ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

30 de maio de 2013 ( *1 )

«Tratamento de dados pessoais — Diretiva 95/46/CE — Artigo 2.o — Conceito de ‘dados pessoais’ — Artigos 6.° e 7.° — Princípios relativos à qualidade dos dados e à legitimidade do tratamento de dados — Artigo 17.o — Segurança do tratamento — Tempo de trabalho dos trabalhadores — Registo dos tempos de trabalho — Acesso da autoridade nacional com competência para a fiscalização das condições de trabalho — Obrigação de o empregador pôr à disposição o registo dos tempos de trabalho de forma a permitir a sua consulta imediata»

No processo C-342/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Tribunal do Trabalho de Viseu (Portugal), por decisão de 13 de julho de 2012, entrado no Tribunal de Justiça em 18 de julho de 2012, no processo

Worten — Equipamentos para o Lar, SA

contra

Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, E. Jarašiūnas, A. Ó Caoimh (relator), C. Toader e C. G. Fernlund, juízes,

advogado-geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Worten — Equipamentos para o Lar, SA, por D. Abrunhosa e Sousa e J. Cruz Ribeiro, advogados,

em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes e C. Vieira Guerra, na qualidade de agentes,

em representação do Governo checo, por M. Smolek, na qualidade de agente,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por M. Russo, avvocato dello Stato,

em representação do Governo húngaro, por M. Fehér, K. Szíjjártó e Á. Szilágyi, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por P. Costa de Oliveira e B. Martenczuk, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 2.° e 17.°, n.o 1, da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (JO L 281, p. 31).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Worten — Equipamentos para o Lar, SA (a seguir «Worten»), sociedade com sede em Viseu (Portugal), à Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) (a seguir «ACT»), a respeito do pedido de acesso desta última ao registo dos tempos de trabalho daquela sociedade.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 95/46

3

Nos termos do artigo 2.o da Diretiva 95/46, intitulado «Definições»:

«Para efeitos da presente diretiva, entende-se por:

a)

‘Dados pessoais’, qualquer informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável (‘pessoa em causa’); é considerado identificável todo aquele que possa ser identificado, direta ou indiretamente, nomeadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social;

b)

‘Tratamento de dados pessoais’ (‘tratamento’), qualquer operação ou conjunto de operações efetuadas sobre dados pessoais, com ou sem meios automatizados, tais como a recolha, registo, organização, conservação, adaptação ou alteração, recuperação, consulta, utilização, comunicação por transmissão, difusão ou qualquer outra forma de colocação à disposição, com comparação ou interconexão, bem como o bloqueio, apagamento ou destruição;

[...]»

4

O artigo 3.o desta diretiva, intitulado «Âmbito de aplicação», tem a seguinte redação:

«1.   A presente diretiva aplica-se ao tratamento de dados pessoais por meios total ou parcialmente automatizados, bem como ao tratamento por meios não automatizados de dados pessoais contidos num ficheiro ou a ele destinados.

2.   A presente diretiva não se aplica ao tratamento de dados pessoais:

efetuado no exercício de atividades não sujeitas à aplicação do direito comunitário, tais como as previstas nos títulos V e VI do Tratado da União Europeia, e, em qualquer caso, ao tratamento de dados que tenha como objeto a segurança pública, a defesa, a segurança do Estado (incluindo o bem-estar económico do Estado quando esse tratamento disser respeito a questões de segurança do Estado), e as atividades do Estado no domínio do direito penal,

efetuado por uma pessoa singular no exercício de atividades exclusivamente pessoais ou domésticas.»

5

O artigo 6.o da referida diretiva, que respeita aos princípios relativos à qualidade dos dados, dispõe:

«1.   Os Estados-Membros devem estabelecer que os dados pessoais serão:

[...]

b)

Recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas, e que não serão posteriormente tratados de forma incompatível com essas finalidades. O tratamento posterior para fins históricos, estatísticos ou científicos não é considerado incompatível desde que os Estados-Membros estabeleçam garantias adequadas;

c)

Adequados, pertinentes e não excessivos relativamente às finalidades para que são recolhidos e para que são tratados posteriormente;

[...]

2.   Incumbe ao responsável pelo tratamento assegurar a observância do disposto no n.o 1.»

6

O artigo 7.o da mesma diretiva, que versa sobre os princípios relativos à legitimidade do tratamento de dados, enuncia:

«Os Estados-Membros estabelecerão que o tratamento de dados pessoais só poderá ser efetuado se:

[...]

c)

O tratamento for necessário para cumprir uma obrigação legal à qual o responsável pelo tratamento esteja sujeito; ou

[...]

e)

O tratamento for necessário para a execução de uma missão de interesse público ou o exercício da autoridade pública de que é investido o responsável pelo tratamento ou um terceiro a quem os dados sejam comunicados; ou

[...]»

7

O artigo 17.o da Diretiva 95/46, intitulado «Segurança do tratamento», tem a seguinte redação:

«1.   Os Estados-Membros estabelecerão que o responsável pelo tratamento deve pôr em prática medidas técnicas e organizativas adequadas para proteger os dados pessoais contra a destruição acidental ou ilícita, a perda acidental, a alteração, a difusão ou acesso não autorizados, nomeadamente quando o tratamento implicar a sua transmissão por rede, e contra qualquer outra forma de tratamento ilícito.

Estas medidas devem assegurar, atendendo aos conhecimentos técnicos disponíveis e aos custos resultantes da sua aplicação, um nível de segurança adequado em relação aos riscos que o tratamento apresenta e à natureza dos dados a proteger.

[...]»

Diretiva 2003/88/CE

8

Intitulado «Objetivo e âmbito de aplicação», o artigo 1.o da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho (JO L 299, p. 9), dispõe:

«1.   A presente diretiva estabelece prescrições mínimas de segurança e de saúde em matéria de organização do tempo de trabalho.

2.   A presente diretiva aplica-se:

a)

Aos períodos mínimos de descanso diário, semanal e anual, bem como aos períodos de pausa e à duração máxima do trabalho semanal [...]

[...]»

9

Intitulado «Duração máxima do trabalho semanal», o artigo 6.o desta diretiva prevê:

«Os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para que, em função dos imperativos de proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores:

[...]

b)

A duração média do trabalho em cada período de sete dias não exceda 48 horas, incluindo as horas extraordinárias […].»

10

Nos termos do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da referida diretiva:

«Os Estados-Membros podem não aplicar o artigo 6.o, respeitando embora os princípios gerais de proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores, desde que tomem as medidas necessárias para assegurar que:

a)

Nenhuma entidade patronal exija a um trabalhador que trabalhe mais de 48 horas durante um período de sete dias [...], a menos que tenha obtido o acordo do trabalhador para efetuar esse trabalho;

[...]

c)

A entidade patronal disponha de registos atualizados de todos os trabalhadores que efetuem esse trabalho;

d)

Os registos sejam postos à disposição das autoridades competentes, que podem proibir ou restringir, por razões de segurança e/ou de saúde dos trabalhadores, a possibilidade de ultrapassar o período máximo semanal de trabalho;

[…]»

Legislação portuguesa

11

O artigo 202.o do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.o 7/2009, de 12 de fevereiro de 2009, dispõe, sob a epígrafe «Registo dos tempos de trabalho»:

«1.

O empregador deve manter o registo dos tempos de trabalho, incluindo dos trabalhadores que estão isentos de horário de trabalho, em local acessível e por forma que permita a sua consulta imediata.

2.

O registo deve conter a indicação das horas de início e de termo do tempo de trabalho, bem como das interrupções ou intervalos que nele não se compreendam, por forma a permitir apurar o número de horas de trabalho prestadas por trabalhador, por dia e por semana [...]

[...]

5.

Constitui contraordenação grave a violação do disposto neste artigo.»

12

A Lei n.o 107/2009, de 14 de setembro de 2009, comporta, nomeadamente, a seguinte disposição:

«Artigo 10.o —

Procedimentos inspetivos

1.   No exercício das suas funções profissionais o inspetor do trabalho efetua, sem prejuízo do disposto em legislação específica, os seguintes procedimentos:

a)

Requisitar, com efeitos imediatos ou para apresentação nos serviços desconcentrados do serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral, examinar e copiar documentos e outros registos que interessem para o esclarecimento das relações de trabalho e das condições de trabalho;

[...]

2.   No exercício das suas funções profissionais o inspetor da segurança social efetua, sem prejuízo dos previstos em legislação específica, os seguintes procedimentos:

a)

Requisitar e copiar, com efeitos imediatos, para exame, consulta e junção aos autos, livros, documentos, registos, arquivos e outros elementos pertinentes em poder das entidades cuja atividade seja objeto da sua ação e que interessem à averiguação dos factos objeto da ação inspetiva;

[...]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

13

Em 9 de março de 2010, a ACT efetuou uma inspeção ao estabelecimento da Worten em Viseu, no termo da qual emitiu um relatório em que declarou que:

esta sociedade mantinha ao seu serviço subordinado, naquele estabelecimento, quatro trabalhadoras, cumprindo um horário de trabalho rotativo;

o registo dos tempos de trabalho onde devem constar os períodos de trabalho diários, descansos diários e semanais, bem como o cômputo das horas de trabalho diárias e semanais relativo aos trabalhadores não estava acessível para consulta imediata;

os trabalhadores registavam os seus tempos de trabalho através da passagem de um cartão magnético num relógio de ponto, nas instalações de uma loja situada ao lado do referido estabelecimento;

o acesso ao registo dos tempos de trabalho, além de não estar acessível a qualquer trabalhador da empresa e do estabelecimento onde exerce funções, apenas era assegurado por quem tinha acesso informático para o efeito, nomeadamente o responsável regional da Worten, o qual não se encontrava presente aquando da visita inspetiva, sendo que, nesse caso, só a estrutura central de recursos humanos da Worten podia fornecer as informações constantes do referido registo.

14

Em 15 de março de 2010, a ACT recebeu o registo dos tempos de trabalho com os elementos legalmente exigíveis, na sequência de notificação para apresentação dessas informações.

15

Por decisão de 14 de março de 2012, a ACT considerou que a Worten tinha incorrido numa contraordenação laboral grave, ao infringir as regras respeitantes ao registo dos tempos de trabalho previstas no artigo 202.o, n.o 1, do Código do Trabalho, na medida em que esta sociedade não permitiu que a ACT pudesse proceder à consulta imediata, no estabelecimento em causa, do registo dos tempos de trabalho dos trabalhadores afetos a esse estabelecimento. A gravidade da infração resulta do facto de que o registo dos tempos de trabalho permite apurar, de forma imediata e célere, a conformidade da organização da atividade da empresa com a disciplina do tempo de trabalho. Em consequência, a ACT aplicou à Worten uma coima de 2000 euros.

16

A Worten interpôs recurso de anulação desta decisão para o Tribunal do Trabalho de Viseu.

17

Nestas condições, o Tribunal do Trabalho de Viseu decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O [artigo] 2.° da Diretiva 95/46[…] deve ser interpretado no sentido de que o registo de tempos de trabalho, isto é, a indicação relativamente a cada trabalhador das horas de início e de termo do tempo de trabalho, bem como das interrupções ou intervalos que nele não se compreendam, está incluído no conceito de dados pessoais?

2)

Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, está o Estado Português obrigado, por força do disposto no [artigo] 17.°, n.o 1, da Diretiva 95/46[…], a prever medidas técnicas e organizativas adequadas para proteger os dados pessoais contra a destruição acidental ou ilícita, a perda acidental, a alteração, a difusão ou acesso não autorizados, nomeadamente quando o tratamento implicar a transmissão por rede?

3)

Mais uma vez, em caso de resposta afirmativa à questão anterior, quando o Estado-Membro não adote nenhuma medida em cumprimento do [artigo] 17.°, n.o 1, da Diretiva 95/46[…] e quando a entidade empregadora, responsável pelo tratamento desses dados, adote um sistema de acesso restrito a esses dados, o qual não permite o acesso automático a tais dados por parte da autoridade nacional com competência para a fiscalização das condições de trabalho, o princípio do primado do Direito da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que o Estado-Membro não pode sancionar a referida entidade empregadora por tal comportamento?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

18

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 95/46 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «dados pessoais», na aceção desta disposição, abrange um registo dos tempos de trabalho, como o que está em causa no processo principal, que comporta a indicação, relativamente a cada trabalhador, das horas de início e de termo do tempo de trabalho, bem como das correspondentes interrupções ou intervalos.

19

A este respeito, como defendido pelos interessados que apresentaram observações escritas, basta declarar que os dados que constam de um registo de tempos de trabalho como o que está em causa no processo principal, relativos, para cada trabalhador, aos períodos de trabalho diário e aos períodos de descanso, constituem dados pessoais, na aceção do artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 95/46, pois trata-se de «informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável» (v., neste sentido, nomeadamente, acórdãos de 20 de maio de 2003, Österreichischer Rundfunk e o., C-465/00, C-138/01 e C-139/01, Colet., p. I-4989, n.o 64; de 16 de dezembro de 2008, Huber, C-524/06, Colet., p. I-9705, n.o 43; e de 7 de maio de 2009, Rijkeboer, C-553/07, Colet., p. I-3889, n.o 42).

20

A recolha, o registo, a organização, a conservação, a consulta e a utilização desses dados por um empregador assim como a sua transmissão por este às autoridades nacionais com competência para a fiscalização das condições de trabalho são, portanto, características de um «tratamento de dados pessoais», na aceção do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 95/46 (v., neste sentido, nomeadamente, acórdãos, já referidos, Österreichischer Rundfunk e o., n.o 64, e Huber, n.o 43).

21

Por outro lado, importa precisar que, sendo pacífico, no processo principal, que este tratamento de dados pessoais é automatizado e que não é aplicável nenhuma das exceções enunciadas no artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 95/46, o referido tratamento insere-se no âmbito de aplicação desta diretiva.

22

Por conseguinte, importa responder à primeira questão que o artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 95/46 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «dados pessoais», na aceção desta disposição, abrange um registo dos tempos de trabalho, como o que está em causa no processo principal, que comporta a indicação, para cada trabalhador, das horas de início e de termo do tempo de trabalho, bem como das correspondentes interrupções ou intervalos.

Quanto à segunda e terceira questões

23

Com a segunda e terceira questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 95/46 deve ser interpretado no sentido de que cada Estado-Membro tem a obrigação de prever medidas técnicas e organizativas adequadas para proteger os dados pessoais contra a destruição acidental ou ilícita, a perda acidental, a alteração, a difusão ou o acesso não autorizados e, em caso afirmativo, se um Estado-Membro que não adotou essas medidas pode sancionar um empregador que, enquanto responsável pelo tratamento desses dados, tenha adotado um sistema de acesso restrito aos mesmos, que não permite o acesso imediato a tais dados pela autoridade nacional com competência para a fiscalização das condições de trabalho.

24

Importa recordar que, segundo o artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 95/46, relativo à segurança do tratamento, os Estados-Membros devem estabelecer que o responsável pelo tratamento de dados deve pôr em prática medidas técnicas e organizativas para assegurar, atendendo aos conhecimentos técnicos disponíveis e aos custos resultantes da sua aplicação, um nível de segurança adequado aos riscos que o tratamento apresenta e à natureza dos dados a proteger (v., neste sentido, acórdão Rijkeboer, já referido, n.o 62).

25

Daqui decorre que, contrariamente à premissa em que se baseia a segunda e a terceira questão, o referido artigo 17.o, n.o 1, não impõe que os Estados-Membros, exceto quando atuem na qualidade de responsáveis pelo tratamento de dados, adotem essas medidas técnicas e organizativas, uma vez que a obrigação de adotar tais medidas incumbe unicamente ao responsável pelo dito tratamento, ou seja, no caso concreto, ao empregador. Em contrapartida, esta disposição impõe que os Estados-Membros adotem, no respetivo direito interno, uma disposição que estabeleça essa obrigação.

26

Por outro lado, não resulta minimamente da decisão de reenvio que os dados em causa no processo principal tenham sido objeto de destruição acidental ou ilícita, de perda acidental, de alteração, de difusão ou de acesso não autorizados, ou de qualquer outra forma de tratamento ilícito, na aceção do artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 95/46. Pelo contrário, resulta dos elementos que figuram nos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que é ponto assente, neste processo, que o direito nacional autoriza as autoridades nacionais com competência para a fiscalização das condições de trabalho a acederem a esses dados.

27

No entanto, nas suas observações escritas, a Worten alega que a obrigação de pôr à disposição o registo dos tempos de trabalho para permitir a sua consulta imediata, prevista no artigo 202.o, n.o 1, do Código do Trabalho, é, na prática, incompatível com a obrigação de estabelecer um sistema de proteção adequado dos dados pessoais contidos nesse registo. Com efeito, uma obrigação desse tipo implica permitir o acesso de todos os trabalhadores da empresa a esses dados, o que viola a obrigação, prevista no artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 95/46, de garantir a segurança desses dados. Por conseguinte, tal acesso generalizado eliminaria todo o efeito útil desta disposição.

28

Tal argumentação não pode ser acolhida. Com efeito, contrariamente à premissa em que se baseia, a obrigação de um empregador, enquanto responsável pelo tratamento de dados pessoais, disponibilizar o acesso imediato ao registo de tempos de trabalho à autoridade nacional com competência para a fiscalização das condições de trabalho não implica, de forma nenhuma, que os dados pessoais contidos nesse registo fiquem necessariamente, por esse facto, acessíveis a pessoas não autorizadas para o efeito. Como o Governo português alegou corretamente, por força do artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 95/46, incumbe na verdade a qualquer responsável pelo tratamento de dados pessoais adotar as medidas técnicas e organizativas necessárias para garantir que só as pessoas devidamente autorizadas a aceder aos dados pessoais em causa possam responder a um pedido de acesso emanado de um terceiro.

29

Nestas condições, não se afigura que a interpretação do artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 95/46 seja pertinente para decidir o litígio do processo principal.

30

No entanto, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, instituído pelo artigo 267.o TFUE, compete a este dar ao órgão jurisdicional nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, compete ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe foram apresentadas. Com efeito, o Tribunal de Justiça tem por missão interpretar todas as disposições do direito da União de que os órgãos jurisdicionais nacionais necessitem para decidir dos litígios que lhes são submetidos, ainda que essas disposições não sejam expressamente referidas nas questões que lhe são apresentadas por esses órgãos jurisdicionais (v., nomeadamente, acórdãos de 8 de março de 2007, Campina, C-45/06, Colet., p. I-2089, n.os 30 e 31, e de 14 de outubro de 2010, Fuß, C-243/09, Colet., p. I-9849, n.o 39).

31

Consequentemente, embora, no plano formal, o órgão jurisdicional de reenvio tenha limitado as suas questões à interpretação do artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 95/46, tal circunstância não obsta a que o Tribunal de Justiça lhe forneça todos os elementos de interpretação do direito da União que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, quer esse órgão jurisdicional lhes tenha ou não feito referência no enunciado das suas questões. A este respeito, compete ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, e nomeadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do referido direito que necessitam de interpretação, tendo em conta o objeto do litígio (v. acórdão Fuß, já referido, n.o 40).

32

No caso em apreço, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que o órgão jurisdicional de reenvio visa, essencialmente, determinar se as disposições da Diretiva 95/46 devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que impõe ao empregador a obrigação de pôr à disposição da autoridade nacional com competência para a fiscalização das condições de trabalho o registo dos tempos de trabalho, de forma a permitir a sua consulta imediata. Como resulta do n.o 15 do presente acórdão, foi, precisamente, devido à violação desta obrigação prevista no artigo 202.o, n.o 1, do Código do Trabalho que foi aplicada à Worten uma sanção pecuniária.

33

A este respeito, importa recordar que, em conformidade com o disposto no capítulo II da Diretiva 95/46, intitulado «Condições gerais de licitude do tratamento de dados pessoais», sem prejuízo das derrogações admitidas pelo artigo 13.o desta diretiva, qualquer tratamento de dados pessoais deve, por um lado, ser conforme com os princípios relativos à qualidade dos dados, enunciados no artigo 6.o da referida diretiva, e, por outro, cumprir um dos seis princípios relativos à legitimidade do tratamento de dados enumerados no artigo 7.o dessa mesma diretiva (acórdãos, já referidos, Österreichischer Rundfunk e o., n.o 65, e Huber, n.o 48; e acórdão de 24 de novembro de 2011, ASNEF e FECEMD, C-468/10 e C-469/10, Colet., p. I-12181, n.o 26).

34

Concretamente, por força do artigo 6.o, n.o 1, alíneas b) e c), da Diretiva 95/46, os dados devem ser «recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas» e ser «adequados, pertinentes e não excessivos» relativamente a essas finalidades. Além disso, segundo o artigo 7.o, alíneas c) e e), da referida diretiva, o tratamento de dados pessoais é lícito, respetivamente, se «for necessário para cumprir uma obrigação legal à qual o responsável pelo tratamento esteja sujeito» ou se «for necessário para a execução de uma missão de interesse público ou o exercício da autoridade pública de que é investido o responsável pelo tratamento ou um terceiro a quem os dados sejam comunicados» (acórdão Österreichischer Rundfunk e o., já referido, n.o 66).

35

Este parece ser o caso numa situação como a do processo principal, uma vez que se afigura, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, por um lado, que os dados pessoais que constam do registo dos tempos de trabalho são recolhidos para garantir o cumprimento da legislação relativa às condições de trabalho e, por outro, que o tratamento desses dados pessoais é necessário para cumprir uma obrigação legal a que o empregador está sujeito e para a execução da missão de controlo confiada à autoridade nacional com competência para a fiscalização das condições de trabalho.

36

Quanto às modalidades concretas da organização do acesso dessa autoridade nacional a esses dados pessoais, para assegurar a sua missão de fiscalização das condições de trabalho, importa recordar que só a concessão de acesso a autoridades com competência nessa matéria pode ser considerada necessária, na aceção do artigo 7.o, alínea e), da Diretiva 95/46 (v., neste sentido, acórdão Huber, já referido, n.o 61).

37

No que respeita à obrigação de o empregador disponibilizar à referida autoridade o acesso imediato ao registo dos tempos de trabalho, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que essa obrigação se pode revelar necessária, na aceção da referida disposição, se contribuir para uma aplicação mais eficaz da legislação em matéria de condições de trabalho (v., por analogia, acórdão Huber, já referido, n.o 62).

38

A este propósito, há que recordar que a Diretiva 2003/88 tem por objeto fixar as prescrições mínimas destinadas a promover a melhoria das condições de vida e de trabalho dos trabalhadores através de uma aproximação das disposições nacionais relativas, nomeadamente, à duração do tempo de trabalho, permitindo-lhes beneficiar de períodos mínimos de descanso — nomeadamente diário e semanal — e de períodos de pausa adequados e prevendo um limite máximo da duração do trabalho semanal (v., neste sentido, nomeadamente, acórdãos de 5 de outubro de 2004, Pfeiffer e o., C-397/01 a C-403/01, Colet., p. I-8835, n.o 76, e de 25 de novembro de 2010, Fuß, C-429/09, Colet., p. I-12167, n.o 43).

39

Nesta perspetiva, o artigo 6.o, alínea b), da Diretiva 2003/88 obriga os Estados-Membros a tomar as «medidas necessárias» para que, em função dos imperativos de proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores, a duração média do trabalho em cada período de sete dias não exceda 48 horas, incluindo as horas extraordinárias (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Pfeiffer e o., n.o 100, e de 14 de outubro de 2010, Fuß, n.o 33).

40

Por outro lado, o artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2003/88 prevê que os Estados-Membros podem não aplicar o disposto no artigo 6.o desta diretiva, desde que, nomeadamente, tomem as medidas necessárias para assegurar que o empregador disponha de registos atualizados de todos os trabalhadores em causa [artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea c), da referida diretiva] e que esses registos sejam postos à disposição das autoridades competentes, que podem proibir ou restringir, por razões de segurança e/ou de saúde dos trabalhadores, a possibilidade de ultrapassar o período máximo semanal de trabalho [artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea d), da mesma diretiva].

41

Segundo a Comissão Europeia, mesmo que a Diretiva 2003/88 não imponha explicitamente a obrigação de os Estados-Membros adotarem uma legislação como a que está em causa no processo principal, o facto é que o controlo do cumprimento das obrigações impostas pela presente diretiva pode comportar, a título das «medidas necessárias» à realização dos objetivos prosseguidos pela mesma, a instituição de medidas de fiscalização. Ora, a obrigação de o empregador permitir a consulta imediata do registo dos tempos de trabalho seria suscetível de evitar qualquer possibilidade de alteração dos dados no período que medeia entre a visita inspetiva efetuada pelas autoridades nacionais competentes e o controlo efetivo dos referidos dados por essas autoridades.

42

Em contrapartida, a Worten defende que esta obrigação é excessiva, tendo em conta a ingerência que implica na vida privada dos trabalhadores. Com efeito, por um lado, o registo dos tempos de trabalho visa, no entendimento da Worten, dotar o trabalhador de um meio de prova para a verificação do tempo efetivamente trabalhado. Ora, a autenticidade deste registo não foi contestada no processo principal. Por outro lado, segundo a Worten, o referido registo permite proceder a uma apreciação do tempo médio de trabalho realizado, para controlo, nomeadamente, das situações de isenção de horário de trabalho. Para este efeito, a disponibilidade imediata destes registos não acrescentava valor algum. Além do mais, a informação constante do mesmo registo podia ser transmitida posteriormente.

43

No presente processo, compete ao órgão jurisdicional de reenvio examinar a questão de saber se a obrigação de o empregador disponibilizar à autoridade nacional com competência para a fiscalização das condições de trabalho o acesso ao registo dos tempos de trabalho, de forma a permitir a sua consulta imediata, pode ser considerada necessária para o exercício, por essa autoridade, da sua missão de fiscalização, contribuindo para uma aplicação mais eficaz da legislação em matéria de condições de trabalho, nomeadamente, no que respeita ao tempo de trabalho.

44

A este propósito, importa, no entanto, precisar que, em qualquer caso, na medida em que essa obrigação seja considerada necessária para atingir esse objetivo, as sanções aplicadas para garantir a aplicação efetiva das exigências impostas pela Diretiva 2003/88 devem respeitar igualmente o princípio da proporcionalidade, o que compete também ao órgão jurisdicional de reenvio verificar no processo principal (v., por analogia, acórdão de 6 de novembro de 2003, Lindqvist, C-101/01, Colet., p. I-12971, n.o 88).

45

Nestas condições, importa responder à segunda e terceira questões que os artigos 6.°, n.o 1, alíneas b) e c), e 7.°, alíneas c) e e), da Diretiva 95/46 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que impõe ao empregador a obrigação de pôr à disposição da autoridade nacional com competência para a fiscalização das condições de trabalho o registo dos tempos de trabalho, a fim de permitir a sua consulta imediata, na medida em que essa obrigação seja necessária para o exercício, por essa autoridade, da sua missão de fiscalização da aplicação da legislação em matéria de condições de trabalho, nomeadamente, no que respeita ao tempo de trabalho.

Quanto às despesas

46

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

1)

O artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «dados pessoais», na aceção desta disposição, abrange um registo dos tempos de trabalho, como o que está em causa no processo principal, que comporta a indicação, para cada trabalhador, das horas de início e de termo do tempo de trabalho, bem como das correspondentes interrupções ou intervalos.

 

2)

Os artigos 6.°, n.o 1, alíneas b) e c), e 7.°, alíneas c) e e), da Diretiva 95/46 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que impõe ao empregador a obrigação de pôr à disposição da autoridade nacional com competência para a fiscalização das condições de trabalho o registo dos tempos de trabalho, a fim de permitir a sua consulta imediata, na medida em que essa obrigação seja necessária para o exercício, por essa autoridade, da sua missão de fiscalização da aplicação da legislação em matéria de condições de trabalho, nomeadamente, no que respeita ao tempo de trabalho.

 

Assinaturas


( *1 )   Língua do processo: português.