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Document 62013CJ0069

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 13 de fevereiro de 2014.
Mediaset SpA contra Ministero dello Sviluppo economico.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunale civile di Roma.
Reenvio prejudicial — Auxílios de Estado — Subvenção para a aquisição ou aluguer de descodificadores digitais — Decisão da Comissão que declara um regime de auxílios ilegal e incompatível com o mercado interno — Recuperação — Quantificação do montante a recuperar — Missão do juiz nacional — Consideração, pelo juiz nacional, de tomadas de posição da Comissão no âmbito da execução da sua decisão — Princípio da cooperação leal.
Processo C‑69/13.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2014:71

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

13 de fevereiro de 2014 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Auxílios de Estado — Subvenção para a aquisição ou aluguer de descodificadores digitais — Decisão da Comissão que declara um regime de auxílios ilegal e incompatível com o mercado interno — Recuperação — Quantificação do montante a recuperar — Missão do juiz nacional — Consideração, pelo juiz nacional, de tomadas de posição da Comissão no âmbito da execução da sua decisão — Princípio da cooperação leal»

No processo C‑69/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunale civile di Roma (Itália), por decisão de 19 de novembro de 2012, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 11 de fevereiro de 2013, no processo

Mediaset SpA

contra

Ministero dello Sviluppo economico,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, J. L. da Cruz Vilaça, G. Arestis, J.‑C. Bonichot e A. Arabadjiev (relator), juízes,

advogado‑geral: N. Jääskinen,

secretário: A. Impellizzeri, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 21 de novembro de 2013,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Mediaset SpA, por L. Medugno, A. Lauteri, G. Rossi, G. M. Roberti, M. Serpone e I. Perego, avvocati,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por A. De Stefano, avvocato dello Stato,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por D. Grespan, B. Stromsky e G. Conte, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação das disposições pertinentes do direito da União relativas aos auxílios de Estado.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Mediaset SpA (a seguir «Mediaset») ao Ministero dello Sviluppo economico a propósito da recuperação do auxílio de Estado que a República Italiana concedeu à Mediaset no âmbito de um regime de auxílios a favor das emissoras digitais terrestres que oferecem serviços de televisão mediante pagamento e dos operadores de serviços de televisão por cabo mediante pagamento, declarado incompatível com o mercado interno pela Decisão 2007/374/CE da Comissão, de 24 de janeiro de 2007, relativa ao auxílio estatal C 52/2005 (ex NN 88/2005, ex CP 101/2004) concedido pela República Italiana para a aquisição de descodificadores digitais (JO L 147, p. 1) (a seguir «Decisão 2007/374»).

Quadro jurídico

Regulamento (CE) n.o 659/1999

3

O Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.° TFUE] (JO L 83, p. 1), no seu artigo 14.o, sob a epígrafe «Recuperação do auxílio», enuncia:

«1.   Nas decisões negativas relativas a auxílios ilegais, a Comissão decidirá que o Estado‑Membro em causa deve tomar todas as medidas necessárias para recuperar o auxílio do beneficiário, adiante designada ‘decisão de recuperação’. A Comissão não deve exigir a recuperação do auxílio se tal for contrário a um princípio geral de direito comunitário.

2.   O auxílio a recuperar mediante uma decisão de recuperação incluirá juros a uma taxa adequada fixada pela Comissão. Os juros são devidos a partir da data em que o auxílio ilegal foi colocado à disposição do beneficiário e até ao momento da sua recuperação.

3.   Sem prejuízo de uma decisão do Tribunal de Justiça [da União Europeia] nos termos do artigo [278.° TFUE], a recuperação será efetuada imediatamente e segundo as formalidades do direito nacional do Estado‑Membro em causa, desde que estas permitam uma execução imediata e efetiva da decisão da Comissão. Para o efeito e na eventualidade de um processo nos tribunais nacionais, os Estados‑Membros interessados tomarão as medidas necessárias previstas no seu sistema jurídico, incluindo medidas provisórias, sem prejuízo da legislação [da União].»

Decisão 2007/374

4

O artigo 1.o da Decisão 2007/374 dispõe:

«O auxílio que a República Italiana concedeu ilegalmente a favor das emissoras digitais terrestres que oferecem serviços de televisão mediante pagamento e dos operadores por cabo de televisão mediante pagamento constitui um auxílio estatal incompatível com o mercado comum.»

5

O artigo 2.o da referida decisão prevê:

«1.   A República Italiana tomará todas as medidas necessárias para recuperar junto dos beneficiários o auxílio a que se refere o artigo 1.o

2.   A recuperação será efetuada imediatamente e no respeito dos procedimentos de direito nacional, na condição de que estes permitam a execução imediata e efetiva da presente decisão. Os montantes a recuperar produzem juros a contar da data em que o auxílio foi concedido aos beneficiários até à data da recuperação.

3.   Os juros a recuperar nos termos do n.o 2 são calculados em conformidade com o procedimento previsto nos artigos 9.° e 11.° do Regulamento (CE) n.o 794/2004 da Comissão, de 21 de abril 2004, relativo à aplicação do Regulamento (CE) n.o 659/1999 [JO L 140, p. 1].»

6

O artigo 3.o da mesma decisão enuncia:

«A República Italiana informará a Comissão, no prazo de dois meses a contar da notificação da presente decisão, das medidas tomadas para lhe dar cumprimento. Tais informações serão comunicadas mediante o questionário em anexo à presente decisão.

A República Italiana transmitirá, dentro do mesmo prazo a que se refere o n.o 1, os documentos necessários comprovativos do início de procedimento de recuperação junto dos beneficiários dos auxílios ilegítimos e incompatíveis.»

7

No que se refere aos montantes dos auxílios a recuperar, a Comissão indicou, nos considerandos 191 a 193 da Decisão 2007/374, o seguinte:

«(191)

No que diz respeito ao estabelecimento do montante que deve ser recuperado junto das emissoras, a Comissão reconhece que calcular com precisão o montante dos recursos estatais que obtiveram efetivamente os beneficiários é uma tarefa bastante complexa. Esta situação deve‑se ao facto de não só o auxílio ter sido concedido indiretamente através dos consumidores, mas também porque estava associado mais ao equipamento de receção necessário para receber os serviços das emissoras do que aos serviços propriamente ditos.

(192)

Todavia, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, nenhuma norma de direito comunitário impõe que a Comissão, quando exige a restituição de um auxílio declarado incompatível com o mercado comum, determine o montante exato do auxílio a restituir. Basta que a decisão da Comissão inclua elementos que permitam ao destinatário da própria decisão determinar sem dificuldades excessivas tal montante [...]

(193)

Por conseguinte, a Comissão considera que é oportuno fornecer algumas orientações sobre como quantificar a vantagem. Nomeadamente, a Comissão considera que, tendo em conta as características específicas do caso em apreço, um método adequado consiste em calcular o montante dos lucros suplementares gerados pelos novos serviços digitais e pelas ofertas de televisão mediante pagamento ou de pay per view graças à medida em apreço.»

8

Nos considerandos 196 a 205 da referida decisão, a Comissão deu indicações sobre o método mencionado no considerando 193 da mesma, a fim de permitir à República Italiana determinar os montantes precisos a recuperar.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

9

Na sequência da adoção da Decisão 2007/374, a Comissão e a República Italiana trocaram correspondência sobre a identificação dos beneficiários individuais do regime de auxílios declarado ilegal e a quantificação dos montantes precisos a recuperar.

10

Em concreto, por carta de 1 de abril de 2008, a Comissão aprovou a metodologia utilizada pela República Italiana, a saber, uma sondagem de opinião realizada pela Ipsos, para determinar o número de utilizadores suplementares resultante do auxílio em causa, a receita média por utilizador e as receitas adicionais. A Comissão expressou igualmente o seu acordo relativamente às conclusões da República Italiana segundo as quais a TIMedia e a Fastweb, beneficiárias do auxílio em questão, não deviam ficar sujeitas à obrigação de restituição, na medida em que as análises realizadas demonstraram que as referidas empresas não obtiveram lucros suplementares durante o período de concessão do auxílio em causa. Em contrapartida, nessa mesma carta, a Comissão emitiu reservas quanto aos custos evitáveis suportados pela Mediaset e comunicou, consequentemente, que o montante do auxílio a recuperar junto desta última ascendia a 6 844 361 euros.

11

Por carta de 11 de junho de 2008, a Comissão aprovou, na sequência dos novos elementos levados ao seu conhecimento pela República Italiana, o novo cálculo dos custos evitáveis efetuado por esse Estado‑Membro relativamente à Mediaset, com base no qual o montante do auxílio a recuperar a seu respeito ascendia a 4 926 543,22 euros.

12

Por carta de 23 de outubro de 2009, em resposta a uma nova apresentação de elementos suplementares pela República Italiana, a Comissão não aprovou o novo modelo econométrico utilizado por esse Estado‑Membro, porque fazia referência a períodos distintos para a imputação dos custos e das receitas e porque o próprio Estado‑Membro em causa já tinha rejeitado uma metodologia semelhante. A Comissão indicou igualmente nessa carta que, caso a República Italiana não procedesse à recuperação imediata do auxílio em causa junto da Mediaset, poderia recorrer ao procedimento previsto no artigo 88.o, n.o 2, CE.

13

Por despacho de 12 de novembro de 2009, as autoridades italianas ordenaram à Mediaset o pagamento do montante global de 5969442,12 euros, que compreendia os juros calculados em conformidade com o procedimento previsto no artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento n.o 659/1999.

14

Em 11 de dezembro de 2009, após ter pagado o montante exigido pelas autoridades italianas, a Mediaset interpôs recurso no Tribunale civile di Roma com vista a obter a anulação do referido despacho e a redução da quantia a recuperar, invocando, nomeadamente, a aplicação errada dos critérios de quantificação estabelecidos na Decisão 2007/374 e a imprecisão dos cálculos efetuados para determinar os lucros suplementares gerados com o auxílio em causa. Além disso, a Mediaset pediu que fosse ordenada uma perícia judicial.

15

Entretanto, a Mediaset tinha interposto recurso de anulação da Decisão 2007/374 no Tribunal Geral da União Europeia. O Tribunal Geral negou provimento a esse recurso por acórdão de 15 de junho de 2010, Mediaset/Comissão (T-177/07, Colet., p. II-2341). A Mediaset interpôs recurso desse acórdão, a que o Tribunal de Justiça, por acórdão de 28 de julho de 2011, Mediaset/Comissão (C‑403/10 P), negou provimento.

16

No âmbito do litígio no processo principal, o Tribunale civile di Roma ordenou uma perícia, cujas conclusões, divulgadas em 6 de setembro de 2011 pelo coletivo de peritos, contêm críticas tanto sobre a sondagem de opinião utilizada para calcular o número de espetadores suplementares atraídos pela oferta de televisão pay per view e pelos novos canais digitais como sobre os modelos econométricos propostos e utilizados pelas partes no processo principal. O relatório conclui igualmente que não ficou provado que o auxílio em causa tinha efetivamente influenciado as vendas de descodificadores no período analisado. Nas suas observações de 17 de julho de 2012, o Ministero dello Sviluppo economico contestou as conclusões periciais.

17

Nestas circunstâncias, o Tribunale civile di Roma decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Está o tribunal nacional, chamado a pronunciar‑se sobre o montante do auxílio estatal cuja recuperação foi ordenada pela Comissão […], vinculado, tanto quanto à existência do auxílio como relativamente ao montante a recuperar, à [D]ecisão [2007/374], conforme integrada pelas decisões adotadas pela Comissão [nas cartas de 11 de junho de 2008 e 23 de outubro de 2009], e confirmada pelo [acórdão do Tribunal Geral, Mediaset/Comissão, já referido]?

Em caso contrário:

2)

O Tribunal [Geral], ao declarar no [seu] acórdão [Mediaset/Comissão, já referido,] a competência do tribunal nacional para se pronunciar sobre o montante do auxílio estatal, pretendeu limitar esse poder à quantificação de um montante que, enquanto respeitante a um auxílio estatal efetivamente executado e obtido, deve necessariamente assumir um valor positivo e não pode, portanto, ser igual a zero?

3)

Ao invés, o Tribunal [Geral], ao declarar no [seu] acórdão [Mediaset/Comissão, já referido,] a competência do tribunal nacional para se pronunciar sobre o montante do auxílio estatal, pretendeu atribuir a esse tribunal um poder de apreciar o pedido de restituição tanto quanto à existência do auxílio como relativamente ao montante a recuperar e, assim, também o poder de negar qualquer obrigação de restituição?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

18

Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se, para assegurar a execução de uma decisão da Comissão que declara um regime de auxílios ilegal e incompatível com o mercado interno e ordena a recuperação dos auxílios em causa, mas que não identifica os beneficiários individuais desses auxílios nem determina os montantes precisos que devem ser restituídos, o juiz nacional se encontra vinculado não apenas por essa decisão mas também pelas tomadas de posição expressas pela referida instituição no âmbito da execução da mesma decisão, as quais, por sua vez, indicam de forma precisa o montante do auxílio a recuperar junto de um determinado beneficiário.

19

A este respeito, importa recordar que a execução do sistema de controlo dos auxílios de Estado incumbe, por um lado, à Comissão e, por outro, aos órgãos jurisdicionais nacionais, sendo os respetivos papéis complementares, mas distintos (v. acórdãos de 21 de novembro de 2013, Deutsche Lufthansa, C‑284/12, n.o 27 e jurisprudência referida).

20

Assim, em virtude do referido sistema, a Comissão tem competência exclusiva, sob fiscalização dos órgãos jurisdicionais da União, para apreciar a compatibilidade de um auxílio com o mercado interno (v., neste sentido, acórdãos de 21 de outubro de 2003, van Calster e o., C-261/01 e C-262/01, Colet., p. I-12249, n.o 75; de 5 de outubro de 2006, Transalpine Ölleitung in Österreich, C-368/04, Colet., p. I-9957, n.o 38; e Deutsche Lufthansa, já referido, n.o 28).

21

Segundo jurisprudência constante, a Comissão não está obrigada, quando ordena a restituição de um auxílio declarado incompatível com o mercado interno, a fixar o montante exato do auxílio a restituir. Basta que a decisão da Comissão contenha indicações que permitam ao seu destinatário determinar por si próprio esse montante, sem grandes dificuldades (v., neste sentido, acórdãos de 12 de outubro de 2000, Espanha/Comissão, C-480/98, Colet., p. I-8717, n.o 25; Mediaset/Comissão, já referido, n.o 126; e de 8 de dezembro de 2011, France Télécom/Comissão, C-81/10 P, Colet., p. I-12899, n.o 102).

22

Com efeito, quando confrontada com um regime de auxílios, a Comissão, regra geral, não está em condições de identificar com precisão o montante do auxílio recebido por cada um dos beneficiários individuais e, portanto, as circunstâncias específicas próprias de um dos beneficiários de um regime de auxílios só podem ser apreciadas na fase da recuperação do auxílio (v., neste sentido, acórdão de 7 de março de 2002, Itália/Comissão, C-310/99, Colet., p. I-2289, n.os 89 a 91).

23

Além disso, importa assinalar que, nos termos do artigo 288.o, quarto parágrafo, TFUE, as decisões são obrigatórias em todos os seus elementos para os destinatários que designam. Consequentemente, o Estado‑Membro destinatário de uma decisão da Comissão que o obrigue a recuperar auxílios ilegais e incompatíveis com o mercado interno deve, por força desse artigo, tomar todas as medidas adequadas para garantir o cumprimento da referida decisão (v., neste sentido, acórdãos de 12 de dezembro de 2002, Comissão/Alemanha, C-209/00, Colet., p. I-11695, n.o 31, e de 26 de junho de 2003, Comissão/Espanha, C-404/00, Colet., p. I-6695, n.o 21). Esse caráter obrigatório impõe‑se a todos os órgãos do Estado destinatário, incluindo os seus órgãos jurisdicionais (v., neste sentido, acórdão de 21 de maio de 1987, Albako Margarinefabrik, 249/85, Colet., p. 2345, n.o 17).

24

Embora a Decisão 2007/374, que se tornou definitiva na sequência do acórdão do Tribunal de Justiça, Mediaset/Comissão, já referido, seja, por conseguinte, obrigatória para a República Italiana que é sua destinatária e, portanto, deva ser considerada vinculativa para o juiz nacional, o mesmo não sucede com as cartas que a Comissão dirigiu posteriormente à República Italiana no âmbito da correspondência trocada para assegurar a execução imediata e efetiva da referida decisão.

25

Com efeito, a este respeito, há que assinalar que essas cartas, e em especial as de 11 de junho de 2008 e 23 de outubro de 2009 que identificam a Mediaset enquanto beneficiária do regime de auxílios em causa e especificam um montante exato de auxílios a recuperar junto desta última, não constituem decisões na aceção do artigo 288.o, quarto parágrafo, TFUE.

26

Há igualmente que observar que essas tomadas de posição não figuram entre os atos que podem ser adotados com base no Regulamento n.o 659/1999.

27

De resto, a própria Comissão reconheceu, nas suas observações, que as suas tomadas de posição não visavam completar ou alterar o conteúdo da Decisão 2007/374 e eram desprovidas de qualquer valor vinculativo.

28

Consequentemente, as tomadas de posição expressas pela Comissão no âmbito da execução da Decisão 2007/374 não podem ser consideradas vinculativas para o juiz nacional.

29

Assim sendo, importa recordar que a aplicação das regras da União em matéria de auxílios de Estado assenta numa obrigação de cooperação leal entre, por um lado, os órgãos jurisdicionais nacionais e, por outro, a Comissão e as jurisdições da União, no âmbito da qual cada um atua em função da missão que lhe é conferida pelo Tratado FUE. No âmbito desta cooperação, os órgãos jurisdicionais nacionais devem tomar todas as medidas gerais ou especiais capazes de assegurar o cumprimento das obrigações decorrentes do direito da União e abster‑se das que são suscetíveis de pôr em perigo a realização dos fins do Tratado, como resulta do artigo 4.o, n.o 3, TUE (v. acórdão Deutsche Lufthansa, já referido, n.o 41).

30

Assim, se tiver dúvidas ou dificuldades relativamente à quantificação do montante dos auxílios a recuperar, o órgão jurisdicional nacional pode sempre dirigir‑se à Comissão para que esta última lhe preste assistência em conformidade com o princípio da cooperação leal, como resulta em especial dos n.os 89 a 96 da Comunicação da Comissão relativa à aplicação da legislação em matéria de auxílios estatais pelos tribunais nacionais (JO 2009, C 85, p. 1).

31

Por conseguinte, embora as tomadas de posição da Comissão não vinculem o juiz nacional, importa realçar que, na medida em que os elementos contidos nas referidas tomadas de posição, bem como nos pareceres da Comissão eventualmente solicitados pelo juiz nacional nas condições enunciadas no número anterior, visam facilitar o cumprimento da missão das autoridades nacionais no âmbito da execução imediata e efetiva da decisão de recuperação, e atendendo ao princípio da cooperação leal, o juiz nacional deve tê‑los em consideração enquanto elemento de apreciação no âmbito do litígio nele pendente e fundamentar a sua decisão à luz do conjunto dos documentos dos autos que lhe foram submetidos.

32

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que, embora, para assegurar a execução de uma decisão da Comissão que declara um regime de auxílios ilegal e incompatível com o mercado interno e ordena a recuperação dos auxílios em causa, mas que não identifica os beneficiários individuais desses auxílios nem determina os montantes precisos que devem ser restituídos, o juiz nacional se encontre vinculado por essa decisão, não está, no entanto, vinculado pelas tomadas de posição expressas pela referida instituição no âmbito da execução da mesma decisão. Todavia, o juiz nacional deve, atendendo ao princípio da cooperação leal consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE, ter em consideração essas tomadas de posição enquanto elemento de apreciação no âmbito do litígio nele pendente.

Quanto à segunda e terceira questões

33

Com a segunda e terceira questões, que importa analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio procura saber, no essencial, se o juiz nacional, ao determinar os montantes exatos dos auxílios a recuperar e quando a Comissão, na sua decisão que declara um regime de auxílios ilegal e incompatível com o mercado interno, não tenha identificado os beneficiários individuais dos auxílios em causa nem determinado os montantes precisos que devem ser restituídos, pode concluir que o montante do auxílio a restituir é igual a zero quando tal resulte dos cálculos efetuados com base no conjunto dos elementos pertinentes levados ao seu conhecimento.

34

Importa recordar que, segundo jurisprudência constante, não existindo disposições do direito da União na matéria, a recuperação de um auxílio declarado incompatível com o mercado interno deve ser efetuada segundo as modalidades previstas pelo direito nacional, desde que estas não tornem na prática impossível a recuperação exigida pelo direito da União e não violem o princípio da equivalência em relação aos processos destinados a decidir litígios do mesmo tipo, embora exclusivamente nacionais (v. acórdão de 13 de junho de 2002, Países Baixos/Comissão, C-382/99, Colet., p. I-5163, n.o 90). O contencioso relativo a essa recuperação é da competência exclusiva do juiz nacional (v., neste sentido, despacho de 24 de julho de 2003, Sicilcassa e o., C-297/01, Colet., p. I-7849, n.os 41 e 42).

35

Além disso, como recordado nos n.os 22, 23 e 29 do presente acórdão, uma vez que, na sua decisão, a Comissão não identificou os beneficiários individuais do auxílio em causa nem tão‑pouco fixou os montantes precisos do auxílio a recuperar, cabe ao juiz nacional, se tal lhe for pedido, pronunciar‑se sobre o montante do auxílio cuja recuperação tenha sido ordenada pela Comissão. Como indicado no n.o 30 do presente acórdão, caso surjam dificuldades, o juiz nacional pode sempre dirigir‑se à Comissão para que esta última lhe preste assistência em conformidade com o princípio da cooperação leal consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE.

36

Daqui decorre que, para efeitos da quantificação do montante dos auxílios a recuperar, o juiz nacional deve ter em consideração, nas condições enunciadas no n.o 31 do presente acórdão, o conjunto dos elementos pertinentes levados ao seu conhecimento, incluindo a correspondência trocada entre a Comissão e as autoridades nacionais em aplicação do princípio da cooperação leal.

37

Assim, não se pode excluir que, atendendo ao conjunto desses elementos, os cálculos efetuados pelo juiz nacional relativamente à quantificação dos montantes dos auxílios a restituir tenham como resultado um montante igual a zero.

38

De resto, decorre dos documentos dos autos transmitidos pelo órgão jurisdicional nacional que a Comissão admitiu expressamente, no que se refere à TIMedia e à Fastweb, que não havia que recuperar nenhum montante junto dessas duas empresas.

39

Por conseguinte, e sem pôr em causa a validade da decisão da Comissão nem a obrigação de restituição dos auxílios declarados ilegais e incompatíveis com o mercado interno, o juiz nacional pode fixar um montante do auxílio a recuperar igual a zero na medida em que tal resulte diretamente da operação de quantificação das quantias a recuperar.

40

Em face do exposto, há que responder à segunda e terceira questões que o juiz nacional, ao determinar os montantes exatos dos auxílios a recuperar e quando a Comissão, na sua decisão que declara um regime de auxílios ilegal e incompatível com o mercado interno, não tenha identificado os beneficiários individuais dos auxílios em causa nem determinado os montantes precisos que devem ser restituídos, pode concluir, sem pôr em causa a validade da decisão da Comissão nem a obrigação de restituição dos auxílios em causa, que o montante do auxílio a restituir é igual a zero quando tal resulte dos cálculos efetuados com base no conjunto dos elementos pertinentes levados ao seu conhecimento.

Quanto às despesas

41

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

1)

Embora, para assegurar a execução de uma decisão da Comissão Europeia que declara um regime de auxílios ilegal e incompatível com o mercado interno e ordena a recuperação dos auxílios em causa, mas que não identifica os beneficiários individuais desses auxílios nem determina os montantes precisos que devem ser restituídos, o juiz nacional se encontre vinculado por essa decisão, não está, no entanto, vinculado pelas tomadas de posição expressas pela referida instituição no âmbito da execução da mesma decisão. Todavia, o juiz nacional deve, atendendo ao princípio da cooperação leal consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE, ter em consideração essas tomadas de posição enquanto elemento de apreciação no âmbito do litígio nele pendente.

 

2)

O juiz nacional, ao determinar os montantes exatos dos auxílios a recuperar e quando a Comissão Europeia, na sua decisão que declara um regime de auxílios ilegal e incompatível com o mercado interno, não tenha identificado os beneficiários individuais dos auxílios em causa nem determinado os montantes precisos que devem ser restituídos, pode concluir, sem pôr em causa a validade da decisão da Comissão Europeia nem a obrigação de restituição dos auxílios em causa, que o montante do auxílio a restituir é igual a zero quando tal resulte dos cálculos efetuados com base no conjunto dos elementos pertinentes levados ao seu conhecimento.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.

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