, de 6 de Outubro de 2006, relativa à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às decisões de perda[47].

(6) Resulta dos relatórios da Comissão sobre a aplicação das decisões-quadro 2005/212/JAI, 2003/577/JAI e 2006/783/JAI que os regimes existentes para o confisco alargado e o reconhecimento mútuo das decisões de congelamento e de confisco não são plenamente eficazes. O confisco é dificultado pelas diferenças existentes entre as legislações dos vários Estados‑Membros.

(7) A presente diretiva visa alterar e alargar as disposições das decisões-quadro 2001/500/JAI e 2005/212/JAI. Essas decisões-quadro devem ser parcialmente substituídas em relação aos Estados‑Membros que participam na adoção da presente diretiva.

(8) É necessário alargar a atual definição de «produto do crime» de modo a incluir não só o produto direto das atividades criminosas, mas também todos os seus ganhos indiretos, incluindo o reinvestimento ou a transformação posterior de produtos diretos, assim como o valor de qualquer despesa evitada ou quaisquer outros benefícios quantificáveis.

(9) O confisco de instrumentos e produtos na sequência de uma decisão definitiva de um tribunal e de bens de valor equivalente a esses produtos deve, por conseguinte, remeter para esta definição alargada no que respeita às infrações penais abrangidas pela diretiva. A Decisão‑Quadro 2001/500/JAI exigia aos Estados-Membros que autorizassem o confisco de instrumentos e produtos do crime na sequência de uma condenação definitiva, bem como o confisco de bens de valor equivalente aos produtos do crime. Essas obrigações devem ser mantidas para as infrações penais não abrangidas pela presente diretiva.

(10) Os grupos criminosos desenvolvem uma grande diversidade de atividades criminosas. Para combater eficazmente a criminalidade organizada, existem situações em que é conveniente que uma condenação penal seja seguida do confisco não apenas dos bens associados ao crime mas também de outros bens que o tribunal apure serem produto de outros crimes. Esta abordagem corresponde à noção de confisco alargado. A Decisão‑Quadro 2005/212/JAI previa três conjuntos diferentes de exigências mínimas que os Estados-Membros poderiam escolher para proceder a um confisco alargado. Em consequência, no processo de transposição, os Estados‑Membros optaram por diferentes alternativas, o que deu origem a conceitos divergentes do confisco alargado nas jurisdições nacionais. Essas divergências dificultam a cooperação transnacional em casos de confisco. Mostra-se necessário, por conseguinte, prosseguir a harmonização das disposições em matéria de confisco alargado, estabelecendo uma norma mínima única. O confisco alargado deve ser aplicável quando um tribunal nacional, com base em factos concretos, como a natureza da infração penal, o rendimento declarado da pessoa condenada, a diferença entre a sua situação financeira e o seu nível de vida ou outros factos, considere bastante mais provável que o bem em causa resulte de outras infrações de natureza ou gravidade semelhantes àquela em relação à qual a pessoa foi condenada, do que de outro tipo de atividades.

(11) Em conformidade com o princípio ne bis in idem, importa excluir do confisco alargado os produtos de atividades alegadamente criminosas em relação às quais o interessado tenha sido absolvido a título definitivo num processo anterior ou noutros casos em que o referido princípio seja aplicável. Também não se pode proceder ao confisco alargado quando as atividades criminosas semelhantes não possam ser objeto de processo penal por este ter prescrito ao abrigo do direito penal nacional.

(12) Para poder ser adotada uma decisão de confisco é geralmente necessária uma condenação penal. Em alguns casos, mesmo não podendo ser obtida essa condenação, deveria ainda assim ser possível confiscar bens de modo a prevenir atividades criminosas e impedir que os lucros resultantes dessas atividades sejam reinvestidos na economia legal. Alguns Estados-Membros autorizam o confisco quando não existem elementos de prova suficientes para desencadear a ação penal, se o tribunal considerar que, após uma avaliação das probabilidades, o bem deva ter uma origem ilícita, assim como em situações em que a pessoa suspeita, arguida ou acusada se tenta subtrair à ação judicial, não pode comparecer em julgamento por outros motivos ou faleceu antes do termo da ação penal. Este processo é designado por confisco não baseado numa condenação. É necessário prever a possibilidade de um confisco deste tipo, pelo menos nestas circunstâncias referidas no conjunto dos Estados-Membros. Esta medida é conforme com o artigo 54.º, n.º 1, alínea c), da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, que prevê que os Estados Partes considerem a possibilidade de adotar as medidas necessárias para permitir o confisco de bens adquiridos ilicitamente na falta de uma condenação penal quando não possa ser instaurado um procedimento criminal contra o autor da infração em razão de morte, fuga ou ausência.

(13) A prática de os suspeitos ou arguidos transferirem os seus bens para terceiros que conhecem, de modo a evitar o seu confisco, é muito comum e cada vez mais generalizada. O quadro jurídico da UE em vigor não contém regras vinculativas em matéria de confisco de bens transferidos para terceiros. Por conseguinte, mostra-se cada vez mais necessário autorizar o confisco dos bens transferidos para terceiros, que normalmente deve ter lugar quando um arguido não possui outro património que possa ser apreendido. É conveniente prever que o confisco de bens de terceiros só é possível em determinadas circunstâncias, na sequência de uma avaliação baseada em factos concretos que confirme que o confisco dos bens da pessoa considerada suspeita, arguida ou condenada tem poucas probabilidades de êxito, ou quando devam ser restituídos ao seu legítimo proprietário objetos únicos. Além disso, a fim de proteger os interesses de terceiros de boa-fé, o confisco só deve ser autorizado se o terceiro tiver ou devesse ter conhecimento de que o bem em causa era produto de um crime ou havia sido transferido para prevenir o seu confisco, tendo sido cedido a título gracioso ou por um preço inferior ao seu valor de mercado.

(14) Devem ser previstas medidas provisórias para salvaguardar os bens tendo em vista um eventual confisco posterior. Tais medidas de congelamento têm de ser ordenadas por um tribunal. A fim de evitar o desaparecimento dos bens antes de o tribunal proferir a decisão do seu congelamento, as autoridades competentes dos Estados-Membros devem poder proibir de imediato a transferência, conversão, alienação ou movimentação dos bens que corram o risco de ser ocultados ou transferidos para fora da sua jurisdição sempre que tenha sido solicitada uma decisão de congelamento de bens com vista ao seu eventual confisco posterior, enquanto se aguarda que o tribunal profira uma decisão sobre a medida de confisco.

(15) É muito frequente os suspeitos ou arguidos esconderem os seus bens enquanto decorre a ação penal. Nestes casos, as decisões de confisco não podem ser executadas, permitindo aos destinatários dessas decisões usufruir dos bens após o cumprimento da pena. Por conseguinte, é necessário permitir a determinação exata do património a confiscar, mesmo após a condenação definitiva por uma infração penal, de modo a possibilitar a plena execução das decisões de confisco quando não sejam encontrados bens suficientes e a decisão de confisco não tenha sido executada. Atendendo às restrições ao direito de propriedade impostas por uma decisão de confisco, tais medidas provisórias não devem ser mantidas em vigor mais tempo do que o necessário para salvaguardar os bens tendo em vista o seu eventual confisco posterior. Para tal, o tribunal deve proceder a revisões periódicas para se certificar que o objetivo de prevenção do desaparecimento dos bens continua válido.

(16) Os bens congelados tendo em vista o seu confisco posterior devem ser geridos de forma adequada de modo a que não se desvalorizem. Os Estados-Membros devem adotar as medidas necessárias, incluindo a venda ou a transferência de propriedade, a fim de minimizar essa depreciação. Os Estados-Membros devem tomar medidas adequadas, designadamente criar gabinetes nacionais centralizados de gestão de ativos ou mecanismos equivalentes (quando tais funções tenham sido descentralizadas), a fim de gerir adequadamente os bens objeto de congelamento antes do seu confisco e preservar o seu valor na pendência de uma decisão judicial sobre os bens a confiscar.

(17) Existem poucas fontes de dados fidedignas sobre o congelamento e o confisco de produtos do crime. A fim de permitir a avaliação da presente diretiva, é necessário reunir um conjunto mínimo de dados estatísticos comparáveis e pertinentes em matéria de deteção de bens, assim como das atividades judiciárias e de alienação de bens.

(18) A diretiva respeita os direitos fundamentais e os princípios consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, designadamente o direito de propriedade, o direito ao respeito pela vida privada e familiar, o direito à proteção dos dados de caráter pessoal, o direito a um recurso efetivo para um órgão jurisdicional e o direito a um julgamento equitativo, a presunção de inocência, o direito de defesa, o direito a não ser julgado ou punido mais do que uma vez pelo mesmo delito, assim como os princípios da legalidade e da proporcionalidade dos delitos e das penas. A presente diretiva deve ser aplicada em conformidade com estes direitos e princípios.

(19) As medidas previstas na presente diretiva afetam consideravelmente os direitos das pessoas, não apenas os direitos dos suspeitos ou arguidos, mas também os de terceiros que não sejam objeto de processo judicial. Por conseguinte, importa estabelecer garantias específicas e vias judiciais para assegurar que a aplicação das suas disposições respeita os seus direitos fundamentais.

(20) Atendendo a que o objetivo da presente diretiva, nomeadamente facilitar o confisco dos produtos do crime, não pode ser cabalmente atingido pelos Estados-Membros, podendo ser mais bem alcançado ao nível da União, esta pode adotar medidas, em conformidade com o princípio da subsidiariedade consagrado no artigo 5.º do Tratado da União Europeia. Em conformidade com o princípio da proporcionalidade, consagrado no mesmo artigo, a presente diretiva não excede o necessário para atingir esse objetivo.

(21) Nos termos dos artigos 1.º e 2.º do Protocolo sobre a posição do Reino Unido e da Irlanda em relação ao espaço de liberdade, segurança e justiça, anexo ao Tratado da União Europeia e ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia [o Reino Unido e a Irlanda notificaram que desejam participar na aprovação e aplicação da presente diretiva] ou [e sem prejuízo do disposto no artigo 4.º do mesmo Protocolo, o Reino Unido e a Irlanda não participam na aprovação da presente diretiva, não ficando por ela vinculados nem sujeitos à sua aplicação].

(22) Nos termos dos artigos 1.º e 2.º do Protocolo relativo à posição da Dinamarca, anexo ao Tratado da União Europeia e ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, a Dinamarca não participa na adoção da presente diretiva, não ficando por ela vinculada nem sujeita à sua aplicação,

ADOTARAM A PRESENTE DIRETIVA:

TÍTULO I

OBJETO E ÂMBITO DE APLICAÇÃO

Artigo 1.º

Objeto

A presente diretiva estabelece normas mínimas para o congelamento de bens tendo em vista o seu eventual confisco posterior e o confisco de produtos do crime.

Artigo 2.º

Definições

Para efeitos da presente diretiva, entende-se por:

(1) «produtos do crime», qualquer benefício económico resultante de uma infração penal; pode consistir em qualquer tipo de bem e abrange a eventual transformação ou reinvestimento posterior do produto direto por um suspeito, arguido ou acusado, assim como quaisquer outros ganhos quantificáveis;

(2) «bens», ativos de qualquer tipo, corpóreos ou incorpóreos, móveis ou imóveis, bem como os documentos ou atos jurídicos comprovativos da propriedade ou dos direitos sobre esse bens;

(3) «instrumentos», quaisquer bens utilizados ou destinados a ser utilizados, seja de que maneira for, no todo ou em parte, para cometer uma ou várias infrações penais;

(4) «confisco», uma sanção ou medida decretada por um tribunal em consequência de um processo relativo a uma infração penal, que conduza à privação definitiva de um bem;

(5) «congelamento», a proibição temporária de transferir, destruir, converter, dispor ou movimentar um bem ou de exercer temporariamente a guarda ou o controlo do mesmo;

(6) «infração penal», uma infração penal abrangida pelos seguintes atos:

(a) Convenção estabelecida com base no n.º 2, alínea c), do artigo K.3 do Tratado da União Europeia, relativa à luta contra a corrupção em que estejam implicados funcionários das Comunidades Europeias ou dos Estados-Membros da União Europeia[48],

(b) Decisão-Quadro 2000/383/JAI do Conselho, de 29 de maio de 2000, sobre o reforço da proteção contra a contrafação de moeda na perspetiva da introdução do euro[49],

(c) Decisão-Quadro 2001/413/JAI do Conselho, de 28 de maio de 2001, relativa ao combate à fraude e à contrafação de meios de pagamento que não em numerário[50],

(d) Decisão-Quadro 2002/475/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa à luta contra o terrorismo[51], alterada pela Decisão-Quadro 2008/919/JAI do Conselho, de 9 de dezembro de 2008[52],

(e) Decisão-Quadro 2001/500/JAI do Conselho, de 26 de junho de 2001, relativa ao branqueamento de capitais, à identificação, deteção, congelamento, apreensão e perda dos instrumentos e produtos do crime[53],

(f) Decisão-Quadro 2003/568/JAI do Conselho relativa ao combate à corrupção no setor privado[54],

(g) Decisão-Quadro 2004/757/JAI do Conselho, de 25 de outubro de 2004, que adota regras mínimas quanto aos elementos constitutivos das infrações penais e às sanções aplicáveis no domínio do tráfico ilícito de droga[55],

(h) Decisão-Quadro 2005/222/JAI do Conselho, de 24 de fevereiro de 2005, relativa a ataques contra os sistemas de informação[56],

(i) Decisão-Quadro 2008/841/JAI do Conselho, de 24 de outubro de 2008, relativa à luta contra a criminalidade organizada[57],

(j) Diretiva 2011/36/UE, de 5 de abril de 2011, relativa à prevenção e luta contra o tráfico de seres humanos e à proteção das vítimas, e que substitui a Decisão‑Quadro 2002/629/JAI do Conselho[58],

(k) Diretiva 2011/92/UE, de 13 de dezembro de 2011, relativa à luta contra o abuso sexual e a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil, e que substitui a Decisão-Quadro 2004/68/JAI do Conselho[59].

TÍTULO II

CONGELAMENTO E CONFISCO DE BENS

Artigo 3.º

Confisco baseado numa condenação

1. Os Estados-Membros devem adotar as medidas necessárias para permitir o confisco, total ou parcial, dos instrumentos e produtos do crime na sequência de uma condenação definitiva por uma infração penal.

2. Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para permitir o confisco de bens cujo valor corresponda ao produto do crime na sequência de uma condenação definitiva por uma infração penal.

Artigo 4.º

Poderes de confisco alargados

1. Os Estados-Membros devem adotar as medidas necessárias para permitir o confisco, total ou parcial, dos bens pertencentes a uma pessoa condenada por uma infração penal quando um tribunal considere, com base em factos concretos, ser bastante mais provável que os bens em causa resultem de atividades criminosas semelhantes dessa pessoa do que de outro tipo de atividades.

2. Não é possível proceder ao confisco quando as atividades criminosas semelhantes mencionadas no n.º 1:

(a) não possam ser objeto de processo penal por este ter prescrito ao abrigo do direito penal nacional; ou

(b) já tenham sido objeto de um processo penal que levou à absolvição definitiva da pessoa em causa ou noutros casos em que seja aplicável o princípio ne bis in idem.

Artigo 5.º

Confisco não baseado numa condenação

Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para permitir o confisco dos instrumentos e produtos do crime na falta de uma condenação penal, na sequência de um processo que, caso o suspeito ou arguido tivesse sido sujeito a julgamento, poderia ter conduzido a uma condenação penal, quando:

(a) o falecimento ou a doença crónica do suspeito ou arguido impeça o prosseguimento da ação judicial; ou

(b) a doença do suspeito ou arguido ou o facto de este se ter subtraído à ação penal ou à pena impeça o exercício efetivo da ação penal num prazo razoável, representando um risco grave de prescrição.

Artigo 6.º

Confisco de bens de terceiros

1. Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para permitir o confisco:

(a) de produtos do crime que tenham sido transferidos para terceiros por uma pessoa condenada, ou em nome desta, ou pelos suspeitos ou arguidos que se encontrem nas circunstâncias referidas no artigo 5.º, ou

(b) de quaisquer outros bens da pessoa condenada que tenham sido transferidos para terceiros a fim de evitar o confisco de bens cujo valor corresponda ao produto do crime.

2. O confisco dos produtos ou bens referidos no n.º 1 é possível quando o bem em causa é objeto de uma restituição ou quando:

(a) uma avaliação, com base em factos concretos relativos à pessoa condenada suspeita ou arguida, indique ser pouco provável que se consiga proceder ao confisco dos bens da pessoa condenada, ou da pessoa suspeita ou arguida, nas circunstâncias previstas no artigo 5.º, e

(b) os produtos ou bens tenham sido transferidos a título gratuito ou a um preço inferior ao seu valor de mercado, se o terceiro em causa:

i) no caso dos produtos do crime, tivesse conhecimento da sua origem ilícita ou, desconhecendo-o, uma pessoa razoável na sua posição devesse ter suspeitado da sua origem ilícita, com base em circunstâncias e factos concretos;

ii) no caso de outros bens, tivesse conhecimento de que foram transferidos para evitar o confisco de bens cujo valor corresponde ao dos produtos do crime, ou, desconhecendo-o, uma pessoa razoável na sua posição devesse ter suspeitado de que haviam sido transferidos para evitar o seu confisco, com base em circunstâncias e factos concretos.

Artigo 7.º

Congelamento de bens

1. Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para permitir o congelamento de bens em riscos de serem dissimulados, ocultados ou transferidos para fora da sua jurisdição, com o objetivo de impedir o seu eventual confisco posterior. Estas medidas são ordenadas por um tribunal.

2. Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para permitir às respetivas autoridades competentes congelar imediatamente os bens quando exista um risco elevado de dissimulação, desaparecimento ou transferência antes de o tribunal proferir uma decisão. Essas medidas devem ser confirmadas por um tribunal o mais rapidamente possível.

Artigo 8.º

Garantias

1. Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que as pessoas afetadas pelas medidas previstas na presente diretiva dispõem de vias de recurso efetivas e que os arguidos têm direito a um julgamento equitativo para defender os seus direitos.

2. Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que todas as decisões de congelamento de bens são devidamente fundamentadas, que são comunicadas ao interessado o mais rapidamente possível após a sua execução e que só vigoram enquanto forem necessárias para salvaguardar o bem, tendo em vista o seu confisco ulterior. Os Estados-Membros devem prever a possibilidade efetiva de recurso judicial contra uma decisão de congelamento pelas pessoas cujo património seja afetado, a qualquer momento antes de ser adotada uma decisão de confisco. Os bens congelados que não venham a posteriormente objeto de um confisco ulterior devem ser devolvidos imediatamente ao seu legítimo proprietário.

3. Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que todas as decisões de confisco são fundamentadas e comunicadas aos interessados. Os Estados-Membros devem prever a possibilidade efetiva de recurso judicial contra as decisões de confisco por parte das pessoas cujo património seja afetado.

4. Nos procedimentos previstos no artigo 4.º o suspeito ou arguido deve ter a possibilidade efetiva de contestar os elementos com base nos quais foi considerado provável que os bens em causa fossem produto de um crime.

5. Nos casos referidos no artigo 5.º, a pessoa cujos bens sejam afetados pela decisão de confisco deve ser representada por um advogado durante todo o processo, a fim de que essa pessoa possa exercer os seus direitos de defesa quanto ao apuramento da infração penal e à determinação dos instrumentos e produtos do crime.

6. Quando a pessoa cujos bens são afetados seja um terceiro, essa pessoa ou o seu advogado devem ser informados de que o processo pode conduzir a uma decisão de confisco de bens, sendo autorizados a nele participar na medida do necessário para defender os direitos dessa pessoa. Esta última deve ter, pelo menos, o direito a ser ouvida, a formular perguntas e a fornecer elementos de prova antes de ser adotada qualquer decisão definitiva quanto ao confisco.

Artigo 9.º

Determinação do âmbito do confisco e execução efetiva

Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para que seja possível determinar com precisão os bens a confiscar na sequência de uma condenação definitiva por uma infração penal ou de um dos procedimentos previstos no artigo 5.º e que tenha por resultado uma decisão de confisco, assim como para permitir a adoção de outras medidas necessárias à execução efetiva dessa decisão de confisco.

Artigo 10.º

Gestão dos bens congelados

1. Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias, designadamente a criação de gabinetes nacionais centralizados de gestão de ativos, ou mecanismos equivalentes, de modo a assegurar uma gestão adequada dos bens sujeitos a congelamento tendo em vista um eventual confisco ulterior.

2. Os Estados-Membros devem assegurar que as medidas referidas no n.º 1 otimizam o valor económico desses bens e incluíam a alienação ou a transferência da propriedade dos bens suscetíveis de se desvalorizar.

TÍTULO III

DISPOSIÇÕES FINAIS

Artigo 11.º

Estatísticas

Os Estados-Membros devem recolher periodicamente e manter estatísticas exaustivas junto das autoridades competentes, a fim de permitir avaliar a eficácia dos respetivos regimes de confisco. As estatísticas recolhidas devem ser transmitidas anualmente à Comissão e incluir em relação a todas as infrações penais:

(a) o número de decisões de congelamento executadas,

(b) o número de decisões de confisco executadas,

(c) o valor dos bens congelados,

(d) o valor dos bens recuperados,

(e) O número de pedidos de decisões de congelamento a executar noutro Estado‑Membro,

(f) O número de pedidos de decisões de confisco a executar noutro Estado‑Membro,

(g) o valor dos bens recuperados na sequência de uma execução noutro Estado‑Membro,

(h) o valor dos bens destinados a ser reutilizados para efeitos de aplicação da lei, de prevenção ou fins sociais,

(i) O número de casos em que foi ordenado um confisco em relação ao número de condenações por infrações penais abrangidas pela presente diretiva,

(j) O número de pedidos de decisão de congelamento e de confisco indeferidos pelos tribunais,

(k) O número de pedidos de decisão de congelamento e de confisco não executados após terem sido impugnados.

Artigo 12.º

Transposição

1. Os Estados-Membros devem pôr em vigor, até [dois anos a contar da data de adoção], as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva. Os Estados-Membros devem comunicar imediatamente à Comissão os textos dessas disposições.

As disposições adotadas pelos Estados-Membros devem fazer referência à presente diretiva ou ser acompanhadas dessa referência aquando da sua publicação oficial. As modalidades da referência são estabelecidas pelos Estados‑Membros.

2. Os Estados-Membros devem comunicar à Comissão o texto das principais disposições de direito interno que adotarem no domínio abrangidos pela presente diretiva.

Artigo 13.º

Relatórios

A Comissão deve apresentar ao Parlamento Europeu e ao Conselho até [três anos após o termo do prazo de transposição] um relatório no qual avalie o impacto das legislações nacionais em vigor em matéria de confisco e de recuperação de bens, acompanhado, se necessário, das propostas adequadas.

Artigo 14.º

Substituição da Ação Comum 98/699/JAI e das Decisões-Quadro 2001/500/JAI e 2005/212/JAI

1. São substituídos pela presente diretiva, em relação aos Estados-Membros que participam na sua adoção, a Ação Comum 98/699/JAI, o artigo 1.º, alínea a), os artigos 3.º e 4.º da Decisão-Quadro 2001/500/JAI, assim como os artigos 1.º e 3.º da Decisão-Quadro 2005/212/JAI, sem prejuízo das obrigações dos Estados-Membros quanto ao prazo de transposição das decisões-quadro para o direito interno.

2. Em relação aos Estados-Membros que participam na adoção da presente diretiva, as remissões para a Ação Comum e as disposições das decisões-quadro referidas no n.º 1 devem entender-se como sendo feitas para a presente diretiva.

Artigo 15.º Entrada em vigor

A presente diretiva entra em vigor no vigésimo dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia.

Artigo 16.º Destinatários

Os destinatários da presente diretiva são os Estados-Membros, em conformidade com os Tratados.

Feito em Bruxelas,

Pelo Parlamento Europeu                             Pelo Conselho

O Presidente                                                  O Presidente

[1]               Gabinete para a Droga e a Criminalidade das Nações Unidas, «Estimating illicit financial flows resulting from drug trafficking and other transnational organised crime», outubro de 2011.

[2]               Existem mais estimativas quanto ao valor dos mercados criminosos. Segundo as Nações Unidas, o tráfico de droga mundial terá gerado 321 mil milhões de USD em 2005. Segundo o Conselho da Europa, o tráfico de seres humanos a nível mundial foi estimado em cerca de 42,5 mil milhões de USD anuais. O mercado global da contrafação foi estimado pela OCDE em 250 mil milhões de USD anuais. Estima-se que a corrupção na UE se eleve a um valor equivalente a 1 % do seu PIB anual.

[3]               Ver as conclusões do Conselho «Justiça e Assuntos Internos» sobre o confisco e a recuperação de bens, de junho de 2010, documento do Conselho 7769/3/10. Uma constatação semelhante consta do resumo da avaliação da ameaça da criminalidade organizada na UE de 2011, assim como do relatório anual da Eurojust de 2010.

[4]               Ver igualmente as conclusões do Conselho sobre a prevenção de crises económicas e o apoio à atividade económica, de 23.4.2010 (documento do Conselho 7881/10), ponto 7d.

[5]               Por exemplo, no Reino Unido uma estimativa oficial de 2006 calculou os ganhos do crime organizado em 15 mil milhões de libras, enquanto durante o mesmo período apenas foram recuperados pelo Estado 125 milhões de libras. Dados do Home Office (2006), referidos na avaliação da ameaça da criminalidade organizada da Europol de 2010.

[6]               «Uma Europa aberta e segura que sirva e proteja os cidadãos», documento 17024/09 do Conselho, adotado pelo Conselho Europeu de 10/11 de dezembro de 2009.

[7]               Documento do Conselho 7769/3/10.

[8]               COM(2010) 673 final de 22.11.2010.

[9]               O confisco de bens de terceiros envolve o confisco de bens que foram transferidos para terceiros por uma pessoa objeto de investigação ou condenada judicialmente.

[10]             Os procedimentos não baseados numa condenação autorizam o congelamento e o confisco de bens, independentemente de uma condenação prévia do seu proprietário num tribunal criminal.

[11]             Relatório do Parlamento Europeu sobre a criminalidade organizada na União Europeia, adotado em 25 de Outubro de 2011, documento A7-0333/2011 [referência provisória].

[12]             «Produto da criminalidade organizada: garantir que o crime não compensa», COM (2008) 766 final, de 20.11.2008.

[13]             JO L 182 de 5.7.2001.

[14]             O confisco de valores implica o confisco de um montante em numerário equivalente ao valor do produto de um crime.

[15]             JO L 68/49 de 15.3.2005.

[16]             Por confisco alargado entende-se a capacidade de confiscar bens que ultrapassam os produtos diretos do crime, pelo que é necessário estabelecer uma ligação entre o alegado produto de um crime e um comportamento criminoso específico.

[17]             JO L 196 de 2.8.2003, p, 45.

[18]             JO L 328 de 24.11.2006, p. 59.

[19]             JO L 332 de 18.12.2007, p. 103.

[20]             COM(2011) 307, 308 e 309, e C(2011) 3673 final de 6.6.2011.

[21]             COM(2011) 376 final de 24.06.2011.

[22]             COM(2010) 2020 final de 3.3.2010. Ver igualmente as conclusões do Conselho sobre a prevenção de crises económicas e o apoio à atividade económica, de 23.4.2010 (documento do Conselho n.º 7881/10), ponto 7d.

[23]             COM(2011) 135 final, de 17.3.2011.

[24]             COM(2011) 293 final, de 26.5.2011.

[25]             Diretiva 2005/60/CE, de 26 de outubro de 2005, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, JO L 309 de 25.11.2005, p. 15.

[26]             A rede CARIN, apoiada pela Comissão e pela Europol, é uma rede internacional de profissionais de recuperação de bens, que inclui peritos (uma pessoa de contacto das forças policiais e outra do meio judiciário) de mais de 50 países e jurisdições, incluindo 26 Estados-Membros da UE. Tem por objetivo o intercâmbio de melhores práticas e a melhoria da cooperação entre os serviços nos processos transnacionais de recuperação de bens.

[27]             A título de exemplo, os serviços da Comissão tiveram várias reuniões bilaterais com os representantes da Rede FLARE (Freedom, Legality and Rights in Europe) e com as redes que lhe estão associadas.

[28]             Por exemplo, o seminário «Centres of Excellence for Asset Recovery Training (CEART)» e o seminário estratégico da Eurojust realizados em 2010.

[29]             Designadamente a Recomendação n.º 4 do GAFI, tal como revista em fevereiro de 2012.

[30]             Contrato-quadro de prestação de serviços n.º JLS/2010/EVAL/FW/001/A1 «Study for an Impact Assessment on a proposal for a new legal framework on the confiscation and recovery of criminal assets» (Estudo para uma avaliação de impacto de uma proposta para um novo quadro jurídico em matéria de confisco e recuperação de bens de origem criminosa).

[31]             «Assessing the effectiveness of EU Member States' practices in the identification, tracing, freezing and confiscation of criminal assets» (Avaliação da eficácia dos Estados-Membros na identificação, deteção, congelamento e confisco de bens de origem criminosa), disponível em: http://ec.europa.eu/home-affairs/policies/crime/crime_confiscation_en.htm.

[32]             Relatório da Comissão com base no artigo 6.º da Decisão-Quadro do Conselho, de 24 de fevereiro de 2005, relativa à perda de produtos, instrumentos e bens relacionados com o crime (2005/212/JAI), COM (2007) 805 final de 17.12.2007.

[33]             Relatório da Comissão elaborado com base no artigo 14.° da Decisão-Quadro 2003/577/JAI do Conselho, de 22 de julho de 2003, relativa à execução na União Europeia das decisões de congelamento de bens ou de provas, COM(2008) 885 final de 22.12.2008.

[34]             Relatório da Comissão com base no artigo 22.º da Decisão-Quadro 2006/783/JAI do Conselho, de 6 de Outubro de 2006, relativo à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às decisões de perda, COM(2010) 428 final de 23.8.2010.

[35]             Relatório da Comissão com base no artigo 8.º da Decisão 2007/845/JAI do Conselho, de 6 de dezembro de 2007, relativa à cooperação entre os gabinetes de recuperação de bens dos Estados-Membros no domínio da deteção e identificação de produtos ou outros bens relacionados com o crime, COM(2011) 176 final de 12.4.2011.

[36]             Decisão-Quadro 2008/841/JAI do Conselho, de 24 de Outubro de 2008, relativa à luta contra a criminalidade organizada, JO L 300 de 11.11.2008, p. 42.

[37]             Ver as referências na nota de rodapé n.º 2.

[38]             Acórdão Raimondo/Itália de 22 de fevereiro de 1994.

[39]             Acórdão Walsh/Director of the Asset Recovery Agency (Reino Unido) (2005).

[40]             Relatório final do projeto italiano «Confisco: questões jurídicas e cooperação internacional» desenvolvido pelo subgrupo dos assuntos penais (CLASG) do Grupo Roma-Lião do G8.

[41]             JO C, p.

[42]             JO C, p.

[43]             «Uma Europa aberta e segura que sirva e proteja os cidadãos», documento n.º 17024/09 do Conselho, adotado pelo Conselho Europeu de 10/11 de dezembro de 2009.

[44]             JO L 182 de 5.7.2001, p. 1.

[45]             JO L 196 de 2.8.2003, p. 45.

[46]             JO L 68 de 15.3.2005, p. 49.

[47]             JO L 328 de 24.11.2006, p. 59.

[48]             JO C 195 de 25.6.1997, p. 2.

[49]             JO L 140 de 14.06.2000, p. 1.

[50]             JO L 149 de 02.06.2001, p. 1.

[51]             JO L 164, 22.6.2002, p. 3.

[52]             JO L 330, 9.12.2008, p. 21.

[53]             JO L 182 de 5.7.2001, p.1.

[54]             JO L 192 de 31.7.2003, p. 54.

[55]             JO L 335 de 11.11.2004, p. 8.

[56]             JO L 69 de 16.3.2005, p. 67.

[57]             JO L 300 de 11.11.2008, p. 42.

[58]             JO L 101 de 15.4.2011, p. 1.

[59]             JO L 335 de 17.12.2001, p. 1.

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