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Document 52005DC0312

Relatório da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu - Evolução e implicações do direito das patentes no domínio da biotecnologia e da engenharia genética (SEC(2005) 943)

/* COM/2005/0312 final */

52005DC0312

Relatório da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu - Evolução e implicações do direito das patentes no domínio da biotecnologia e da engenharia genética (SEC(2005) 943) /* COM/2005/0312 final */


[pic] | COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS |

Bruxelas, 14.07.2005

COM(2005) 312 final

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RELATÓRIO DA COMISSÃO AO CONSELHO E AO PARLAMENTO EUROPEU

Evolução e implicações do direito das patentes no domínio da biotecnologia eda engenharia genética(SEC(2005) 943)

RELATÓRIO DA COMISSÃO AO CONSELHO E AO PARLAMENTO EUROPEU

Evolução e implicações do direito das patente s no domínio da biotecnologia e da engenharia genética (Texto relevante para efeitos do EEE)

INTRODUÇÃO

Este é o segundo dos relatórios anuais previstos na alínea c) do artigo 16.º da Directiva 98/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Julho de 1998, relativa à protecção jurídica das invenções biotecnológicas[1], cujo título é «Evolução e Implicações do Direito das Patentes no Domínio da Biotecnologia e da Engenharia Genética» [a seguir denominado «segundo relatório 16.º c)»].

O objectivo é relatar os acontecimentos mais importantes verificados desde a publicação do primeiro relatório 16.º c)[2] e contribuir para dar resposta às duas questões nele levantadas: o âmbito a conferir às patentes de sequências e sequências parciais de genes isolados do corpo humano e a patenteabilidade das células estaminais humanas e das linhagens obtidas a partir destas. A análise da Comissão baseia-se no documento de trabalho dos serviços da Comissão SEC(2005) 943.

1. PROGRESSOS RECENTES NO DOMÍNIO DAS INVENÇÕES BIOTECNOLÓGICAS

1.1. Situação actual da transposição da Directiva 98/44/CE

Em Junho de 2005, 21 Estados-Membros da União Europeia tinham notificado à Comissão os respectivos instrumentos de aplicação da directiva. Desde 2003, corre, no Tribunal de Justiça, uma acção judicial por ausência de notificação de medidas de transposição contra os países que não transpuseram a directiva[3]. Em Dezembro de 2004, foram instaurados processos por infracção contra dois novos Estados-Membros que não haviam concluído a transposição da directiva[4].

1.2. Grupo de peritos

Como anunciava o primeiro relatório 16.º c), foi constituído um grupo de peritos cujo objectivo é assistir a Comissão na preparação dos futuros relatórios 16.º c), analisando questões importantes acerca das invenções biotecnológicas. O grupo é composto por especialistas em direito das patentes e por peritos altamente qualificados no domínio da biotecnologia[5].

1.3. Acção comunitária em matéria de licenciamento cruzado

O primeiro relatório 16.º c) indicava que o artigo 12.º da directiva e o artigo 29.º do Regulamento (CE) n.º 2100/94, relativo ao regime comunitário de protecção das variedades vegetais[6], não eram compatíveis e que o artigo 29.º do referido regulamento devia ser alterado.

Neste sentido, a Comissão apresentou, a 11 de Dezembro de 2003, uma proposta de regulamento que altera o Regulamento (CE) n.º 2100/94 relativo ao regime comunitário de protecção das variedades vegetais[7]. Esta proposta foi adoptada pelo Conselho em 29 de Abril de 2004[8]. Actualmente, as disposições do regulamento e da directiva atrás referidas são compatíveis.

2. ANÁLISE DAS QUESTÕES LEVANTADAS PELO PRIMEIRO RELATÓRIO

Nas conclusões do primeiro relatório 16.º c), ficou estabelecido que a Comissão voltaria a abordar duas questões:

- o âmbito a atribuir às patentes de sequências ou sequências parciais de genes isolados do corpo humano;

- a patenteabilidade das células estaminais embrionárias pluripotentes humanas e das linhagens obtidas a partir destas.

A análise que se segue baseia-se nos artigos e considerandos da directiva mas também, entre outros, nos trabalhos preparatórios e na decisão do Tribunal de Justiça de 9 de Outubro de 2001[9], que rejeita o recurso de anulação da directiva. De acordo com o primeiro relatório 16.º c), a análise tem igualmente em conta os contributos do grupo de peritos informal referido no ponto 1.2.

2.1. Âmbito das patentes de sequências genéticas

A questão a analisar nos termos do primeiro relatório 16.º c) é a de saber se as patentes de sequências genéticas (sequências de DNA) devem ser atribuídas seguindo o modelo clássico do pedido de patente, nos termos do qual o primeiro inventor pode reivindicar uma invenção que abranja possíveis utilizações futuras dessa sequência, ou se a patente se deve limitar apenas à utilização específica indicada no pedido de patente («protecção em função do objectivo»).

A análise das disposições da directiva indica que os artigos 8.º a 11.º constituem o Capítulo II, cujo título é «Âmbito da protecção». No entanto, nenhum destes artigos prevê o conceito de âmbito de protecção limitado à utilização específica identificada para a sequência genética em causa. Com efeito, os artigos 8.º e 9.º estabelecem que a protecção conferida por uma patente abrange qualquer matéria biológica obtida a partir do produto apresentado ou em que este produto esteja incorporado e na qual a informação genética semelhante exerça a sua função. Este aspecto parece indicar que a intenção seria conferir à protecção um âmbito alargado e não limitado, aplicando-se evidentemente a excepção do artigo 5.º, n.º 1, relativa ao corpo humano na sua totalidade.

Por outro lado, o artigo 5.º, n.º 3, e os considerandos 23 e 25 podem levar a crer que o legislador comunitário quis, pelo menos, prever a possibilidade de uma protecção com âmbito limitado abrangendo apenas a aplicação industrial indicada no pedido de patente, desde que esteja em causa este tipo específico de invenção. Caso contrário, o artigo 5.º, n.º 3, que determina que a aplicação industrial de uma sequência genética deve ser concretamente exposta no pedido de patente, limitar-se-ia a repetir uma exigência típica do direito das patentes, como decorre do considerando 22.

O grupo de peritos informal reuniu-se em Março de 2003 para debater a questão. A maioria dos seus elementos considera não existirem razões objectivas para a criação de um regime específico de protecção em função do objectivo neste domínio, diferente da protecção habitual conferida pela patente. Os juristas e técnicos deste grupo consideram ainda que não existem diferenças entre sequências de DNA e substâncias químicas que justifiquem um tratamento diferente no que se refere ao âmbito da protecção conferida pela patente.

Desde a realização destes debates, foram apresentados outros argumentos.

Em primeiro lugar, coloca-se a questão de saber se o facto de se isolarem sequências genéticas humanas do corpo humano implica que estas devem ser tratadas de forma diferente das substâncias químicas, por razões éticas. Este raciocínio parece estar subjacente à transposição da directiva para as legislações nacionais francesa e alemã, nas quais se prevê a protecção em função do objectivo para as invenções relativas a matéria isolada do corpo humano (França) e a sequências de genes humanos ou de primatas (Alemanha).

O segundo argumento traduz-se numa questão económica: terá mais valor para a sociedade conceder ao primeiro inventor uma patente de âmbito alargado, de modo a obrigar os futuros utilizadores desta invenção a pedir uma licença, ou conceder uma patente de âmbito limitado a uma sequência genética, permitindo que as utilizações futuras desta sequência sejam livremente patenteadas? Esta questão foi associada à liberdade de investigação, apesar de o direito das patentes prever já algumas isenções a este respeito. Em termos mais genéricos, esta questão prende-se com o equilíbrio entre investimento e potencial compensação para o primeiro inventor em determinado domínio, relativamente aos inventores subsequentes. Contudo, é difícil apresentar provas económicas convincentes e os argumentos não se referem apenas às patentes de sequências genéticas diferentes de todas as patentes de qualquer outro domínio tecnológico. A Comissão lançou um estudo[10] para a análise da extensão da patenteabilidade do DNA humano na Europa e suas potenciais consequências para a investigação e a inovação. O grupo de peritos poderá ser chamado a manifestar-se mais profundamente acerca das isenções aplicáveis à investigação. Além disso, quando um domínio tecnológico específico atinge a maturidade, a aplicação dos critérios habituais das patentes — a saber, a novidade, a actividade inventiva e a aplicabilidade industrial — implica que as patentes subsequentes tenham forçosamente um âmbito limitado, uma vez que a invenção apresentada se deve distinguir da vasta gama de produtos já conhecidos naquele domínio[11]. Visto que decorreram já dezassete anos desde a primeira proposta de directiva, é legítimo sugerir que tentar redefinir o âmbito da protecção conferida por patentes de sequências genéticas à luz das divergências existentes entre as legislações nacionais pode não ter qualquer efeito significativo para os profissionais do sector. Nestas circunstâncias, a Comissão não tenciona, por agora, tomar posição acerca da validade da transposição efectuada consoante os modelos clássico ou limitado do âmbito da protecção das sequências genéticas. Porém, a Comissão continuará a examinar as eventuais consequências económicas decorrentes das possíveis divergências entre as legislações dos Estados-Membros.

2.2. Patenteabilidade das células estaminais embrionárias humanas e das linhagens obtidas a partir destas

As células estaminais embrionárias e somáticas humanas (estas últimas são isoladas a partir de tecidos de fetos ou de adultos) apresentam, ambas, vantagens e limitações no que se refere às utilizações potenciais em investigações primárias e em novas terapias à base de células estaminais. Actualmente, as células estaminais embrionárias humanas são especialmente cobiçadas devido ao potencial de se diferenciarem em todos os tipos de células existentes no organismo (são pluripotentes), sendo neste momento as únicas células estaminais pluripotentes que podem ser prontamente isoladas e produzidas em cultura em quantidade suficiente para serem úteis.

É possível estabelecer uma diferença entre células estaminais totipotentes, capazes de dar origem a um ser humano, e células estaminais pluripotentes, que não têm esta capacidade. O debate tornou-se mais importante a partir do início de 2004, quando um grupo de investigadores coreanos anunciou os resultados de experiências que conduziram à criação de uma linhagem celular constituída por células estaminais[12], recorrendo à técnica da “clonagem terapêutica”, por meio da qual as células são criadas com a informação genética igual à de um determinado doente e utilizadas para o tratamento da sua doença, essencialmente sem risco de rejeição por parte do sistema imunitário do doente.

A questão de saber se a directiva regulava especificamente a patenteabilidade das células estaminais foi levantada no primeiro relatório 16.º c) e transmitida ao grupos de peritos, para debate, em Maio de 2003.

O Grupo Europeu de Ética considerou (parecer n.º 16[13]) não existir qualquer razão ética para a proibição total da concessão de patentes relativas a células estaminais ou a linhagens de células estaminais, embora devam ser respeitados os critérios habituais da patenteabilidade.

As disposições da directiva são inequívocas no que se refere a células estaminais totipotentes, dado que cada célula pode, por si, dar origem a um ser humano e que, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, o corpo humano, nos vários estádios da sua constituição e do seu desenvolvimento, não pode constituir uma invenção patenteável. Este princípio foi reiterado num aviso de aplicação ( practice notice ) do instituto de patentes do Reino Unido em Abril de 2003[14].

No que se refere às células estaminais embrionárias pluripotentes, a situação é mais complexa. O grupo de peritos considerou que a concessão de patentes está intimamente ligada à definição dos elementos que constituem um embrião e ao espectro de investigação permitido, determinado pela legislação nacional. O financiamento da investigação ao abrigo de programas-quadro europeus deve ser decidido caso a caso sempre que os projectos envolvam células estaminais embrionárias humanas.

Atendendo às divergências óbvias que hoje existem entre Estados-Membros no que se refere à aceitação de investigação relativa a células estaminais embrionárias[15], à constante e rápida evolução neste domínio e ao facto de a própria directiva estabelecer que os Estados-Membros devem recusar patentes contrárias à ordem pública ou aos bons costumes (artigo 6.º, n.º 1), a Comissão considera prematuro avançar com uma nova definição ou prever maior harmonização neste domínio. Em simultâneo, a Comissão tenciona acompanhar a evolução nesta matéria, atendendo tanto aos aspectos éticos como ao potencial impacto sobre a competitividade, tendo igualmente lançado um estudo[16] para a análise dos aspectos éticos e jurídicos da patenteabilidade das células estaminais.

3. CONCLUSÕES

O primeiro relatório 16.º c) declarava que as principais disposições da directiva eram claras e precisas, que a incerteza não pode ser permitida quando se trata de patentear plantas, animais e microrganismos e ainda que não se verificava qualquer ambiguidade relativamente à patenteabilidade de matéria isolada do corpo humano.

O presente relatório introduz considerações novas e fundamentais. Ainda que se possa sustentar que, nos termos das disposições da directiva, não existem razões objectivas para limitar a protecção tradicional conferida pelo direito das patentes às invenções relativas a sequências ou sequências parciais de genes isolados do corpo humano, foram também levantadas outras questões em matéria de ética, investigação e economia. A Comissão continuará a acompanhar as eventuais consequências económicas das possíveis divergências entre as legislações dos Estados-Membros.

Decorre da análise da Comissão que as células estaminais totipotentes não devem ser patenteáveis, por motivos que se prendem com o respeito da dignidade humana.

Não existe resposta imediata para a questão da patenteabilidade das células estaminais embrionárias pluripotentes e, com efeito, nesta fase seria prematuro avançar com uma conclusão definitiva. A Comissão continuará a acompanhar a evolução neste domínio.

[1] JO L 213 de 30.7.1998, pp. 13-21.

[2] COM (2002) 545 final, http://europa.eu.int/eur-lex/en/com/rpt/2002/com2002_0545en01.pdf

[3] http://europa.eu.int/rapid/pressReleasesAction.do?reference=IP/03/991&format=HTML&aged=1&language=EN&guiLanguage=en

[4] Lituânia e Letónia.

[5] http://europa.eu.int/rapid/pressReleasesAction.do?reference=IP/03/127&format=HTML&aged=1&language=EN&guiLanguage=en

[6] Regulamento (CE) n.º 2100/94 do Conselho, de 27 de Julho de 1994, relativo ao regime comunitário de protecção das variedades vegetais (JO L 227 de 1.9.1994, pp. 1-30).

[7] COM(2003) 456 final. O projecto de regulamento pode ser consultado no site do Conselho: http://register.consilium.eu.int/pdf/en/03/st14/st14215.en03.pdf

[8] Regulamento (CE) n.º 873/2004 do Conselho, de 29 de Abril de 2004, que altera o Regulamento (CE) n.º 2100/94 relativo ao regime comunitário de protecção das variedades vegetais(JO L 162 de 30.4.2004, p. 38).

[9] Acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Outubro de 2001, processo C-377/98, Reino dos Países Baixos, apoiado pela República Italiana e pelo Reino da Noruega, contra Parlamento Europeu e Conselho da União Europeia, apoiados pela Comissão das Comunidades Europeias.

[10] The Patenting of Human DNA: Global trends in commercial and public sector activity .

http://www.sussex.ac.uk/spru/1-4-14-1.html

[11] O caso das patentes europeias do gene BRCA1 (relacionado com a predisposição para o cancro do ovário e/ou da mama) é um exemplo. Com efeito, relativamente às três patentes exploradas pela Myriad Genetics, os processos de oposição intentados pelo Instituto Europeu de Patentes (IEP) conduziram à revogação da primeira patente (EP0699754) em Maio de 2004, e à limitação substancial do âmbito de protecção das segunda e terceira patentes (EP0705902 e EP0705903), em Janeiro de 2005, pelo facto de estas patentes não estarem em conformidade com a Convenção da Patente Europeia (CPE), uma vez que não respeitam, designadamente, o critério da novidade. Foi interposto recurso da primeira decisão do IEP (T 80/05-338).

[12] http://www.nature.com/nsu/040209/040209-12.html

[13] http://europa.eu.int/comm/european_group_ethics/docs/avis16_en.pdf

[14] http://www.patent.gov.uk/patent/notices/practice/stemcells.htm

[15] http://europa.eu.int/comm/research/biosociety/pdf/mb_states_230804.pdf

[16] Stem Cell Patents: European Patent Law and Ethics .

http://www.nottingham.ac.uk/law/StemCellProject/summary.htm

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