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Document 52007DC0275

Comunicação da Comissão - Transplantação e dádiva de órgãos: acções políticas a nível da EU {SEC(2007) 704} {SEC(2007) 705}

/* COM/2007/0275 final */

52007DC0275

Comunicação da Comissão - Transplantação e dádiva de órgãos: acções políticas a nível da EU {SEC(2007) 704} {SEC(2007) 705} /* COM/2007/0275 final */


[pic] | COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS |

Bruxelas, 30.5.2007

COM(2007) 275 final

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO

TRANSPLANTAÇÃO E DÁDIVA DE ÓRGÃOS: ACÇÕES POLÍTICAS A NÍVEL DA EU

{SEC(2007) 704}{SEC(2007) 705}

1. INTRODUÇÃO

Ao longo dos últimos cinquenta anos, a transplantação de órgãos estabeleceu-se a nível mundial, trazendo enormes benefícios a centenas de milhares de pacientes.

A dádiva e a transplantação de órgãos são questões de natureza sensível e complexa, comportando uma vertente ética importante e que requerem a plena participação da sociedade no seu desenvolvimento. Vários aspectos recebem um tratamento diferente consoante o Estado-Membro, dependendo de questões culturais, legais, administrativas e organizacionais.

A utilização de órgãos humanos para transplantação aumentou regularmente durante as últimas décadas. A transplantação de órgãos é agora o tratamento com uma melhor relação custo/eficácia nos casos de insuficiência renal terminal, enquanto nos casos de insuficiência terminal de órgãos como o fígado, os pulmões e o coração, este é o único tratamento disponível.

Os excelentes resultados dos transplantes, em termos de anos de vida ganhos e de melhoria na qualidade de vida, levaram a que estas terapias passassem a ser frequentemente aconselhadas. Os processos de transplante continuam a desenvolver-se e, futuramente, poderão vir a oferecer uma forma de tratamento prático para outras necessidades médicas ainda por preencher.

A utilização de órgãos na terapia não está, no entanto, isenta do risco de transmissão de doenças. Na UE, todos os anos, vários órgãos passam de Estado-Membro para Estado-Membro. Os intercâmbios transfronteiriços fazem com que o processo de transplantação fique a cargo de hospitais ou profissionais tutelados por diferentes jurisdições.

Por outro lado, a escassez de órgãos é um factor de importância crucial, que afecta os programas de transplantação. Na Europa, há actualmente quase 40 000 pacientes em listas de espera. As taxas de mortalidade entre os que aguardam um transplante coronário, hepático ou pulmonar situam-se entre os 15 e os 30 %. Na UE, há grandes diferenças entre as taxas de dádiva de órgãos provenientes de dadores vivos e as que têm origem em dadores mortos. Estas diferenças não podem explicar-se facilmente. Mesmo entre países da UE que disponham de serviços especializados, há diferenças consideráveis a nível da actividade de dádiva e transplantação de órgãos, parecendo alguns modelos organizacionais funcionar melhor do que outros.

Uma das consequências potenciais da escassez de órgãos é o tráfico de órgãos humanos, pelo qual são responsáveis grupos organizados de criminosos, que localizam e removem órgãos nos países em desenvolvimento, para mais tarde os entregar a receptores situados na União Europeia.

A presente comunicação da Comissão relativa à dádiva e à transplantação de órgãos pretende responder a estes desafios com base no mandato constante do artigo 152.º, alínea a) do n.º 4, do Tratado, que confere, ao Parlamento Europeu e ao Conselho, poderes para aprovar medidas sanitárias harmonizadas, com base no procedimento de co-decisão nos termos do artigo 251.º do mesmo diploma, que estabeleçam normas elevadas de qualidade e segurança dos órgãos de origem humana. Nela se expõem as medidas que a Comissão pretende tomar para responder aos principais desafios políticos em matéria de dádiva e transplantação de órgãos: assegurar a qualidade e a segurança dos órgãos, aumentar a disponibilidade de órgãos e combater o tráfico de órgãos.

2. TRANSPLANTAÇÃO E DÁDIVA DE ÓRGÃOS: DESAFIOS ACTUAIS

2.1. Riscos do transplante

A utilização de órgãos em terapia pressupõe um risco de transmissão de doenças ao receptor. A transmissão do VIH, das hepatites B e C, de bactérias, fungos e parasitas por transplantação já se encontra descrita na literatura científica, tal como a transmissão dos diferentes tipos de cancro.

A transmissão da doença por um órgão com origem num dador morto pode resultar, não somente na perda do aloenxerto mas igualmente na morte do receptor imunossuprimido. Ainda que haja escassez de órgãos com origem em dadores mortos, todos os órgãos devem ser analisados atentamente.

Na UE, todos os anos, vários órgãos passam de Estado-Membro para Estado-Membro. O número de órgãos trocados representa uma pequena proporção do número total de órgãos utilizados para transplantação na UE, à excepção das áreas abarcadas por acordos internacionais (Eurotransplant), onde o intercâmbio de órgãos é responsável por até 20% do total de transplantes de órgãos. Além disso, todos os anos vários cidadãos da UE são submetidos a uma transplantação de órgãos num Estado-Membro que não aquele de que provêm. O fenómeno em que os pacientes de um país tentam beneficiar de um transplante noutro país, com taxas de dádiva superiores à do seu, parece estar a aumentar. Contudo, os requisitos legais em termos de qualidade e segurança diferem entre os Estados-Membros[1]. Assegurar um elevado nível de protecção dos pacientes em toda a Europa é, pois, uma prioridade.

2.2. Escassez de órgãos

A grande escassez de dadores de órgãos permanece o principal desafio que os Estados-Membros da UE defrontam relativamente à transplantação de órgãos.

Todos os dias morrem, na Europa, quase três pacientes à espera de um órgão. As listas de espera estão cada vez maiores em todos os países da UE. Mesmo nos casos em que se verificou um aumento regular do número de dadores, torna-se muito difícil reduzir o número de pacientes e o tempo passado em lista de espera. A procura de transplantes está a aumentar mais depressa do que as taxas de dádiva de órgãos. Contudo, o aumento do número de dadores disponíveis ajudará a reduzir a distância entre a oferta e a procura, mesmo que não se alcance uma redução absoluta das listas de espera.

Existem diferentes razões para explicar a escassez de dadores[2]. Há, igualmente, grandes diferenças entre os Estados-Membros no sucesso obtido a aumentar as respectivas listas de dadores. As taxas de dadores variam grandemente entre os vários países europeus: a taxa de dadores mortos situa-se entre os 0,8 e os 35,1 por milhão de pessoas. Estas diferenças não podem explicar-se facilmente. Provavelmente, devem-se a uma associação complexa de factores culturais, históricos e sociais, combinada com aspectos relativos às características do serviço de saúde e a aspectos organizacionais do sistema de dádivas de um determinado país.

2.3. Tráfico de órgãos

Tal como já se mencionou, a oferta de órgãos é muito limitada.

Embora até agora não existam provas fornecidas no âmbito de processos criminais, é possível que haja organizações criminosas internacionais que tenham identificado a oportunidade lucrativa criada pela lacuna existente entre a procura e a oferta de órgãos, pressionando as pessoas em situação de pobreza extrema no sentido de venderem os seus órgãos.

O tráfico de órgãos não é um problema novo a nível mundial. Nos anos oitenta, os peritos começaram a aperceber-se de uma situação que passou a ser conhecida por «turismo para transplante», em que cidadãos asiáticos prósperos viajavam para a Índia ou para outras partes do Sudeste asiático com vista a receber órgãos com origem em dadores pobres. Desde então surgiram outras rotas.

Se, por um lado, estimativas actuais indicam que o tráfico de órgãos é, na Europa, relativamente restrito, o problema não deixa de constituir um assunto política e eticamente grave.

3. VALOR ACRESCENTADO DE UMA ACÇÃO A NÍVEL DA UE

Nos últimos anos, a Comissão envidou esforços consideráveis no sentido de apoiar, ao abrigo de diferentes programas comunitários, o domínio da transplantação de órgãos. Foram financiados muitos projectos[3], com resultados que geraram informações e conhecimentos de volume considerável, úteis para activar as políticas da UE neste domínio. É tempo de levar a efeito estas ideias.

Em Junho de 2006, a Comissão lançou uma consulta pública àcerca da dádiva e da transplantação de órgãos. Com base nos resultados desta consulta, a Comissão propõe agora iniciativas futuras a nível comunitário, com um valor acrescentado para a abordagem dos desafios que se perfilam no horizonte.

Assegurar a qualidade e a segurança dos órgãos humanos na Europa faz parte do núcleo das actividades comunitárias neste domínio, uma vez que a este aspecto foi dada prioridade no Tratado que institui a Comunidade Europeia[4]. Uma conferência de peritos organizada pelo Governo italiano durante a sua Presidência do Conselho da UE, em 2003, incluiu a escassez e o tráfico de órgãos no grupo das principais prioridades neste domínio, sublinhando que os aspectos relativos à qualidade e segurança devem ser considerados especificamente no enquadramento da oferta e da procura de órgãos. Para que se possam abordar os desafios identificados de forma adequada é necessária uma abordagem integrada composta por três acções.

3.1. Enquadramento para a qualidade e segurança da dádiva e transplantação de órgãos

Durante todo o processo de transplante podem introduzir-se determinadas medidas destinadas a melhorar a qualidade e a segurança no que diz respeito aos órgãos.

A avaliação dos dadores potenciais anterior ao transplante constitui uma parte essencial da transplantação de órgãos sólidos. Esta avaliação deve fornecer informações suficientes que permitam à equipa de transplante efectuar uma análise riscos-benefícios correcta. As características e os riscos associados ao órgão em causa devem ser identificados e documentados para tornar possível a afectação a um receptor adequado.

A manutenção de registos de dadores e a utilização de sistemas de qualidade foram identificadas enquanto medidas-chave rumo à qualidade e à segurança. Devem ser instaurados procedimentos normalizados de colheita de órgãos e requisitos para a sua preservação e transporte.

Deve assegurar-se o transporte eficaz dos órgãos, com minimização do tempo de isquémia e evitando as lesões. Mantendo embora a confidencialidade médica, o contentor para transporte de órgãos deve estar claramente rotulado e deve conter a documentação necessária.

O sistema de transplante deve assegurar a rastreabilidade, desde o dador aos receptores. O sistema deve poder alertar para uma complicação inesperada. Deve haver um sistema de detecção e investigação de episódios adversos graves ou inesperados.

Muitas vezes, um dador de órgãos é igualmente um dador de tecidos. Os requisitos de qualidade e segurança a aplicar aos órgãos irão complementar e articular com o sistema comunitário em vigor relativo a tecidos e células[5]. Uma reacção adversa num receptor de um órgão proveniente de um dador deveria, se necessário, ser detectada e assinalada no sistema de vigilância de tecidos.

O papel-chave das autoridades nacionais de tutela no assegurar da qualidade e segurança deste processo já foi sublinhado, paralelamente à importância de instaurar sistemas para autorização de estabelecimentos e programas de dádiva e colheita de órgãos baseados em critérios comuns de qualidade e segurança. Este sistema forneceria uma lista completa de centros autorizados em toda a Europa, acessível ao público e aos profissionais.

A existência de critérios vinculativos em termos de segurança e qualidade não deveria ter como consequência a redução do número efectivo de dadores. É importante identificar claramente qual o risco de transmissão de doenças inerente a cada caso. Embora a definição do risco com base no perfil do dador seja essencial a uma tomada de decisões racional, cada decisão depende igualmente das características do receptor. Há sempre um equilíbrio a considerar entre riscos e benefícios: o risco associado ao órgão, contraposto às consequências de uma ausência de transplante.

3.2. Cooperação entre Estados-Membros

A escassez de órgãos é um dilema comum a todos os países europeus e a partilha de conhecimentos entre todos os Estados-Membros já provou ser útil para aumentar as taxas de dádiva de órgãos em alguns países.

3.2.1. Disponibilidade de órgãos

Alguns Estados-Membros promoveram diversas iniciativas vocacionadas para a organização dos sistemas de dádiva e instauraram práticas que demonstraram aumentar a disponibilidade de órgãos.

O estabelecimento de um sistema eficaz para identificar pessoas que poderiam tornar-se dadores de órgãos no momento da morte, após terem sido observados todos os requisitos sobre o consentimento obrigatório em vigor nos Estados-Membros em causa, foi considerado um elemento-chave no aumento da taxa de dádiva. Há indicações de que se perdem muitos dadores devido a uma ausência de avaliação, a uma ausência de remissão para as instâncias competentes ou a uma ausência de apresentação desta hipótese aos familiares dos eventuais dadores.

Em alguns Estados-Membros, a formação e o emprego de profissionais de cuidados de saúde, responsáveis pela identificação de pessoas que poderiam tornar-se dadores de órgãos no momento da morte e pela organização do processo de dádiva, aumentou a eficácia na colheita de órgãos e melhorou o funcionamento dos sistemas de transplante.

Para expandir o grupo de dadores potenciais pode ser importante investir na promoção de dádivas altruistas provenientes de dadores vivos, com base em salvaguardas adequadas em matéria de protecção de dadores vivos e de prevenção do tráfico de órgãos. Na Europa, as dádivas provenientes de dadores vivos representam 17% dos transplantes renais e 5% dos transplantes hepáticos. Os dadores vivos sempre foram extremamente necessários para a transplantação, mas as dádivas provenientes de dadores vivos só aumentaram exponencialmente nos últimos anos. Este aumento pode dever-se a vários factores, incluindo a pressão criada pela escassez de dadores mortos, os progressos a nível cirúrgico, ou a existência de provas concludentes de que os resultados dos transplantes são favoráveis e os riscos para o dador reduzidos. O número de dadores vivos que se prontifica a dar os seus órgãos também varia muito a nível europeu.

Em circunstâncias específicas, uma abordagem alternativa é considerar outros dadores potenciais («expanded donors»), que não são os candidatos a dador ideais devido a uma serologia positiva, a perturbações congénitas e hereditárias, a um historial de doenças malignas, ou a outras características, tais como a idade do dador ou um historial de hipertensão e diabetes.

3.2.2. Sensibilização do público

A sensibilização do público, assim como a sua opinião, desempenham um importante papel no aumento da dádiva de órgãos.

A transplantação e a dádiva de órgãos constituem tratamentos médicos que requerem o pleno empenho da sociedade no seu desenvolvimento. Há muitos aspectos complexos e sensíveis ligados a esta área, tendo-se tornado claro que várias destas questões têm um tratamento diferente de país para país, dependendo de valores culturais.

Em 2006, 56% dos europeus declararam-se prontos a ceder os seus órgãos, após a morte, a um serviço de dádiva de órgãos. As respostas a esta pergunta diferem bastante de país para país.

As recusas dos familiares em ceder os órgãos dos seus parentes falecidos oscilam na Europa entre os 6% e os 42%. Mais uma vez, estas diferenças não são fáceis de entender. Podem, talvez, explicar-se pela grande variabilidade de procedimentos na legislação respeitante ao consentimento dos dadores, tanto a aplicável a dadores vivos, como a que respeita aos dadores mortos, pela diferença a nível das práticas organizacionais, bem como por outros factores sociais, económicos ou culturais, que influenciam a percepção que a sociedade tem dos benefícios da dádiva.

O melhor meio existente (ou seja, com a melhor relação custo/eficácia) para desenvolver a sensibilização do público para a dádiva parece ser o melhoramento dos conhecimentos que os profissionais da saúde e dos meios de comunicação têm acerca das questões ligadas à transplantação. Uma vez que tanto as mensagens positivas como as negativas podem afectar a disponibilidade do público para dar, é necessário ter uma atitude profissional para com a dádiva e contar com o apoio dos peritos no domínio da comunicação.

Um elemento essencial de qualquer estratégia de comunicação deve ser uma educação continuada. As pessoas devem ser encorajadas a falar acerca da dádiva de órgãos, comunicando os seus desejos aos seus parentes próximos. Apenas 41% dos cidadãos europeus já discutiram a dádiva de órgãos com os seus familiares[6]. Há uma correlação positiva importante entre a discussão do tema com os familiares e a disponilidade para dar órgãos.

A criação de um cartão europeu de dador de órgãos, que indique a disponibilidade do utente para dar ou não dar órgãos, contribuirá para aumentar a sensibilização do público. 81% dos cidadãos europeus apoiam a utilização de um cartão de dador de órgãos, para tornar mais fácil a identificação daqueles que se dispõem a dar órgãos após a morte. Apesar disso, só 12% dos europeus são actualmente titulares de um cartão de dador de órgãos.

3.2.3. Aspectos relativos à organização

A comparação entre países demonstra que as taxas de dádiva nacionais efectivas nem sempre têm relação com a percentagem de pessoas que anteriormente se tinha declarado pronta a dar órgãos nestes mesmos países. Isto indica claramente a importância de contar com um sistema de transplante de órgãos eficiente, que assegure que os órgãos das pessoas dispostas a dar se tornam efectivamente disponíveis.

O estabelecimento de sistemas de transplante adequados a nível nacional é um pré-requisito para qualquer acção que se queira empreender nesta área. Estes sistemas precisam de um enquadramento jurídico adequado, de uma abordagem técnica correcta e de apoio organizacional. O papel das autoridades competentes é crucial no sistema de organização. Estas autoridades devem assegurar a obediência às normas de base e organizar as actividades de dádiva e de transplantação.

Os diferentes sistemas de organização existentes na Europa são o resultado das suas respectivas origens e história. Mesmo entre países da UE que dispõem de serviços especializados há diferenças consideráveis a nível da actividade de dádiva e transplantação de órgãos, parecendo alguns modelos organizacionais funcionar melhor do que outros.

Os transplantes de órgãos estão sujeitos a pressões em termos de tempo. O processo que vai da colheita à transplantação deve estar finalizado em poucas horas (por forma a preservar a viabilidade do órgão). Além disso, para que os órgãos possam ser transplantados, o dador tem de ser compatível com o receptor. Isto torna a estrutura de organização num elemento–chave dos sistemas de dádiva/transplantação de órgãos.

É essencial que um sistema eficaz de afectação faça parte desta organização. Este sistema deve ter em conta o período limitado durante o qual os órgãos podem ser preservados, bem como a necessidade de assegurar que o órgão é afectado ao receptor mais adequado, tendo em conta critérios pré-definidos.

Os novos Estados-Membros enfrentam, ao nível da saúde, problemas maiores do que o resto da União e dispõem de menores recursos económicos para lhes fazer face. Os seus sistemas de saúde encontram-se, por conseguinte, particularmente sob pressão, nomeadamente no que diz respeito ao processo que vai da dádiva de órgãos até à transplantação, cuja complexidade pode torná-lo muito difícil de abordar. Isto conduz a enormes diferenças entre Estados-Membros em termos do acesso aos transplantes e das dimensões das listas de espera. A colaboração a nível da UE pode trazer grandes benefícios a estes sistemas.

Considera-se um dado adquirido que quanto maior for a lista de dadores disponíveis, mais hipóteses haverá de encontrar compatibilidade. Os pacientes urgentes e os receptores difíceis (crianças, pacientes muito sensíveis, etc.) não podem ser tratados eficazmente no âmbito de uma pequena organização; este facto preocupa especificamente os pequenos Estados-Membros. Simultaneamente, do lado dos dadores, a participação de agentes locais (equipas hospitalares e coordenadores de transplantes) no processo de tomada de decisões tem ajudado a motivar os profissionais envolvidos e a produzir resultados mais eficazes.

Um sistema flexível, que combine uma rede descentralizada, formada por organizações locais principalmente vocacionadas para a colheita de órgãos, com a promoção da dádiva através de grandes organizações centradas na promoção da partilha de órgãos e da cooperação, parece constituir a abordagem organizacional mais eficaz.

O acordo n.º 26 do Conselho da Europa, relativo ao intercâmbio de substâncias terapêuticas de origem humana, de 1958, tornou-se o ponto de partida para as actividades transfronteiriças neste domínio. O trabalho desenvolvido pelo Conselho da Europa, pela Eurotransplant, pela Scandiatransplant e pela European Transplant Network, ou as reuniões regulares das organizações europeias de intercâmbio de órgãos constituem bons exemplos da necessidade de uma cooperação europeia[7].

3.3. Combater o tráfico de órgãos

O artigo 3.º da Carta dos Direitos Fundamentais da UE afirma que todos têm o direito de ser respeitados na sua integridade física. Além disso, a Carta proíbe a geração de ganhos financeiros com origem no corpo humano, contendo igualmente a proibição do tráfico de seres humanos. Enquanto parte integrante do fenómeno global do tráfico de seres humanos, o tráfico efectuado com o propósito da remoção de órgãos constitui uma violação grave da liberdade e da integridade física das suas vítimas.

O Conselho da Europa[8] e a Organização Mundial de Saúde[9] têm instado repetidamente a medidas de combate ao tráfico de órgãos. A proibição do tráfico de seres humanos e de tecidos de origem humana já se encontra em vigor através de diplomas legais internacionais, tais como o Tratado de Oviedo sobre Direitos Humanos e Biomedicina e o seu Protocolo Adicional relativo à Transplantação de Órgãos e Tecidos de Origem Humana. Além disso, o Protocolo relativo à Prevenção, Supressão e Condenação do Tráfico de Seres Humanos, que complementa o Tratado das Nações Unidas contra o crime organizado internacional, requer que as partes contratantes criminalizem esta forma de tráfico de seres humanos e adoptem sanções proporcionadas e dissuasivas.

A Comissão atém-se de forma constante nestes importantes instrumentos internacionais e acompanhará de perto quaisquer eventuais desenvolvimentos no domínio do tráfico de órgãos, tanto na União Europeia, como a nível mundial.

4. CONCLUSÕES E MEDIDAS DE ACOMPANHAMENTO

Nos próximos anos, continuará o trabalho ao abrigo de diferentes programas comunitários. É importante que os resultados destes projectos tenham continuidade e que sejam apoiados a nível político, tornando-se acessíveis a todos os intervenientes.

Foram identificados enquanto principais áreas de acção a nível da dádiva e da transplantação de órgãos os seguintes aspectos:

- Melhorar a qualidade e a segurança

A Comissão definirá o âmbito específico e equilibrado do enquadramento jurídico da UE relativo à qualidade e segurança dos órgãos humanos tendo em conta o diálogo que manteve até à data com os Estados-Membros acerca destas questões. Este enquadramento precisa de ser apoiado pela cooperação entre Estados-Membros, conducente à compilação de informações suficientes que ajudarão a determinar os níveis aceitáveis de risco na utilização de dadores potenciais, e pela promoção de boas práticas médicas e da avaliação dos resultados pós-transplante («organovigilância»).

- Aumentar a disponibilidade de órgãos

A Comissão promoverá a cooperação entre Estados-Membros por forma a partilhar experiências e boas práticas, com vista ao estabelecimento de sistemas eficazes para a identificação dos cidadãos que possam tornar-se dadores de órgãos no momento da morte.

Outras áreas em que a cooperação é importante são a promoção da formação de profissionais com base nas melhores experiências conhecidas, explorando a promoção das dádivas de dadores vivos e avaliando o emprego de órgãos provenientes de dadores potenciais (dadores que, do ponto de vista médico, só podem ser considerados para receptores específicos e em circunstâncias específicas), tendo em conta os aspectos de qualidade e segurança.

É, igualmente, importante conjugar esforços e conhecimentos, para aumentar a sensibilização do público. Neste contexto, é de considerar a criação de um cartão europeu de dador de órgãos, ou a sua integração no cartão europeu de seguro de doença, já existente.

- Tornar os sistemas de transplantação mais eficientes e acessíveis

Como em outros aspectos relativos ao acesso a cuidados de saúde, esta questão tem de ser vista na sua relação com outras iniciativas a nível comunitário no mesmo domínio.

As iniciativas centrar-se-ão na identificação dos sistemas mais eficientes, na partilha de experiências e na promoção de boas práticas, em sintonia com características locais. Os Estados-Membros cujos sistemas de transplante ainda não estejam suficientemente desenvolvidos podem ser auxiliados e orientados nos seus esforços para melhorar os cuidados prestados aos pacientes.

Outras acções serão ajustadas em função das necessidades identificadas a nível da UE no que diz respeito ao intercâmbio de órgãos entre as autoridades nacionais. Nortear os sistemas no sentido de estes oferecerem os órgãos em excesso a outros países é uma questão a avaliar, fazendo-se uma referência especial ao intercâmbio de órgãos em benefício de pacientes urgentes e de pacientes cujo tratamento seja particularmente difícil.

A crescente mobilidade das pessoas no interior da UE torna necessário identificar os principais problemas que se prendem com a mobilidade dos pacientes. É igualmente importante garantir o acordo a nível de toda a UE relativamente a todas as questões que dizem respeito ao acesso à medicina dos transplantes pelos pacientes extra-comunitários («não residentes»).

A Comissão propõe os seguintes mecanismos de acção:

- Plano de acção para uma cooperação reforçada entre Estados-Membros

A análise da situação da transplantação de órgãos na UE revelou grandes diferenças na taxa comunitária de dadores de órgãos vivos e mortos e, igualmente, diferenças consideráveis nas actividades de transplantação. Estas diferenças não podem ser facilmente explicadas e torna-se claro que alguns modelos se comportam melhor do que outros. Há lugar a um intercâmbio de conhecimentos entre os Estados-Membros da UE e à cooperação entre os países, no sentido de ajudar a maximizar a dádiva de órgãos e a tornar equitativo o acesso à transplantação. A Comunidade identificará qual o melhor dos melhores modelos e apoiará a sua aplicação em toda a UE, respeitando simultaneamente a sua diversidade cultural e organizacional.

Já na resolução adoptada pelo Conselho de Ministros da Saúde em 1991[10] relativa às escolhas fundamentais de política em matéria de saúde, o Conselho havia tomado nota de que a análise da possível contribuição da Comunidade relativamente à disponibilidade de órgãos para transplante era identificada enquanto um dos tópicos que justificavam uma análise conjunta, discussões regulares em comum e/ou esforços conjuntos no sentido de auxiliar os Estados-Membros no enquadramento das suas políticas no domínio da saúde. As principais organizações europeias de intercâmbio de órgãos recomendaram igualmente que se

identificassem as melhores iniciativas para promover o intercâmbio de experiências e informações entre os países da UE, por forma a melhorar aspectos organizacionais.

Um plano de acção para promover uma cooperação mais estreita entre Estados-Membros, especificamente ajustada a este domínio concreto, fornecerá os ingredientes políticos necessários a uma aproximação gradual da criação de uma política comunitária. Esta aproximação deverá basear-se na identificação e no desenvolvimento de objectivos comuns, relativamente aos quais seja consensual que é necessária uma resposta comunitária, em indicadores e padrões de referência quantitativos e qualitativos consensuais, numa apresentação de relatórios regulares e na identificação e partilha de boas práticas.

- Instrumento jurídico da UE relativo à qualidade e segurança da dádiva e transplantação de órgãos

A Comunidade já adoptou directivas do Parlamento Europeu e do Conselho relativas às normas de qualidade e segurança em relação ao sangue[11] e aos tecidos e células[12]. Uma possível directiva europeia que estabelecesse normas de qualidade e segurança em relação aos órgãos abordaria tópicos semelhantes; contudo, a relação riscos-benefícios é fundamental no caso da transplantação de órgãos. Devido à escassez de órgãos e às indicações de perigo de vida que motivam um transplante de órgãos, os benefícios desta operação são elevados e podem aceitar-se mais riscos do que no caso do sangue e da maioria dos tratamentos de tecidos e células. Neste contexto, o médico tem um importante papel a desempenhar na tomada de decisão da aceitação do órgão para transplantação. A proposta da Comissão terá em conta estas especificidades da dádiva e da transplantação de órgãos.

A conclusão da avaliação de impacto anexada à presente comunicação vai no sentido de que, com base numa cooperação reforçada com os Estados-Membros, um enquadramento jurídico europeu apropriado e flexível constituiria a resposta comunitária adequada ao mandato constante do n.º 4, alínea a), do artigo 152.º

O futuro instrumento jurídico baseado numa avaliação de impacto em separado poderia incluir os princípios necessários ao estabelecimento de um enquadramento de base de qualidade e segurança, tais como:

- Estabelecer uma autoridade ou autoridades nacionais de vigilância, responsáveis pela aplicação das exigências da directiva;

- Criar um conjunto comum de normas de qualidade e segurança para autorização de estabelecimentos e programas de dádiva e colheita de órgãos e igualmente para preservação e transporte eficazes de órgãos;

- Assegurar a rastreabilidade e comunicar reacções e episódios adversos graves;

- Estabelecer estruturas de inspecção e medidas de controlo;

- Assegurar a completa caracterização do órgão, por forma a que a equipa de transplante possa empreender a avaliação do risco apropriada.

[1] http://ec.europa.eu/health/ph_threats/human_substance/documents/organ_survey.pdf.

[2] Na avaliação de impacto, anexa à comunicação, encontram-se informações pormenorizadas.

[3] Na avaliação de impacto, anexa à comunicação, encontra-se uma descrição destes projectos.

[4] A partir de 1999, o artigo 152.º do Tratado capacitou o Parlamento Europeu e o Conselho para adoptar medidas sanitárias que estabeleçam normas elevadas de qualidade e de segurança dos órgãos e substâncias de origem humana, do sangue e dos derivados do sangue. A Comunidade já aprovou directivas do Parlamento Europeu e do Conselho relativas ao sangue, aos tecidos e às células.

[5] Directiva 2004/23/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao estabelecimento de normas de qualidade e segurança em relação à dádiva, colheita, análise, processamento, preservação, armazenamento e distribuição de tecidos e células de origem humana (JO L 102 de 7.4.2004, p. 48).

[6] Sondagem Eurobarómetro 2006.

[7] Anexas à comunicação podem encontrar-se informações pormenorizadas.

[8] Recomendação Rec (2004) 7 do Comité de Ministros.

[9] Resolução AMS 42.5 da OMS, que condena a compra e venda de órgãos de origem humana.

[10] Resolução do Conselho e dos Ministros da Saúde (JO C 304 de 23.11.1991, p. 5).

[11] JO L 33 de 8.2.2003, p. 30.

[12] JO L 102 de 7.4.2004, p. 48.

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