ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

18 de julho de 2013 ( *1 )

«Imposto sobre o valor acrescentado — Sexta Diretiva 77/388/CEE — Artigos 17.° e 13.°, B, alínea d), ponto 6 — Isenções — Dedução do imposto pago a montante — Fundo de pensões — Conceito de ‘gestão de fundos comuns de investimento’»

No processo C-26/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Gerechtshof te Leeuwarden (Países Baixos), por decisão de 3 de janeiro de 2012, entrado no Tribunal de Justiça em 18 de janeiro de 2012, no processo

Fiscale eenheid PPG Holdings BV cs te Hoogezand

contra

Inspecteur van de Belastingdienst/Noord/kantoor Groningen,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: L. Bay Larsen, presidente de secção, J. Malenovský, U. Lõhmus, M. Safjan (relator) e A. Prechal, juízes,

advogado-geral: E. Sharpston,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 6 de fevereiro de 2013,

vistas as observações apresentadas:

em representação da fiscale eenheid PPG Holdings BV cs te Hoogezand, por E. M. van Kasteren, O. L. Mobach e C. Evers, belastingadviseurs,

em representação do Governo neerlandês, por B. Koopman e C. Wissels, na qualidade de agentes,

em representação do Governo do Reino Unido, por H. Walker, O. Thomas e L. Christie, na qualidade de agentes, assistidos por R. Hill, barrister,

em representação da Comissão Europeia, por L. Lozano Palacios e W. Roels, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 18 de abril de 2013,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 13.°, B, alínea d), ponto 6, e 17.° da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54; a seguir «Sexta Diretiva»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a fiscale eenheid PPG Holdings BV cs te Hoogezand (a seguir «PPG») ao Inspecteur van de Belastingdienst/Noord/kantoor Groningen (a seguir «Inspecteur»), a respeito de uma liquidação adicional do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») relativa ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2001 e 31 de dezembro de 2002.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O artigo 4.o, n.os 1 e 2, da Sexta Diretiva prevê:

«1.   Por ‘sujeito passivo’ entende-se qualquer pessoa que exerça, de modo independente, em qualquer lugar, uma das atividades económicas referidas no n.o 2, independentemente do fim ou do resultado dessa atividade.

2.   As atividades económicas referidas no n.o 1 são todas as atividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. A exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com caráter de permanência é igualmente considerada uma atividade económica.»

4

Nos termos do artigo 6.o, n.o 4, desta diretiva:

«Quando um sujeito passivo que atua em seu próprio nome, mas por conta de outrem, participa numa prestação de serviços, considera-se que recebeu e forneceu pessoalmente os serviços em questão.»

5

O artigo 11.o, A, n.o 1, alínea a), da referida diretiva determina que a matéria coletável é constituída, no caso das entregas de bens, por tudo o que constitui a contrapartida que o fornecedor recebeu ou deve receber, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro.

6

O artigo 13.o, B, da Sexta Diretiva prevê:

«Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados-Membros isentarão, nas condições por eles fixadas com o fim de assegurar a aplicação correta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso:

a)

As operações de seguro e de resseguro, incluindo as prestações de serviços relacionadas com essas operações efetuadas por corretores e intermediários de seguros;

[...]

d)

As seguintes operações:

[...]

6.   A gestão de fundos comuns de investimento, tal como são definidos pelos Estados-Membros;

[...]»

7

O artigo 17.o da Sexta Diretiva dispõe:

«1.   O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.

2.   Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:

a)

O imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos ou que lhe devam ser fornecidos e a serviços que lhe tenham sido prestados ou que lhe devam ser prestados por outro sujeito passivo;

b)

[...]

5.   No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo, não só para operações com direito à dedução, previstas nos n.os 2 e 3, como para operações sem direito à dedução, a dedução só é relativamente à parte do imposto sobre o valor acrescentado proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.

[...]»

Direito neerlandês

8

O artigo 2.o da Lei de 1968 relativa ao imposto sobre o volume de negócios (Wet op de omzetbelasting 1968, a seguir «lei») prevê:

«O imposto que incidiu sobre as entregas de bens e as prestações de serviços ao empresário, sobre as aquisições intracomunitárias de bens por este efetuadas e sobre as importações de mercadorias que lhe foram destinadas é deduzido do imposto a pagar sobre as entregas de bens e as prestações de serviços.»

9

Nos termos do artigo 11.o da lei:

«1.   Estão isentos do imposto, em condições a fixar por medida geral adotada pela Administração:

[...]

i)

os seguintes [...] serviços:

[...]

3.   a gestão de patrimónios reunidos para investimento coletivo por fundos de investimento e sociedades de investimento;

[...]»

10

O artigo 15.o da lei dispõe:

«1.   O imposto que, na aceção do artigo 2.o, pode ser deduzido pelo empresário é:

a)

o imposto que lhe foi cobrado por outros empresários, durante o período respeitante à declaração relativa aos bens fornecidos e aos serviços prestados;

[...]

c)

o imposto devido no período da declaração:

[…]

relativamente às entregas efetuadas e aos serviços prestados ao empresário;

[…]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11

Em cumprimento de uma obrigação legal, a PPG constituiu, para os trabalhadores das suas empresas, regimes de reforma junto da Stichting Pensioenfonds PPG Industries Nederland (a seguir «fundo de pensões»). Em conformidade com a legislação neerlandesa, este fundo de pensões é distinto da PPG, do ponto de vista jurídico e fiscal. As contribuições relativas aos regimes de reforma são integralmente pagas pela PPG e não pelos trabalhadores.

12

Como confirmado pela PPG e pelo Governo neerlandês na audiência, o direito neerlandês em vigor no momento dos factos deixava aos empregadores a possibilidade de criarem eles próprios esse fundo ou de confiarem a execução das suas obrigações a uma companhia de seguros à qual pagariam as suas contribuições e que seria responsável pelo pagamento das pensões ao pessoal reformado. Contudo, não havia a possibilidade de conservarem um regime de reforma interno.

13

Uma filial da PPG, a PPG Industries Fiber Glass BV, celebrou com vários prestadores de serviços estabelecidos nos Países Baixos contratos relativos à administração das reformas e à gestão do património do fundo de pensões. As despesas relativas a estes contratos foram pagas por esta filial e não foram repercutidas no fundo de pensões. A PPG deduziu os montantes do IVA relativos às referidas despesas efetuadas durante os anos de 2001 e de 2002, a saber, 139304,23 euros, como imposto pago a montante.

14

Foi aplicada à PPG uma liquidação adicional do IVA referente ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2001 e 31 de dezembro de 2002. O Inspecteur, que se pronunciou em sede de reclamação, manteve a referida liquidação adicional. O Rechtbank Leewarden julgou improcedente o recurso interposto da decisão do Inspecteur. A PPG recorreu desta decisão para o Gerechtshof te Leeuwarden.

15

Neste último órgão jurisdicional, as partes discutem a questão de saber se foi com razão que o Inspecteur procedeu à liquidação adicional do IVA deduzido pela interessada.

16

A PPG responde pela negativa a esta questão, alegando que as despesas referentes às reformas dos trabalhadores dos seus membros constituem despesas gerais da empresa e que, por conseguinte, o IVA que lhe foi faturado dá origem a uma dedução ao abrigo do artigo 15.o, n.o 1, da lei. A título subsidiário, a PPG sustenta que a dispensa prevista no artigo 11.o, n.o 1, alínea i), ponto 3, da lei se aplica aos serviços prestados à interessada, respeitantes às reformas dos trabalhadores.

17

O Inspecteur sustenta que não se pode considerar que a PPG seja ela própria destinatária das prestações que transferiu para o fundo de pensões sem ter faturado uma contrapartida e que, por conseguinte, não tem o direito de deduzir o IVA que lhe foi faturado neste âmbito. No que respeita à questão subsidiária respeitante à isenção do IVA, o Inspecteur conclui que os fundos de pensões não podem ser qualificados de «fundos comuns de investimento».

18

Nestas condições, o Gerechtshof te Leeuwarden decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Um sujeito passivo que, com base na legislação nacional em matéria de pensões, criou um fundo de pensões separado para assegurar os direitos [a] pensão dos seus trabalhadores e ex-trabalhadores, enquanto participantes no fundo, pode, nos termos do artigo 17.o da [Sexta Diretiva], deduzir o imposto [que pagou] relativamente aos serviços que lhe foram prestados no âmbito da execução do referido mecanismo de pensões e do funcionamento do fundo de pensões?

2)

Um fundo de pensões, criado com o objetivo de [constituir] pensões ao menor custo [possível] para os participantes no [mesmo], [no qual estes ou alguém em nome destes injeta e investe] património e em que os resultados das receitas são partilhados, pode ser qualificado de ‘fundo comum de investimento’, na aceção do artigo 13.o, B, alínea c), n.o 6, da [Sexta Diretiva]?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

19

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 17.o da Sexta Diretiva deve ser interpretado no sentido de que um sujeito passivo que criou um fundo de pensões sob a forma de uma entidade jurídica e fiscalmente distinta, para garantir os direitos a reforma dos seus trabalhadores e dos seus antigos trabalhadores, pode deduzir o IVA que pagou relativamente a prestações respeitantes à gestão e ao funcionamento deste fundo.

20

Para responder a esta questão, há que recordar, a título preliminar, que o regime de deduções estabelecido na Sexta Diretiva visa libertar inteiramente o empresário do ónus do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas. Deste modo, o sistema comum do IVA procura garantir a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos seus fins ou dos seus resultados, desde que as referidas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas ao IVA (v. acórdãos de 22 de março de 2012, Klub, C-153/11, n.o 35, e de 4 de outubro de 2012, PIGI, C-550/11, n.o 21).

21

Para que o direito a dedução do IVA a montante seja reconhecido ao sujeito passivo e para determinar a extensão desse direito, é, em princípio, necessária a existência de uma relação direta e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante que dê direito a dedução (v. acórdãos de 8 junho de 2000, Midland Bank, C-98/98, Colet., p. I-4177, n.o 24, e de 22 de fevereiro de 2001, Abbey National, C-408/98, Colet., p. I-1361, n.o 26).

22

Porém, admite-se igualmente um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo quando não exista uma relação direta e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante que dê direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa façam parte das despesas gerais desse sujeito passivo e sejam, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Com efeito, estes custos têm uma relação direta e imediata com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo (v. acórdão de 21 de fevereiro de 2013, Becker, C-104/12, n.o 20).

23

Tanto num caso como no outro, a existência de uma relação direta e imediata pressupõe que o custo das prestações a montante seja incorporado, respetivamente, no preço das operações específicas a jusante ou no preço dos bens fornecidos ou dos serviços prestados pelo sujeito passivo no âmbito das suas atividades económicas (v. acórdãos de 29 de outubro de 2009, SKF, C-29/08, Colet., p. I-10413, n.o 60; de 16 de fevereiro de 2012, Eon Aset Menidjmunt, C-118/11, n.o 48; e de 30 de maio de 2013, X, C-651/11, n.o 55).

24

Há assim que verificar se, não obstante o fundo criado pela PPG constituir uma entidade juridicamente distinta desta última, a existência da referida relação decorre, no caso concreto, do conjunto das circunstâncias das transações em causa.

25

A este respeito, é facto assente que, no processo principal, a PPG adquiriu as prestações em causa, para assegurar a administração das reformas dos seus trabalhadores e a gestão do património do fundo de pensões constituído para garantir as referidas reformas. Ao constituir o fundo, a PPG cumpriu uma obrigação legal que lhe incumbia enquanto entidade empregadora e, na medida em que os custos das prestações adquiridas pela PPG neste âmbito fazem parte das suas despesas gerais, facto que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, esses custos são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos produtos da PPG (v., neste sentido, acórdão de 26 de maio de 2005, Kretztechnik, C-465/03, Colet., p. I-4357, n.o 36).

26

Nestas circunstâncias, pode considerar-se que a aquisição das prestações a montante tem a sua causa exclusiva nas atividades tributáveis do sujeito passivo e que existe uma relação direta e imediata.

27

Caso não existisse um direito a dedução do imposto pago a montante, não só o sujeito passivo ficaria privado, devido à opção legislativa de proteger as reformas através da separação jurídica entre a entidade empregadora e o fundo de pensões, do benefício fiscal resultante da aplicação do regime de deduções como, além disso, deixaria de estar garantida a neutralidade do IVA.

28

Esta consideração não é posta em causa pela possibilidade, evocada na audiência, de se cumprir a obrigação legal de prever um regime de reforma para os trabalhadores do sujeito passivo, através de meios diferentes da constituição de um fundo sob a forma de uma entidade jurídica e fiscalmente distinta. Com efeito, a tese contrária equivaleria a restringir a liberdade reconhecida aos sujeitos passivos de escolherem as estruturas organizacionais e as modalidades transacionais que considerem ser as mais adequadas às suas atividades económicas, de forma a limitar os seus encargos fiscais (v., a este respeito, acórdão de 22 de dezembro de 2010, RBS Deutschland Holdings, C-277/09, Colet., p. I-13805, n.o 53).

29

À luz do que precede, há que responder à primeira questão que o artigo 17.o da Sexta Diretiva deve ser interpretado no sentido de que um sujeito passivo que criou um fundo de pensões sob a forma de uma entidade jurídica e fiscalmente distinta, como a que está em causa no processo principal, para garantir os direitos a reforma dos seus trabalhadores e dos seus antigos trabalhadores, pode deduzir o IVA que pagou relativamente a prestações respeitantes à gestão e ao funcionamento desse fundo, desde que a existência de uma relação direta e imediata resulte do conjunto das circunstâncias das transações em causa.

Quanto à segunda questão

30

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 13.o, B, alínea d), ponto 6, da Sexta Diretiva deve ser interpretado no sentido de que um fundo de pensões criado com o objetivo de constituir, para os seus participantes, uma pensão de reforma ao menor custo possível, no qual estes ou alguém em nome destes injeta e investe património, com partilha dos resultados obtidos, pode ser qualificado de «fundo comum de investimento», na aceção desta disposição.

31

Resulta da decisão de reenvio que a segunda questão só se coloca se for dada resposta negativa à primeira questão. Por outro lado, esta segunda questão é, em substância, idêntica àquela a que o Tribunal de Justiça respondeu no seu acórdão de 7 de março de 2013, Wheels Common Investment Fund Trustees e o. (C-424/11).

32

Nestas condições, não há que responder à segunda questão.

Quanto às despesas

33

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

O artigo 17.o da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que um sujeito passivo que criou um fundo de pensões sob a forma de uma entidade jurídica e fiscalmente distinta, como a que está em causa no processo principal, para garantir os direitos a reforma dos seus trabalhadores e dos seus antigos trabalhadores, pode deduzir o imposto sobre o valor acrescentado que pagou relativamente a prestações respeitantes à gestão e ao funcionamento desse fundo, desde que a existência de uma relação direta e imediata resulte do conjunto das circunstâncias das transações em causa.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.