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Document 52003DC0075

Livro Verde da Comissão - Garantias processuais dos suspeitos e arguidos em procedimentos penais na União Europeia

/* COM/2003/0075 final */

52003DC0075

Livro Verde da Comissão - Garantias processuais dos suspeitos e arguidos em procedimentos penais na União Europeia /* COM/2003/0075 final */


LIVRO VERDE DA COMISSÃO - Garantias processuais dos suspeitos e arguidos em procedimentos penais na União Europeia

ÍNDICE

Introdução

1. AS RAZÕES QUE TORNAM NECESSÁRIA UMA ACÇÃO DA UE NESTE DOMÍNIO

1.1. Antecedentes

1.2. O Tratado da União Europeia

1.3. A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

1.4. A Comunicação da Comissão intitulada "Um Espaço de Liberdade, de Segurança e de Justiça"

1.5. As conclusões de Tampere

1.6. O programa de medidas sobre o reconhecimento mútuo

1.7. Reforçar a confiança mútua

1.8. Liberdade de circulação

1.9. Estados aderentes

1.10. Resposta à procura

1.11. Livro Verde da Comissão sobre a criação de um Procurador Europeu

1.12. Subsidiariedade

1.13. Cumprimento e acompanhamento

2. DETERMINAÇÃO DOS DIREITOS BÁSICOS

2.1. Introdução

2.2. Sítio Internet de consulta da JAI

2.3. O questionário enviado aos Estados-Membros

2.4. A reunião de peritos

2.5. Os "direitos básicos"

2.6. Direitos não abrangidos pelo Livro Verde

3. OBRIGAÇÕES RESULTANTES DOS TRATADOS E DISPOSIÇÕES EXISTENTES

3.1. Introdução

3.2. A Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais

3.3. A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

3.4. Outros instrumentos

4. O DIREITO A ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA E A REPRESENTAÇÃO POR UM DEFENSOR

4.1. Introdução

4.2. Disposições existentes

4.3. Debate e perguntas

5. O DIREITO A INTÉRPRETE E/OU TRADUTOR COMPETENTE E QUALIFICADO (OU CERTIFICADO), PARA QUE O ARGUIDO CONHEÇA AS ACUSAÇÕES DEDUZIDAS E COMPREENDA O PROCEDIMENTO

5.1. Introdução

5.2. Debate e perguntas

5.2.1. Nível de intervenção

5.2.2. Formas de intervenção

6. PROTECÇÃO ADEQUADA PARA AS CATEGORIAS ESPECIALMENTE VULNERÁVEIS

6.1. Introdução

6.2. Debate e perguntas

7. ASSISTÊNCIA CONSULAR

7.1. Introdução

7.2. Debate e perguntas

8. CONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE DIREITOS/CARTA DE DIREITOS

8.1. Introdução

8.2. Debate e perguntas

9. CUMPRIMENTO E ACOMPANHAMENTO

9.1. Introdução

9.2. Realização da avaliação

9.3. Instrumentos de avaliação

9.4. Sanções

9.5. Conclusões

Perguntas:

Generalidades

Representação judiciária

Acesso aos serviços de tradutores e de intérpretes ajuramentados

Assistência consular

A Carta de Direitos

Avaliação e acompanhamento

ANEXO

Disposições relevantes das convenções em vigor

LIVRO VERDE DA COMISSÃO - Garantias processuais dos suspeitos e arguidos em procedimentos penais na União Europeia

Introdução

O presente Livro Verde constitui uma nova etapa no processo de consulta tendo em vista estabelecer normas mínimas comuns nos Estados-Membros sobre garantias processuais a conceder às pessoas suspeitas, arguidas, julgadas e condenadas pela prática de infracções penais. Trata-se de uma reflexão sobre quais deverão ser essas normas mínimas comuns e em que domínios estas se poderão aplicar.

É importante que as autoridades judiciárias de cada Estado-Membro tenham confiança nos sistemas judiciais dos demais Estados-Membros. Este aspecto assume ainda uma maior relevância quando o número de Estados-Membros passar de 15 para 24 em Maio de 2004. O crédito que se atribui às garantias processuais e à equidade dos procedimentos permite reforçar essa confiança. Esta a razão por que é conveniente definir determinadas normas mínimas comuns a nível de toda a União Europeia, não obstante os meios para alcançar essas normas devam ser deixados à apreciação de cada Estado-Membro.

No último ano, a Comissão procedeu a um inventário das garantias processuais vigentes, tendo publicado, para este efeito, um extenso documento de consulta em várias línguas no sítio Internet da "Justiça e Assuntos Internos", em Janeiro e Fevereiro de 2002. Este documento indicava os domínios em que se poderiam adoptar medidas no futuro e convidava as partes interessadas a transmitir as suas observações e respostas.

Simultaneamente, foi enviado aos Estados-Membros um questionário sobre diferentes aspectos dos procedimentos penais nacionais, ao qual deveriam responder de acordo com o seu próprio sistema nacional vigente.

Com base nas respostas recebidas a esses dois documentos, a Comissão decidiu proceder a uma imediata consideração dos seguintes pontos:

- acesso à representação por defensor, tanto antes como durante o processo,

- acesso à interpretação e à tradução,

- comunicação aos suspeitos e arguidos dos seus direitos ("Carta de Direitos"),

- garantia de uma protecção adequada concedida, em especial, aos suspeitos e arguidos vulneráveis,

- assistência consular aos detidos estrangeiros.

Por conseguinte, após a exposição das razões pelas quais uma acção da União Europeia se impõe, o presente Livro Verde concentrará a sua atenção nestes cinco domínios e também sobre as formas de avaliar se os Estados-Membros cumprem as suas obrigações. Os restantes direitos identificados como devendo ser examinados, constituirão a base de trabalhos posteriores da Comissão. As prioridades deverão ainda ser revistas na perspectiva do alargamento.

O Livro Verde coloca um determinado número de perguntas específicas. As respostas a estas perguntas, bem como as observações gerais podem ser enviadas, de preferência, o mais tardar até 15 de Maio de 2003, para o seguinte endereço:

Comissão Europeia

Direcção-Geral da Justiça e Assuntos Internos

Unidade B3 - Cooperação judiciária em matéria penal

B-1049 Bruxelas

Bélgica

Fax: + 32 2 296 7634

À atenção de Caroline Morgan

Ou por correio electrónico para:

caroline.morgan@cec.eu.int

Em 2003, a Comissão pretende organizar uma audição pública sobre as garantias processuais dos suspeitos e arguidos em procedimentos penais na União Europeia.

1. AS RAZÕES QUE TORNAM NECESSÁRIA UMA ACÇÃO DA UE NESTE DOMÍNIO

1.1. Antecedentes

Durante muitos anos a União Europeia, ou a Comunidade Europeia, não teve qualquer competência expressa em matérias relacionadas com os direitos humanos em procedimentos penais. O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) foi ocasionalmente chamado a pronunciar-se sobre a relação entre a ordem jurídica comunitária e os direitos humanos, tendo sobre esta matéria proferido alguns acórdãos determinantes [1], embora não existisse nenhum instrumento nem posição da Comunidade Europeia sobre os direitos em matéria de processo equitativo. O TJCE, porém, defendeu que era importante que estes fossem respeitados [2]. Na falta de disposições do Tratado sobre a matéria, a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias constituiu a principal fonte da política comunitária sobre o direito a um processo equitativo. Em 1996, o TJCE declarou que "no estado actual do direito comunitário", a Comunidade não tinha competência para aderir à Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais [3], embora as disposições respeitantes ao direito a um processo equitativo já tivessem entretanto começado a ser aplicadas a nível da Comunidade. Assinado em 1992, o Tratado de Maastricht [4] estabeleceu que as questões do recentemente criado domínio da Justiça e dos Assuntos Internos, "serão tratadas no âmbito da Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4 de Novembro de 1950" [5]. Estas "questões de interesse comum" incluíam a cooperação judiciária e a cooperação policial tendo em vista a luta contra o terrorismo e outras formas graves de criminalidade. Em 1997, o Tratado de Amesterdão alterou expressamente o Tratado da União Europeia (Tratado UE), reforçando a competência da UE no domínio da cooperação policial e judiciária em matéria penal por forma a criar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça. Um dos seus princípios fundamentais, enunciado no artigo 6º, declara que a União respeita os direitos do homem e as liberdades fundamentais.

[1] Por exemplo, no processo 29/69, Stauder/Cidade de Ulm, Col. 1969-1970, p. 157, o Tribunal declarou que o direito comunitário não pode ser contrário ao direitos do homem protegidos a nível nacional e, no processo Nold / Comissão, Col. 1974, p. 283, o Tribunal declarou que, "os direitos fundamentais são parte integrante dos princípios gerais do direito, cuja observância lhe incumbe garantir" (ponto 13).

[2] Por exemplo, no processo C-49/88 Al-Jubail Fertilizer Co. e Saudi Arabian Fertilizer Co. / Conselho, Col. 1991 p. I-3187, o Tribunal insistiu sobre a importância do respeito dos direitos da defesa e, nos processos 46/87 e 227/88 Hoechst AG / Comissão, Col. 1989, p. 2859 , declarou "que é conveniente ter em conta, nomeadamente, as exigências decorrentes do respeito dos direitos da defesa, princípio cujo carácter fundamental foi, por diversas vezes, sublinhado pela jurisprudência do Tribunal".

[3] Parecer 2/94 sobre a adesão da Comunidade à Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem (CEDH), Col. 1996, p. I-1759.

[4] Tratado da União Europeia, assinado em Maastricht, em 7 de Fevereiro de 1992.

[5] Artigo K.2 do Título VI - Disposições relativas à cooperação no domínio da Justiça e dos Assuntos Internos.

1.2. O Tratado da União Europeia

A partir de 1997, ano da assinatura do Tratado de Amesterdão, a União Europeia, ao declarar que "assenta no" respeito dos direitos do homem e das liberdades fundamentais, comprometeu-se a assegurar o respeito destes direitos e liberdades no interior das suas fronteiras. O artigo 7º do Tratado UE estabelece sanções bastante estritas para as violações da obrigação de respeitar os referidos direitos. A origem da presente iniciativa reporta-se, portanto, a essa declaração.

O Tratado UE, com a redacção que lhe foi dada pelo Tratado de Nice, entrou em vigor em Fevereiro de 2003.

Os seus artigos 6º e 7º estabelecem:

"Artigo 6º

1. A União assenta nos princípios da liberdade, da democracia, do respeito pelos direitos do Homem e pelas liberdades fundamentais, bem como do Estado de direito, princípios que são comuns aos Estados-Membros.

2. A União respeitará os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950, e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros, enquanto princípios gerais do direito comunitário.

(...)

4. A União dotar-se-á dos meios necessários para atingir os seus objectivos e realizar com êxito as suas políticas.

Artigo 7°

1. Sob proposta fundamentada de um terço dos Estados-Membros, do Parlamento Europeu ou da Comissão, o Conselho, deliberando por maioria qualificada de quatro quintos dos seus membros, e após parecer favorável do Parlamento Europeu, pode verificar a existência de um risco manifesto de violação grave de algum dos princípios enunciados no n° 1 do artigo 6° por parte de um Estado-Membro e dirigir-lhe recomendações apropriadas. Antes de proceder a essa constatação, o Conselho deve ouvir o Estado-Membro em questão e pode, deliberando segundo o mesmo processo, pedir a personalidades independentes que lhe apresentem num prazo razoável um relatório sobre a situação nesse Estado-Membro.

O Conselho verificará regularmente se continuam válidos os motivos que conduziram a essa constatação.

2. O Conselho, reunido a nível de Chefes de Estado ou de Governo e deliberando por unanimidade, sob proposta de um terço dos Estados-Membros ou da Comissão, e após parecer favorável do Parlamento Europeu, pode verificar a existência de uma violação grave e persistente, por parte de um Estado-Membro, de algum dos princípios enunciados no n° 1 do artigo 6°, após ter convidado o Governo desse Estado-Membro a apresentar as suas observações sobre a questão.

3. Se tiver sido verificada a existência da violação a que se refere o n° 2, o Conselho, deliberando por maioria qualificada, pode decidir suspender alguns dos direitos decorrentes da aplicação do presente Tratado ao Estado-Membro em causa, incluindo o direito de voto do representante do Governo desse Estado-Membro no Conselho. Ao fazê-lo, o Conselho terá em conta as eventuais consequências dessa suspensão nos direitos e obrigações das pessoas singulares e colectivas.

O Estado-Membro em questão continuará, de qualquer modo, vinculado às obrigações que lhe incumbem por força do presente Tratado.

4. O Conselho, deliberando por maioria qualificada, pode posteriormente decidir alterar ou revogar as medidas tomadas ao abrigo do n° 3, se se alterar a situação que motivou a imposição dessas medidas.

5. Para efeitos do presente artigo, o Conselho delibera sem tomar em consideração os votos do representante do Governo do Estado-Membro em questão. As abstenções dos membros presentes ou representados não impedem a adopção das decisões a que se refere o n° 2. A maioria qualificada é definida de acordo com a proporção dos votos ponderados dos membros do Conselho em causa fixada no n° 2 do artigo 205° do Tratado que institui a Comunidade Europeia.

O presente número é igualmente aplicável em caso de suspensão do direito de voto nos termos do n° 3.

6. Para efeitos dos n°s 1 e 2, o Parlamento Europeu delibera por maioria de dois terços dos votos expressos que represente a maioria dos membros que o compõem."

1.3. A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

Em Dezembro de 2000, a Comissão Europeia, o Conselho e o Parlamento Europeu assinaram conjuntamente e proclamaram solenemente a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ("CDFUE"). A CDFUE abarca a totalidade dos direitos civis, políticos, económicos e sociais dos cidadãos europeus, sintetizando as tradições constitucionais e as obrigações internacionais comuns aos Estados-Membros. Um dos principais aspectos da Carta consiste na declaração segundo a qual a União Europeia é efectivamente uma comunidade política e não apenas exclusivamente uma organização económica. Além disso, declara que o respeito dos direitos fundamentais será a base de toda a legislação europeia.

Os direitos descritos na Carta estão divididos em seis capítulos: Dignidade, Liberdades, Igualdade, Solidariedade, Cidadania e Justiça. O capítulo pertinente para o presente debate intitula-se "Justiça" (artigos 47º a 50º). Tal como a CEDH, a Carta consagra o direito a um processo equitativo. Prevê a presunção de inocência, bem como os princípios da legalidade e da proporcionalidade dos delitos e das penas. Além disso, torna extensivo o princípio de ne bis in idem a toda a UE.

1.4. A Comunicação da Comissão intitulada "Um Espaço de Liberdade, de Segurança e de Justiça"

Em Julho de 1998, a Comissão definiu o seu conceito de "espaço de liberdade, de segurança e de justiça" numa comunicação [6], na qual declarava que os seus objectivos consistiam em analisar aquilo que o espaço de "justiça" deve procurar realizar. "O grande objectivo consiste em proporcionar aos cidadãos um sentimento comum de justiça em toda a União". Para este efeito, era conveniente facilitar o julgamento daqueles que ameaçam a liberdade e a segurança dos indivíduos e da sociedade, garantindo simultaneamente o respeito dos direitos individuais. Uma norma mínima de protecção dos direitos individuais foi a necessária contrapartida das medidas de cooperação judiciária que aumentavam as prerrogativas dos procuradores, dos tribunais e dos investigadores. Na referida comunicação, a Comissão comprometeu-se a garantir o "respeito dos direitos individuais".

[6] COM(1998) 459 final, de 14 de Julho de 1998, "Um Espaço de Liberdade, de Segurança e de Justiça".

1.5. As conclusões de Tampere

As conclusões do Conselho Europeu de Tampere de 1999 [7], consagraram o princípio do reconhecimento mútuo como a "pedra angular da cooperação judiciária" [8], declarando que "o maior reconhecimento mútuo das sentenças e decisões judiciais e a necessária aproximação da legislação facilitariam a cooperação entre as autoridades e a protecção judicial dos direitos individuais" [9] (ponto 33).

[7] Conclusões da Presidência, Conselho Europeu de Tampere, de 15 e 16 de Outubro de 1999.

[8] Ponto 33 - Conclusões da Presidência - Conselho Europeu de Tampere, de 15 e 16 de Outubro de 1999.

[9] Ponto 33 das Conclusões de Tampere.

1.6. O programa de medidas sobre o reconhecimento mútuo

A Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu, apresentada em 26 de Julho de 2000, relativa ao reconhecimento mútuo de decisões finais em matéria penal [10] estabelece no seu ponto 10 intitulado "Protecção dos direitos individuais" que, "deste modo, não só importa zelar por que o tratamento dos suspeitos e os direitos da defesa não sejam afectados negativamente pela aplicação do princípio [do reconhecimento mútuo], como há que garantir o reforço das salvaguardas ao longo de todo o processo".

[10] COM(2000) 495 final.

O programa de medidas do Conselho, destinadas a aplicar o princípio do reconhecimento mútuo das decisões penais [11] estabelece, na sua introdução, que "o reconhecimento mútuo deverá permitir não só o reforço da cooperação entre Estados-Membros, mas também a protecção dos direitos das pessoas" [12]. O programa enumera 24 medidas específicas em matéria de reconhecimento mútuo, algumas das quais, como o mandado de detenção europeu, foram realizadas [13]. Também se declara que "em cada um destes domínios, a dimensão do reconhecimento mútuo depende em grande medida da existência e do conteúdo de determinados parâmetros que condicionam a eficácia do exercício". Entre estes parâmetros, incluem-se "os mecanismos de protecção dos direitos de [...] suspeitos" (parâmetro 3) e "a definição de normas mínimas comuns necessárias para a aplicação do princípio do reconhecimento mútuo" (parâmetro 4). É importante neste momento garantir que o objectivo declarado no programa, ou seja, o reforço da protecção dos direitos das pessoas, receba uma aplicação concreta, tendo em devida consideração estes parâmetros.

[11] JO C 12 de 15.1.2001, p.12.

[12] Programa de medidas (do Conselho e da Comissão) destinadas a aplicar o princípio do reconhecimento mútuo das decisões penais, JO C12 de 15.1.2001, p. 10.

[13] Decisão-Quadro do Conselho, de 13 de Junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados-Membros (2002/584/JAI), JO L190 de 18.7.2002, p.1.

A fim de cumprir este compromisso assumido no âmbito das medidas anteriormente referidas, a Comissão lançou a presente iniciativa tendo em vista estabelecer garantias mínimas a conceder aos suspeitos e arguidos em procedimentos penais na União Europeia. Os trabalhos preliminares realizados neste domínio já suscitaram várias considerações de fundo que convém abordar.

1.7. Reforçar a confiança mútua

O reconhecimento mútuo assenta na confiança mútua entre os sistemas jurídicos dos diferentes Estados-Membros. A fim de garantir esta confiança mútua, é oportuno que todos os Estados-Membros confirmem um conjunto uniforme de garantias processuais a favor dos suspeitos e arguidos. O objectivo final a que se propõe a presente iniciativa é, portanto, incrementar o grau de harmonização tendo em vista reforçar, na prática, a confiança mútua. Todos os Estados-Membros da UE são signatários do principal tratado que estabelece estas normas, ou seja, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, tal como todos os Estados aderentes e os países candidatos, resultando assim que o mecanismo para alcançar a confiança mútua já está criado. Trata-se, agora, de conceber instrumentos práticos para melhorar a visibilidade e a eficácia do funcionamento das referidas normas a nível da UE. A finalidade do presente Livro Verde consiste também em garantir que os direitos não sejam "teóricos ou ilusórios" na UE, mas, pelo contrário, "práticos e efectivos". As discrepâncias na forma como os direitos humanos são transpostos, na prática, para as normas processuais nacionais, não pressupõem necessariamente violações da CEDH. Contudo, com a existência de práticas divergentes, corre-se o risco de dificultar a confiança que constitui a base do reconhecimento mútuo. Tal justifica uma acção da UE em conformidade com a alínea c) do artigo 31° do Tratado UE. Esta não tem necessariamente de adoptar a forma de uma acção vinculativa que obrigue os Estados-Membros a alterar substancialmente os seus códigos de processo penal, mas sim a de uma "melhor prática europeia", cuja finalidade seria facilitar o funcionamento prático destes direitos, proporcionando uma maior visibilidade e eficácia. Torna-se desnecessário reafirmar que em caso algum se deverá reduzir a protecção actualmente concedida pelos Estados-Membros.

1.8. Liberdade de circulação

Tal como a Comissão assinalou na sua Comunicação de 14 de Julho de 1998, "Um espaço de liberdade, de segurança e de justiça", as regras processuais deverão proporcionar, em geral, as mesmas garantias, por forma a assegurar que não haja tratamentos desiguais de um órgão jurisdicional para o outro. Os cidadãos europeus e os residentes na Europa podem razoavelmente esperar, em matéria de garantias processuais, normas equivalentes em todo o território da UE.

1.9. Estados aderentes

No Conselho Europeu de Copenhaga de 1993, os Estados-Membros fixaram os critérios de adesão [14] para os países candidatos, incluindo a garantia do respeito dos direitos humanos. No Conselho Europeu de Copenhaga de 2002, completaram-se as negociações de adesão com dez países [15], que virão a aderir em 1 de Maio de 2004, sob reserva dos seus respectivos procedimentos de ratificação. É óbvio que a conclusão das negociações implica que os Estados aderentes sejam obrigados a satisfazer os critérios de adesão.

[14] "A adesão exige que o país candidato disponha de instituições estáveis que garantam a democracia, o Estado de Direito, os direitos humanos, o respeito pelas minorias e a sua protecção, a existência de uma economia de mercado viável, bem como a capacidade de fazer face à pressão concorrencial e às forças de mercado no interior da União. A adesão pressupõe a capacidade do país candidato assumir as suas obrigações e, nomeadamente, subscrever os objectivos da união política, económica e monetária".

[15] COM(2002)700 final de 9 de Outubro de 2002. Os 10 países referidos são Chipre, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia, Malta, Polónia, República Eslovaca, República Checa e a Eslovénia.

O Tratado de adesão compreenderá uma cláusula de salvaguarda no domínio da justiça e dos assuntos internos, para os casos em que algum novo Estado-Membro venha a ter dificuldades ou corra o risco de as enfrentar, no que diz respeito à transposição para o seu direito interno ou à aplicação do acervo sobre o reconhecimento mútuo em matéria civil ou penal.

A Comissão prosseguirá o acompanhamento, até à data da adesão, dos compromissos assumidos nas negociações pelos Estados aderentes, incluindo no domínio da justiça e dos assuntos internos

1.10. Resposta à procura

Cada vez é maior a procura por parte de vários sectores (por exemplo, sociedade civil, organizações activas a nível dos direitos humanos, bem como meios de comunicação social e Parlamento Europeu), para que a Comissão adopte medidas neste sentido. Este aspecto não é de estranhar, já que constitui a contrapartida lógica de outras medidas relativas ao reconhecimento mútuo [16]. Defende-se igualmente que é preferível que a Comissão tome a iniciativa para assegurar uma equivalência em todo o território da UE, a fim de que qualquer acordo alcançado na matéria evite o risco de que as tradições jurídicas nacionais ou geográficas específicas venham afectar o texto final. Cabe esperar que uma iniciativa da Comissão preserve a neutralidade.

[16] Tal como o mandado de detenção europeu (ver nota 13).

1.11. Livro Verde da Comissão sobre a criação de um Procurador Europeu

No seu Livro Verde sobre a protecção penal dos interesses financeiros comunitários e a criação de um Procurador Europeu, que foi aprovado em 11 de Dezembro de 2001 [17], a Comissão abordou igualmente o problema das garantias processuais a nível comunitário a partir do ponto de vista do possível futuro Procurador Europeu, que terá de conduzir as investigações em todo o território da União. O processo consultivo lançado no quadro do Livro Verde sobre o Procurador Europeu, possibilitou um maior debate sobre a questão geral da adequada protecção a nível comunitário dos direitos individuais, contribuindo deste modo para realçar a necessidade de uma iniciativa específica sobre este tema.

[17] COM (2001) 715 final.

1.12. Subsidiariedade

Não obstante as considerações anteriores, convém prestar certa atenção ao argumento segundo o qual, em função do princípio da subsidiariedade, os Estados-Membros deveriam poder exercer toda a sua autonomia neste domínio [18]. O princípio da subsidiariedade visa assegurar que as decisões tomadas sejam o mais próximas possível dos cidadãos e que, se uma acção for tomada a nível comunitário, esta seja justificada, tendo em conta outras soluções possíveis a nível nacional, regional ou local. Tal significa que a UE não deve tomar medidas a menos que estas sejam manifestamente mais eficazes do que uma acção a nível nacional, regional ou local. Este princípio está estreitamente associado aos princípios da proporcionalidade e da necessidade, que exigem que qualquer acção comunitária não exceda o necessário para alcançar os objectivos do Tratado.

[18] O artigo 5º do Tratado que institui as Comunidades Europeias (aplicável neste contexto por força do artigo 2º do Tratado UE) prevê:

A Comissão considera que, neste domínio, apenas uma acção a nível da UE pode ser efectiva para assegurar normas comuns. Até este momento, os Estados-Membros têm cumprido as suas obrigações em matéria de respeito dos direitos a um processo equitativo, principalmente decorrentes da CEDH, em termos nacionais, o que levou a discrepâncias entre os níveis de salvaguardas concedidas nos diferentes Estados-Membros.

Tal como se explicou no ponto 1.7, estas discrepâncias podem impedir que o processo de reconhecimento mútuo seja plenamente desenvolvido na prática. Por conseguinte, é perceptível a necessidade de fomentar, mediante medidas concretas relativas à definição de normas comuns, uma autêntica confiança mútua na forma como estes direitos são respeitados na UE. Qualquer proposta da Comissão terá em conta as especificidades nacionais. O Plano de acção do Conselho e da Comissão sobre a melhor forma de aplicar as disposições do Tratado de Amesterdão relativas à criação de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça [19], declara especificamente que,"o princípio da subsidiariedade, que se aplica a todas as vertentes de acção da União, é de particular relevância para a criação de um espaço de liberdade, segurança e justiça".

[19] JO C 19 de 23.1.1999, ponto 1.

No que diz respeito aos objectivos específicos do Tratado UE, que constituem a base jurídica e a justificação da presente iniciativa, as disposições relevantes são as seguintes:

Artigo 31º do Tratado UE:

"A acção em comum no domínio da cooperação judiciária em matéria penal terá por objectivo, nomeadamente:

a) Facilitar e acelerar a cooperação entre os ministérios e as autoridades judiciárias ou outras equivalentes dos Estados-Membros, no que respeita à tramitação dos processos e à execução das decisões.

[..]

c) Assegurar a compatibilidade das normas aplicáveis nos Estados-Membros, na medida do necessário para melhorar a referida cooperação.[...]", artigo este que deve ser comparado com o seguinte:

Artigo 33º do Tratado UE:

"O presente título [Título VI] não prejudica o exercício das responsabilidades que incumbem aos Estados-Membros em matéria de manutenção da ordem pública e de garantia da segurança interna".

Melhorar a comparabilidade das normas processuais é a forma de "assegurar a sua compatibilidade", e tal só pode ser alcançado mediante uma acção a nível da UE.

1.13. Cumprimento e acompanhamento

É essencial que os direitos possam ser exercidos dentro dos prazos e de modo uniforme nos Estados-Membros. Os Estados-Membros têm o dever de garantir que os seus sistemas nacionais de justiça penal funcionem eficaz e equitativamente, de forma a que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem conserve a sua função de jurisdição de última instância e não seja submergido por numerosos pedidos que dificultem o seu funcionamento.

O último ponto abordado no presente Livro Verde será, portanto, consagrado aos modos de apreciar e garantir o cumprimento de qualquer medida comunitária que se venha a adoptar. Tendo em vista esta apreciação, a Comissão deve ter uma função de acompanhamento e avaliação, utilizando a informação comunicada pelos Estados-Membros ou por um grupo independente de peritos. Uma vez adoptada a decisão-quadro, incumbirá à Comissão assegurar simultaneamente que os Estados-Membros aprovem a legislação necessária para executar essa decisão-quadro e que esta seja correctamente aplicada.

Pergunta nº 1:

Será oportuno adoptar uma iniciativa em matéria de garantias processuais a nível da União Europeia?

2. DETERMINAÇÃO DOS DIREITOS BÁSICOS

2.1. Introdução

O presente Livro Verde é o resultado de um longo processo de consultas, tanto com as partes interessadas (nomeadamente advogados e peritos na matéria), como com representantes governamentais. A Comissão necessitava de informações sobre quais os direitos que são actualmente protegidos pela legislação dos Estados-Membros e quais os direitos que os peritos nesta matéria consideram indispensáveis para efeitos de um processo equitativo. Além disso, a Comissão tinha a intenção de actuar o mais rapidamente possível, pois esta iniciativa é o núcleo central do programa de reconhecimento mútuo e estavam já em curso várias medidas integrantes deste programa. Se a Comissão decidiu não realizar um inquérito foi em grande parte por esta razão. A experiência demonstra que um inquérito efectuado por um instituto de investigação independente pode ser bastante moroso e que os resultados obtidos podem variar. Por conseguinte, a Comissão decidiu realizar toda a investigação ao seu alcance e efectuar consultas alargadas para beneficiar do parecer do maior número possível de partes interessadas. O principal instrumento de estudo da Comissão foi, portanto, a consulta, em especial através do seu sítio Internet, embora peritos de diferentes ONG, cuja opinião agradeceu, tenham sido igualmente recebidos pelos serviços da Comissão e representantes da Comissão tenham participado em conferências e seminários neste domínio. A Comissão efectuou igualmente um pequeno inquérito respeitante às disposições actualmente em vigor nos Estados-Membros mediante um questionário.

No início de 2002, foi publicado no sítio Internet da JAI [20] um documento de consulta em várias línguas, que teve uma resposta assinalável. Foram recebidos cerca de 100 contributos (serviços ministeriais, associações profissionais, ONG e particulares).

[20] http://europa.eu.int/comm/justice_home/ index_en.htm

Na mesma ocasião, a Comissão também enviou aos Ministérios da Justiça de todos os Estados-Membros um questionário sobre a situação actual dos seus sistemas de justiça penal. Após ter recebido e analisado as respostas ao documento de consulta e ao questionário, a Comissão decidiu convocar um grupo de peritos para um debate exaustivo na matéria.

A reunião de peritos foi realizada em 7 e 8 de Outubro, tendo participado 50 peritos distribuídos entre representantes designados por nacionalidades (um por Estado-Membro), académicos/profissionais escolhidos pela Comissão (um por Estado-Membro) e representantes das ONG.

2.2. Sítio Internet de consulta da JAI

O documento de consulta da Comissão constituiu a primeira fase de recolha de pareceres de peritos. Numa primeira fase, a Comissão ainda não conhecia com rigor quais os domínios que seriam considerados prioritários nem quais as matérias que poderiam ser cobertas por uma única medida, tendo incluído, portanto, no documento de consulta uma lista de todos os direitos que poderiam ser abordados num futuro Livro Verde, tendo em vista avaliar a percepção exterior dos direitos mais importantes que devem ser protegidos a nível europeu.

A Comissão recebeu cerca de 100 respostas, que oscilavam entre simples informações e extensos documentos de reflexão abrangendo todas as questões evocadas no documento de consulta. As respostas foram dadas por estudantes, profissionais, associações profissionais de advogados (Ordens de Advogados), serviços ministeriais, organizações de defesa das liberdades públicas e representantes do sector académico. Trata-se de contributos de nacionais de quase todos os Estados-Membros.

No documento de consulta, a Comissão solicitava especificamente comentários sobre os seguintes temas:

i) se é ou não adequado introduzir um mecanismo para assegurar que os suspeitos/arguidos são informados dos seus direitos ("Carta de Direitos"),

ii) como proporcionar às categorias vulneráveis um grau de protecção elevado, e

iii) no que diz respeito aos seguintes direitos:

a. direito à presunção de inocência enquanto a culpabilidade não tiver sido provada;

b. direito de comunicar a detenção a pessoa da sua confiança;

c. direito a assistência por um defensor e a assistência judiciária;

d. direito a um intérprete e/ou tradutor competente e qualificado (ou ajuramentado);

e. direito à liberdade provisória, se for caso disso;

f. direito a não testemunhar contra si próprio;

g. direito a assistência consular (quando não é nacional do Estado do processo);

h. direito a um tratamento equitativo no que diz respeito à obtenção e utilização dos elementos de prova (incluindo a obrigação de comunicação que incumbe à acusação);

i. direito à revisão das decisões e/ou a procedimentos de recurso;

j. garantias específicas respeitantes à detenção, antes ou após a sentença;

k. respeito do princípio ne bis in idem.

A Comissão pretendeu igualmente recolher opiniões sobre os processos à revelia.

O documento de consulta foi recebido com grande entusiasmo pelas pessoas que trabalham nesta matéria e a Comissão ficou bastante reconhecida às pessoas que lhe responderam através de contributos e pareceres bastante construtivos. A colaboração das associações de tradutores e intérpretes foi especialmente útil, pois a Comissão tinha informações particularmente deficientes neste domínio. Numerosas respostas consideravam positiva a proposta da Comissão de uma "Carta de Direitos", um pequeno documento a comunicar aos suspeitos o mais rapidamente possível, inclusivamente logo no momento da detenção. Por esta razão, e como se considerou que esta medida era facilmente aplicável e pouco onerosa, a Comissão decidiu incluí-la nas propostas a apresentar no Livro Verde.

2.3. O questionário enviado aos Estados-Membros

Igualmente no início de 2002, foi enviado um questionário aos governos dos Estados-Membros através das suas Representações nacionais em Bruxelas. Dele constavam perguntas sobre numerosos aspectos dos seus sistemas de justiça penal, por exemplo, o orçamento consagrado à assistência judiciária gratuita, a prestação de assistência judiciária, a disponibilização de tradutores e intérpretes no âmbito dos processo penais, bem como a determinação e o tratamento de suspeitos vulneráveis. Na maioria dos casos, as respostas foram comunicadas pelos Ministérios da Justiça e do Interior dos Estados-Membros, mas respostas a algumas perguntas também foram enviadas por serviços de estatísticas ou outros serviços.

Com base nestas respostas, a Comissão ficou em condições de identificar os actuais níveis de prestação e determinar os domínios nos quais seria mais eficaz uma acção comunitária. Em especial, tornou-se clara a forma discordante como a assistência judiciária gratuita é prestada nos diferentes Estados-Membros e, no respeitante a suspeitos vulneráveis, que apenas os menores são unanimemente considerados como vulneráveis.

2.4. A reunião de peritos

Foi redigido um documento de reflexão como preparação para a reunião de peritos. Entretanto, já era claro que os domínios merecedores de consideração imediata eram a prestação de assistência judiciária gratuita, a disponibilização de tradutores e intérpretes, a "Carta de Direitos" e a determinação dos suspeitos vulneráveis. Tendo em conta a sua posição estratégica europeia, resultou igualmente evidente para a Comissão que os suspeitos estrangeiros podiam facilmente encontrar-se em situação de desvantagem e ser particularmente vulneráveis. A Comissão propôs examinar a questão dos tradutores e intérpretes e a inclusão dos estrangeiros na categoria de suspeitos vulneráveis. Foi igualmente decidido completar estas medidas através de uma iniciativa relativa aos suspeitos estrangeiros e que consiste em garantir-lhes assistência consular, em conformidade com uma convenção existente na matéria e na qual todos os Estados-Membros são já partes.

O documento de reflexão estabeleceu, por conseguinte, os cinco domínios em que a Comissão decidiu trabalhar mais intensamente nesta fase e que constituem a base das nossas discussões.

2.5. Os "direitos básicos"

A Comissão concluiu que, embora todos os direitos que integram a noção de "direito a um processo equitativo" sejam importantes, alguns direitos eram de tal forma fundamentais que seria conveniente conferir-lhes prioridade na fase actual. Trata-se, em primeiro lugar, do direito à assistência por um defensor e à assistência judiciária. Na falta de advogado, um arguido tem menos possibilidades de conhecer os seus direitos e, por conseguinte, encontra-se em pior posição para os fazer respeitar. A Comissão considera que este direito está na base de todos os outros direitos. Além disso, o suspeito ou arguido deve compreender a razão da sua acusação e a natureza do processo, sendo assim indispensável para aqueles que não compreendem a língua do processo beneficiar de interpretação e tradução das principais peças processuais. No quadro da consulta realizada pela Comissão, a "Carta de Direitos", que permitirá a um suspeito obter informações relativas aos seus direitos fundamentais por escrito e numa língua que compreenda, foi muito favoravelmente acolhida. Algumas respostas coincidiram com a posição da Comissão de que os direitos só são efectivos se o suspeito os conhece. A Comissão considera que a medida preconizada constitui um meio simples e pouco oneroso de garantir que todos os suspeitos conhecem os seus direitos. A Comissão pretendeu incluir um capítulo relativo às pessoas mais vulneráveis da sociedade, embora não seja fácil determinar quem está realmente abrangido por esta categoria. Por conseguinte, a Comissão propôs que os Estados-Membros solicitem às suas autoridades policiais e judiciárias que examinem a questão da vulnerabilidade potencial dos suspeitos ou arguidos e que tomem as medidas adequadas sem ser necessário definir com rigor quem deve ser considerado "vulnerável". A Comissão é de opinião que a situação das pessoas em causa melhorará se a questão da vulnerabilidade potencial for colocada numa fase precoce do processo e se existir a obrigação de tomar as medidas adequadas. Por último, tendo verificado que os estrangeiros são penalizados no quadro dos processos penais, a Comissão desejaria incluir uma medida com incontestável utilidade para o estrangeiro, ou seja, proporcionar uma assistência consular. Embora este direito exista, em princípio, desde há numerosos anos, a Comissão pretendeu aproveitar esta ocasião para garantir que seja plenamente respeitado, incluindo-o no Livro Verde como um corolário dos restantes direitos dos estrangeiros que propõe.

O presente Livro Verde não tem por objectivo criar novos direitos nem controlar o cumprimento dos direitos existentes a título da CEDH ou de outros instrumentos, mas sobretudo determinar quais os direitos existentes que a Comissão considera como básicos e impulsionar a sua visibilidade.

2.6. Direitos não abrangidos pelo Livro Verde

O conjunto dos direitos constantes do documento de consulta será analisado no futuro pela Comissão em conformidade com as prioridades de uma União Europeia com 25 Estados-Membros.

Dois dos direitos que a Comissão identificou parecem justificar medidas próprias separadas, caso se lhes queira fazer justiça. Trata-se do direito à liberdade provisória (enquanto se aguarda o julgamento) e o direito a um tratamento imparcial no que diz respeito aos elementos de prova.

Os trabalhos sobre o direito à liberdade provisória (que abrange igualmente as condições de detenção), que constitui um capítulo importante e essencial por direito próprio, foram separados dos trabalhos relativos a outras garantias numa fase precoce. Este direito é objecto de uma medida do programa de reconhecimentos mútuo (medida nº 10) e é preferível tratá-lo separadamente. O programa de trabalho da Comissão para 2003 compreende uma comunicação a este respeito. O programa de trabalho da Comissão deste ano compreende igualmente uma comunicação relativa à aproximação, à execução e ao reconhecimento das sanções penais na União Europeia. Pretende-se assim garantir a igualdade de tratamento das pessoas condenadas no conjunto da União Europeia, a fim de que, por exemplo, os condenados num Estado-Membro diferente daquele de que são nacionais não sejam objecto de discriminação em razão da sua nacionalidade estrangeira.

O direito a um tratamento equitativo no que diz respeito à utilização dos elementos de prova abrange na prática numerosos direitos e muitos aspectos do procedimento. Rapidamente se tornou claro que este domínio devia ser abrangido por uma medida separada, pois é demasiado vasto para ser tratado num Livro Verde que já propõe vários direitos. A Comissão decidiu, portanto, consagrar mais tempo e um estudo específico a esta matéria quando se completasse a primeira fase do trabalho sobre as garantias processuais. A Comissão iniciou agora um estudo sobre as garantias de um tratamento equitativo no que diz respeito à obtenção e à utilização dos elementos de prova que, designadamente, abarcará o direito ao silêncio, o direito de ouvir testemunhas, o problema das testemunhas anónimas, o direito de revelação de provas a favor da defesa, a forma de conceber a presunção de inocência (a questão de saber se, em determinadas circunstâncias, o ónus da prova pode ser invertido) e numerosos outros aspectos do direito da prova. O artigo 48° da CDFUE estabelece que, "todo o arguido se presume inocente enquanto não tiver sido legalmente provada a sua culpa". O tratamento dos arguidos não condenados relativamente à prisão preventiva e à questão da inversão do ónus da prova, são aspectos de um mesmo princípio e serão analisados no trabalho sobre o direito à liberdade provisória e em matéria de prova.

Está igualmente em curso um estudo sobre o princípio "ne bis in idem" (medida incluída no programa de reconhecimento mútuo). O artigo 50° da CDFUE estabelece que "ninguém pode ser julgado ou punido penalmente por um delito do qual já tenha sido absolvido ou pelo qual já tenha sido condenado na União por sentença transitada em julgado, nos termos da lei". A Grécia anunciou que apresentará proximamente uma iniciativa sobre a matéria, que será tida em conta para avaliar a necessidade de apresentar propostas adicionais à luz da recente jurisprudência. Em 10 de Fevereiro de 2003, o TJCE proferiu o seu acórdão, nos processos apensos C-187/01 e C-385/01, sobre a aplicação do artigo 54° da Convenção de aplicação do Acordo de Schengen, tendo declarado que uma pessoa não pode ser objecto de novos procedimentos criminais num Estado-Membro quando já foi «definitivamente julgada» pelos mesmos factos noutro Estado-Membro, mesmo sem a intervenção de um órgão jurisdicional.

Os processos à revelia não foram considerados como fazendo parte das primeiras prioridades dos trabalhos sobre as garantias processuais e serão, portanto, examinados posteriormente. A Comissão pretende consagrar um Livro Verde a este tema em 2004, tendo em vista apresentar uma proposta talvez no final de 2004 ou no início de 2005.

No que diz respeito às vítimas de crimes, foram realizadas várias iniciativas associadas ao Livro Verde "As vítimas da criminalidade na União Europeia - Reflexão sobre as normas e medidas a adoptar" [21]. Em 15 de Março de 2001, foi adoptada uma Decisão-quadro relativa ao estatuto da vítima em processo penal [22] e em 16 de Outubro de 2002, a Comissão apresentou a proposta de uma Directiva do Conselho relativa à indemnização das vítimas da criminalidade [23].

[21] COM (1999) 349 FINAL.

[22] JO L 82 DE 22.3.2001, P. 1.

[23] COM (2002) 562 FINAL.

3. OBRIGAÇÕES RESULTANTES DOS TRATADOS E DISPOSIÇÕES EXISTENTES

3.1. Introdução

O Tratado UE estabelece, no seu artigo 6º que "a União Europeia respeitará os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Dezembro de 1950, e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros, enquanto princípios gerais do direito comunitário". Por esta razão, a Comissão considerou a CEDH como ponto de partida para avaliar as normas mínimas comuns. A própria CEDH estabelece normas mínimas, que são comuns, pelo facto de todos os Estados-Membros serem seus signatários. A CEDH tem sido desenvolvida através de uma jurisprudência abundante, de modo que, perante a necessidade de qualquer clarificação, os acórdãos proferidos pelo Tribunal Europeu dos Direitos de Homem são de manifesta utilidade. Assim sendo, o Livro Verde não pretende obrigar os Estados-Membros a respeitarem a CEDH, mas garantir que os direitos visados sejam aplicados de forma mais coerente e uniforme em todo o território da União Europeia.

3.2. A Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais

O artigo 6º da CEDH, prevê o direito a um processo equitativo. A sua redacção é a seguinte:

"ARTIGO 6º

1 - Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.

2 - Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada.

3 - O acusado tem, como mínimo, os seguintes direitos:

a) Ser informado no mais curto prazo, em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada;

b) Dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua defesa;

c) Defender-se a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha e, se não tiver meios para remunerar um defensor, poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem;

d) Interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação;

e) Fazer-se assistir gratuitamente por intérprete, se não compreender ou não falar a língua usada no processo".

Os vários direitos, que o nº 3 enumera em termos não exaustivos, reflectem alguns dos aspectos da noção de processo equitativo em matéria penal [24]. O "objecto" da CEDH é devidamente reafirmado no processo Artico / Itália [25], no qual o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem declarou que a "finalidade da Convenção não consiste em proteger direitos que sejam teóricos ou ilusórios, mas direitos que são concretos e efectivos; esta observação pode aplicar-se particularmente aos direitos da defesa, tendo em consideração o papel proeminente que numa sociedade democrática ocupa o direito a um processo equitativo, de que aqueles direitos decorrem".

[24] Processo Deweer / Bélgica, de 27 de Fevereiro de 1980, Série A nº 35, ponto 56.

[25] Artico / Itália, acórdão de 13 de Maio de 1980, Série A nº 37, ponto 32 e 33.

3.3. A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

A natureza jurídica da Carta tem vindo a ser objecto de reflexão.

A CDFUE é citada com cada vez maior frequência pelo Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (TPICE) [26] e em numerosas conclusões dos Advogados Gerais [27], os quais, sempre que abordaram a questão da sua natureza, declararam sistematicamente que esta não tinha valor vinculativo [28]. Não obstante, defenderam que a Carta "compreende formulações que, na sua maioria, parecem reconhecer direitos já consagrados noutros instrumentos" [29] e que alguns artigos da Carta consagram princípios de direito geralmente reconhecidos [30]. O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, por seu lado, nunca fez referência à Carta, mesmo nos casos em que esta era mencionada nas conclusões do Advogado Geral.

[26] Ver, por exemplo, o processo T-112/98, Mannesmannröhren-Werke / Comissão, Col. 2001, p. II-729, o processo T-54/99, Max.mobil / Comissão (acórdão de 30 de Janeiro de 2002), ponto 48 e 57, o processo T-177/01, Jégo-Quéré / Comissão (acórdão de 3 de Maio de 2002), ponto 42 e 47, acórdão este que é actualmente objecto de um recurso (Processo C-263/02P).

[27] Ver, por exemplo: AG Alber, no processo C-340/99, TNT / Poste Italiane, Col. 2001 p. I-4109, ponto 94; AG Geelhoed, no processo C-313/99 Mulligan / AG, ponto 28, C-413/99 Baumbast / Secretary of State for the Home Department, ponto 59 e processo C-491/01, The Queen / Secretary of State for Health ex parte BAT, pontos 47 e 259; AG Jacobs, nos processos C-377/98, Reino dos Países Baixos / Parlamento e Conselho (Directiva sobre a biotecnologia) (acórdão de 9 de Outubro de 2001), pontos 97 e 210, C-270/99P Z / Parlamento (acórdão de 21 de Novembro de 2001), ponto 40, e C-50/00P Unión de Pequeños Agricoltores / Conselho (acórdão de 25 de Julho de 2002), ponto 39; AG Léger nos processos C-353/99P Conselho / Hautala (acórdão de 6 de Dezembro de 2001), ponto 51, 73 e 78-80, e C-309/99 Wouters / Nederlandse Orde van Advocaten (acórdão de 19 de Fevereiro de 2002), ponto 173 e 175; AG Mischo nos processos C-122 e 125/99 D / Conselho Col. 2001 I-4319, ponto 97, e C-20/00 e 64/00 Booker Aquaculture / The Scottish Ministers, ponto 126; AG Stix-Hackl no processo C-49/00 Comissão / Itália, ponto 57, e C-459/99 MRAX / Bélgica (acórdão de 25 de Julho de 2002), ponto 64; e AG Tizzano no processo C-173/99 The Queen / Secretary of State for Trade and Industry ex parte BECTU Col. 2001 I-4881, ponto 27. As referência aos pontos remetem para as conclusões dos Advogados Gerais e não para os acórdãos propriamente ditos.

[28] Baumbast, ponto 59, BECTU, ponto 27, Conselho / Hautala, ponto 80, Mulligan, ponto 28, Unión de Pequeños Agricoltores, ponto 39, Z, ponto 40.

[29] BECTU, ponto 27.

[30] Unión de Pequeños Agricoltores, ponto 39.

No Conselho Europeu de Laeken, de 15 de Dezembro de 2001, os Chefes de Estado dos Estados-Membros da UE apresentaram uma declaração sobre o futuro da Europa, tendo declarado que, "haverá que reflectir sobre a conveniência de incluir a Carta dos Direitos Fundamentais no Tratado de base e colocar a questão da adesão da Comunidade Europeia à Convenção Europeia dos Direitos do Homem".

O Praesidium propôs em 6 de Fevereiro de 2003 aos membros da Convenção sobre o Futuro da Europa, um projecto de texto dos primeiros artigos do Tratado que institui uma Constituição para a Europa [31]. O Praesidium propõe que a CDFUE seja parte integrante da Constituição:

[31] CONV 528/03.

"Artigo 5.º: Direitos fundamentais

1. A Carta dos Direitos Fundamentais é parte integrante da Constituição [...].

2. A União pode aderir à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. A adesão a esta Convenção não altera as competências da União, tal como definidas pela presente Constituição.

3. Os direitos fundamentais, tal como os garantem a Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros, fazem parte do direito da União como princípios gerais."

Existe um consenso cada vez maior sobre este projecto.

3.4. Outros instrumentos

Outros instrumentos internacionais, nos quais são partes todos os Estados-Membros [32], e que conferem garantias processuais às pessoas implicadas em procedimentos penais, são os seguintes:

[32] Os países candidatos, incluindo a Bulgária e a Roménia, são igualmente partes nestes tratados, com excepção do Estatuto de Roma, que todos ratificaram exceptuando a República Checa, a Lituânia e Malta. Desde Novembro de 2002, estes três países assinaram, mas ainda não ratificaram, o Estatuto de Roma.

- Carta das Nações Unidas de 1945;

- Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos de 1996;

- Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963;

- Estatuto do Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia de 1993. Os Estados-Membros devem respeitar o estatuto por força dos artigos 25º e 103º da Carta das Nações Unidas;

- Estatuto do Tribunal Penal Internacional para o Ruanda de 1994. Os Estados-Membros devem respeitar o estatuto por força dos artigos 25º e 103º da Carta das Nações Unidas;

- Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional de 1998 ("Estatuto de Roma").

O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos

Este instrumento foi adoptado sob a forma de resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas [33]. Tal significa que não tem carácter vinculativo geral [34], mas como os direitos que enuncia são codificados num tratado, é obrigatório nos Estados que o ratifiquem ou dele venham a fazer parte. Além disso, estabelece um Comité dos Direitos do Homem, órgão que formula orientações em matéria de direitos a um processo equitativo. Os artigos a tomar em consideração para este efeito são os artigos 9º e 10º, que se reproduzem no anexo do presente Livro Verde.

[33] Resolução A.G. 2200A (XXI), 21 ONU GAOR Supp. (Nº. 16) em 52, Doc. A/6316 (1966), 999 U.N.T.S. 171 da ONU, que entrou em vigor em 23 de Março de 1976.

[34] A Carta das Nações Unidas prevê que a Assembleia Geral pode fazer "recomendações" (artigos 11º e 12º). O Tribunal Internacional de Justiça declarou, contudo, no seu parecer consultivo de 1996 sobre a legalidade da ameaça ou da utilização de armas nucleares:

O Estatuto de Roma

Por força do Estatuto de Roma, os suspeitos e arguidos beneficiam de amplos direitos em conformidade com o artigo 55º (direitos das pessoas no decurso do inquérito) e o artigo 67º (direitos do arguido) que figuram em anexo. É incontestável que o Estatuto de Roma é mais ambicioso do que a CEDH. O Estatuto de Roma, que foi adoptado a nível intergovernamental, é citado neste contexto em razão do interesse que reveste, pois proporciona garantias muito completas às pessoas acusadas de graves violações da legislação em matéria de direitos humanos a nível internacional. Este instrumento foi redigido por representantes da comunidade internacional, incluindo todos os Estados-Membros. Convém assinalar que a comunidade internacional aceitou estas garantias como um "mínimo" a conceder aos futuros suspeitos e arguidos submetidos ao Tribunal Penal Internacional, enquanto que os suspeitos e arguidos em procedimentos penais "ordinários" na UE nem sempre beneficiam deste nível de protecção.

4. O DIREITO A ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA E A REPRESENTAÇÃO POR UM DEFENSOR

4.1. Introdução

A questão fundamental é provavelmente a que diz respeito à assistência judiciária e à representação por um defensor. O suspeito ou arguido que tem um advogado está em situação incontestavelmente mais favorável no que se refere ao exercício dos seus outros direitos, em parte porque as suas oportunidades para ser informado destes direitos são maiores e, também, porque um advogado prestará a sua assistência no sentido de os seus direitos serem respeitados. Por conseguinte, será mais conveniente começar por examinar o direito à assistência judiciária e à representação por um defensor.

4.2. Disposições existentes

O direito a ser defendido por um defensor está firmemente estabelecido - figura na CEDH e foi de novo consagrado na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, bem como noutros instrumentos [35].

[35] Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e ponto 93 do Conjunto das Normas Mínimas para o Tratamento dos Detidos (Conselho da Europa, Resolução do Comité de Ministros CM(73)5).

4.2.(a) Em conformidade com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem

O nº 3 do artigo 6º estabelece os "direitos mínimos" a que "qualquer pessoa acusada tem direito":

"3 - O acusado tem, como mínimo, os seguintes direitos:

[...]

c) Defender-se a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha e, se não tiver meios para remunerar um defensor, poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem; [...]" [36].

[36] No processo Artico / Itália (citado na nota de pé de página 27), o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem declarou que o nº 3 do artigo 6º compreende uma lista de aplicações específicas do princípio geral enunciado no nº 1 do artigo (nº 1 do artigo 6º), e tendo em vista o seu respeito, convém não esquecer a sua principal finalidade nem afastá-lo das suas raízes.

4.2.(b) Em conformidade com a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

O artigo 47º (Direito à acção e a um tribunal imparcial) estabelece:

"Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma acção perante um tribunal.

Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. Toda a pessoa tem a possibilidade de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo.

É concedida assistência judiciária a quem não disponha de recursos suficientes na medida em que essa assistência seja necessária para garantir a efectividade do acesso à justiça".

4.2.(c) O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias

No processo Hoechst/Comissão [37], o TJCE declarou expressamente que o direito a representação por um defensor é um dos direitos fundamentais que devem ser respeitados nos processos administrativos, cuja violação é susceptível de sanções. Embora os procedimentos não tivessem natureza penal, a declaração do Tribunal revestiu um sentido lato: "consequentemente, embora determinados direitos da defesa apenas existam em processos contraditórios, subsequentes à notificação de uma acusação, outros direitos, como por exemplo o direito à assistência jurídica [...], devem ser respeitados desde a fase de instrução prévia".

[37] Processos 46/87 e 227/88, Hoechst AG / Cmmissão, Col. 1989, p. 2859, ponto 15 e 16.

4.2.(d) Em conformidade com outros instrumentos internacionais

O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos

O artigo 14º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos prevê o seguinte:

"3 - Qualquer pessoa acusada de uma infracção penal terá direito, em plena igualdade, pelo menos às seguintes garantias:

[...]

d) a estar presente no processo e a defender-se a si própria ou a ter a assistência de um defensor da sua escolha; se não tiver defensor, a ser informada do seu direito de ter um e, sempre que o interesse da justiça o exigir, a ser-lhe atribuído um defensor oficioso, a título gratuito no caso de não ter meios para o remunerar".

O Estatuto de Roma

Os direitos dos arguidos são contemplados em dois artigos do Estatuto de Roma. O nº 2 do artigo 55º, que se refere à fase de instrução do processo, prevê:

"[...]2 - Sempre que existam motivos para crer que uma pessoa cometeu um crime da competência do Tribunal e que deve ser interrogado pelo procurador ou pelas autoridades nacionais, em virtude de um pedido feito em conformidade com o disposto no capítulo IX, essa pessoa será informada, antes do interrogatório, de que goza ainda dos seguintes direitos:[...]

c) A ser assistida por um advogado da sua escolha ou, se não o tiver, a solicitar que lhe seja designado um defensor oficioso, em todas as situações em que o interesse da justiça assim o exija, e sem qualquer encargo se não possuir meios suficientes para lhe pagar; e

d) A ser interrogada na presença de advogado, a menos que tenha renunciado voluntariamente ao direito de ser assistida por um advogado".

O artigo 67º, que regula a fase do julgamento, prevê o seguinte:

"1 - Durante a apreciação de quaisquer factos constantes da acusação, o arguido tem direito a ser ouvido em audiência pública, tendo em conta o disposto no presente Estatuto, a uma audiência conduzida de forma equitativa e imparcial e às seguintes garantias mínimas, em situação de plena igualdade: [...]

b) A dispor de tempo e de meios adequados para a preparação da sua defesa e a comunicar livre e confidencialmente com um defensor da sua escolha;

c) A ser julgado sem atrasos indevidos;

d) Salvo o disposto no nº 2 do artigo 63º, o arguido terá direito a estar presente na audiência de julgamento e a defender-se a si próprio ou a ser assistido por um defensor da sua escolha; se não o tiver, a ser informado do direito de o tribunal lhe nomear um defensor sempre que o interesse da justiça o exija, sendo tal assistência gratuita se o arguido carecer de meios suficientes para remunerar o defensor assim nomeado; [...]"

O Estatuto do Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia

O artigo 18º do Estatuto do Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia prevê o seguinte:

"3 - Qualquer suspeito submetido a interrogatório terá o direito a ser assistido por um defensor da sua escolha, incluindo a possibilidade de lhe ser designado um defensor oficioso, sem encargos caso não disponha de meios suficientes para o remunerar [...]."

O Estatuto do Tribunal Penal Internacional para o Ruanda prevê direitos idênticos no seu artigo 20º.

4.2.(e) Representação por um defensor em acções cíveis a nível da UE - Comparação.

Em Janeiro de 2002, a Comissão apresentou uma proposta de directiva do Conselho visando melhorar o acesso à justiça nos processos transfronteiras, através do estabelecimento de regras mínimas comuns relativas à assistência judiciária e a outros aspectos financeiros das acções cíveis na UE [38]. Esta medida foi adoptada em 27 de Janeiro de 2003 [39], a qual estabelece que as "pessoas singulares" têm direito a uma "assistência judiciária adequada" sob certas condições. Embora as condições de concessão de assistência judiciária gratuita em acções cíveis sejam um pouco diferentes das condições aplicáveis aos procedimentos penais, e sendo os procedimentos em matéria civil abrangidos pelo primeiro pilar, a referida medida servirá de modelo de harmonização das normas relativas à representação por um defensor. Naturalmente, as considerações desenvolvidas para a esfera do direito civil são diferentes daquelas aplicáveis aos domínios abrangidos pelo primeiro pilar.

[38] Proposta de Directiva do Conselho relativa à melhoria do acesso à justiça nos processos transfronteiras, através do estabelecimento de regras mínimas comuns relativas à assistência judiciária e a outros aspectos financeiros das acções cíveis, COM(2002)13 final de 18 de Janeiro de 2002.

[39] JO L 26 de 31.1.2003, p. 41.

4.3. Debate e perguntas

A CEDH e a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem estabelecem o direito à assistência judiciária e à representação por um defensor. Nos últimos anos, a comunidade internacional assistiu à criação de tribunais ad hoc, para a ex-Jugoslávia e o Ruanda, bem como à instauração de um Tribunal Penal Internacional para todos, cujo estatuto estabelece que o arguido tem direito a ser representado por um advogado e a ser assistido por um defensor oficioso, sem qualquer encargo, se não possuir meios suficientes para o remunerar. Tal reflecte o reconhecimento do direito à assistência judiciária e à representação por um defensor como um direito fundamental, sendo que a questão que se nos coloca não é a existência deste direito, mas a forma como é posto em prática nas melhores condições.

4.3.(a) Quando surge este direito?

O direito à representação por um defensor surge imediatamente aquando da detenção (quer seja numa esquadra de polícia ou noutro local) [40], mesmo que, obviamente, seja necessário conceder um prazo razoável para a chegada do defensor. As fases anteriores ao julgamento são igualmente abrangidas [41]. Um suspeito tem direito a representação por um defensor em todas as fases do interrogatório e na fase das declarações. Se o suspeito tiver recusado a assistência judiciária nessa fase precoce e, posteriormente, for acusado de uma infracção e ainda não tiver defensor constituído, deve ser-lhe recordado este direito e designado um defensor o mais rapidamente possível, caso pretenda exercer o referido direito.

[40] No processo John Murray / Reino Unido (acórdão de 8 de Fevereiro de 1996, série A 1996-I), o Tribunal declarou a violação da CEDH, pois o arguido tendo sido detido por actos terroristas, foi-lhe negado o acesso a um defensor durante 48 horas. Ver igualmente a norma 93 do Conjunto das normas mínimas para o tratamento de detidos (Conselho da Europa, Resolução CM(73)5, que prevê: "A pessoa detida deve, desde a sua prisão, poder escolher um defensor que a defenda".

[41] Imbrioscia / Suiça (acórdão de 24 de Novembro de 1993, série A, nº 275, ponto 36).

4.3.(b) Quais são os direitos do arguido?

Os direitos conferidos pelo nº 3, alínea c), do artigo 6º da CEDH, tendo em conta o seu "objectivo fundamental" que consiste em garantir um processo equitativo, bem como os direitos resultantes de outras disposições pertinentes anteriormente citadas, podem resumir-se da seguinte forma:

- Qualquer pessoa acusada de uma infracção tem o direito:

- de defender-se a si próprio, se assim o desejar, ou

- a ter a assistência de um defensor da sua escolha, e

- se não tiver meios para remunerar um defensor, a poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem.

O nº 3, alínea b), do artigo 6º da CEDH estabelece o direito a "dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua defesa". Este direito deve ser respeitado sem que o prazo entre a acusação e o julgamento seja excessivo, pois o nº 3 do artigo 5º da CEDH e o nº 3 do artigo 9º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos prevêem que qualquer pessoa presa ou detida deve ser apresentada "prontamente" para ser julgada.

O direito de defender-se a si próprio

Se o arguido decidir invocar este direito, deve estar presente nos procedimentos, a fim de "defender-se a si próprio de forma concreta e efectiva". Por conseguinte, é incontestável que o direito conferido pelo nº 3, alínea b), do artigo 6º da CEDH de "dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua defesa", é de importância fundamental para a pessoa acusada que opte por se defender a si própria. A Comissão, embora reconheça este direito, não se preocupa, por razões óbvias, com a situação do arguido que pretende defender-se a si próprio. Situação preocupante é o caso contrário, ou seja, se o arguido que pretende a assistência judiciária e representação por um defensor não puder exercer este direito.

O direito a ter a assistência de um defensor da sua escolha

O nº 3, alínea c), do artigo 6º da CEDH, o artigo 14º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, o artigo 55º do Estatuto de Roma e o artigo 18º do Estatuto do Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia, prevêem expressamente o direito do arguido poder escolher um defensor. Todavia, este direito só é aplicável, em geral, quando a pessoa acusada tem os recursos necessários para pagar a um advogado que o represente.

O direito a assistência judiciária gratuita

O nº 3, alínea c), do artigo 6º da CEDH, o artigo 14º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, o artigo 55º do Estatuto de Roma e o artigo 18º do Estatuto do Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia, bem como outros instrumentos, prevêem expressamente o direito de qualquer pessoa acusada poder ser assistida gratuitamente por um defensor "se não tiver meios para remunerar [um defensor]".

O arguido não tem de provar "de forma absoluta" que não tem meios para remunerar o seu defensor [42]. Alguns Estados-Membros aplicam um critério de prova de insuficiência económica para determinar se o arguido "não tem meios para remunerar um defensor". Outros, concedem assistência judiciária gratuita a todos com base no critério de que a prova de insuficiência económica é onerosa e que o reembolso de algumas despesas pode ser obtido junto do arguido em determinadas circunstâncias. Este parece ser um domínio em que convém deixar aos Estados-Membros a escolha do sistema que lhes parecerá economicamente mais eficaz.

[42] Pakelli / Reino Unido, acórdão de 25 de Abril de 1983, Série A n° 64, ponto 34.

O direito à assistência judiciária gratuita não é incondicional. Tanto a CEDH, como o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e o Estatuto de Roma prevêem que este direito deve ser concedido "quando os interesses da justiça o exigirem". A dificuldade reside na determinação dos critérios que podem ser aplicados a nível de toda a UE, a fim de determinar em que momento "os interesses da justiça" o exigem. No processo Quaranta / Suíça, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem indicou três factores a ter em conta:

- a gravidade da infracção e a severidade da pena incorrida,

- a complexidade da causa, e

- a situação pessoal do arguido [43].

[43] Quaranta / Suiça, acórdão de 24 de Maio de 1991, Série A n° 25, ponto 35, que descreve o Sr. Quaranta como um adulto jovem de origem estrangeira e oriundo de meios desfavorecidos que não possuia uma verdadeira formação profissional e tinha antecedentes criminais consideráveis; consumia estupefacientes desde 1975, quase diariamente desde 1983 e, na época dos factos, vivia com a sua família, de subsídios da segurança social.

Deve ser referido que estas categorias são entendidas numa acepção ampla e abrangem numerosos casos em que talvez não esteja a ser concedida actualmente assistência judiciária gratuita.

O direito à assistência judiciária gratuita não confere um direito a escolher defensor, embora alguns Estados-Membros o concedam e, em qualquer circunstância, o defensor designado, quer seja pelo arguido, quer seja no quadro de um regime nacional de assistência judiciária gratuita, deve assegurar uma "assistência efectiva" [44].

[44] Acórdão Artico / Itália de 1980 citado.

No processo Benham / Reino Unido (1996), o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem declarou que, quando a privação de liberdade está em causa, os interesses da justiça impõem, em princípio, a concessão de assistência por um defensor. Alguns Estados-Membros alargam este princípio às infracções que implicam não só o risco de uma pena privativa de liberdade, mas igualmente a eventual perda de emprego ou de meios de subsistência. Alguns Estados-Membros chegam mesmo a alargar este princípio a todas as infracções, com excepção das infracções consideradas "menos graves", designadamente as infracções ao código de estrada ou o furto em lojas comerciais [45].

[45] Por exemplo, na Suécia, mas convém notar que o furto em lojas comerciais não é considerado como uma infracção "menor" por todos os Estados-Membros.

Requisitos mínimos

Não é suficiente que o Estado designe um defensor - é ainda necessário que a assistência prestada pelo defensor seja igualmente efectiva e que o Estado assegure que o defensor possui as informações necessárias para conduzir a defesa do seu cliente [46]. O arguido deve receber do seu defensor todas as informações necessárias à compreensão da natureza e das consequências da acusação deduzida contra si. Deve ser informado do eventual direito de guardar silêncio (ou, pelo contrário, das repercussões desfavoráveis que poderão ser deduzidas do seu silêncio), das consequências de eventuais confissões e da importância conferida às suas respostas durante procedimentos posteriores.

[46] No processo Goddi / Itália (acórdão de 9 de Abril de 1984), a não notificação pelo Estado da data da audiência ao seu defensor implicou que o Sr. Goddi não tenha beneficiado de uma defesa "concreta e efectiva".

O artigo 6º em conjugação com outros artigos

O artigo 1º da CEDH (obrigação de respeitar os direitos do homem) prevê:

"As Altas Partes Contratantes reconhecem a qualquer pessoa dependente da sua jurisdição os direitos e liberdades definidos no Título I da presente Convenção."

O artigo 14º da CEDH (proibição de discriminação) prevê:

"O gozo dos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção deve ser assegurado sem quaisquer distinções, tais como as fundadas no sexo, raça, cor, língua, religião, opiniões políticas ou outras, a origem nacional ou social, a pertença a uma minoria nacional, a riqueza, o nascimento ou qualquer outra situação".

Da apreciação conjugada destes artigos deduz-se que as garantias de um processo equitativo, previstas no artigo 6º, devem ser asseguradas a todas as pessoas que se encontrem no território de um Estado-Membro, independentemente da sua nacionalidade e quer a sua permanência no território deste Estado seja ou não legal. Por conseguinte, o direito de se fazer representar por um defensor nos procedimentos penais, bem como todos os direitos conexos evocados anteriormente, devem ser concedidos a qualquer pessoa que se encontre no país em causa. O artigo 14º exclui a maior parte das formas de discriminação.

4.3.(c) Quais as disposições que os Estados-Membros deveriam estabelecer?

No questionário enviado pela Comissão aos Estados-Membros, uma das perguntas referia-se ao acesso à assistência judiciária e à representação por um defensor. As disposições dos Estados-Membros variam consideravelmente. A Comissão está interessada em que existam sistemas nacionais nos Estados-Membros, a fim de que as condições de acesso se apliquem uniformemente no território de cada Estado-Membro. Tal implicaria um sistema mais equitativo, pois os funcionários encarregues da detenção estariam familiarizados com as disposições nacionalmente aplicáveis. Se estas também fossem explicadas por escrito (ver infra, Parte 6 - Carta de Direitos), estaríamos perante uma situação de maior transparência, em que o conhecimento do direito seria mais geral.

Em alguns Estados-Membros, a assistência por um defensor na fase de detenção, é prestada pro bono por estudantes ou advogados estagiários. Os advogados que prestam assistência nestas circunstâncias devem ser competentes para que o procedimento respeite a CEDH. O facto de não existirem suficientes advogados qualificados dispostos a realizar este tipo de trabalho pode, em parte, ser explicado porque a remuneração não é suficientemente compensatória. Nos casos em que a assistência aos detidos é prestada por advogados estagiários, e certamente no respeitante a todos os advogados que prestam esta assistência, deveria existir alguma forma de controlo da qualidade. Este controlo da qualidade deveria aplicar-se também à preparação para o julgamento e ao próprio julgamento. Por conseguinte, os Estados-Membros deveriam estabelecer um mecanismo mediante o qual se garantisse a qualidade.

A Comissão reconhece que os sistemas que asseguram a assistência judiciária e a representação por um defensor a cargo do Estado, são muito dispendiosos. Naturalmente, tal suscita a questão de saber se o sistema deverá alargar-se àqueles que podem pagar a totalidade ou parte das despesas judiciais e àqueles acusados de infracções menos graves. Alguns Estados-Membros aplicam uma prova de insuficiência económica como, por exemplo, "quem ganhar menos do dobro do salário mínimo mensal", sendo este o limite para ter acesso ao referido benefício. Outros não estabelecem qualquer limite, considerando mais dispendioso avaliar os meios de subsistência do arguido do que conceder assistência judiciária gratuita sem a prova de insuficiência económica. A Comissão interroga-se sobre se, tendo em conta os custos do sistema, deveriam existir normas mínimas comuns sobre o nível de gravidade da infracção relativamente à qual de prestaria assistência judiciária gratuita e se conviria excluir determinadas infracções menos graves. As perguntas seguintes reflectem estas preocupações.

Pergunta nº 2

A fim de garantir normas mínimas comuns para o cumprimento do disposto no nº 3, alínea c), do artigo 6º, da CEDH, deveria exigir-se a todos os Estados-Membros o estabelecimento de um regime nacional que assegure a representação por um defensor nos procedimentos penais?

Pergunta nº 3

Se os Estados-Membros forem obrigados a estabelecer um regime nacional que assegure a representação por um defensor nos procedimentos penais, deverão ser igualmente obrigados a verificar se a remuneração é suficientemente compensatória para os incentivar a participar nesse regime?

Pergunta nº 4

Se os Estados-Membros foram obrigados a estabelecer um regime nacional que assegure a representação por um defensor nos procedimentos penais, deverão igualmente verificar as competências, o nível de experiência e/ou as qualificações dos advogados que participam nesse regime?

Pergunta nº 5

O nº 3 do artigo 6º da CEDH estabelece que o acusado deve poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso "se não tiver meios para remunerar um defensor". De que forma os Estados-Membros deverão determinar se a pessoa pode remunerar um defensor?

Pergunta nº 6

O nº 3 do artigo 6º da CEDH prevê que o acusado deve poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso "quando os interesses da justiça o exigirem". Este direito deveria limitar-se às infracções sancionadas com uma eventual medida privativa de liberdade ou deveria ser alargado, por exemplo, ao risco de perda de emprego ou de ofensa à reputação?

Pergunta nº 7

Se a assistência gratuita por um defensor deve ser concedida para todas as infracções, com excepção das consideradas "menos graves", qual a definição de "infracções menos graves" seria aceitável em todos os Estados-Membros?

Pergunta nº 8

Deveria haver sanções, distintas de qualquer decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, se um Estado-Membro não assegurar a assistência judiciária e a representação por um defensor à pessoa com direito a dela beneficiar?

5. O DIREITO A INTÉRPRETE E/OU TRADUTOR COMPETENTE E QUALIFICADO (OU CERTIFICADO), PARA QUE O ARGUIDO CONHEÇA AS ACUSAÇÕES DEDUZIDAS E COMPREENDA O PROCEDIMENTO

5.1. Introdução

O direito de acesso a um intérprete competente e à tradução dos documentos importantes é fundamental. É inquestionável que o suspeito ou arguido deve compreender a causa da acusação. Trata-se de um direito claramente estabelecido - consagrado na CEDH e noutros instrumentos citados mais adiante. Este aspecto reveste especial pertinência actualmente, pois um cada vez maior número de pessoas se desloca de um país para outro, não só em férias ou para procurar um emprego, mas também para fixar residência. A dificuldade não reside na constatação da existência deste direito, mas no seu exercício. Embora as profissões de tradutor e intérprete ajuramentado ainda não se encontrem plenamente organizadas, ao contrário de outros sectores (como os intérpretes de conferências), estão a começar a organizar-se e a definir normas comuns de formação, a conceber formas de inscrição ou de certificação profissional e a elaborar um código de conduta. O objectivo da presente secção consiste em efectuar consultas sobre este ponto específico e não confirmar o direito de acesso à tradução e interpretação. Contudo, uma breve análise das disposições legais é necessária para estabelecer os requisitos mínimos.

(Os direitos das pessoas surdas, que têm igualmente necessidade de um intérprete de língua gestual, são tratados na Parte 6 - Protecção adequada para as categorias especialmente vulneráveis).

Em conformidade com a CEDH

O nº 2 do artigo 5º estabelece que:

"Qualquer pessoa presa deve ser informada, no mais breve prazo e em língua que compreenda, das razões da sua prisão e de qualquer acusação formulada contra ela".

O artigo 6º prevê, por seu lado, que:

"3 - O acusado tem, como mínimo, os seguintes direitos:

a) Ser informado no mais curto prazo, em língua que entenda e forma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada;

(...)

e) Fazer-se assistir gratuitamente por intérprete, se não compreender ou não falar a língua usada no processo".

Outros instrumentos internacionais

Em conformidade com o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos

O nº 3 do artigo 14º estabelece:

"Qualquer pessoa acusada de uma infracção penal terá direito, em plena igualdade, pelo menos às seguintes garantias:

a) A ser prontamente informada, numa língua que ela compreenda, de modo detalhado, acerca da natureza e dos motivos da acusação apresentada contra ela; [...]

f) A fazer-se assistir gratuitamente por um intérprete, se não compreender ou não falar a língua utilizada no tribunal".

Em conformidade como Estatuto de Roma

O artigo 55º (Direitos das pessoas no decurso do inquérito) estabelece:

"1 - No decurso de um inquérito aberto nos termos do presente Estatuto:

[...]c) Qualquer pessoa que for interrogada numa língua que não compreenda ou não fale fluentemente será assistida, gratuitamente, por um intérprete competente e poderá dispor das traduções necessárias às exigências de equidade; [...]"

e o artigo 67º (Direitos do arguido [durante o julgamento]) estabelece:

"1 - Durante a apreciação de quaisquer factos constantes da acusação, o arguido tem direito a ser ouvido em audiência pública, tendo em conta o disposto no presente Estatuto, a uma audiência conduzida de forma equitativa e imparcial e às seguintes garantias mínimas, em situação de plena igualdade:

a) A ser informado, sem demora e de forma detalhada, numa língua que compreenda e fale fluentemente, da natureza, motivo e conteúdo dos factos que lhe são imputados; [...]

f) A ser assistido gratuitamente por um intérprete competente e a serem-lhe facultadas as traduções necessárias que a equidade exija, se não compreender perfeitamente ou não falar a língua utilizada em qualquer acto processual ou documento produzido em tribunal; [...]".

Projectos Grotius 98/GR/131 e 2001/GRP/015

O programa Grotius da Comissão financiou um estudo realizado durante dois anos e que teve por objecto promover normas equivalentes de interpretação e tradução jurídica em todos os Estados-Membros. As instituições participantes situavam-se na Bélgica, na Dinamarca, em Espanha e no Reino Unido. Os resultados deste projecto (98/GR/131) foram publicados num livro intitulado "Aequitas - Access to Justice Across Language and Culture" [47]. As recomendações do projecto referem-se à selecção, formação, avaliação e certificação dos tradutores e intérpretes ajuramentados. As referidas recomendações propõem um modelo de código de conduta e de boas práticas, bem como propostas sobre um sistema de inscrição num registo, processos disciplinares e uma análise das convenções interdisciplinares celebradas entre serviços jurídicos e linguistas. Uma segunda fase destes trabalhos é actualmente financiada a título do programa Grotius (2001/GRP/015) tendo em vista a divulgação das informações recolhidas durante a primeira fase. Este projecto de investigação inspirou em grande medida a Comissão sobre a intervenção de tradutores e intérpretes ajuramentados.

[47] ISBN 90 804438 8 3; contactar Professor Erik Hertog no endereço erik.hertog@lessius-ho.be ou consultar o sítio Internet http://www.legalinttrans.info/ Grotius

5.2. Debate e perguntas

Os arguidos que não falam ou não compreendem a língua do processo (porque são, por exemplo, estrangeiros) encontram-se obviamente numa situação desvantajosa. Pode tratar-se de pessoas em gozo de férias ou a residir no estrangeiro devido a um trabalho temporário e que devem regressar ao seu país a curto prazo. Existem fortes probabilidades que não tenham quaisquer conhecimentos sobre o sistema jurídico ou os procedimentos judiciais do país onde se encontram. Qualquer que sejam as suas circunstâncias, estão numa situação especialmente vulnerável. A Comissão considera assim que este direito consagrado em numerosos instrumentos (ver supra), reveste uma especial relevância. A dificuldade, já anteriormente referida, não reside na questão da aceitação deste direito pelos Estados-Membros [48], mas no nível e formas de intervenção e, talvez o mais importante, nos custos que a sua prática implica. Por conseguinte, as perguntas são agrupadas em duas categorias, a primeira relativa ao nível da intervenção de tradutores e intérpretes, e a segunda sobre as formas desta intervenção.

[48] As respostas ao nosso questionário revelam que todos os Estados-Membros estão cientes das obrigações que lhes impõe a CEDH e prevêem o acesso a tradutores e a intérpretes, pelo menos durante uma parte do processo se as circunstâncias o exigirem.

5.2.1. Nível de intervenção

5.2.1. (a) Quando deverá prestar-se assistência linguística?

A Comissão não tem conhecimento de qualquer mecanismo para determinar se um suspeito ou arguido "não compreende ou não fala a língua utilizada no tribunal" [49]. Aparentemente, a decisão é tomada caso a caso pelas pessoas com as quais o suspeito ou arguido entra em contacto (agentes policiais, advogados, funcionários judiciais, etc.) [50]. O dever último de assegurar a equidade dos procedimentos, tanto nesta matéria como noutras, incumbe ao juiz competente, que tem a obrigação de considerar esta questão com "escrupulosa atenção" [51]. Todavia, é obviamente preferível que qualquer dificuldade linguística seja assinalada muito antes do início do processo.

[49] Kamasinski / Áustria (acórdão de 19 de Dezembro de 1989, séria A nº 168, ponto 74).

[50] No processo Brozicek / Itália (acórdão de 19 de Dezembro de 1989, séria A nº167), o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem declarou que incumbe às autoridades judiciárias provar que o requerente conhecia suficientemente a língua do tribunal, não cabendo ao próprio requerente provar que a não conhecia (ponto 41).

[51] No processo Cuscani / Reino Unido (acórdão de 24 de Setembro de 2002, pedido n° 32771/96), o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem declarou que quem deve zelar em última instância pela equidade do procedimento era o juiz competente, o qual estava perfeitamente informado das dificuldades reais que a falta de interpretação poderia criar para o requerente. Além disso, observa que, segundo opinião das jurisdições nacionais, em circunstâncias análogas às do caso concreto, os juizes são obrigados a ter em conta os interesses de um arguido com "escrupulosa atenção".

5.2.1. (b) A assistência por um intérprete deverá ser gratuita?

No processo Luedicke, Belkacem e Koç/Alemanha, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem declarou que o nº 3, alínea b), do artigo 6º, implica que qualquer pessoa que não fale ou não compreenda a língua utilizada no processo, tem o direito a fazer-se assistir gratuitamente por um intérprete, sem que lhe possa vir a ser reclamado no final o pagamento das despesas resultantes desta assistência [52]. Neste caso concreto, o Estado (Alemanha) tinha tentado sem sucesso fazer-se reembolsar pelas despesas de interpretação depois da decisão de condenação. Posteriormente, no processo Kamasinski/Áustria [53], o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem declarou que o princípio era igualmente extensivo à tradução de peças escritas. Todos os demais instrumentos que fazem referência à interpretação e tradução prevêem que, normalmente, o arguido não deverá suportar o custo destes serviços. Por conseguinte, é possível afirmar categoricamente que a assistência de tradutores e intérpretes ajuramentados nos procedimentos penais deve ser gratuita para o arguido.

[52] (Luedicke, Belkacem e Koç / Alemanha - acórdão de 28 de Novembro de 1978, série A nº 29, ponto 46).

[53] Kamasinski / Áustria, supra citado.

5.2.1. (c) Alcance do dever de fornecer os serviços de tradutores e intérpretes

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem declarou que o nº 3, alínea e), do artigo 6º, não chega ao extremo de exigir uma tradução escrita de todas as peças das provas documentais ou dos documentos oficiais do processo.

No que diz respeito à tradução, o TEDH defende que as peças documentais devem ser traduzidas, mas que este dever se limita aos documentos que o arguido deve compreender por forma a ficar garantido que o seu processo seja equitativo [54]. As regras quanto à quantidade de peças documentais que se traduzem são diferentes em função dos Estados-Membros e da natureza do processo. Estas diferenças são aceitáveis desde que o procedimento continue a ser "equitativo".

[54] Kamasinski /Áustria, supra citado, ponto 74.

No que diz respeito à interpretação, esta deve ser assegurada em todos os procedimentos orais. Se surgir um conflito de interesses, podem ser necessários dois intérpretes, um para a defesa e outro para a acusação (ou para o tribunal, dependendo do ordenamento jurídico). Não basta assegurar unicamente a interpretação das perguntas que são formuladas directamente ao arguido e das respostas por ele fornecidas. O arguido deve estar em condições de compreender tudo o que é dito (por exemplo, as alegações da acusação e da defesa, as declarações do juiz e as deposições de todas as testemunhas). O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem declarou que a assistência por intérprete deve permitir ao arguido ter conhecimento da acusação deduzida e defender-se, nomeadamente, através da possibilidade de expor ao tribunal a sua versão dos factos [55].

[55] Kamasinski /Áustria, supra citado, ponto 74.

5.2.2. Formas de intervenção

5.2.2. (a) Formação, certificação e registo

A Comissão considera que, para respeitar os requisitos da CEDH e de outros numerosos instrumentos internacionais, todos os Estados-Membros devem garantir a formação, a certificação e o registo dos tradutores e intérpretes ajuramentados. As propostas 'Aequitas' estabelecem os seguintes requisitos mínimos:

(1) Os Estados-Membros devem dispor de um sistema de formação de intérpretes e tradutores especializados, acompanhado de formação sobre o ordenamento jurídico, visitas aos tribunais, às esquadras de polícia e às prisões, conducentes a uma qualificação reconhecida;

(2) Os Estados-Membros devem possuir um sistema de qualificação/certificação destes tradutores e intérpretes;

(3) Os Estados-Membros deveriam organizar um sistema de registo não ilimitado no tempo (válido, por exemplo, por 5 anos), de forma a incentivar os profissionais a actualizarem as suas capacidades linguísticas e os seus conhecimentos sobre procedimentos judiciais antes da renovação da sua inscrição;

(4) Os Estados-Membros deveriam instaurar um sistema de formação profissional contínua para permitir que os tradutores e intérpretes ajuramentados possam actualizar continuamente as suas qualificações;

(5) Os Estados-Membros devem adoptar um código de deontologia e directrizes de boas práticas, que seriam idênticos ou análogos em toda a UE;

(6) Os Estados-Membros devem comprometer-se a assegurar formação aos advogados e juizes, a fim de que estes possam compreender melhor o papel dos tradutores e intérpretes e possam, portanto, trabalhar em conjunto de forma mais eficiente;

(7) Os Estados-Membros devem adoptar uma abordagem interdisciplinar dos requisitos anteriormente citados, associando o Ministério da Justiça ou o Ministério do Interior na selecção, formação e certificação de tradutores e intérpretes ajuramentados.

5.2.2. (b) Duas profissões distintas

Embora geralmente associados, os intérpretes e tradutores deveriam ser considerados como pertencentes a duas categorias profissionais distintas em razão das diferentes qualificações e funções que desempenham nos procedimentos penais.

a) Os intérpretes intervêm na fase do inquérito policial (interrogatório do suspeito e, eventualmente, das testemunhas), bem como durante todas as audiências perante o tribunal. Além disso, o arguido pode necessitar da presença de um intérprete no momento da constituição do seu defensor (nas esquadras de polícia, na prisão, caso se encontre detido, no gabinete do advogado e no tribunal).

b) Os tradutores devem traduzir todas as peças processuais (auto de notícia, acusação) que constem dos autos, mas igualmente as deposições escritas das testemunhas e os elementos de prova da acusação e da defesa.

Todos os sistemas de registo nacionais deveriam ter em conta esta distinção, sendo talvez mais eficaz que os Estados-Membros organizem dois sistemas de registo separados.

5.2.2. (c) Regime linguístico especial

Algumas línguas podem colocar problemas. Incumbe aos Estados-Membros adoptar medidas para dar cobertura a essas línguas, quer incluindo no seu registo, pelo menos, uma cobertura mínima de todas as línguas, quer utilizando métodos como a "interpretação indirecta" através de uma língua mais comum. Poderia ser igualmente possível simplificar as qualificações requeridas para as línguas menos frequentes, a fim de dispor de tradutores e intérpretes capazes de trabalhar nestas línguas. A Comissão está ciente do problema específico colocado por estas línguas, mas considera que, por força do princípio da subsidiariedade, uma acção a nível nacional é mais adequada.

5.2.2. (d) Custos

O problema dos custos é frequentemente invocado pelos Estados-Membros para justificar o não cumprimento das obrigações impostas pela CEDH nesta matéria. Os Estados-Membros devem disponibilizar verbas para este efeito. A remuneração dos intérpretes e tradutores ajuramentados deve ser mais competitiva para que os licenciados em filologia sejam atraídos para esta carreira. Contudo, não deveria limitar-se aos licenciados em filologia. Os licenciados em direito que consideram não ser este exercício da sua competência, mas que possuem excelentes conhecimentos linguísticos, deveriam ser incentivados a escolher estas profissões proporcionando-lhes uma formação adaptada. As Comunidades Europeias possuem uma expressão para estes profissionais com uma dupla qualificação - os "juristas linguistas" ou "juristas revisores".

5.2.2. (e) Contratação de pessoal

Para além dos custos da cobertura completa, os Estados-Membros defendem que não dispõem de suficientes tradutores e intérpretes, sendo assim importante promover a contratação de pessoas interessadas pela profissão. Os incentivos para contratar profissionais bem qualificados não deveriam ser encarados apenas como uma mera questão de remuneração. Uma melhor remuneração atrairá mais pessoas para a profissão, mas existem também outros factores importantes, como a necessidade de reforçar o respeito pelas profissões de linguista, consultá-los sobre os procedimento se implicá-los de forma a que se reconheça e valorize esta sua qualificação especializada.

Nível de intervenção:

Pergunta nº 9:

Deveria existir um mecanismo formal para determinar se o suspeito/arguido compreende suficientemente a língua do processo para se defender?

Pergunta nº 10:

Os Estados-Membros deveriam adoptar critérios para determinar em que fases do procedimento, incluindo as fases prévias ao julgamento, os serviços de um intérprete devem ser prestados ao suspeito/arguido?

Pergunta nº 11:

Quais os critérios que podem ser utilizados para determinar em que momento é necessário que o arguido disponha de tradutores e intérpretes diferentes dos utilizados pela acusação/órgão jurisdicional (dependendo do sistema jurídico)?

Pergunta nº 12:

Os Estados-Membros deveriam ser obrigados a fornecer traduções de determinadas peças processuais claramente especificadas nos procedimentos penais? Em caso afirmativo, quais os documentos que representam o mínimo necessário ao julgamento equitativo de uma causa?

Formas de intervenção:

Pergunta nº 13:

Os Estados-Membros deveriam ser obrigados a estabelecer regimes nacionais de tradutores e intérpretes ajuramentados? Em caso afirmativo, deveria criar-se um sistema de qualificação, inscrição renovável e formação profissional contínua?

Pergunta nº 14:

Se os Estados-Membros criarem registos nacionais de tradutores e intérpretes ajuramentados, seria preferível utilizar esses registos como base para a criação de um único registo europeu de tradutores e intérpretes ou estabelecer um sistema de acesso aos registos dos outros Estados-Membros?

Pergunta nº 15:

Seria vantajoso exigir que os Estados-Membros estabeleçam um sistema nacional de formação de tradutores e intérpretes ajuramentados?

Pergunta nº 16:

Deveria exigir-se aos Estados-Membros que designem um organismo de certificação encarregue de regular o sistema de qualificação, de inscrição renovável e de formação profissional contínua? Em caso afirmativo, seria conveniente que o Ministério da Justiça ou do Interior coopere com o organismo de certificação, a fim de tomar em consideração as opiniões e as necessidades de ambas as profissões, a jurídica e a linguística?

Pergunta nº 17:

Se os Estados-Membros forem obrigados a estabelecer um sistema nacional para designação de tradutores e intérpretes ajuramentados em instâncias penais, deveria igualmente alargar-se a exigência à verificação de que a remuneração dos tradutores e intérpretes seja suficientemente compensatória para os incentivar a participar no sistema?

Pergunta nº 18:

Por que forma e quem deveria elaborar e regulamentar um código de conduta?

Pergunta nº 19:

A Comissão considera que existe um défice de tradutores e intérpretes devidamente qualificados. Que medidas podem ser adoptadas para tornar esta profissão mais atractiva?

Pergunta nº 20:

Deveria haver sanções, distintas de qualquer decisão do TEDH, se um Estado-Membro não assegurar a adequada interpretação e tradução à pessoa que tem direito a esta prestação?

6. PROTECÇÃO ADEQUADA PARA AS CATEGORIAS ESPECIALMENTE VULNERÁVEIS

6.1. Introdução

No documento de consulta, a Comissão perguntava se seria oportuno exigir aos Estados-Membros que concedam às categorias vulneráveis um grau de protecção adequado em matéria de garantias processuais para ultrapassarem as suas dificuldades. Esta sugestão foi bem acolhida, mas suscita duas dificuldades importantes: (1) a definição de categorias vulneráveis e (2) a criação dos mecanismos susceptíveis de proporcionar este nível de protecção.

Uma lista não exaustiva de categorias potencialmente vulneráveis poderia incluir:

a) Estrangeiros, em especial mas não exclusivamente aqueles que não falam a língua.

O estrangeiro é vulnerável em razão da sua nacionalidade, da sua desvantagem linguística e, eventualmente, também devido a outros factores (pessoas em férias ou residindo apenas temporariamente no país, de tal forma que pode correr o risco de perder o seu emprego ou os seus meios de subsistência, etc., no seu país de origem). Para além de receberem assistência linguística, os estrangeiros podem ser assistidos pelo seu consulado (ver Parte 7 infra). Deveria ser possível ter acesso a uma ajuda prática, com o apoio do consulado respectivo ou de outra organização competente. Poderia exigir-se que os sistemas jurídicos dos Estados-Membros estabeleçam como requisito mínimo não permitir qualquer entrave a esta assistência.

b) Crianças. A situação especialmente vulnerável das crianças já foi reconhecida pela Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança [56]. A disposição pertinente, o artigo 40º da Convenção, consta do anexo. Em conformidade com a Convenção sobre os Direitos da Criança, qualquer pessoa com idade inferior a dezoito anos é considerada como criança, salvo se, por força da legislação aplicável, a maioridade for atingida mais cedo. O nível de protecção mais elevado previsto deveria aplicar-se a todas as "crianças", segundo a definição da Convenção. Contudo, a idade da responsabilidade penal não é idêntica na UE, pois varia entre oito anos na Escócia e dezasseis anos em Portugal, o que significa que se verificam discrepâncias significativas inerentes aos ordenamentos jurídicos dos Estados-Membros.

[56] Assinada por todos os países com excepção dos Estados Unidos e Somália..

c) As pessoas vulneráveis em razão do seu estado mental ou emocional (por exemplo, os deficientes mentais, as pessoas com doenças do foro psiquiátrico como a esquizofrenia, as pessoas cujo coeficiente de inteligência é inferior ao normal e as pessoas que têm uma deficiência de tipo autista). Os arguidos que apresentem um coeficiente de inteligência inferior ao normal, com capacidade de leitura reduzida ou uma compreensão deficiente, correm o risco de prestar declarações que lhes são desfavoráveis, inclusivamente falsas confissões, na fase do interrogatório policial [57]. Uma solução seria obrigar os agentes policiais que detenham um suspeito a responder a uma pergunta específica sobre o estado de saúde mental do suspeito, a incluir no auto de notícia redigido no momento da detenção. Se os agentes policiais forem obrigados a considerar esta questão (e a redigir uma nota com a sua avaliação), poderão ser mais facilmente identificados no futuro os suspeitos que são vulneráveis por estas razões, pois existe um verdadeiro problema de determinação desta categoria de pessoas. Com uma formação adequada dos agentes policiais e dos advogados haveria progressos na solução deste problema.

[57] Gudjonsson, Clare, Rutter and Pearse, "Persons at Risk During Interviews in Police custody: the Identification of Vulnerabilities". Research Study n° 12. The Royal Commission on Criminal Justice. HMSO. London (1993).

d) Pessoas vulneráveis em razão do seu estado de saúde físico (deficientes físicos, incluindo os surdos, pessoas com doenças como os diabetes ou a epilepsia, pessoas com um estimulador cardíaco, etc., bem como as pessoas que são deficientes da fala ou deficientes físicos mais óbvios). Este grupo compreende igualmente os suspeitos com doenças muito graves, designadamente infectados com o vírus HIV/SIDA, que necessitam de tratamento ou acompanhamento médico frequente e as grávidas, especialmente as que correm o risco de perder o filho.

Os suspeitos que declarem ter um problema de saúde, mesmo que não apresentem sinais ou sintomas visíveis, poderiam ter o direito automático a ser examinados por um médico. O exame médico poderia servir para confirmar se a pessoa pode efectivamente ser interrogada e se tem condições para permanecer detida (em especial, se a duração do período de detenção ultrapassa várias horas).

Poderia exigir-se que a polícia, no caso de manter detida uma pessoa que declara ter um problema de saúde, fosse obrigada a assegurar que lhe seja dispensado o tratamento médico adequado ou mesmo acompanhamento médico. Tendo em conta que os agentes policiais não têm necessariamente os conhecimentos específicos nesta matéria, pode ser necessário criar um mecanismo destinado a efectuar exames médicos a todos os suspeitos que declarem ter um problema de saúde.

e) Pessoas vulneráveis por terem filhos ou outras pessoas a cargo (por exemplo, grávidas e mães de menores, nomeadamente as mães celibatárias e, quando o pai tem a guarda exclusiva de filhos menores, os pais celibatários).

Existe o risco, especialmente nos casos de prisão preventiva, que uma pessoa com a guarda exclusiva de filhos menores tome iniciativas que, na sua opinião, podem servir para reduzir o período de detenção. Trata-se nomeadamente do caso quando a pessoa detida considera poder obter rapidamente a liberdade provisória se, por exemplo, confessar a infracção ou prestar qualquer declaração que aparentemente a polícia pretende.

f) Analfabetos

As pessoas incluídas nesta categoria podem ser mais vulneráveis pelo facto de não compreenderem totalmente os procedimentos.

g) Beneficiários do estatuto de refugiado em conformidade com a Convenção relativa ao estatuto dos refugiados de 1951, outros beneficiários de protecção internacional e requerentes de asilo [58]. Os refugiados e outras pessoas necessitadas de protecção internacional, incluindo os requerentes de asilo, são vulneráveis por várias razões, que incluem, por exemplo, eventuais dificuldades linguísticas e culturais, receio de animosidade por parte dos funcionários dos serviços responsáveis pela aplicação da lei e derivado dos direitos limitados de que gozam no Estado de acolhimento, em razão da perda da protecção do seu país de origem e da impossibilidade de invocarem a protecção consular do mesmo. Uma pessoa necessitada de protecção internacional pode, segundo as autoridades, ser suspeita de se encontrar ilegalmente no território nacional, mesmo que não seja este o caso, e pode, por conseguinte, sentir-se particularmente vulnerável tendo em conta a infracção pela qual é suspeita ou arguida. Em consequência do processo ou da condenação, estas pessoas podem ficar excluídas ou arriscar-se a perder o estatuto de "refugiado" ou de protecção subsidiária [59]. Uma pessoa que praticou um "crime grave de direito comum" pode ser excluída do benefício da "protecção temporária" na acepção da Directiva 2001/55/CE do Conselho [60] (artigo 28º). Por conseguinte, o risco é muito maior para as pessoas necessitadas de protecção internacional e relativamente às quais uma condenação terá consequências mais graves do que para os outros suspeitos ou arguidos. Além disso, a ameaça da dupla incriminação (expulsão após a sentença) suscita questões específicas pelo facto de os refugiados e as pessoas necessitadas de protecção internacional não poderem, em princípio, ser repatriadas para o seu país de origem.

[58] Para estas categorias de pessoas, a União Europeia está a elaborar actualmente medidas e normas em conformidade com o disposto no artigo 63º do Tratado CE.

[59] O artigo 12º da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 prevê que este estatuto é regulado pela lei do país do seu domicílio ou da sua residência.

[60] Directiva 2001/55/CE do Conselho, de 20 de Julho de 2001, relativa a normas mínimas em matéria de concessão de protecção temporária no caso de afluxo maciço de pessoas deslocados e a medidas tendentes a assegurar uma reparticção equilibrada do esforço assumido pelos Estados-Membros ao acolherem estas pessoas e suportarem as consequências decorrentes desse acolhimento, JO L 212 de 7.8.2001, p. 12.

h) Pessoas dependentes do álcool ou de drogas (os alcoólicos e toxicodependentes em especial, se estão sob a influência da droga ou do álcool durante o interrogatório). As pessoas abrangidas por esta categoria podem ser consideradas vulneráveis por várias razões. O grau de vulnerabilidade dependerá de determinados factores, designadamente o grau de dependência, a idade, o estado de saúde geral e, naturalmente, a questão de saber se a pessoa em causa sofre da síndroma de carência. Estas pessoas podem estar doentes e revelar incapacidade para responder às perguntas da polícia, situações estas em que devem ser tratadas como pessoas com um problema de saúde a quem deve ser prestada assistência médica, tal como se assinala na alínea d) acima referida. Esta assistência médica só é possível se a pessoa declarar que tem um problema de saúde ou se os agentes policiais tiverem recebido a formação suficiente para se aperceberem do problema. Além disso, a prestação de assistência nestas circunstâncias deve ser incondicional e não fazer parte de qualquer negociação visando obter da pessoa, como contrapartida, responder a perguntas ou fornecer informações.

Os toxicodependentes podem estar sujeitos a várias pressões para que revelem a origem das drogas, a fim de se localizar e perseguir os revendedores e os traficantes. Em sentido contrário, podem receber ameaças dos revendedores e traficantes sobre possíveis represálias no caso de qualquer revelação à polícia.

Não obstante, os procedimentos penais podem constituir uma oportunidade para oferecer ajuda ao suspeito ou arguido ou para que estes se sintam motivados para solicitar uma ajuda, a fim de se libertar da sua dependência. Por conseguinte, é necessário revelar especial sensibilidade relativamente a esta categoria de suspeitos.

6.2. Debate e perguntas

A Comissão propõe estabelecer uma obrigação geral para que os Estados-Membros assegurem que os respectivos ordenamentos jurídicos reconheçam o mais elevado nível de protecção que deve ser concedido a todas as categorias vulneráveis de suspeitos e arguidos em procedimentos penais. A Comissão reconhece que a avaliação da vulnerabilidade pode ser difícil e que nem sempre seja adequada a utilização de um método baseado simplesmente numa categorização. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, chamado a pronunciar-se sobre a questão de saber se um jovem adulto deveria ter beneficiado de assistência judiciária gratuita, declarou que a "situação pessoal" do arguido devia ter sido tomada em conta para determinar se tal era do interesse da justiça [61]. No acórdão, o arguido é descrito como um jovem adulto de origem estrangeira e oriundo de meios desfavorecidos, sem qualquer formação profissional e com antecedentes criminais relevantes; consumia estupefacientes desde 1975, quase diariamente desde 1983, e, na época dos factos, vivia com sua família de subsídios da segurança social. Alguns aspectos desta descrição estão abrangidos pelas categorias enumeradas anteriormente, enquanto outros não o são. Todavia, é evidente que o TEDH considera as autoridades que concedem a assistência judiciária gratuita capazes de avaliar a "situação pessoal" dos suspeitos e arguidos. Os agentes policiais e os funcionários responsáveis pela aplicação da lei poderiam igualmente ser chamados a proceder a este tipo de avaliação.

[61] Quaranta / Suíça, acórdão de 24 de Maio de 1991, séria A nº 205, citado anteriormente na nota 43.

Previamente à inculpação, ou seja, quando o suspeito se encontra detido na esquadra de polícia ou está a ser interrogado (ou enquanto se controlam os seus bens), os agentes responsáveis pela aplicação da lei deveriam considerar a questão da vulnerabilidade potencial do suspeito. Poderiam ser chamados a apresentar a prova por escrito de que realizaram uma avaliação da vulnerabilidade do suspeito. Se constatarem que o suspeito é especialmente vulnerável, poderia ser-lhes solicitado que demonstrem se tomaram as medidas adequadas (por exemplo, propondo assistência médica, entrando em contacto com a família, permitindo ao suspeito que informe alguma pessoa sobre a sua detenção, etc.), a fim de lhe assegurar o mais elevado nível de protecção. Deveria ser-lhes exigido escrever uma nota, que poderia ser verificada posteriormente, com as medidas que consideraram necessário adoptar para se detectar a vulnerabilidade e a confirmação de que essas medidas foram efectivamente adoptadas.

A partir do momento em os suspeitos são formalmente acusados de uma infracção e se convertem em arguidos, qualquer vulnerabilidade potencial, como a necessidade de ajuda linguística ou de assistência médica, deveria constar dos autos e do auto da detenção se a pessoa é mantida em prisão preventiva.

Se, posteriormente, se verifica que a vulnerabilidade do arguido não foi registada ou, se o foi, não se tomaram as medidas adequadas, o Estado-Membro em questão deve prever um recurso ou medida de reparação a favor da pessoa em causa.

Embora a avaliação da potencial vulnerabilidade de um suspeito seja difícil de concretizar, poderia ser proporcionada uma formação neste domínio.

Pergunta nº 21:

As pessoas abrangidas pelas categorias seguintes são consideradas especialmente vulneráveis? Em caso afirmativo, que medidas podem ser exigidas aos Estados-Membros para que proporcionem a estas pessoas um nível de protecção adequado no âmbito de procedimentos penais:

a) estrangeiros

b) crianças

c) pessoas com uma deficiência mental ou emocional, na sua acepção mais ampla

d) deficientes físicos ou doentes

e) mães/pais de menores

f) analfabetos

g) refugiados e requerentes de asilo

h) alcoólicos e toxicodependentes

Deverão ser aditadas a esta lista outras categorias?

Pergunta nº 22:

Deveria exigir-se que os agentes policiais, os defensores e/ou os funcionários penitenciários realizem uma avaliação, e redijam uma nota escrita dessa avaliação, sobre a vulnerabilidade potencial dos suspeitos ou arguidos em certas fases do procedimento penal, acompanhada de uma nota sobre as medidas que adoptaram caso a vulnerabilidade se tenha confirmado?

Pergunta nº 23:

Caso se exija que os agentes policiais, os defensores e/ou os funcionários penitenciários realizem uma avaliação da vulnerabilidade potencial dos suspeitos ou arguidos em certas fases do procedimento penal, deveria existir uma obrigação de acompanhamento da referida avaliação através de medidas adequadas?

Pergunta nº 24:

Se a polícia e/ou as autoridades responsáveis pela aplicação da lei não procederem à avaliação da vulnerabilidade de um suspeito ou não a comunicarem ou não adoptarem as medidas necessárias uma vez confirmada a vulnerabilidade, deverão ser aplicadas sanções? Em caso afirmativo, quais deveriam ser estas sanções?

7. ASSISTÊNCIA CONSULAR

7.1. Introdução

Tal como já foi acima referido em relação aos intérpretes e tradutores, um grupo vulnerável facilmente identificável é o dos estrangeiros, ou seja, tanto os nacionais de outros Estados-Membros da UE como os nacionais de países terceiros. Segundo numerosas organização não governamentais, este grupo nem sempre beneficia de um tratamento equitativo. A aplicação integral das disposições da Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963 permitiria prestar uma considerável protecção, a qual estabelece, no nº 1 do seu artigo 36º, que:

"a) Os funcionários consulares terão liberdade de se comunicar com os nacionais do Estado que envia e visitá-los. Os nacionais do Estado que envia terão a mesma liberdade de se comunicar com os funcionários consulares e de os visitar;

b) Se o interessado assim o solicitar, as autoridades competentes do Estado receptor deverão, sem tardar, informar o posto consular competente quando, na sua área de jurisdição, um nacional do Estado que envia for preso, encarcerado, posto em prisão preventiva ou detido de qualquer outra maneira. Qualquer comunicação endereçada ao posto consular pela pessoa detida, encarcerada ou presa preventivamente deve igualmente ser transmitida sem tardar pelas referidas autoridades. Estas deverão imediatamente informar o interessado dos seus direitos, nos termos da presente alínea; (...)"

Esta disposição prevê igualmente o direito de visitar os cidadãos nacionais detidos.

Os estrangeiros podem recusar ver o representante do seu governo (situação que pode ocorrer, por exemplo, no caso de requerentes de asilo e de refugiados que fogem de perseguições no seu Estado de origem e, por conseguinte, não deverão contar com a ajuda do seu consulado ou nem sequer a pretendem). As pessoas abrangidas por esta categoria têm o direito de comunicar com os representantes de outro Estado que aceitou garantir os seus interesses [62] ou com uma organização nacional ou internacional da sua escolha para obter este tipo de assistência [63]. A aplicação da Convenção de Viena sobre Relações Consulares poderia implicar a designação de um funcionário responsável em cada consulado pelos assuntos em que os seus nacionais sejam acusados de infracções enquanto se encontram no estrangeiro (este funcionário consular poderia igualmente ajudar as vítimas de infracções, pois deveria conhecer o direito e os procedimentos penais locais). O funcionário consular poderia contribuir para assegurar a ligação com a família do arguido, com os advogados, com as testemunhas potenciais e com as ONG que propõem a sua assistência aos prisioneiros no estrangeiro e, se for caso disso, desenvolver acções especiais, publicando, por exemplo, petições nos jornais, etc.

[62] O artigo 38º do Conjunto de Normas Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros, adoptado em 1955 pelo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento de Prisioneiros, estabelece o seguinte: (1) [...] (2) No que diz respeito aos prisioneiros nacionais de Estados que não têm representantes diplomáticos ou consulares no país, bem como os refugiados e os apátridas, devem ser-lhes concedidas as mesmas facilidades para comunicarem com o representante diplomático do Estado que está encarregue dos seus interesses ou com qualquer autoridade nacional ou internacional que tenha por missão a sua protecção.

[63] O Princípio 16 do Conjunto de Princípios para a protecção de todas as pessoas sujeitas a qualquer forma de detenção ou de prisão, adoptado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1988, estabelece o seguinte: 1.[...] 2. Se o detido for estrangeiro, será igualmente informado sem demora do seu direito de comunicar pelos meios adequados com [...] o representante da organização internacional competente, caso esta pessoa seja refugiada ou esteja de qualquer outra forma sob a protecção de uma organização intergovernamental.

A vantagem desta ideia é que reduziria os encargos do país de acolhimento e aumentaria as possibilidades do suspeito ou arguido receber assistência especialmente numa língua que compreende.

7.2. Debate e perguntas

A Comissão está ciente que, actualmente, muitos arguidos não beneficiam deste direito, por vezes porque não o conhecem (ou não se lhes dá a conhecer) e também porque, quando é oferecida assistência consular, os arguidos frequentemente a recusam por receio de que as autoridades do seu país sejam informadas da sua detenção no estrangeiro. O direito referido deveria ser melhor conhecido por todos os interessados e os Estados-Membros deveriam abordar a questão da forma como os seus funcionários consulares podem ser úteis aos seus nacionais detidos no estrangeiro, sem receio de represálias aquando do regresso ao seu país de origem. Existe muito pouca informação disponível sobre a frequência com que se disponibiliza assistência consular e se os Estados-Membros estarão a respeitar o referido direito.

Actualmente, o incumprimento da Convenção de Viena sobre Relações Consulares pode dar origem à interposição de uma acção para o Tribunal Internacional de Justiça [64], mas os procedimentos perante esta jurisdição são bastante morosos. Apenas os Estados podem recorrer para o Tribunal, de forma que a base jurídica é que o Estado tenha sido o prejudicado pelo facto de o seu nacional não ter sido tratado em conformidade com o protocolo consular, o que não representa uma reparação para o indivíduo concreto que tenha sido vítima de incumprimento. Inclusivamente se o Estado de origem estivesse disposto a interpor uma acção contra o Estado infractor, tal não proporcionaria uma reparação efectiva e prática para a pessoa em causa. Por conseguinte, convém examinar qual a reparação a que deveria ou poderia ter acesso uma pessoa que se encontre nesta situação.

[64] Ver os processos do TIJ: Paraguai/EUA (processo Breard) de 9 de Abril de 1998 (processo suspenso) e Alemanha/EUA (processo Lagrand), acórdão de 27 de Junho de 2001. Igualmente no recente processo Avena e outros nacionais mexicanos (México/EUA) em relação ao qual se aguarda um despacho de medidas cautelares em 5 de Fevereiro de 2003.

Os suspeitos e arguidos poderiam ser informados deste direito mediante a Carta de Direitos (ver Parte 5). As forças policiais poderiam ser informadas da existência deste direito no quadro de uma formação, caso os Estados-Membros cooperarem para formar os agentes encarregues das detenções no sentido de contactarem as autoridades consulares competentes quando procedem à detenção de um estrangeiro.

Pergunta nº 25:

Deveria exigir-se aos Estados-Membros que assegurem a existência de um funcionário responsável por zelar pelos direitos dos suspeitos e arguidos em procedimentos penais no país de acolhimento, incluindo actuar na qualidade de pessoa de ligação com as suas famílias e advogados?

Pergunta nº 26:

Deveria exigir-se aos Estados-Membros que assegurem que as autoridades policiais respeitem a Convenção de Viena sobre Relações Consulares e que os funcionários policiais recebam a formação adequada?

Pergunta nº 27:

Deveria existir alguma sanção para o incumprimento da Convenção de Viena sobre Relações Consulares? Em caso afirmativo, qual deveria ser esta sanção?

8. CONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE DIREITOS/CARTA DE DIREITOS

8.1. Introdução

É importante, tanto para as autoridades responsáveis pela investigação como para as pessoas objecto da mesma, estarem plenamente cientes dos direitos que existem. A Comissão propõe a criação de um sistema ao abrigo do qual se exija aos Estados-Membros a entrega aos suspeitos e arguidos de uma nota escrita com os seus direitos fundamentais - uma "Carta de Direitos". Esta proposta foi, em geral, bem acolhida, tendo sido igualmente propostas diversas variações sobre este tema. Muitas respostas assinalavam que a introdução de tal medida melhoraria consideravelmente a situação dos suspeitos e arguidos. O Parlamento Europeu reagiu favoravelmente a esta proposta de uma carta dos direitos e propôs que sejam concedidas verbas para o seu financiamento. A elaboração desse documento não deverá ser dispendiosa, especialmente depois de suportados os custos iniciais com a sua elaboração.

8.2. Debate e perguntas

Foram propostas várias sugestões, por exemplo, uma Carta de Direitos com várias partes, uma parte comum para toda a UE e uma segunda parte que os Estados-Membros podiam elaborar em conformidade com as suas legislações nacionais respectivas. O importante é garantir que a Carta de Direitos possa ser compreendida, inclusivamente por um suspeito ou arguido com uma capacidade de leitura deficiente ou um coeficiente intelectual reduzido.

A Carta de Direitos poderia compreender uma primeira parte, comum, e uma segunda parte, que os Estados-Membros aditariam para ter em conta as suas legislações nacionais. Dela deveriam constar informações suficientes para ser útil e ser redigida em termos simples para ser facilmente compreendida. O objectivo seria que fosse redigida da forma o mais sintética possível. A sua tradução em todas as línguas da UE poderia ser feita de forma centralizada ou poderia ser introduzido outro mecanismo para assegurar uma maior uniformidade.

A Carta de Direitos deveria entregar-se ao suspeito no momento em que os seus direitos estão pela primeira vez ameaçados ou necessitam de protecção. A dificuldade consiste em determinar este momento: poderia ser aquando da detenção ou num momento anterior. A Carta poderia ser entregue ao suspeito desde o momento da sua detenção na esquadra de polícia e não mais tarde pois, para ser útil, o documento deve ser comunicado logo que a pessoa é "detida" e se desencadeiam os direitos conferidos pelos artigos 5º e 6º da CEDH. Se a Carta de Direitos não for comunicada ao suspeito antes da sua chegada à esquadra de polícia, suscita-se a questão de assegurar que o suspeito conheça os seus direitos antes de receber a referida Carta. Por razões práticas, pareceria lógico que a carta seja comunicada na esquadra de polícia, pois é provavelmente neste local que se conservarão exemplares da Carta e nas diferentes versões linguísticas.

É difícil avaliar se deve ser exigido que a pessoa acusada assine uma nota de entrega da Carta de Direitos. A Comissão consultou representantes dos Estados-Membros sobre esta questão. Muitos preferem que não seja necessária a assinatura. Alguns peritos interrogaram-se sobre a natureza jurídica da Carta de Direitos e quais seriam as consequências da sua não entrega às pessoas em causa.

A Comissão está ciente de algumas das dificuldades invocadas pelos Estados-Membros. Alguns consideram que a CEDH já é, por si só, uma declaração de direitos. Outros alegam que a sua legislação é demasiado complexa para a reduzir a um documento facilmente assimilável ou que os direitos dos arguidos evoluem durante o procedimento de tal forma que seria necessária uma "Carta de Direitos" de 50 páginas para cobrir todas as opções e todas as fases. Este problema, porém, não se deveria colocar pois, a partir do momento em que o suspeito tem um advogado que o represente (direito de que a pessoa tomará conhecimento pela Carta de Direitos, se não for antes), este último estará em condições de lhe explicar os seus direitos.

Pergunta nº 28:

Será viável uma Carta de Direitos comum a nível da UE? Em caso afirmativo, qual deveria ser o seu conteúdo?

Pergunta nº 29:

Em que momento se deveria entregar a Carta de Direitos ao suspeito?

Pergunta nº 30:

Deveria exigir-se ao arguido que assine uma nota de recepção como prova de ter recebido a Carta de Direitos?

Pergunta nº 31:

Quais seriam as consequências jurídicas, se for caso disso, da não entrega ao suspeito da Carta de Direitos?

9. CUMPRIMENTO E ACOMPANHAMENTO

9.1. Introdução

Convém recordar que a intenção subjacente à iniciativa sobre garantias processuais concedidas aos suspeitos e arguidos em procedimentos penais na União Europeia não consiste, de forma alguma, em substituir o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem nem complementar a sua missão. O que se pretende é que, em consequência desta iniciativa, os Estados-Membros alcancem melhores índices de cumprimento da CEDH nos domínios abrangidos pelo presente Livro Verde. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem não pode servir de rede de segurança para remediar todas as violações da CEDH. Tal é irrealista por várias razões. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem é uma jurisdição de última instância que, além disso, se interrogou com preocupação quanto à sua capacidade para gerir uma carga de trabalho cada vez maior [65]. Em caso de acusações reiteradas de violação da CEDH, os Estados-Membros deveriam ter os meios necessários para acabar automaticamente com tais violações. Tendo em conta que o princípio do reconhecimento mútuo só pode ser aplicado eficazmente se existir confiança mútua, é importante, tal como foi referido anteriormente [66], que estas normas mínimas comuns sejam respeitadas. Este elevado nível de cumprimento deve poder ser verificado. Para que cada Estado-Membro esteja seguro do nível de cumprimento nos outros Estados-Membros, deveria existir alguma forma de avaliação. A confiança mútua deve ultrapassar a percepção dos governos dos Estados-Membros, deve igualmente estar inscrita no espírito dos profissionais forenses, dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei e de todos aqueles que diariamente gerem decisões baseadas no reconhecimento mútuo. Este objectivo não pode ser alcançado num dia, e de modo algum será atingido a menos que exista algum meio fiável de avaliação do cumprimento das normas mínimas comuns em toda a União Europeia. Esta asserção será tanto mais verdadeira após a adesão dos países candidatos. Além disso, a partir do momento em que seja decidido um mecanismo de avaliação, esta deveria ser efectuada de forma regular e contínua.

[65] Report of the Evaluation Group on the means to guarantee the contibued effectiveness of the Europena Court of Human Rights, Strasbourg, Setembro de 2002.

[66] Ver Parte 1 - "Reforçar a confiança mútua".

Actualmente, verifica-se uma crescente solicitação a favor da avaliação das medidas tomadas no domínio da Justiça e dos Assuntos Internos. Vários contributos transmitidos ao Grupo de Trabalho X ("Liberdade, Segurança e Justiça") da Convenção sobre o Futuro da Europa [67] apelaram à avaliação e acompanhamento da realização do espaço de liberdade, de segurança e de justiça. O Grupo de Trabalho X foi criado para analisar com maior profundidade os problemas em matéria de "liberdade, segurança e justiça". O Comissário António Vitorino, responsável pela Justiça e Assuntos Internos, considera conveniente impulsionar os mecanismos de avaliação e acompanhamento para controlar a aplicação efectiva da legislação da União a nível operacional" [68]. Entre outras sugestões, figura a de um mecanismo de alerta precoce no caso de violação dos direitos fundamentais [69], bem como uma avaliação e uma maior participação do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias [70].

[67] Convenção sobre o Futuro da Europa: para mais informações e documentos, ver o sítio Internet:http://european-convention.eu.int/ bienvenue.asp?lang=EN. O Grupo de Trabalho X foi criado para analisar mais estreitamente as questões relativas à "liberdade, segurança e justiça":

[68] Grupo de Trabalho X "Liberdade, Segurança e Justiça", WD 17, de 15 de Novembro de 2002.

[69] Grupo de Trabalho X "Liberdade, Segurança e Justiça", WD 13, de 15 de Novembro de 2002.

[70] Grupo de Trabalho X, observações de Ana Palacio, Membro da Convenção, Representante do Governo espanhol, respeitantes ao Documento de Trabalho (WD) 05, de 18 de Novembro de 2002. Ana Palacio declarou que no que diz respeito à acção operacional, a responsabilidade de supervisionar os Estados-Membros incumbiria principalmente ao Conselho, o qual deveria exercer um controlo adequado graças a um sistema de "avaliação paritária". Por último, o Tribunal de Justiça deveria ter plenos poderes, por força do novo Tratado, correspondentes aos que já possui actualmente para as questões abrangidas pelo "primeiro pilar", a fim de exercer um controlo jurisdicional sobre as questões do domínio da JAI:

9.2. Realização da avaliação

A Comissão considera oportuno desempenhar o principal papel no processo de avaliação e acompanhamento. Para este efeito, necessita de ser informada sobre a forma como as medidas são aplicadas na prática. Quando uma decisão-quadro é adoptada, uma das suas disposições finais prevê que os Estados-Membros informem a Comissão das medidas tomadas para a transposição das obrigações decorrentes da decisão-quadro para o seu direito nacional. Um exemplo deste tipo de disposição é o seguinte:

"Os Estados-Membros devem transmitir [...] à Comissão o texto das disposições que transpõem para o respectivo direito nacional as obrigações que lhes incumbem por força da presente decisão-quadro. [...]" [71].

[71] Nº 2 do artigo 34º da Decisão-quadro do Conselho, de 13 de Junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados-Membros. JO L 190 de 18.7.2002.

A Comissão deve, em seguida, assegurar que a decisão-quadro seja aplicada correctamente, ou seja, que a legislação nacional cumpra de forma adequada o objectivo da medida tomada a nível da União Europeia.

Assim, parece adequado que a Comissão alargue a sua função de recolha de informação sobre a transposição para o direito nacional das disposições adoptadas pela União Europeia a um exercício regular de acompanhamento do cumprimento. Este exercício poderia ser baseado em relatórios ou estatísticas compilados pelas autoridades nacionais e comunicados pelos Estados-Membros à Comissão para efeitos de comparação e de análise. A Comissão poderia igualmente recorrer aos serviços de um grupo de peritos. Foi recentemente designada pela DG Justiça e Assuntos Internos uma rede de peritos independentes em matéria de direitos fundamentais "por forma a avaliar a aplicação, aos níveis nacional e comunitário, de cada um dos direitos enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, tendo em conta a evolução das legislações nacionais, das jurisprudências dos Tribunais Constitucionais [...], bem como da jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem". Esta rede tem por missão apresentar um relatório escrito sobre a situação dos direitos fundamentais, tanto no âmbito do Direito da União Europeia como das ordens jurídicas nacionais [72]. Esta rede deverá apresentar relatórios à Comissão. O seu funcionamento actual tem por base um contrato celebrado pelo período de um ano, tendo em vista uma primeira avaliação, e que é renovável durante cinco anos. Se o resultado for satisfatório, o papel deste grupo de peritos poderá ser alargado para abranger o conjunto das disposições de qualquer decisão-quadro sobre garantias processuais. Tendo em conta que o artigo 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia estabelece o direito de acesso a um tribunal imparcial, esta rede já foi mandatada para examinar numerosas disposições incluídas no presente Livro Verde. De qualquer forma, a avaliação das normas mínimas comuns em matéria de garantias processuais deveria ser efectuada de forma contínua, em intervalos regulares e não de forma pontual ou ad hoc. Deste modo, será detectada qualquer violação persistente ou qualquer modelo de normas que confira uma protecção inferior às normas mínimas acordadas.

[72] Rede de peritos em matéria de direitos fundamentais, designada em Julho de 2002, Unidade A5, DG JAI; o seu mandato está descrito no anúncio de concurso 2002/E60-046435, JO L 60 de 26.3.2002.

9.3. Instrumentos de avaliação

Deveria avaliar-se o cumprimento em todos os níveis e fases processuais. Existem numerosos instrumentos de avaliação possíveis. O mais óbvio são as estatísticas que os Estados-Membros deverão comunicar sobre o número de processos e julgamentos, percentagens de arguidos com representação por defensor, percentagens de processos nos quais se utilizaram tradutores e intérpretes ajuramentados, bem como outros indicadores análogos. Contudo, deveria existir um mecanismo para comunicar e investigar as queixas de incumprimento. As acusações de incumprimento, em especial quando se referem repetidamente a uma mesma entidade (tribunal, esquadra de polícia ou mesmo região geográfica), constituem bons indicadores da existência de problemas subjacentes. Alguns Estados-Membros procedem a gravações (por meios sonoros ou audiovisuais) dos interrogatórios policiais, o que tem a vantagem de não só proteger os funcionários policiais contra alegações posteriores de tratamento injusto, mas igualmente constituir uma excelente prova da forma como realmente se desenrolaram esses interrogatórios. Se os Estados-Membros aceitarem o recurso a estas gravações, seria um excelente instrumento para avaliar o cumprimento das garantias mínimas comuns acordadas.

Para que a avaliação alcance o objectivo preconizado, devem ser indicados com rigor o seu âmbito de aplicação e os resultados previstos. Esta a razão por que é absolutamente indispensável que o mandato do organismo de acompanhamento seja previamente definido com precisão.

9.4. Sanções

A questão da avaliação e do acompanhamento suscita igualmente a questão das medidas que se devem tomar no caso de incumprimento ou de o nível de protecção concedido ser, de forma persistente, inferior às normas comuns acordadas. Existem reparações contra as violações concretas da CEDH, segundo decisão caso a caso pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. O artigo 7º do Tratado UE prevê pesadas sanções no caso de "violação grave e persistente" por parte de um Estado-Membro [73]. É necessário reflectir sobre a possibilidade de prever outros tipos de sanções, por exemplo, para violações persistentes, mas não suficientemente graves para serem abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 7º do Tratado UE.

[73] Ver Parte 1 (2) supra.

9.5. Conclusões

A determinação de normas mínimas comuns sobre garantias processuais dos suspeitos e arguidos em procedimentos penais na União Europeia permitirá clarificar aquilo que se pretende dos serviços policiais e das autoridades judiciárias. Um acompanhamento eficaz e contínuo assegurará que estas normas estão alicerçadas na realidade.

Pergunta nº 32:

A avaliação do cumprimento das normas mínimas comuns será uma componente essencial da confiança mútua e, por conseguinte, do reconhecimento mútuo?

Pergunta nº 33:

Quais são as informações que a Comissão necessita para realizar uma avaliação eficaz do cumprimento das normas mínimas comuns que venham a ser acordadas em matéria de garantias processuais?

Pergunta nº 34:

A gravação dos interrogatórios realizados pela polícia será um instrumento adequado para que o acompanhamento seja eficaz? Que outros instrumentos seriam eficazes?

Pergunta nº 35:

Será adequado prever sanções quando o nível de cumprimento é inferior às normas mínimas comuns acordadas? Em caso afirmativo, quais poderiam ser essas sanções?

Perguntas:

Generalidades

1 Será oportuno adoptar uma iniciativa em matéria de garantias processuais a nível da União Europeia?

Representação judiciária

2 A fim de garantir normas mínimas comuns para o cumprimento do disposto no nº 3, alínea c), do artigo 6º, da CEDH, deveria exigir-se a todos os Estados-Membros o estabelecimento de um regime nacional que assegure a representação por um defensor nos procedimentos penais?

3 Se os Estados-Membros forem obrigados a estabelecer um regime nacional que assegure a representação por um defensor nos procedimentos penais, deverão ser igualmente obrigados a verificar se a remuneração é suficientemente compensatória para os incentivar a participar nesse regime?

4 Se os Estados-Membros foram obrigados a estabelecer um regime nacional que assegure a representação por um defensor nos procedimentos penais, deverão igualmente verificar as competências, o nível de experiência e/ou as qualificações dos advogados que participam nesse regime?

5 O nº 3 do artigo 6º da CEDH estabelece que o acusado deve poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso "se não tiver meios para remunerar um defensor". De que forma os Estados-Membros deverão determinar se a pessoa pode remunerar um defensor?

6 O nº 3 do artigo 6º da CEDH prevê que o acusado deve poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso "quando os interesses da justiça o exigirem". Este direito deveria limitar-se às infracções sancionadas com uma eventual medida privativa de liberdade ou deveria ser alargado, por exemplo, ao risco de perda de emprego ou de ofensa à reputação?

7 Se a assistência gratuita por um defensor deve ser concedida para todas as infracções, com excepção das consideradas "menos graves", qual a definição de "infracções menos graves" seria aceitável em todos os Estados-Membros?

8 Deveria haver sanções, distintas de qualquer decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, se um Estado-Membro não assegurar a assistência judiciária e a representação por um defensor à pessoa com direito a dela beneficiar?

Acesso aos serviços de tradutores e de intérpretes ajuramentados

9 Deveria existir um mecanismo formal para determinar se o suspeito/arguido compreende suficientemente a língua do processo para se defender?

10 Os Estados-Membros deveriam adoptar critérios para determinar em que fases do procedimento, incluindo as fases prévias ao julgamento, os serviços de um intérprete devem ser prestados ao suspeito/arguido?

11 Quais os critérios que podem ser utilizados para determinar em que momento é necessário que o arguido disponha de tradutores e intérpretes diferentes dos utilizados pela acusação/órgão jurisdicional (dependendo do sistema jurídico)?

12 Os Estados-Membros deveriam ser obrigados a fornecer traduções de determinadas peças processuais claramente especificadas nos procedimentos penais? Em caso afirmativo, quais os documentos que representam o mínimo necessário ao julgamento equitativo de uma causa?

13 Os Estados-Membros deveriam ser obrigados a estabelecer regimes nacionais de tradutores e intérpretes ajuramentados? Em caso afirmativo, deveria criar-se um sistema de qualificação, inscrição renovável e formação profissional contínua?

14 Se os Estados-Membros criarem registos nacionais de tradutores e intérpretes ajuramentados, seria preferível utilizar esses registos como base para a criação de um único registo europeu de tradutores e intérpretes ou estabelecer um sistema de acesso aos registos dos outros Estados-Membros?

15 Seria vantajoso exigir que os Estados-Membros estabeleçam um sistema nacional de formação de tradutores e intérpretes ajuramentados?

16 Deveria exigir-se aos Estados-Membros que designem um organismo de certificação encarregue de regular o sistema de qualificação, de inscrição renovável e de formação profissional contínua? Em caso afirmativo, seria conveniente que o Ministério da Justiça ou do Interior coopere com o organismo de certificação, a fim de tomar em consideração as opiniões e as necessidades de ambas as profissões, a jurídica e a linguística?

17 Se os Estados-Membros forem obrigados a estabelecer um sistema nacional para designação de tradutores e intérpretes ajuramentados em instâncias penais, deveria igualmente alargar-se esta exigência à verificação de que a remuneração dos tradutores e intérpretes seja suficientemente compensatória para os incentivar a participar no sistema?

18 Por que forma e quem deveria elaborar e regulamentar um código de conduta?

19 A Comissão considera que existe um défice de tradutores e intérpretes devidamente qualificados. Que medidas podem ser adoptadas para tornar esta profissão mais atractiva?

20 Deveria haver sanções, distintas de qualquer decisão do TEDH, se um Estado-Membro não assegurar a adequada interpretação e tradução à pessoa que tem direito a esta prestação?

Protecção das categoria vulneráveis

21 As pessoas abrangidas pelas categorias seguintes são consideradas especialmente vulneráveis? Em caso afirmativo, que medidas podem ser exigidas aos Estados-Membros para que proporcionem a estas pessoas um nível de protecção adequado no âmbito de procedimentos penais:

a) estrangeiros

b) crianças

c) pessoas com uma deficiência mental ou emocional, na sua acepção mais ampla

d) deficientes físicos ou doentes

e) mães/pais de menores

f) analfabetos

g) refugiados e requerentes de asilo

h) alcoólicos e toxicodependentes

Deverão ser aditadas a esta lista outras categorias?

22 Deveria exigir-se que os agentes policiais, os defensores e/ou os funcionários penitenciários realizem uma avaliação, e redijam uma nota escrita dessa avaliação, sobre a vulnerabilidade potencial dos suspeitos ou arguidos em certas fases do procedimento penal, acompanhada de uma nota sobre as medidas que adoptaram caso a vulnerabilidade se tenha confirmado?

23 Caso se exija que os agentes policiais, os defensores e/ou os funcionários penitenciários realizem uma avaliação da vulnerabilidade potencial dos suspeitos ou arguidos em certas fases do procedimento penal, deveria existir uma obrigação de acompanhamento da referida avaliação através de medidas adequadas?

24 Se a polícia e/ou as autoridades responsáveis pela aplicação da lei não procederem à avaliação da vulnerabilidade de um suspeito ou não a comunicarem ou não adoptarem as medidas necessárias uma vez confirmada a vulnerabilidade, deverão ser aplicadas sanções? Em caso afirmativo, quais deveriam ser estas sanções?

Assistência consular

25 Deveria exigir-se aos Estados-Membros que assegurem a existência de um funcionário responsável por zelar pelos direitos dos suspeitos e arguidos em procedimentos penais no país de acolhimento, incluindo actuar na qualidade de pessoa de ligação com as suas famílias e advogados?

26 Deveria exigir-se aos Estados-Membros que assegurem que as autoridades policiais respeitem a Convenção de Viena sobre Relações Consulares e que os funcionários policiais recebam a formação adequada?

27 Deveria existir alguma sanção para o incumprimento da Convenção de Viena sobre Relações Consulares? Em caso afirmativo, qual deveria ser esta sanção?

A Carta de Direitos

28 Será viável uma Carta de Direitos comum a nível da UE? Em caso afirmativo, qual deveria ser o seu conteúdo?

29 Em que momento se deveria entregar-se a Carta de Direitos ao suspeito?

30 Deveria exigir-se ao arguido que assine uma nota de recepção como prova de ter recebido a Carta de Direitos?

31 Quais seriam as consequências jurídicas, se for caso disso, da não entrega ao suspeito da Carta de Direitos?

Avaliação e acompanhamento

32 A avaliação do cumprimento das normas mínimas comuns será uma componente essencial da confiança mútua e, por conseguinte, do reconhecimento mútuo?

33 Quais são as informações que a Comissão necessita para efectuar uma avaliação eficaz do cumprimento das normas mínimas comuns acordadas em matéria de garantias processuais?

34 A gravação dos interrogatórios realizados pela polícia será um instrumento oportuno para alcançar um controlo eficaz? Que outros instrumentos seriam eficazes?

35 Será adequado prever sanções quando o nível de cumprimento é inferior às normas mínimas comuns acordadas? Em caso afirmativo, quais poderiam ser essas sanções?

ANEXO

Disposições relevantes das convenções em vigor

Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos

Artigo 9º

"1. Todo o indivíduo tem direito à liberdade e à segurança da sua pessoa. Ninguém pode ser objecto de prisão ou detenção arbitrária. Ninguém pode ser privado da sua liberdade a não ser por motivo e em conformidade com processos previstos na lei.

2. Todo o indivíduo preso será informado, no momento da sua detenção, das razões dessa detenção e receberá notificação imediata de todas as acusações apresentadas contra ele.

3. Todo o indivíduo preso ou detido sob acusação de uma infracção penal será prontamente conduzido perante um juiz ou uma outra autoridade habilitada pela lei a exercer funções judiciárias e deverá ser julgado num prazo razoável ou libertado. A detenção prisional de pessoas aguardando julgamento não deve ser regra geral, mas a sua libertação pode ser subordinada a garantir que assegurem a presença do interessado no julgamento em qualquer outra fase do processo e, se for caso disso, para execução da sentença.

4. Todo o indivíduo que se encontrar privado de liberdade por prisão ou detenção terá o direito de intentar um recurso perante um tribunal, a fim de que este estatua sem demora sobre a legalidade da sua detenção e ordene a sua libertação se a detenção for ilegal.

5. Todo o indivíduo vítima de prisão ou de detenção ilegal terá direito a compensação."

Artigo 10º

"1 - Todos os indivíduos privados da sua liberdade devem ser tratados com humanidade e com respeito da dignidade inerente à pessoa humana.

2 - a) Pessoas sob acusação serão, salvo circunstâncias excepcionais, separadas dos condenados e submetidas a um regime distinto, apropriado à sua condição de pessoas não condenadas;

b) Jovens sob detenção serão separados dos adultos e o seu caso será decidido o mais rapidamente possível.

3 - O regime penitenciário comportará tratamento dos reclusos cujo fim essencial é a sua emenda e a sua recuperação social. Delinquentes jovens serão separados dos adultos e submetidos a um regime apropriado à sua idade e ao seu estatuto legal."

Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional

Artigo 55º

"Direitos das pessoas no decurso do inquérito

1 - No decurso de um inquérito aberto nos termos do presente Estatuto:

a) Nenhuma pessoa poderá ser obrigada a depor contra si própria ou a declarar-se culpada;

b) Nenhuma pessoa poderá ser submetida a qualquer forma de coacção, intimidação ou ameaça, tortura ou outras formas de penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes;

c) Qualquer pessoa que for interrogada numa língua que não compreenda ou não fale fluentemente será assistida, gratuitamente por um intérprete competente e poderá dispor das traduções necessárias às exigências de equidade; e

d) Nenhuma pessoa poderá ser presa ou detida arbitrariamente, nem ser privada da sua liberdade, salvo pelos motivos previstos pelo presente Estatuto e em conformidade com os procedimentos nele estabelecidos.

2 - Sempre que existam motivos para crer que uma pessoa cometeu um crime da competência do Tribunal e que deve ser interrogada pelo Procurador ou pelas autoridades nacionais [...], essa pessoa será informada, antes do interrogatório, de que goza ainda dos seguintes direitos:

a) A ser informada, antes de ser interrogada, de que existem indícios de que cometeu um crime da competência do Tribunal;

b) A guardar silêncio, sem que tal seja tido em consideração para efeitos de determinação da sua culpa ou inocência;

c) A ser assistida por um advogado da sua escolha ou, se não o tiver, a solicitar que lhe seja designado um defensor oficioso, em todas as situações em que o interesse da justiça assim o exija, e sem qualquer encargo se não possuir meios suficientes para lhe pagar; e

d) A ser interrogada na presença de advogado, a menos que tenha renunciado voluntariamente ao direito de ser assistida por um advogado."

Artigo 67º

"Direitos do arguido

1 - Durante a apreciação de quaisquer factos constantes da acusação, o arguido tem direito a ser ouvido em audiência pública, tendo em conta o disposto no presente Estatuto, a uma audiência conduzida de forma equitativa e imparcial e às seguintes garantias mínimas, em situação de plena igualdade:

a) A ser informado, sem demora e de forma detalhada, numa língua que compreenda e fale fluentemente, da natureza, motivo e conteúdo dos factos que lhe são imputados;

b) A dispor de tempo e de meios adequados para a preparação da sua defesa e a comunicar livre e confidencialmente com um defensor da sua escolha;

c) a ser julgado sem atrasos indevidos;

d) Salvo o disposto no nº 2 do artigo 63º, o arguido terá direito a estar presente na audiência de julgamento e a defender-se a si próprio ou a ser assistido por um defensor da sua escolha; se não o tiver, a ser informado do direito de o Tribunal lhe nomear um defensor sempre que o interesse da justiça o exija, sendo tal assistência gratuita se o arguido carecer de meios suficientes para remunerar o defensor assim nomeado;

e) A inquirir ou a fazer inquirir as testemunhas de acusação e a obter a comparência das testemunhas de defesa e a inquirição destas nas mesmas condições que as testemunhas de acusação. O arguido terá também direito a apresentar defesa e a oferecer qualquer outra prova admissível, de acordo com o presente Estatuto;

f) A ser assistido gratuitamente por um intérprete competente e a serrem-lhe facultadas as traduções necessárias que a equidade exija, se não compreender perfeitamente ou não falar a língua utilizada em qualquer acto processual ou documento produzido em tribunal;

h) A prestar declarações não ajuramentadas, oralmente ou por escrito, em sua defesa; e

i) A que lhe não seja imposta quer a versão do ónus da prova, quer a impugnação.

2 - Para além de qualquer outra revelação de informação prevista no presente Estatuto, o Procurador comunicará à defesa, logo que possível, as provas que tenha em seu poder ou sob o seu controlo e que, no seu entender, revelem ou tendam a revelar a inocência do arguido, ou a atenuar a sua culpa, ou que possam afectar a credibilidade das provas da acusação. Em caso de duvida relativamente á aplicação do presente número, cabe ao Tribunal decidir."

Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança

Artigo 40º:

"1. Os Estados Partes reconhecem à criança suspeita, acusada ou que se reconheceu ter infringido a lei penal o direito a um tratamento capaz de favorecer o seu sentido de dignidade e valor, reforçar o seu respeito pelos direitos do homem e as liberdades fundamentais de terceiros e que tenha em conta a sua idade e a necessidade de facilitar a sua reintegração social e o assumir de um papel construtivo no seio da sociedade.

2. Para esse efeito, e atendendo às disposições pertinentes dos instrumentos jurídicos internacionais, os Estados Partes garantem, nomeadamente, que:

a) Nenhuma criança seja suspeita, acusada ou reconhecida como tendo infringido a lei penal por acções ou omissões que, no momento da sua prática, não eram proibidas pelo direito nacional ou internacional;

b) A criança suspeita ou acusada de ter infringido a lei penal tenha, no mínimo, direito às garantias seguintes:

i) Presumir-se inocente até que a sua culpabilidade tenha sido legalmente estabelecida;

ii) A ser informada pronta e directamente das acusações formuladas contra si ou, se necessário, através de seus pais ou representantes legais, a beneficiar de assistência jurídica ou de outra assistência adequada para a preparação e apresentação da sua defesa;

iii) A sua causa ser examinada sem demora por uma autoridade competente, independente e imparcial ou por um tribunal, de forma equitativa nos termos da lei, na presença do seu defensor ou de outrém assegurando assistência adequada e, a menos que tal se mostre contrário ao interesse superior da criança, nomeadamente atendendo à sua idade ou situação, na presença de seus pais ou representantes legais;

iv) A não ser obrigada a testemunhar ou a confessar-se culpada; a interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e a obter a comparência e o interrogatório das testemunhas de defesa em condições de igualdade;

v) No caso de se considerar que infringiu a lei penal, a recorrer dessa decisão e das medidas impostas em sequência desta para uma autoridade superior, competente, independente e imparcial, ou uma autoridade judicial, nos termos da lei;

vi) A fazer-se assistir gratuitamente por um intérprete, se não compreender ou falar a língua utilizada;

vii) A ver plenamente respeitada a sua vida privada em todos os momentos do procelosa.

3. Os Estados Partes procuram promover o estabelecimento de leis, processos, autoridades e instituições especificamente adequadas a crianças suspeitas, acusadas ou reconhecidas como tendo infringido a lei penal e, nomeadamente:

a) O estabelecimento de uma idade mínima abaixo da qual se presume que as crianças não têm capacidade para infringir a lei penal;

b) Quando tal se mostre possível e desejável, a adopção de medidas relativas a essas crianças sem recurso ao processo judicial, assegurando-se o pleno respeito dos direitos do homem e das garantias previstas pela lei.

4. Um conjunto de disposições relativas, nomeadamente, à assistência, orientação e controlo, conselhos, regime de prova, colocação familiar, programas de educação geral e profissional, bem como outras soluções alternativas às institucionais, serão previstas de forma a assegurar às crianças o tratamento adequado ao sem bem-estar e proporcionado à sua situação e à infracção".

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