Processo C‑94/10

Danfoss A/S

e

Sauer‑Danfoss ApS

contra

Skatteministeriet

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Vestre Landsret)

«Impostos indirectos – Impostos especiais sobre o consumo de óleos minerais – Incompatibilidade com o direito da União – Não restituição do imposto especial sobre o consumo aos compradores de produtos sobre quem o imposto foi repercutido»

Sumário do acórdão

1.        Direito da União – Efeito directo – Impostos nacionais incompatíveis com o direito da União – Restituição – Recusa – Requisito

2.        Direito da União – Efeito directo – Impostos nacionais incompatíveis com o direito da União – Restituição – Pedido de reembolso apresentado pelo comprador final, que não foi quem pagou o imposto às autoridades fiscais

3.        Direito da União – Efeito directo – Impostos nacionais incompatíveis com o direito da União – Pedido de indemnização

1.        O direito de obter o reembolso dos impostos cobrados por um Estado‑Membro em violação do direito da União é a consequência e o complemento dos direitos conferidos aos particulares pelas disposições do direito da União que proíbem tais impostos. Assim, em princípio, o Estado‑Membro tem de reembolsar os impostos cobrados em violação do direito da União. A restituição só pode ser recusada quando levar a um enriquecimento sem causa de quem se subroga no direito, isto é, quando se demonstrar que a pessoa obrigada ao pagamento desses direitos os repercutiu efectivamente sobre o comprador.

(cf. n.os 20‑21)

2.        As normas do direito da União devem ser interpretadas no sentido de que um Estado‑Membro se pode opor a um pedido de reembolso de um imposto indevido, apresentado pelo comprador sobre quem esse imposto tenha sido repercutido, com o fundamento de não ter sido esse comprador quem o pagou às autoridades fiscais, desde que, nos termos do direito interno, esse comprador possa exercer uma acção civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo e que o reembolso do imposto indevido, por parte deste último, não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil.

Contudo, se o reembolso pelo sujeito passivo se revelar impossível ou excessivamente difícil, nomeadamente no caso de insolvência, o princípio da efectividade exige que o comprador tenha a possibilidade de dirigir o seu pedido de reembolso directamente contra as autoridades fiscais e que, para o efeito, o Estado‑Membro preveja os instrumentos e modalidades processuais necessários.

(cf. n.os 28, 29, disp. 1)

3.        As normas do direito da União devem ser interpretadas no sentido de que um Estado‑Membro pode recusar um pedido de indemnização apresentado pelo comprador sobre quem o sujeito passivo tenha repercutido um imposto indevido, com base na falta de nexo directo de causalidade entre a cobrança desse imposto e o dano sofrido, desde que o comprador possa, com base no direito interno, dirigir esse pedido contra o sujeito passivo e que a reparação, por este, do dano sofrido pelo comprador não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil.

Contudo, se a reparação, pelo sujeito passivo, do dano sofrido pelo comprador que suportou o encargo económico do imposto indevido nele repercutido sobre ele se revelar impossível ou excessivamente difícil, nomeadamente em caso de insolvência do sujeito passivo, o princípio da efectividade exige que esse comprador tenha a possibilidade de dirigir o seu pedido de indemnização directamente contra o Estado, sem que este possa validamente opor‑lhe a falta de nexo directo de causalidade entre a cobrança do imposto indevido e o dano sofrido pelo comprador.

(cf. n.os 38, 39, disp. 2)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

20 de Outubro de 2011 (*)

«Impostos indirectos – Impostos especiais sobre o consumo de óleos minerais – Incompatibilidade com o direito da União – Não restituição do imposto especial sobre o consumo aos compradores de produtos sobre quem o imposto foi repercutido»

No processo C‑94/10,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Vestre Landsret (Dinamarca), por decisão de 11 de Fevereiro de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 17 de Fevereiro de 2010, no processo

Danfoss A/S,

Sauer‑Danfoss ApS

contra

Skatteministeriet,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, M. Safjan (relator), A. Borg Barthet, E. Levits e J.‑J. Kasel, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 17 de Fevereiro de 2011,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Danfoss A/S, por T. K. Kristjánsson e H. S. Hansen, advokaterne,

–        em representação da Sauer‑Danfoss ApS, por A. Møllin e E. Vistisen, advokaterne,

–        em representação do Governo dinamarquês, por V. Pasternak Jørgensen, K. Lundgaard Hansen e B. Weis Fogh, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo espanhol, por M. Muñoz Pérez, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por G. Albenzio, avvocato dello Stato,

–        em representação do Governo polaco, por K. Rokicka, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo sueco, por A. Falk, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por S. Hathaway, na qualidade de agente, assistido por P. Mantle, barrister,

–        em representação da Comissão Europeia, por N. Fenger e W. Mölls, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 24 de Março de 2011,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do direito da União em matéria de repetição do indevido e de responsabilidade do Estado‑Membro pela cobrança de um imposto incompatível com esse direito.

2        O pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Danfoss A/S (a seguir «Danfoss») e a Sauer‑Danfoss ApS (a seguir «Sauer‑Danfoss») ao Skatteministeriet (Ministério das Contribuições), por este lhes recusar o reembolso de um imposto de óleos minerais cobrado em violação do direito da União e a reparação do dano causado pela cobrança desse imposto ilegal.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        A Directiva 92/12/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (JO L 76, p. 1), dispõe, no seu artigo 1.°:

«1.      A presente directiva estabelece o regime dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo e outros impostos indirectos que incidem directa ou indirectamente sobre o consumo desses produtos, com exclusão do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e dos impostos estabelecidos pela Comunidade Europeia.

2.      As disposições especiais relativas às taxas e às estruturas dos impostos sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo constam de directivas específicas.»

4        Nos termos do artigo 3.°, n.os 1 e 2, dessa directiva:

«1.      A presente directiva é aplicável, a nível comunitário, aos produtos seguintes, tal como definidos nas respectivas directivas:

–        óleos minerais,

–        álcool e bebidas alcoólicas,

–        tabacos manufacturados.

2.      Os produtos mencionados no n.° 1 podem ser sujeitos a outras imposições indirectas com finalidades específicas, desde que essas imposições respeitem as regras de tributação aplicáveis em matéria de impostos especiais de consumo ou de IVA para a determinação da base tributável, o cálculo, a exigibilidade e o controlo do imposto.»

5        O artigo 1.° da Directiva 92/81/CEE do Conselho, de 19 de Outubro de 1992, relativa à harmonização das estruturas do imposto especial sobre o consumo de óleos minerais (JO L 316, p. 12), dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros aplicam aos óleos minerais um imposto especial de consumo harmonizado de acordo com o disposto na presente directiva.

2.      Os Estados‑Membros fixam as suas taxas de acordo com a Directiva 92/82/CEE, relativa à aproximação das taxas do imposto especial sobre o consumo de óleos minerais.»

6        Nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 92/81:

«1.       Para além das disposições gerais da Directiva 92/12/CEE relativas às utilizações isentas de produtos sujeitos ao imposto especial de consumo e sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados‑Membros isentam os produtos a seguir referidos do imposto especial de consumo harmonizado nas condições por eles fixadas tendo em vista assegurar a aplicação correcta e simples destas isenções, bem como impedir as fraudes, a evasão fiscal ou as utilizações indevidas:

a)       Óleos minera[i]s utilizados para fins que não sejam os de combustíveis para motores ou combustíveis de aquecimento;

b)       Óleos minerais fornecidos para utilização como carburantes na navegação aérea, com excepção da aviação de recreio privada.

[...]»

7        A comunicação de 7 de Novembro de 1990 da Comissão, relativa à proposta de directiva do Conselho relativa à harmonização das estruturas dos impostos especiais sobre o consumo dos óleos minerais [COM(90) 434 final], precisava expressamente que os lubrificantes e os óleos hidráulicos beneficiam da isenção prevista na Directiva 92/81.

 Direito nacional

8        Para efeitos de transposição das Directivas 92/12 e 92/81, o legislador dinamarquês adoptou a Lei n.° 1029, de 19 de Dezembro de 1992, relativa à tributação dos óleos minerais (a seguir «lei THM»). O artigo 1.°, primeiro parágrafo, dessa lei previa:

«Os produtos petrolíferos estão sujeitos a um imposto especial sobre o consumo no território nacional. A taxa desse imposto é fixada do seguinte modo:

[...]

12)       Lubrificantes, óleos hidráulicos e outros produtos similares: 1,78 DKK por litro.»

9        O imposto especial sobre o consumo de óleos lubrificantes e hidráulicos era devido pelas companhias petrolíferas, mas a exposição de motivos da lei THM prognosticava que o imposto seria repercutido nos compradores dos óleos tributados.

10      Na sequência do acórdão de 10 de Junho de 1999, Braathens (C‑346/97, Colect., p. I‑3419), confirmado pelo acórdão de 25 de Setembro de 2003, Comissão/Itália (C‑437/01, Colect., p. I‑9861), do qual resulta que a instituição de uma tributação indirecta dos produtos isentos do imposto especial sobre o consumo harmonizado deixaria sem qualquer efeito útil o artigo 8.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 92/81 e não se poderia, portanto, basear no artigo 3.°, n.° 2, da Directiva 92/12, as autoridades fiscais dinamarquesas decidiram suspender administrativamente a cobrança do imposto sobre os óleos lubrificantes e hidráulicos, com efeitos a 1 de Dezembro de 2001. A Lei n.° 395, de 6 de Junho de 2002, decretou a sua extinção com efeitos igualmente a 1 de Dezembro de 2001.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11      Entre 1 de Janeiro de 1995 e 30 de Novembro de 2001, a Danfoss comprou óleos lubrificantes a diversas empresas petrolíferas dinamarquesas que, depois de terem pago o imposto de óleos minerais ao Tesouro dinamarquês, repercutiram na Danfoss o respectivo montante, na íntegra, isto é, 6 108 054 DKK.

12      Entre 1 de Janeiro de 1998 e 30 de Novembro de 2001, a Danfoss revendeu uma parte desses óleos à Sauer‑Danfoss, incorporando no preço de venda o montante do imposto de óleos minerais no total de 1 686 096 DKK.

13      Na sequência da extinção do imposto de óleos minerais, a Danfoss e a Sauer‑Danfoss reclamaram às autoridades fiscais dinamarquesas o reembolso da parte do preço total dos óleos lubrificantes que tinham comprado, correspondente ao imposto ilegal, isto é, respectivamente, 6 108 054 DKK e 1 686 096 DKK, esclarecendo, porém, que se a Danfoss obtivesse a totalidade do montante reclamado às autoridades fiscais, pagaria à Sauer‑Danfoss o montante de 1 686 096 DKK correspondente à parte do preço de venda da Danfoss que constituía o imposto de óleos minerais incluído nesse preço e que, nesse caso, a Sauer‑Danfoss retiraria a sua reclamação. Assim, a sua reclamação é subsidiária em relação à da Danfoss.

14      Resulta ainda da decisão de reenvio que as sociedades petrolíferas não reclamaram nenhum reembolso do imposto especial sobre o consumo aplicado aos óleos lubrificantes vendidos à Danfoss.

15      Em apoio das suas reclamações, as recorrentes no processo principal alegam que, tendo suportado as consequências financeiras do imposto ilícito, o princípio da efectividade do direito da União determina que só elas, e não as companhias petrolíferas, têm o direito de exigir o seu reembolso. Exigiram igualmente ao Estado dinamarquês a reparação do dano sofrido por causa da cobrança desse imposto.

16      Os pedidos das recorrentes no processo principal foram indeferidos. Com efeito, segundo as autoridades dinamarquesas, o direito à repetição do indevido previsto no direito da União só beneficia o sujeito passivo directo e não os elos posteriores da cadeia comercial, que não estavam obrigados a pagar o imposto nem, de resto, pagaram nenhum montante ao Tesouro de que pudessem pedir o reembolso.

17      Quanto ao direito a reparação, as autoridades dinamarquesas excluíram qualquer indemnização porque, no que diz respeito ao período anterior à prolação do acórdão Braathens, já referido, a incompatibilidade do imposto previsto na lei THM não era suficientemente evidente para que a sua cobrança pudesse gerar responsabilidade do Estado e, no que diz respeito ao período posterior a essa prolação, era impossível determinar em que fase da cadeia de distribuição foi sofrido o dano e não havia, portanto, nexo directo de causalidade. Com efeito, em caso de repercussão do imposto indevido, a questão de saber se e em que medida determinadas empresas ou consumidores de fases posteriores da cadeia de distribuição poderão vir a suportar o encargo do imposto depende de vários factores, nomeadamente da política de preços praticada, para os produtos em causa, pelo sujeito passivo e por cada um dos agentes económicos a jusante, da forma como esses produtos são utilizados e do estado da concorrência no mercado em causa.

18      As recorrentes no processo principal recorreram então das decisões de indeferimento para o Vestre Landsret, que suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)       O direito [da União] opõe‑se a que um Estado‑Membro recuse um pedido de reembolso apresentado por uma empresa [na] qual foi repercutido um imposto especial de consumo contrário à directiva, quando tal recusa – em circunstâncias como as do processo principal – tem como fundamento o facto de não ter sido essa empresa quem pagou o imposto ao Estado?

2)       O direito [da União] opõe‑se a que um Estado‑Membro recuse um pedido de indemnização apresentado por uma empresa [na] qual foi repercutido um imposto especial de consumo contrário à directiva, quando tal recusa – em circunstâncias como as do processo principal – se baseia nos fundamentos invocados pelo Estado‑Membro (nomeadamente o facto de a empresa não ser o lesado directo e de não existir uma relação causal directa entre os eventuais danos e a eventual conduta do responsável pela sua reparação)?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

19      Com a primeira questão, o tribunal de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça, no essencial, se um Estado‑Membro se pode opor a um pedido de reembolso apresentado por um operador sobre quem foi repercutido o montante do imposto indevido, com o fundamento de este não ser o devedor e de não ter sido ele a pagá‑lo às autoridades fiscais.

20      Para responder à questão, importa desde já recordar que o direito de obter o reembolso dos impostos cobrados por um Estado‑Membro em violação do direito da União é a consequência e o complemento dos direitos conferidos aos particulares pelas disposições do direito da União que proíbem tais impostos. Assim, em princípio, o Estado‑Membro tem de reembolsar os tributos cobrados contra o direito da União (v. acórdãos de 9 de Novembro de 1983, San Giorgio, 199/82, Recueil, p. 3595, n.° 12; de 28 de Janeiro de 2010, Direct Parcel Distribution Belgium, C‑264/08, Colect., p. I‑731, n.° 45; e de 6 de Setembro de 2011, Lady & Kid e o., C‑398/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 17).

21      Contudo, por excepção ao princípio do reembolso de impostos incompatíveis com o direito da União, a restituição de direitos indevidamente cobrados pode ser recusada unicamente quando levar a um enriquecimento sem causa de quem se subroga no direito, isto é, quando se demonstrar que a pessoa obrigada ao pagamento desses direitos os repercutiu efectivamente no comprador (v., neste sentido, acórdão Lady & Kid e o., já referido, n.os 18 e 20).

22      Com efeito, nessas condições, não é o sujeito passivo que suporta o encargo do imposto indevidamente cobrado, mas sim o comprador sobre quem o encargo foi repercutido. Assim, reembolsar ao sujeito passivo o montante do imposto que já recebeu do comprador equivaleria, para ele, a um duplo pagamento susceptível de ser qualificado de enriquecimento sem causa, sem que isso sanasse as consequências da ilegalidade do imposto para o comprador (acórdãos de 14 de Janeiro de 1997, Comateb e o., C‑192/95 a C‑218/95, Colect., p. I‑165, n.° 22, e Lady & Kid e o., já referido, n.° 19).

23      O direito à repetição do indevido destina‑se a resolver as consequências da incompatibilidade do imposto com o direito da União, neutralizando o encargo económico que indevidamente onerou o operador que, afinal, o veio a suportar efectivamente.

24      Esclarecido isto, há que lembrar também que, de acordo com jurisprudência assente, na falta de regulamentação da União em matéria de pedidos de restituição de impostos, cabe ao ordenamento jurídico interno de cada Estado‑Membro prever em que condições podem ser efectuados, sem prejuízo, porém, do respeito dos princípios da equivalência e da efectividade (v. acórdãos de 6 de Outubro de 2005, MyTravel, C‑291/03, Colect., p. I‑8477, n.° 17, e de 15 de Março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken, C‑35/05, Colect., p. I‑2425, n.° 37).

25      A esse respeito, tendo em conta a finalidade do direito a repetição do indevido, como lembrada no n.° 23 do presente acórdão, o respeito do princípio da efectividade manda que as condições de exercício da acção de repetição do indevido sejam fixadas pelos Estados‑Membros de acordo com o princípio da autonomia processual, de forma a que o encargo económico do imposto indevido possa ser neutralizado.

26      Nessa perspectiva, já foi decidido que se o comprador final, por força do direito interno, tiver a possibilidade de obter do sujeito passivo o reembolso do montante do imposto que nele foi repercutido, esse sujeito passivo deve, por sua vez, ter a possibilidade de obter o respectivo reembolso pelas autoridades nacionais (v. acórdão Comateb e o., já referido, n.° 24). Do mesmo modo, um sistema jurídico nacional que permite que o fornecedor que pagou por erro o IVA às autoridades fiscais peça o seu reembolso e que o tomador dos serviços exerça uma acção de direito civil de repetição do indevido contra ele respeita o princípio da efectividade, uma vez que permite que esse tomador que suportou o encargo do imposto facturado por erro obtenha o reembolso das quantias indevidamente pagas (v. acórdão Reemtsma Cigarettenfabriken, já referido, n.° 39).

27      Daí resulta que um Estado‑Membro pode, em princípio, opor‑se a um pedido de reembolso de um imposto indevido apresentado pelo comprador final sobre quem esse imposto tenha sido repercutido, com o fundamento de não ter sido esse comprador que o pagou às autoridades fiscais, desde que, quem tiver suportado afinal o encargo possa, nos termos do direito interno, exercer uma acção civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo.

28      Contudo, se o reembolso pelo sujeito passivo se revelar impossível ou excessivamente difícil, nomeadamente no caso de insolvência, o princípio da efectividade exige que o comprador tenha a possibilidade de dirigir o seu pedido de reembolso directamente contra as autoridades fiscais e que, para o efeito, o Estado‑Membro preveja os instrumentos e modalidades processuais necessários (v. acórdão Reemtsma Cigarettenfabriken, já referido, n.° 41).

29      Há que responder, portanto, à primeira questão no sentido de que um Estado‑Membro se pode opor a um pedido de reembolso de um imposto indevido, apresentado pelo comprador sobre quem esse imposto tenha sido repercutido, com o fundamento de não ter sido esse comprador que o pagou às autoridades fiscais, desde que, nos termos do direito interno, esse comprador possa exercer uma acção civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo e que o reembolso do imposto indevido, por parte deste último, não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil.

 Quanto à segunda questão

30      Com a segunda questão, o tribunal de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se um Estado‑Membro pode recusar um pedido de indemnização apresentado por uma empresa na qual o sujeito passivo repercutiu um imposto indevido, com o fundamento de, à partida, estar excluído um nexo directo de causalidade entre a cobrança desse imposto pelo Estado e o dano sofrido por essa empresa.

31      Desse modo, o tribunal de reenvio convida o Tribunal de Justiça a precisar se se pode considerar que a decisão livremente tomada pelo sujeito passivo, de repercutir a jusante o imposto indevido, quebrou esse nexo de causalidade entre o acto do Estado‑Membro e o dano sofrido pelo comprador.

32      A título preliminar, há que lembrar que não cabe ao Tribunal de Justiça qualificar juridicamente as petições apresentadas pelos demandantes no processo principal no tribunal de reenvio, em que pedem o reembolso de um imposto indevido ou a reparação do dano sofrido (v. acórdãos de 8 de Março de 2001, Metallgesellschaft e o., C‑397/98 e C‑410/98, Colect., p. I‑1727, n.° 81, e de 12 de Dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C‑446/04, Colect., p. I‑11753, n.° 201), e que uma acção de indemnização pode coexistir com uma acção de reembolso para repetição do indevido (v., neste sentido, acórdão Comateb e o., já referido, n.° 34).

33      Há que lembrar também que o reconhecimento, aos particulares lesados, de um direito a reparação do dano sofrido por causa da violação do direito da União por um Estado‑Membro está sujeito à reunião de três pressupostos, a saber, que a norma de direito da União violada tenha por objectivo conferir direitos a esses particulares, que a violação dessa norma seja suficientemente caracterizada e que exista um nexo directo de causalidade entre essa violação e o dano sofrido pelos particulares (v. acórdãos de 26 de Janeiro de 2010, Transportes Urbanos y Servicios Generales, C‑118/08, Colect., p. I‑635, n.° 30, e de 9 de Dezembro de 2010, Combinatie Spijker Infrabouw‑De Jonge Konstruktie e o., C‑568/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 87).

34      Quanto à necessidade de um nexo directo de causalidade, resulta de jurisprudência assente que, em princípio, cabe ao juiz nacional verificar se o dano alegado resulta de forma suficientemente directa da violação do direito da União pelo Estado‑Membro (v. acórdãos de 5 de Março de 1996, Brasserie du pêcheur e Factortame, C‑46/93 e C‑48/93, Colect., p. I‑1029, n.° 65; de 13 de Março de 2007, Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, C‑524/04, Colect., p. I‑2107, n.° 122; e de 17 de Abril de 2007, AGM‑COS.MET, C‑470/03, Colect., p. I‑2749, n.° 83).

35      Contudo, a fim de dar ao tribunal de reenvio uma resposta útil, o Tribunal de Justiça pode fornecer‑lhe as indicações que entender necessárias (v., neste sentido, acórdãos de 18 de Janeiro de 2001, Stockholm Lindöpark, C‑150/99, Colect., p. I‑493, n.° 38, e de 18 de Junho de 2009, Stadeco, C‑566/07, Colect., p. I‑5295, n.° 43).

36      Nessa óptica, há que referir que um sistema jurídico nacional como o do processo principal, em que um nexo directo de causalidade só pode ser demonstrado entre a cobrança de um imposto indevido pelo Estado e o dano sofrido pelo sujeito passivo, não pode entender a necessidade desse nexo de uma forma tal que a obtenção da reparação do dano sofrido seja, na prática, impossibilitada ou excessivamente dificultada.

37      Daí resulta que, em princípio, um sistema jurídico nacional como esse respeita o princípio da efectividade, desde que o comprador, sobre quem o sujeito passivo repercutiu o encargo desse imposto, possa, com base no direito interno, dirigir contra esse sujeito passivo a sua acção de reparação do dano sofrido.

38      Contudo, por analogia com o que acima foi dito no n.° 28 do presente acórdão, se a reparação, pelo sujeito passivo, do dano sofrido pelo comprador que suportou o encargo económico do imposto indevido nele repercutido se revelar impossível ou excessivamente difícil, nomeadamente em caso de insolvência do sujeito passivo, o princípio da efectividade exige que esse comprador tenha a possibilidade de dirigir o seu pedido de indemnização directamente contra o Estado, sem que este possa validamente opor‑lhe a falta de nexo directo de causalidade entre a cobrança do imposto indevido e o dano sofrido pelo comprador.

39      Há que responder, portanto, à segunda questão no sentido de que um Estado‑Membro pode recusar um pedido de indemnização apresentado pelo comprador sobre quem o sujeito passivo tenha repercutido um imposto indevido, com base na falta de nexo directo de causalidade entre a cobrança desse imposto e o dano sofrido, desde que o comprador possa, com base no direito interno, dirigir esse pedido contra o sujeito passivo e que a reparação, por este, do dano sofrido pelo comprador não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil.

 Quanto às despesas

40      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

As normas do direito da União devem ser interpretadas no sentido de que:

1)      Um Estado‑Membro se pode opor a um pedido de reembolso de um imposto indevido, apresentado pelo comprador sobre quem esse imposto tenha sido repercutido, com o fundamento de não ter sido esse comprador que o pagou às autoridades fiscais, desde que, nos termos do direito interno, esse comprador possa exercer uma acção civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo e que o reembolso do imposto indevido, por parte deste último, não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil;

2)      Um Estado‑Membro pode recusar um pedido de indemnização apresentado pelo comprador sobre quem o sujeito passivo tenha repercutido um imposto indevido, com base na falta de nexo directo de causalidade entre a cobrança desse imposto e o dano sofrido, desde que o comprador possa, com base no direito interno, dirigir esse pedido contra o sujeito passivo e que a reparação, por este, do dano sofrido pelo comprador não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil.

Assinaturas


* Língua do processo: dinamarquês.