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Document 52004PC0173

Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento

/* COM/2004/0173 final - COD 2004/0055 */

52004PC0173

Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento /* COM/2004/0173 final - COD 2004/0055 */


Proposta de REGULAMENTO DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento

(apresentada pela Comissão)

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

1. INTRODUÇÃO E CONTEXTO

1.1. Introdução

Com a entrada em vigor do Tratado de Amesterdão, a União Europeia estabeleceu como objectivo criar progressivamente um espaço de liberdade, de segurança e de justiça, nomeadamente adoptando medidas no domínio da cooperação judiciária em matéria civil. Nos termos da alínea c) do artigo 65º do Tratado que institui a Comunidade Europeia, estas medidas devem incluir a eliminação dos obstáculos à boa tramitação das acções cíveis, promovendo, se necessário, a compatibilidade das normas de processo civil aplicáveis nos Estados-Membros.

O Plano de Acção de Viena do Conselho e da Comissão, adoptado pelo Conselho em 1998 [1], preconizou a identificação das regras de processo civil que é urgente harmonizar, a fim de facilitar o acesso dos cidadãos europeus à justiça, e a análise da possibilidade de se elaborarem medidas complementares adequadas para melhorar a compatibilidade dos processos civis.

[1] JO C 19 de 23.1.1999, p.1. ponto 41, alínea d).

Nas conclusões do Conselho Europeu de Tampere 1999 [2], solicita-se ao Conselho e à Comissão que preparem nova legislação em matéria processual, em especial sobre os elementos determinantes para facilitar a cooperação judiciária e reforçar o acesso à justiça. As ordens de pagamento em dinheiro figuravam expressamente na lista dos problemas que justificavam as referidas iniciativas legislativas.

[2] Ponto 38 das conclusões da Presidência.

O programa de medidas, comum à Comissão e ao Conselho, sobre a aplicação do princípio do reconhecimento mútuo das decisões em matéria civil e comercial, adoptado pelo Conselho em 30 de Novembro de 2000 [3], inscreveu a supressão do exequatur para créditos não contestados como uma das prioridades da Comunidade. Este programa, que tem por objectivo principal facilitar o reconhecimento e a execução das decisões judiciais, preconiza igualmente a aproximação do direito processual como medida complementar que pode, em determinados domínios, constituir uma condição prévia dos desejados progressos tendo em vista suprimir gradualmente o procedimento de exequatur. A este respeito, o documento sublinha que, em alguns domínios, nomeadamente no que diz respeito à cobrança de créditos não contestados, a supressão do exequatur poderia traduzir-se no estabelecimento de um verdadeiro título executivo europeu, obtido na sequência de um procedimento específico, uniforme ou harmonizado, estabelecido a nível da Comunidade [4]. Todavia, é evidente que a supressão do exequatur e a harmonização do direito processual constituem duas matérias distintas, apesar de terem sido examinadas conjuntamente na citada secção do programa. A primeira pressupõe que seja emitida uma decisão e diz respeito ao acesso à execução noutro Estado-Membro, enquanto a segunda diz respeito ao acesso à justiça para obtenção de uma decisão, independentemente do facto de tal decisão dever ser executada no estrangeiro. Estas duas questões são por natureza distintas e podem ser analisadas separadamente e em função das suas características próprias, como sublinhado nas conclusões de Tampere, que abordam ambas as questões sem estabelecer necessariamente uma ligação entre elas.

[3] JO C 12 de 15.1.2001, p. 1.

[4] Ponto II A 2 alínea b) do programa. Embora esta parte do documento não mencione o procedimento de injunção de pagamento (nem qualquer outro procedimento em especial), a referência no ponto III A à proposta de título executivo europeu para créditos não contestados no quadro da primeira etapa de execução, demonstra que a harmonização segundo este modelo foi considerada, nomeadamente para a cobrança de créditos não contestados.

A Comissão decidiu realizar os dois objectivos - o reconhecimento mútuo das decisões relativas a créditos não contestados, por um lado, e a criação de um procedimento específico para obtenção de decisões sobre créditos não contestados, por outro - com base em dois instrumentos legislativos diferentes. Esta dupla estratégia não implica o risco de sobreposição ou de contradição entre os dois projectos, pois estes são claramente definidos graças à estreita limitação das fases anteriores (criação de um procedimento de injunção de pagamento) e posteriores (reconhecimento e execução) à emissão da decisão executória. Pelo contrário, esta abordagem apresenta uma série de vantagens não negligenciáveis em relação a uma iniciativa legislativa que combine simultaneamente os dois aspectos. Proporciona, por exemplo, um âmbito de aplicação mais amplo para a supressão do exequatur, alargando-o a todas as decisões judiciais proferidas na ausência comprovada de qualquer contestação sobre a natureza e o montante de uma dívida e não o limitando apenas às decisões proferidas no contexto de um procedimento específico.

Em Abril de 2002, a Comissão apresentou a proposta de Regulamento do Conselho que cria o Título Executivo Europeu para créditos não contestados [5], que prevê a supressão de medidas intermédias relativamente a todos os títulos executivos, embora subordinada à observância de um conjunto de normas processuais mínimas relativas à citação e à notificação dos documentos. A presente proposta constitui a segunda fase da estratégia acima referida.

[5] COM (2002) 159 final, JO C 203 E de 27.8.2002, p.86.

1.2. O Livro Verde relativo a um procedimento europeu de injunção de pagamento e a medidas para simplificar e acelerar as acções de pequeno montante

A adopção da presente proposta foi precedida de uma ampla consulta tanto dos Estados-Membros como de todas as partes interessadas da sociedade civil. O Livro Verde relativo a um procedimento europeu de injunção de pagamento e a medidas para simplificar e acelerar as acções de pequeno montante, apresentado pela Comissão em 20 de Dezembro de 2002 [6], fornecia uma perspectiva global dos diferentes modelos de injunção de pagamento actualmente previstos pela legislação dos Estados-Membros. O Livro Verde, com base num estudo comparativo sobre a forma como os Estados-Membros regulam as questões processuais relevantes, formula uma série de perguntas respeitantes ao âmbito de aplicação e às características que um instrumento europeu deveria contemplar. As principais perguntas suscitadas no âmbito do Livro Verde podem resumir-se da seguinte forma:

[6] COM (2002) 746 final.

- Um instrumento europeu relativo a um procedimento de injunção de pagamento só deve ser aplicado a processos transfronteiriços ou também a processos puramente internos?

- Em relação a que tipos de créditos o título europeu poderá ser utilizado? O seu âmbito de aplicação deverá limitar-se aos créditos pecuniários e, em caso afirmativo, deverão ser excluídos certos tipos de créditos pecuniários?

- Será necessário prever regras específicas em matéria de competência internacional ou mesmo de atribuição de competência nos Estados-Membros?

- O procedimento de injunção de pagamento deverá prever a apresentação da prova documental em apoio do crédito em causa e incluir um exame sumário do mérito desse crédito pelo tribunal ou a simples descrição do crédito e a falta de objecções deverão ser suficientes para a emissão de uma decisão executória?

- O requerido deverá ter a possibilidade de contestar o crédito e de obter a transferência para um processo ordinário uma vez ou duas vezes?

A Comissão recebeu cerca de 60 respostas dos Estados-Membros e de outras partes interessadas representando os sectores ligados a empresas, consumidores e profissões jurídicas. Estas reacções ao Livro Verde, que foram objecto de um debate mais aprofundado na audição pública organizada pela Comissão em 26 de Junho de 2003, revelaram que a introdução de um procedimento europeu de injunção de pagamento é quase unanimemente considerada um progresso no sentido da criação de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça.

O Parlamento Europeu, na sua resolução sobre o Livro Verde [7], acolheu favoravelmente a iniciativa da Comissão. Recordou o objectivo político, fixado no Conselho Europeu de Tampere, no sentido de estabelecer normas europeias comuns para a cobrança rápida e eficaz de créditos não contestados e sublinhou o enorme significado deste projecto para todos os operadores económicos interessados no correcto funcionamento do mercado interno. A posição do Parlamento reflecte, em grande medida, as características da presente proposta, por exemplo no que diz respeito à escolha de um regulamento como o instrumento adequado e ao facto de a injunção de pagamento europeia dever representar uma alternativa aos procedimentos existentes ao abrigo das legislações nacionais dos Estados-Membros.

[7] Ainda não publicado.

O Comité Económico e Social Europeu, no seu parecer sobre o Livro Verde [8], acolheu favoravelmente a iniciativa da Comissão de lançar uma consulta sobre a questão. Considerando a introdução de um procedimento de injunção de pagamento rápido, eficaz e apropriado como um dos elementos importantes do direito fundamental de acesso à justiça, encorajava e convidava a Comissão a apresentar uma proposta legislativa relativa ao estabelecimento de um procedimento europeu único.

[8] CESE 742/2003, adoptado em 18 de Junho de 2003.

As reacções às perguntas concretas formuladas no Livro Verde e a forma como foram tidas em conta na elaboração da presente proposta, serão referidas nas secções seguintes da presente exposição de motivos e em especial nos comentários dos artigos específicos.

2. OBJECTIVOS E ÂMBITO DE APLICAÇÃO

2.1. Objectivo geral

2.1.1. A importância de um mecanismo eficaz para a cobrança de créditos não contestados

É um dado de facto consolidado que a principal finalidade de uma parte substancial dos procedimentos judiciais nos Estados-Membros não consiste em obter uma decisão obrigatória e imparcial sobre questões litigiosas de facto ou de direito. Com efeito, é cada vez mais a regra e não a excepção, que o credor, na falta comprovada de um litígio, tenha de se dirigir à justiça para obter um título executivo que lhe permita a cobrança de um crédito, mediante execução forçada, que o devedor não pretende ou não está em condições de honrar. Em 2000, a Comissão lançou um estudo sobre os procedimentos específicos aplicáveis às acções de pequeno montante existentes nos Estados-Membros. O questionário dirigido aos Estados-Membros neste contexto compreendia igualmente algumas perguntas sobre os créditos não contestados. As respostas dos Estados-Membros revelam que, dos dados estatísticos globais disponíveis, a percentagem de créditos não contestados oscila entre 50% e mais de 80% de todos os processos apreciados pelos tribunais civis ordinários de primeira instância [9].

[9] Evelyne Serverin (Directora de investigação no CNRS IDHE-ENS CACHAN) - Des Procedures de traitement judiciares des demandes de faible importance ou non contestées dans les droits des Etats-Membres de l'Union Européenne, Cachan 2001, p. 30.

A cobrança rápida dos créditos cuja justificação não suscite qualquer contestação reveste uma importância primordial para os operadores económicos na União Europeia e para o próprio funcionamento do mercado interno. Um quadro jurídico que não garanta aos credores uma rápida recuperação dos créditos não contestados pode proporcionar aos devedores de má-fé um certo grau de impunidade e, por conseguinte, constitui um incentivo à omissão intencional do pagamento em benefício próprio [10]. O atraso dos pagamentos representa uma das principais causas de falência que ameaça a sobrevivência das empresas (em especial as pequenas e médias empresas), e que está na origem da perda de numerosos postos de trabalho. A necessidade de iniciar procedimentos judiciários longos, complexos e onerosos tendo em vista a cobrança de créditos não contestados, agrava inevitavelmente esses efeitos económicos nefastos

[10] Com base nos resultados de um estudo realizado em 1994 a pedido da Comissão ('European Late Payment Survey' - Intrum Justitia), esta considerou na sua Comunicação ao Conselho e ao Parlamento Europeu, intitulada "Para uma maior eficácia na obtenção e execução das decisões na União Europeia", JO C 33 de 31.1.1998, p. 3, ponto 38, que a proporção dos atrasos intencionais de pagamentos na União Europeia é de 35%.

Resulta desta situação um múltiplo desafio para os sistemas judiciais dos Estados-Membros. É essencial distinguir o mais cedo possível, no âmbito dos procedimentos, entre os casos efectivamente litigiosos e os outros em que não existe qualquer litígio jurídico real. Esta diferenciação é uma condição indispensável, embora não suficiente, para utilizar de modo eficaz os recursos limitados atribuídos aos tribunais. Estes últimos poderão assim concentrar-se nos processos verdadeiramente litigiosos e decidi-los num prazo razoável. Todavia, este resultado só pode ser alcançado se estiver disponível um procedimento rápido e eficaz para a resolução dos créditos não contestados e se este implicar um aligeiramento efectivo da carga de trabalho das instâncias judiciais por forma a evitar atrasos importantes. Por conseguinte, considerando o número elevado de processos não litigiosos acima evocado, a existência de um procedimento que assegure uma resolução eficaz constitui um factor determinante para o bom funcionamento de todo o sistema judicial.

2.1.2. Definição de um procedimento de injunção de pagamento

Todos os Estados-Membros tentam resolver o problema das numerosas cobranças de créditos não contestados através dos seus próprios órgãos jurisdicionais partindo de uma perspectiva nacional e tendo em conta as suas próprias tradições e os respectivos sistemas processuais. Como era previsível, as soluções encontradas apresentam grandes diferenças, tanto de natureza técnica como no que diz respeito à sua taxa de sucesso. Em alguns Estados-Membros, as decisões proferidas à revelia, os procedimentos sumários especiais no âmbito da estrutura do processo civil ordinário ou mesmo as providências cautelares, que são quase definitivas, pois raramente dão origem, na prática, a processos principais, constituem os instrumentos processuais privilegiados para tratar os créditos não contestados.

Na maioria dos Estados-Membros, contudo, um procedimento especial de injunção de pagamento revelou ser um instrumento particularmente útil para garantir a cobrança rápida e pouco onerosa dos créditos que não são objecto de contestação jurídica. Até ao momento, em onze Estados-Membros (Áustria, Bélgica, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Itália, Luxemburgo, Portugal, Espanha e Suécia), esse tipo de procedimento faz parte integrante do direito processual civil, sendo os exemplos mais conhecidos a injonction de payer consagrada no direito francês e a Mahnverfahren do direito alemão. Na realidade, durante estes últimos anos verificou-se a introdução de procedimentos de injunção de pagamento em dois Estados-Membros (Espanha e Portugal) que não propunham anteriormente aos seus credores um título executivo desta natureza. Esta evolução revela o interesse crescente por este tipo de procedimento em toda a União Europeia.

Os procedimentos de injunção de pagamento existentes nos Estados-Membros divergem consideravelmente entre si em relação a determinados aspectos fundamentais, designadamente o seu âmbito de aplicação, a competência para emitir uma injunção e os requisitos formais ou substanciais para se obter uma decisão favorável. Não obstante estas disparidades entre os modelos legislativos em vigor, estes procedimentos partilham todas as características distintivas descritas seguidamente, que poderão servir de base para uma definição do procedimento de injunção de pagamento.

Mediante requerimento da parte requerente, o tribunal ou outra autoridade competente pronuncia uma decisão sobre o crédito em causa no âmbito de um procedimento sem contraditório, ou seja, sem que tenha sido dada previamente ao requerido a possibilidade de participar. Esta decisão é notificada ao requerido, acompanhada de uma ordem no sentido de se conformar com a injunção ou de contestar o crédito dentro de um determinado prazo. Se o requerido não reagir, a injunção de pagamento passa a ter força executiva. Só no caso de o requerido deduzir oposição, a causa será transferida para um procedimento ordinário. Portanto, contrariamente às regras processuais ordinárias, cabe ao destinatário da injunção de pagamento iniciar o procedimento contraditório. Esta inversão da responsabilidade de iniciativa, referida no direito francês por "inversion du contentieux", conjugada com a protecção dos direitos da defesa representada pela possibilidade de evitar que a injunção dê origem a um título executivo, constituem as características fundamentais do procedimento de injunção de pagamento.

2.2. Âmbito de aplicação

2.2.1. Necessidade de uma acção a nível comunitário

Parece evidente que a duração e os custos dos procedimentos civis ordinários, inadequados para créditos caracterizados pela falta de uma verdadeira contestação jurídica, registam uma tendência para aumentar de forma ainda mais desproporcionada nos casos com implicações transfronteiriças. O pouco conhecimento sobre os ordenamentos jurídicos dos outros Estados-Membros e a consequente necessidade de consultar um advogado, o tempo necessário para citar ou notificar documentos judiciais às partes num Estado-Membro diferente daquele no qual o procedimento se desenrola, bem como as despesas de tradução, constituem apenas alguns dos factores mais relevantes que complicam a vida dos credores titulares de créditos transfronteiriços. Estes problemas são inerentes a qualquer processo transfronteiriço, independentemente do facto de o crédito ser ou não objecto de contestação. Todavia, o contraste entre um procedimento rápido de cobrança aplicável aos processos puramente internos, por um lado, e um procedimento moroso e com despesas incontornáveis sempre que as partes são domiciliadas em diferentes Estados-Membros, por outro, assume uma dimensão intolerável se o crédito nem sequer é contestado pelo devedor. Trata-se de uma situação que, nas relações transfronteiriças, beneficia os devedores de má-fé e que pode desencorajar os operadores económicos de expandirem a sua actividade para além do seu Estado-Membro de origem, limitando assim as trocas comerciais entre Estados-Membros. Nem mesmo a existência, em todos os Estados-Membros, de um procedimento nacional eficaz para a cobrança de créditos não contestados (um desejo bem intencionado na situação actual, pois inclusivamente nos Estados-Membros que prevêem um procedimento de injunção de pagamento, este nem sempre é admissível ou aplicável caso o requerido tenha domicílio no estrangeiro), garantiria necessariamente um progresso decisivo, pois as profundas diferenças entre tais procedimentos e o seu reduzido conhecimento constituiriam obstáculos significativos à resolução dos processos transfronteiriços propriamente ditos. Um procedimento europeu de injunção de pagamento uniforme representará um progresso substancial proporcionando o acesso facilitado a uma justiça eficaz.

2.2.2. Âmbito de aplicação da proposta

Pelos motivos acima mencionados, a necessidade de um procedimento europeu uniforme para a cobrança de créditos não contestados é particularmente evidente no caso de litígios transfronteiriços. A Comissão, porém, é de opinião que seria não só inadequado, mas inclusivamente contraproducente, limitar o âmbito de aplicação deste procedimento apenas aos processos transfronteiriços.

O artigo 65° do Tratado que institui a Comunidade Europeia atribui poderes legislativos à Comunidade no domínio da cooperação judiciária em matéria civil que tenham uma "incidência transfronteiriça" na medida necessária ao bom funcionamento do mercado interno. Embora a incidência transfronteiriça constitua uma condição prévia para a competência comunitária, tal não significa que as normas que possam ser adoptadas nos termos desse artigo possam ser aplicáveis apenas a litígios transfronteiriços, ou seja, a casos com uma natureza transfronteiriça concreta. Seria fazer uma interpretação excessivamamente restritiva da disposição acima citada que não decorre da sua redacção. O recurso criterioso a uma terminologia menos estrita, relativa a matérias que tenham incidência transfronteiriça no contexto específico do artigo 65°, permite um certo grau de flexibilidade para adoptar legislação que não regule unicamente litígios transfronteiriços, em especial quando um instrumento comum, aplicável quer a processos transfronteiriços quer a processos internos, desempenha um papel prático para o funcionamento do mercado interno. Esta segunda condição está preenchida à luz da importância económica fundamental de um procedimento eficaz para a cobrança de dívidas não contestadas e das repercussões para o mercado interno das importantes disparidades entre os sistemas nacionais, tal como se explicou acima (2.1.1) e na presente secção. Tendo em conta estas circunstâncias, a legislação prevista é suficientemente caracterizada por um elemento transfronteiriço e o artigo 65° permite que tal legislação não fique limitada aos litígios transfronteiriços in concreto, mas que possa ser igualmente aplicável a situações estritamente internas; neste contexto, deve também ser tido em conta o facto de este instrumento ser aplicável numa base facultativa. A natureza facultativa do procedimento europeu de injunção de pagamento e as suas implicações para os Estados-Membros são ilustradas mais pormenorizadamente no ponto 2.2.3 infra.

Por outro lado, a distinção entre processos "transfronteiriços" e processos "internos" é muito mais difícil do que parece à primeira vista e compreenderia inevitavelmente um elemento de arbitrariedade. Por exemplo, se duas pessoas domiciliadas em França tivessem um acidente rodoviário na Alemanha e a questão da indemnização fosse apresentada a um órgão jurisdicional francês, tratar-se-á de uma situação puramente interna, pois as duas partes e o tribunal estão situados no mesmo Estado-Membro, ou a questão transcenderá a esfera nacional devido à conexão com outro Estado-Membro, cujos tribunais seriam competentes para apreciar a causa se o requerente tivesse preferido recorrer ao tribunal nesse Estado-Membro? Adoptar a primeira solução seria basear a natureza transfronteiriça do processo na escolha subjectiva do requerente; em função da sua decisão sobre qual tribunal escolher, uma mesma situação poderia ser considerada de dimensão internacional ou puramente interna, não obstante a existência de aspectos que ligam o processo a dois Estados-Membros. Não se exclui que todos os processos com factores de conexão a mais do que um Estado-Membro devam ser considerados como tendo implicações transfronteiriças. Antes de mais, porém, seria inevitável proceder a uma complexa análise para determinar qual o factor que constituiria a conexão suficiente. A aplicabilidade do direito material de um Estado-Membro diferente do Estado do foro competente deveria ser suficiente para estabelecer tal conexão? Além disso, uma injunção de pagamento europeia com o objectivo manifesto de celeridade e de simplificação da cobrança de créditos não contestados, não parece ser o procedimento mais adequado para examinar em pormenor aspectos tão complexos como as questões incidentais relativas à admissibilidade de um pedido.

Estas ambiguidades, conjugadas com a possibilidade de qualquer decisão judicial adquirir uma natureza transfronteiriça caso deva ser executada noutro Estado-Membro, colocam em causa o mérito da distinção entre as questões "internas" e as questões "transfronteiriças".

Além disso, no contexto específico do procedimento de cobrança de créditos não contestados, a limitação às situações transfronteiriças teria consequências políticas e económicas indesejáveis. Em primeiro lugar, o acesso dos operadores económicos a mecanismos com níveis de eficácia substancialmente diferentes implica uma distorção da concorrência a nível do mercado interno, independentemente do facto de os interessados estarem domiciliados em diferentes Estados-Membros ou no mesmo Estado-Membro. Por exemplo, duas empresas concorrentes no mesmo Estado-Membro, tendo apenas uma delas sede neste Estado-Membro, não se encontram em situação de igualdade caso apenas a empresa com sede no estrangeiro possa utilizar eficazmente um procedimento europeu de injunção de pagamento. Em termos análogos, uma empresa com a maioria dos seus clientes no estrangeiro poderá beneficiar de uma vantagem não negligenciável, graças à disponibilidade de tal procedimento, em relação a um concorrente com sede no mesmo Estado-Membro, mas que desenvolve a maioria das suas actividades no interior do país. Além disso, especialmente para os Estados-Membros que não prevêem actualmente qualquer mecanismo eficaz para a cobrança de créditos não contestados, seria difícil de explicar em termos políticos, tanto aos credores como aos devedores, a razão porque teriam acesso ou estariam sujeitos a um mecanismo mais eficaz em situações transfronteiriças do que o previsto para uma situação puramente interna. A grande maioria das observações formuladas relativamente ao Livro Verde pelos operadores económicos ou organizações suas representantes, tal como o parecer do Comité Económico e Social Europeu, confirmam a necessidade de um procedimento europeu de injunção de pagamento que seja universalmente aplicável sem diferenciação entre processos internos e processos transfronteiriços.

2.2.3. Subsidiariedade e proporcionalidade

É óbvio que o principal objectivo da presente proposta, ou seja, a criação de um procedimento europeu uniforme para obter rapidamente uma decisão executória relativa a um crédito não contestado, não pode ser suficientemente realizado pelos próprios Estados-Membros, os quais não podem garantir a equivalência das normas aplicáveis em toda a Comunidade. Por conseguinte, tal objectivo apenas pode ser alcançado a nível comunitário.

A presente proposta é perfeitamente coerente com o princípio da proporcionalidade, pois não excede o necessário para atingir aquele objectivo. Neste contexto, é essencial, em especial, realçar os efeitos da combinação do instrumento jurídico escolhido (regulamento) com a natureza facultativa do procedimento europeu de injunção de pagamento em relação a mecanismos comparáveis previstos pelo direito processual dos Estados-Membros. Embora assegurando a uniformidade e a aplicabilidade directa do procedimento, a presente proposta de regulamento só obrigaria os Estados-Membros a tornar disponível o procedimento europeu de cobrança de créditos como instrumento complementar. Os Estados-Membros não seriam obrigados a renunciar à legislação já existente em matéria de injunções de pagamento ou a qualquer outro procedimento para cobrança de créditos não contestados, nem a alterar tal legislação para a tornar conforme com o direito comunitário. Por conseguinte, a presente proposta de regulamento, que não afecta de forma alguma o direito de os Estados-Membros continuarem a aplicar as suas disposições nacionais paralelamente com o procedimento europeu de injunção de pagamento, afecta muito menos os seus sistemas processuais do que uma directiva, que exigiria uma adaptação da legislação nacional às normas estabelecidas nesse instrumento. Esta técnica legislativa assegura, com efeito, um nível mínimo de eficácia na cobrança de créditos não contestados, permitindo embora aos Estados-Membros que desenvolveram um sistema nacional ainda mais eficaz que o mantenham. Em última análise, caberá aos credores avaliar o procedimento que, na sua opinião, garanta melhores resultados, ou seja, o procedimento mais conveniente em termos de acessibilidade; neste último caso, tal critério assume especial relevância para quem opera em vários Estados-Membros e que, graças à existência de um procedimento europeu de injunção de pagamento uniforme, não necessitará de conhecer em pormenor o direito processual de cada um deles. Em conclusão, convém recordar que um procedimento de injunção de pagamento está, por definição, particularmente adaptado a respeitar os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade, pois este tipo de procedimento não está completamente interrelacionado com as normas que regulam o processo civil, constituindo sobretudo um capítulo distinto. Só o termo do procedimento de injunção de pagamento resultante da oposição do requerido, é que desencadeia uma transferência do processo para um procedimento civil ordinário. Por conseguinte, a introdução de uma injunção de pagamento europeia não exige uma posterior aproximação das normas processuais nacionais e permite, portanto, manter as interferências no direito nacional a um mínimo indispensável.

3. COMENTÁRIO DOS ARTIGOS

Artigo 1º - Âmbito de aplicação

O âmbito geral de aplicação, limitado às matérias civis e comerciais, tal como previsto no nº 1, coincide com o do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial.

O n° 2 exclui determinados tipos de créditos em matéria civil e comercial do âmbito de aplicação. Os regimes matrimoniais e conexos (por exemplo, as parcerias registadas) foram excluídos, pois frequentemente nestes processos de direito de família os tribunais devem examinar os factos por sua própria iniciativa e não podem, portanto, contentar-se com a falta de objecções do requerido contra as alegações do requerente. Tal como no Regulamento n° 44/2001, as matérias relativas a falências e à segurança social não são abrangidas pelo âmbito de aplicação. Para além dessas matérias, a Comissão não identificou motivos para excluir outros créditos do âmbito de aplicação da presente proposta. O simples facto de órgãos jurisdicionais ou tribunais especiais (por exemplo, os tribunais de trabalho para os litígios de trabalho) serem competentes e não os tribunais civis ordinários, não constitui um argumento suficientemente convincente para afastar um procedimento de injunção de pagamento. Qualquer outra limitação da aplicabilidade do procedimento relativa à natureza ou à base jurídica do crédito não parece justificada por razões imperiosas; pelo contrário, qualquer restrição deste tipo implicaria inevitavelmente problemas complexos de demarcação entre pedidos admissíveis e pedidos inadmissíveis. Por último, em conformidade com a grande maioria dos comentários suscitados pelo Livro Verde, a presente proposta não introduz um limite máximo para o montante do crédito susceptível de ser reclamado no âmbito do procedimento de injunção de pagamento, pois o facto de um crédito ser ou não contestado não parece depender do valor do crédito em causa de modo a limitar a acessibilidade do procedimento à cobrança de montantes inferiores a um certo limite. Se, como foi igualmente defendido, a probabilidade de processos contenciosos aumentar com o valor do crédito, impor um montante máximo não se justifica, pois é ao credor que cabe avaliar se a probabilidade de falta de oposição é suficientemente elevada para compensar o recurso a um procedimento de injunção de pagamento; se tal não for o caso, o credor iniciará directamente o procedimento ordinário.

A discrepância entre a lista de exclusões do âmbito de aplicação da presente proposta e a disposição análoga do Regulamento nº 44/2001, explica-se pelo facto de os dois instrumentos regularem matérias diferentes que exigem uma abordagem substancialmente diferente e uma diferente perspectiva. A presente proposta está orientada para as normas processuais e os requisitos necessários à obtenção de uma decisão executória e não abarca nenhuma das questões tratadas pelo Regulamento nº 44/2001. Não contempla a questão da competência internacional para o procedimento de injunção de pagamento, pois o Regulamento nº 44/2001 estabelece entre os interesses dos requerentes e dos requeridos um equilíbrio tal, que não existe qualquer justificação para afastar essas normas e estabelecer um regime especial de competência para a injunção de pagamento europeia. As questões de reconhecimento e de execução num Estado-Membro diferente daquele em que os tribunais emitiram a injunção de pagamento são abrangidas exclusivamente pelo Regulamento nº 44/2001 e, a partir da sua entrada em vigor, pelo futuro regulamento que cria um título executivo europeu para os créditos não contestados. Por conseguinte, é manifesto que as considerações que justificam a exclusão do âmbito de aplicação do Regulamento nº 44/2001 de determinados tipos de créditos ou procedimentos, alguns dos quais não podem em rigor incluir dívidas pecuniárias, são irrelevantes ou mesmo privadas de sentido no contexto da presente proposta.

Artigo 2º- Procedimento europeu de injunção de pagamento

O nº 1 restringe a aplicabilidade do procedimento europeu de injunção de pagamento à cobrança de créditos pecuniários líquidos e exigíveis. O procedimento não pode, portanto, ser utilizado para créditos pecuniários que não possam ser especificados em termos de um montante concreto (por exemplo, no caso de danos morais) nem para pedidos relativos a obrigações de acção ou de omissão, designadamente a entrega ou a restituição de bens ou as acções de despejo. Teoricamente, o princípio subjacente à identificação dos créditos não contestados poderia ser alargado a outros tipos de créditos diferentes dos que implicam um pagamento em dinheiro e, de facto, os sistemas de alguns Estados-Membros abrangem determinados pedidos não pecuniários. Não obstante, é opinião comum, tal como foi confirmado pelas reacções ao Livro Verde, que tais créditos, que constituiriam uma percentagem mínima dos casos objecto do procedimento em questão, são na realidade menos propícios a um tratamento harmonizado. A título de exemplo, a mera formulação do pedido de modo a satisfazer os requisitos de precisão de um título executivo constituirá frequentemente um obstáculo intransponível, pelo menos para os não juristas, determinando a rejeição de uma parte considerável dos requerimentos só por esta razão ou criando para os tribunais uma carga de trabalho desproporcionada.

O n° 2 especifica a natureza facultativa do procedimento europeu de injunção de pagamento. O credor pode decidir livremente se prefere reclamar um crédito que é abrangido pelo âmbito de aplicação da presente proposta requerendo uma injunção de pagamento europeia ou recorrendo a um procedimento sumário ou ordinário previsto pelo direito do Estado-Membro do foro.

Artigo 3º - Requerimento de injunção de pagamento europeia

Esta disposição enumera os elementos que devem constar de um requerimento de injunção de pagamento europeia no que diz respeito à identificação das partes no procedimento e à descrição do crédito e sua justificação. A maioria dos elementos mencionados neste artigo não necessita de explicação adicional.

Convém sublinhar que a presente proposta não subordina a concessão de uma injunção de pagamento europeia à apresentação de provas documentais. À luz da análise das respostas ao Livro Verde sobre a distinção fundamental entre os dois modelos existentes de procedimento de injunção de pagamento existentes (definida no Livro Verde como as tradições "probatória" e "não probatória"), Comissão concluiu que tal requisito implicaria um risco considerável para a aplicação uniforme do regulamento no que diz respeito aos tipos de documentos considerados uma prova suficiente do crédito. Além disso, é ainda mais importante recordar que o único objectivo da prova escrita que acompanha o requerimento consiste em servir de base à apreciação sumária do mérito do crédito prevista pelas normas dos Estados-Membros que aplicam o modelo "probatório". A presente proposta não prevê uma apreciação sistemática e exaustiva ou um exame sumário da justificação do pedido.

A Comissão esforçou-se por encontrar uma solução que combine as vantagens da injunção de pagamento "não probatória", tendo em conta a simplicidade e a eficácia do procedimento, com uma protecção adequada dos direitos do requerido. Um elemento deste último objectivo é o requisito para o requerente, em conformidade com a alínea e) do nº 2, de não apresentar, mas de descrever alguns elementos de prova sobre os quais se poderia basear no âmbito de um procedimento ordinário caso o crédito fosse contestado. Esta condição prévia, que permite ao requerente mencionar todos os meios de prova admissíveis e não unicamente as provas documentais, embora não o obrigue a fornecer uma lista exaustiva de provas, constitui sobretudo um requisito formal para a concessão de uma injunção de pagamento europeia, que é fácil de controlar.

O requerente deve fornecer ao tribunal uma descrição da causa de pedir em conformidade com a alínea d) do nº 2. Esta declaração pode e deve ser resumida, embora deva indicar de modo suficiente a relação jurídica entre as partes, a justificação do crédito em causa e do seu montante, bem como o vínculo entre o crédito e as provas apresentadas.

O n° 3 permite, como alternativa à assinatura manuscrita, uma assinatura electrónica se, em conformidade com o n° 2 do artigo 2° da Directiva 1999/93/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro de 1999, relativa a um quadro legal comunitário para as assinaturas electrónicas, estiver associada inequivocamente ao signatário e permitir identificá-lo, se for criada com meios que o signatário possa manter sob seu controlo exclusivo e se estiver ligada aos dados a que diz respeito, de tal modo que qualquer alteração subsequente dos dados seja detectável. Esta disposição, reproduzida noutras partes da proposta, reflecte a intenção geral de permitir o recurso ao tratamento automático de dados e às comunicações electrónicas no âmbito do procedimento, sob condição de uma adequada protecção dos direitos das partes.

Artigo 4º - Requisitos para a emissão de uma injunção de pagamento europeia

Este artigo tem por objectivo estabelecer, no n° 1, uma lista completa e exaustiva dos requisitos para a emissão de uma injunção de pagamento europeia, cujo respeito o tribunal deve examinar quando tem de apreciar um requerimento. Tal exame deve incidir exclusivamente sobre:

- o âmbito de aplicação do procedimento, tal como definido nos artigos 1° e 2º; e

- os requisitos formais do requerimento, tal como enunciados no artigo 3º.

Com excepção destes pontos, que têm de ser examinados ex officio, cabe ao requerido avaliar, com base nas informações fornecidas no requerimento que lhe permitem identificar claramente o crédito alegado e considerar o seu mérito, se pretende deduzir oposição ou se o aceita. Neste último caso, não existe qualquer razão válida para negar ao requerente uma decisão favorável.

O nº 2 confere ao tribunal uma relativa flexibilidade, sem implicar qualquer obrigação de reenviar o requerimento ao requerente para que este possa corrigir eventuais imprecisões, nomeadamente quando este não respeitou todos os requisitos formais previstos no artigo 3º e o erro seja aparentemente de fácil correcção, por exemplo, se simplesmente não preencheu um ponto obrigatório do formulário de requerimento. Esta disposição não tem de forma alguma por objectivo impedir um tratamento rápido e eficaz do procedimento. De qualquer forma, no caso de rejeição, o requerente conserva o direito de intentar uma nova acção no âmbito de um procedimento ordinário em conformidade com o artigo 5º.

Artigo 5º - Rejeição do requerimento

O objectivo principal do nº 1 consiste em clarificar, para preservar a simplicidade e a uniformidade do procedimento e para evitar a sua eventual divisão em duas componentes distintas, que, para efeitos da conformidade com os requisitos do artigo 4º, o tribunal possa apenas ordenar a injunção de pagamento na sua integralidade ou recusá-la completamente. Por conseguinte, sempre que um requerimento respeite apenas parcialmente tais requisitos, deverá ser rejeitado na sua totalidade. Para evitar esta rejeição quanto tal não parecer adequado, o tribunal pode recorrer à opção prevista no nº 2 do artigo 4º.

Na linha das observações sobre o Livro Verde e em conformidade com os procedimentos nacionais existentes para a injunção de pagamento, o nº 3 prevê que a rejeição de um requerimento não adquira o efeito de res iudicata. Este procedimento constitui apenas um mecanismo facultativo para o credor que pressupõe que o crédito em causa continuará incontestado. Se esta presunção se revelar infundada e o requerido deduzir oposição, a transferência para um procedimento contencioso é automática. Contudo, deve ser igualmente possível continuar a invocar um crédito no âmbito de um procedimento civil ordinário caso o pedido seja rejeitado nos termos do nº 1 por razões que geralmente não estão ligadas à justificação do crédito, mas a circunstâncias de natureza formal ou processual, designadamente o âmbito de aplicação do presente procedimento. Como corolário lógico desta oportunidade de continuar a fazer valer o crédito decorre que não seja necessário prever um recurso contra a rejeição do requerimento, o que tornaria o procedimento desnecessariamente complexo.

Artigo 6º - Notificação de pagamento europeia

A presente proposta representa um procedimento de injunção de pagamento "em duas etapas" ou seja, o documento emitido pelo tribunal no caso de decisão favorável sobre o requerimento não é ainda uma injunção de pagamento propriamente dita, cuja natureza executória só depende do termo do prazo fixado para a apresentação de uma declaração de defesa, mas uma notificação de pagamento que informa o requerido do crédito e dos seus direitos e obrigações processuais, incluindo a possível emissão futura de uma injunção de pagamento executória caso não conteste. Convém recordar, contudo, que nos Estados-Membros que aplicam um modelo de "uma etapa", é em geral inevitável uma segunda intervenção do tribunal para verificar que não foi apresentada qualquer objecção contra crédito e para lhe conferir força executiva (formule exécutoire). Sempre que, como na presente proposta, a segunda etapa não implica a apreciação do crédito, sendo a injunção de pagamento emitida automaticamente caso não seja apresentada qualquer declaração de defesa, as diferenças a nível da eficácia do procedimento são de facto marginais. A principal vantagem reside na existência de uma decisão distinta que é sujeita a um recurso que, normalmente, não está disponível nos Estados-Membros que optaram por um procedimento de "uma etapa", mas que a Comissão considera necessário no contexto de uma injunção de pagamento europeia, tal como explicado no comentário do artigo 11º.

A notificação de pagamento europeia é, no seu conteúdo, idêntica ao formulário de requerimento, mas é completada por informações sobre o significado deste documento, como o prevêem os nºs 3 e 4, mencionadas de forma visível e formuladas em termos facilmente compreensíveis por destinatários pouco familiarizados com questões jurídicas. Convém prever as modalidades práticas que permitam copiar automaticamente as informações constantes do requerimento para a notificação de pagamento e, posteriormente, para a injunção de pagamento. As informações complementares destinadas ao requerido devem ser uma parte integrante da própria notificação e não podem ser apenas um anexo, a fim de evitar qualquer erro susceptível de implicar dificuldades processuais.

A proposta não compreende quaisquer normas específicas relativas à transmissão da notificação de pagamento europeia ao requerido, sendo esta matéria regulada pelo direito nacional e, se necessário, pelo Regulamento (CE) nº 1348/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000, relativo à citação e à notificação dos actos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros. O n° 2, porém, estabelece a condição de que esses modos de citação ou notificação que não fornecem prova da recepção pelo próprio devedor não são admissíveis, para efeitos da presente proposta, caso o domicílio do devedor seja desconhecido.

O prazo de três semanas previsto para deduzir oposição ao crédito tem em consideração o período considerado necessário ao requerido para determinar se pretende defender-se nos termos da legislação dos Estados-Membros. Tendo em conta a simplicidade da apresentação de uma declaração de defesa nos termos do artigo 7º, tal prazo deverá ser suficiente tanto nos processos transfronteiriços como nos processos puramente internos.

O nº 5 tem por objectivo garantir que nenhum credor seja dissuadido de recorrer ao procedimento de injunção de pagamento, embora este lhe pareça em princípio mais adequado, com receio que o crédito possa prescrever se não interromper o decurso do prazo mediante interposição de uma acção civil ordinária. Sobre este aspecto concreto, confere-se à notificação de pagamento europeia o estatuto de um despacho para comparecer no âmbito de um procedimento civil ordinário.

Artigo 7º - Declaração de defesa

Em conformidade com a filosofia subjacente ao procedimento europeu de injunção de pagamento, que incide especialmente na identificação de créditos não contestados e na emissão de decisões executórias a seu respeito, evitando um exame da justificação do crédito, este artigo restringe ao mínimo indispensável os requisitos que deve preencher uma declaração de defesa admissível. O requerido deve unicamente comunicar de forma inequívoca ao tribunal, no prazo fixado e por escrito, ou sob certas condições por forma electrónica, independentemente dos termos utilizados, que pretende opor-se ao crédito no todo ou em parte. Não deve ser apresentada qualquer outra explicação; a apresentação dos argumentos de facto e de direito, bem como dos elementos de prova, pode ser deixada para a fase do procedimento ordinário posterior. O requerido pode utilizar o formulário de resposta que lhe é transmitido com a notificação de pagamento, embora não seja obrigado a fazê-lo.

Artigo 8° - Efeitos da declaração de defesa

Esta disposição estabelece que uma declaração de defesa admissível implica automaticamente a conclusão do procedimento de injunção de pagamento e a transferência do processo para um procedimento civil ordinário sem que seja necessário qualquer pedido específico para este efeito. Este artigo tem por base o pressuposto de que, em geral, os credores que solicitam uma injunção de pagamento escolhem este procedimento porque esperam que o crédito não venha a ser contestado, embora pretendam continuar a invocar o crédito no quadro de um procedimento ordinário se necessário. O nº 1 prevê, contudo, a possibilidade de o requerente indicar no requerimento que pretende que o procedimento seja interrompido caso o requerido apresente uma declaração de defesa. Tal pedido pode ser apresentado sempre que, na perspectiva do requerente, o valor do crédito em causa seja demasiado baixo para justificar o esforço e os custos de um procedimento contencioso ordinário.

O nº 2 visa clarificar que as modalidades técnicas relativas à transferência para um procedimento ordinário são reguladas pelo direito do Estado-Membro de foro.

Artigo 9º- Injunção de pagamento europeia

Se o requerido reconheceu o crédito ou não o contestou no todo ou em parte até ao termo do prazo fixado, a injunção de pagamento é emitida pelo tribunal por sua própria iniciativa, ou seja, sem que seja necessário que o requerente apresente um pedido separado nesse sentido.

A estrutura desta disposição é análoga à do artigo 6º, que diz respeito à notificação de pagamento a nível das regras de citação e de informação do requerido, embora neste caso se trate de uma declaração de oposição e não de uma declaração de defesa.

Artigo 10º - Força executiva da injunção de pagamento europeia

Este artigo estabelece que a injunção de pagamento europeia, uma vez emitida, é executória sem constituição de uma caução, embora o requerido ainda tenha a possibilidade de apresentar uma declaração de oposição e de, eventualmente, obter a sua anulação. O facto de o requerido ter optado por não deduzir oposição ao pedido com todo o conhecimento de causa sobre os efeitos de tal conduta, constitui uma razão suficiente para considerar prima facie que o crédito é e continuará a ser incontestado e, portanto, para concluir pela sua executoriedade sem qualquer restrição.

O nº 2 tem em conta o facto de a presente proposta não pretender interferir com a legislação em matéria de execução dos Estados-Membros nem instaurar um conjunto de normas distinto e completo respeitante especificamente ao procedimento de injunção de pagamento. Os pormenores dos pressupostos formais da executoriedade, bem como as condições de suspensão ou de limitação da execução, são deixados ao direito nacional. Tal compreende, por exemplo, o efeito da apresentação de uma declaração de oposição contra a executoriedade.

Artigo 11º - Oposição contra a injunção de pagamento europeia

Os requisitos a preencher para apresentar uma declaração de oposição contra a injunção de pagamento coincidem com os previstos para a declaração de defesa. Remete-se, por conseguinte, para os comentários respeitantes ao artigo 7º.

A Comissão considera que, no contexto específico da presente proposta, o requerido deve dispor de uma segunda oportunidade para contestar o crédito e obter a transferência para um procedimento ordinário apesar de, tendo sido informado dos seus direitos e das suas obrigações pelo tribunal no âmbito da notificação de pagamento, não ter declarado a sua intenção de defender a causa. Uma decisão definitiva irreversível representaria, aparentemente, uma sanção demasiado severa, especialmente em comparação com as decisões proferidas à revelia numa situação análoga, ou seja, depois de o requerido ter sido citado para comparecer numa audiência e informado sobre os efeitos da sua falta de comparência no tribunal para defender a causa, e que são geralmente susceptíveis de recurso ou de outras formas de impugnação. Estas considerações são ainda reforçadas pelo facto de, contrariamente aos sistemas da maioria dos Estados-Membros que seguem um procedimento de injunção de pagamento de "uma etapa" e não admitem um recurso posterior, a injunção de pagamento europeia não pressupõe qualquer exame sumário geral do mérito do crédito. Esta simplificação do procedimento no interesse da sua eficácia e, portanto, do requerente, justifica um reequilíbrio sob a forma de um direito de recurso.

O n° 4 compreende uma garantia suplementar para o requerido e que a Comissão considera fundamental à luz da falta de quaisquer normas específicas sobre a citação ou notificação de documentos na presente proposta. No contexto das negociações do Regulamento que cria o Título Executivo Europeu para créditos não contestados, considerou-se indispensável prever a favor do requerido a possibilidade de contestar uma decisão, independentemente dos prazos gerais fixados para a impugnação, nos seguintes casos:

- foi utilizado um modo de citação ou notificação que não fornece prova da recepção pelo próprio devedor e o documento em causa não lhe foi transmitido atempadamente para poder preparar a sua defesa; ou

- foi impedido de defender a causa por motivo de força maior ou devido a circunstâncias excepcionais.

A disposição pertinente do regulamento acima citado foi transferida e adaptada para o contexto da presente proposta.

Artigo 12º - Efeitos da apresentação de uma declaração de oposição

No que diz respeito à transferência para um procedimento ordinário, este artigo reproduz as disposições relativas aos efeitos da declaração de defesa do artigo 8º. A fase do procedimento em que o requerido escolhe contestar o crédito não tem efeitos sobre a transferência para um procedimento ordinário. A diferença de estatuto entre a notificação de pagamento e a injunção de pagamento consiste na executoriedade deste último documento. As questões de executoriedade são reguladas pelo artigo 10º.

O nº 3 clarifica que uma declaração de defesa que é apresentada ao tribunal tardiamente depois de este já ter emitido a injunção de pagamento, mas antes do termo do prazo para apresentação de uma declaração de oposição, deve ser considerada como uma declaração de oposição, pois revela claramente a intenção de defender a causa.

Artigo 13º - Representação jurídica

À luz do objectivo da presente proposta de colocar à disposição dos credores um mecanismo simples e pouco oneroso para a cobrança de créditos não contestados, seria contraditório em si mesmo subordinar a utilização deste procedimento à obrigatoriedade de representação por um advogado. Em primeiro lugar, os requisitos a preencher para requerer uma injunção de pagamento e, por maioria de razão, para contestar o crédito, são suficientemente directos para não necessitar da competência especializada de um jurista. Em segundo lugar, a representação jurídica aumentará inevitavelmente as despesas do procedimento. Quem o considerar útil, poderá obviamente recorrer aos serviços de consultoria de um jurista, embora tal não deva transformar-se numa obrigação. Como indicado no nº 2 para efeitos de clarificação, esta disposição só diz respeito ao procedimento de injunção de pagamento propriamente dito e não ao procedimento civil ordinário subsequente se for apresentada uma declaração de defesa ou uma declaração de oposição.

Artigo 14º - Despesas

Os credores poderiam ser dissuadidos de utilizar este procedimento se, no caso de oposição por parte do requerido, corressem o risco de ter de pagar custas judiciais superiores às que seriam devidas caso tivessem optado directamente por um processo civil ordinário. Pelo mesmo motivo, não parece justificar-se impor custas judiciais mais elevadas ao requerido pela única razão de o requerente ter tentado, embora sem sucesso, obter em primeiro lugar uma decisão através de um procedimento simplificado.

Este artigo estabelece o princípio da neutralidade de um procedimento prévio de injunção de pagamento em termos de montante total das custas judiciais para os procedimentos civis ordinários, mas deixa aos Estados-Membros a tarefa de regular a forma de garantir o respeito deste princípio. Por exemplo, uma possível solução poderia ser a absorção das custas originadas pelo procedimento de injunção de pagamento, se fosse caso disso, pelas custas relativas ao procedimento ordinário subsequente.

Artigo 15° - Articulação com o direito processual nacional

Vários artigos da presente proposta fazem referência ao direito nacional relativamente a aspectos específicos do procedimento. A fim de evitar eventuais mal-entendidos, esta disposição estabelece inequivocamente que, sempre que não esteja expressamente previsto que é aplicável o direito nacional, todas as questões processuais não reguladas pela presente proposta são regidas pelo direito nacional do Estado-Membro em que decorre o procedimento de injunção de pagamento.

Artigo 16º - Informações sobre os órgãos jurisdicionais competentes

Esta disposição visa facilitar o acesso às informações relativas aos tribunais junto dos quais os cidadãos devem apresentar um requerimento de injunção de pagamento europeia. Os Estados-Membros devem comunicar à Comissão as categorias de tribunais competentes para este procedimento, por exemplo, os tribunais de primeira instância inferiores ou superiores, nos Estados-Membros em que tal distinção exista. Em alguns Estados-Membros, poderá ser necessário enumerar mais do que uma categoria de tribunais, sempre que tribunais especializados sejam competentes pela apreciação de determinados créditos (por exemplo, os tribunais de trabalho em relação a créditos resultantes de contratos de trabalho). Seria igualmente uma oportunidade para indicar se as regras gerais sobre a competência territorial são aplicáveis a este procedimento (sem dever ser necessário explicar tais regras em pormenor) ou se foi prevista uma norma específica, nomeadamente a competência exclusiva do tribunal do domicílio do requerido ou a centralização da competência jurisdicional a nível de um único tribunal ou de um número limitado de tribunais.

A Comissão apresentará estas informações sob a forma considerada mais adequada, incluindo a sua publicação na Internet, possivelmente no quadro de um projecto em curso relativo à criação de um atlas judicial europeu em matéria civil, que é uma base de dados destinada a permitir o fácil acesso para o utente em todas as línguas oficiais da União Europeia.

Artigos 17º e 18º - Normas de execução e comité

O artigo 18º faz referência ao comité consultivo previsto pelo Regulamento (CE) nº 44/2001 que assistirá a Comissão, se necessário, na execução do regulamento na acepção do artigo 17º, ou seja, para a actualização ou a adaptação técnica dos formulários cujos modelos figuram nos Anexos. O comité reunir-se-á apenas se estas adaptações forem necessárias.

2004/0055 (COD)

Proposta de REGULAMENTO DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento

O PARLAMENTO EUROPEU E O CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA,

Tendo em conta o Tratado que institui a Comunidade Europeia, nomeadamente, a alínea c) do seu artigo 61º,

Tendo em conta a proposta da Comissão [11],

[11] JO C [... ] de [... ], p. [... ].

Tendo em conta o parecer do Comité Económico e Social Europeu [12],

[12] JO C [... ] de [... ], p. [... ].

Deliberando nos termos do artigo 251º do Tratado [13],

[13] JO C [... ] de [... ], p. [... ].

Considerando o seguinte:

(1) A Comunidade estabeleceu como objectivo manter e desenvolver um espaço de liberdade, de segurança e de justiça no qual seja assegurada a livre circulação de pessoas. Para este efeito, a Comunidade deve adoptar, designadamente, medidas no domínio da cooperação judiciária em matéria civil necessárias ao correcto funcionamento do mercado interno.

(2) O Conselho Europeu de Tampere, de 15 e 16 de Outubro de 1999, solicitou ao Conselho e à Comissão que preparassem nova legislação sobre os elementos determinantes para facilitar a cooperação judiciária e reforçar o acesso à justiça, tendo mencionado expressamente nesse contexto as ordens de pagamento em dinheiro.

(3) Em 30 de Novembro de 2000, o Conselho adoptou um programa de medidas, elaborado em conjunto pelo Conselho e a Comissão, sobre a aplicação do princípio do reconhecimento mútuo das decisões em matéria civil e comercial [14]. O programa prevê a possibilidade de um procedimento específico, uniforme ou harmonizado, estabelecido a nível da Comunidade, tendo em vista obter uma decisão judicial em determinados domínios, incluindo o dos créditos não contestados.

[14] JO C 12 de 15.1.2001, p. 1.

(4) Em 20 de Dezembro de 2002, a Comissão adoptou um Livro Verde relativo a um procedimento europeu de injunção de pagamento e a medidas para simplificar e acelerar as acções de pequeno montante. A publicação deste Livro Verde marcou o lançamento de uma consulta sobre os possíveis objectivos e as características de que poderia ser dotado um procedimento europeu uniforme ou harmonizado para a cobrança de créditos não contestados.

(5) A cobrança rápida e eficaz de dívidas que não são objecto de qualquer contestação jurídica é de importância capital para os operadores económicos na União Europeia, dado que os pagamentos tardios representam uma das principais causas de falência que ameaça a sobrevivência das empresas, em especial das pequenas e médias empresas, e que provoca a perda de inúmeros postos de trabalho.

(6) Embora todos os Estados-Membros tentem resolver o problema das numerosas cobranças de créditos não contestados, tendo a maioria adoptado um procedimento simplificado de injunção de pagamento, o conteúdo da legislação nacional e os resultados dos procedimentos nacionais varia consideravelmente. Além disso, os procedimentos actualmente existentes são frequentemente inadmissíveis ou mesmo impraticáveis em situações transfronteiriças.

(7) Os entraves daí resultantes ao acesso a uma justiça eficaz, nomeadamente em situações transfronteiriças, bem como a distorção da concorrência a nível do mercado interno causada pelo desequilíbrio a nível do funcionamento dos instrumentos processuais colocados à disposição dos credores nos diferentes Estados-Membros, tornam necessária a adopção de legislação comunitária que garanta condições idênticas para os credores e os devedores em toda a União Europeia.

(8) O procedimento europeu de injunção de pagamento não deve substituir nem harmonizar os mecanismos existentes de cobrança de créditos não contestados previstos pelo direito nacional, mas constituir uma opção complementar para o credor, que pode continuar a recorrer a um procedimento previsto pelo direito interno.

(9) O procedimento europeu de injunção de pagamento deve estar disponível em relação a todos os créditos pecuniários em matéria civil, contratuais e extracontratuais, com excepção dos créditos decorrentes dos regimes matrimoniais ou análogos, em relação aos quais, mesmo na falta de objecções, os tribunais muitas vezes não se podem basear nas alegações do requerente, sendo obrigados a examinar os factos por sua própria iniciativa. O procedimento não deve restringir-se aos créditos de montante inferior a um determinado limite. Não deve ser aplicável, contudo, aos créditos que ainda não são exigíveis na data do requerimento nem, em especial, aos pagamentos periódicos futuros.

(10) O procedimento deve ter por base, na medida do possível, a utilização de formulários normalizados para a comunicação entre o tribunal e as partes, a fim de facilitar a sua administração e permitir a utilização do tratamento automático de dados.

(11) No requerimento de injunção de pagamento europeia, o requerente deve ser obrigado a fornecer informações suficientes para identificar claramente o pedido e a sua justificação tendo em vista permitir ao requerido optar, com todo o conhecimento de causa, por deduzir oposição ao crédito ou não o contestar. Neste contexto, o requerente deve ser obrigado a mencionar determinados elementos de prova em que se poderá basear para demonstrar a veracidade das suas alegações sem que seja obrigado a apresentar, de facto, provas documentais ao tribunal.

(12) O tribunal deve emitir uma notificação de pagamento europeia após exame da conformidade com os requisitos formais enunciadas no presente regulamento. O tribunal deve abster-se de apreciar o mérito do crédito em causa.

(13) A notificação de pagamento europeia deve informar o requerido das opções ao seu dispor, ou seja, pagar a dívida ao requerente ou apresentar uma declaração de defesa no prazo de três semanas caso pretenda contestar o crédito. Para além das informações completas sobre o crédito fornecidas pelo requerente, o requerido deve ser informado do alcance jurídico da notificação e, em especial, dos efeitos da falta de contestação do crédito.

(14) Uma declaração de defesa apresentada no prazo fixado deverá pôr termo ao procedimento europeu de injunção de pagamento e implicar a transferência automática do processo para um procedimento civil ordinário, salvo se o requerente tiver solicitado expressamente a interrupção do procedimento nessa eventualidade.

(15) A injunção de pagamento europeia a emitir na falta de uma declaração defesa deve ser imediatamente executória contra o requerido. Esse documento deve ser susceptível de oposição que tenha essencialmente os mesmos efeitos que uma declaração de defesa. Na falta de uma declaração de oposição, a injunção de pagamento deve ter o mesmo estatuto que uma decisão definitiva proferida no âmbito de um procedimento civil ordinário.

(16) O presente regulamento não afecta a aplicação do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial [15], nem do Regulamento (CE) nº 1348/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000, relativo à citação e à notificação dos actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial nos Estados-Membros [16].

[15] JO C 12 de 16.1.2001, p. 1.

[16] JO C 160 de 30.6.2000, p. 37.

(17) Como os objectivos do presente regulamento, ou seja, estabelecer um mecanismo uniforme, rápido e eficaz para a cobrança de créditos pecuniários não contestados na União Europeia, não podem ser suficientemente realizados pelos Estados-Membros agindo unilateralmente e podem, pois, devido à sua dimensão e aos seus efeitos, ser melhor alcançados a nível comunitário, a Comunidade pode adoptar medidas em conformidade com o princípio da subsidiariedade consignado no artigo 5º do Tratado CE. Em conformidade com o princípio da proporcionalidade estabelecido neste último artigo, o presente regulamento não excede o necessário para atingir aqueles objectivos; em especial, o regulamento limita ao mínimo estritamente necessário a interferência no direito processual nacional, pois não substitui os procedimentos simplificados nacionais, mas adita simplesmente uma opção complementar.

(18) O presente regulamento respeita os direitos fundamentais e os princípios reconhecidos, nomeadamente pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia enquanto princípios gerais do direito comunitário. Em especial, visa assegurar o pleno respeito do direito a um julgamento equitativo reconhecido pelo artigo 47º da Carta.

(19) As medidas necessárias para a execução do presente regulamento serão adoptadas em conformidade com a Decisão 1999/468/CE do Conselho, de 28 de Junho de 1999, que fixa as regras de exercício das competências de execução atribuídas à Comissão [17].

[17] JO C 184 de 17.7.1999, p. 23.

(20) O Reino Unido e a Irlanda, nos termos dos artigos 1° e 2º do Protocolo relativo à posição do Reino Unido e da Irlanda Anexo ao Tratado da União Europeia e ao Tratado que institui a Comunidade Europeia, não participam na aprovação do presente regulamento e, por conseguinte, o presente regulamento não é vinculativo para o Reino Unido e a Irlanda, não lhes sendo aplicável.]/[O Reino Unido e a Irlanda, nos termos do artigo 3º do Protocolo relativo à posição do Reino Unido e da Irlanda anexo ao Tratado da União Europeia e ao Tratado que institui a Comunidade Europeia, notificaram o seu desejo de participar na aprovação e aplicação do presente regulamento.].

(21) A Dinamarca, nos termos dos artigos 1º e 2º do Protocolo relativo à posição da Dinamarca anexo ao Tratado da União Europeia e ao Tratado que institui a Comunidade Europeia, não participa na aprovação do presente regulamento e, por conseguinte, este não é vinculativo para a Dinamarca, não lhe sendo aplicável,

APROVARAM O PRESENTE REGULAMENTO:

Artigo 1º

Âmbito de aplicação

1. O presente regulamento é aplicável em matéria civil e comercial, independentemente da natureza do órgão jurisdicional. O presente regulamento não abrange, nomeadamente, as matérias fiscais, aduaneiras ou administrativas.

2. São excluídos da sua aplicação:

a) Os créditos decorrentes de regimes matrimoniais ou análogos;

b) procedimentos de falência relativos às liquidações de sociedades ou outras pessoas colectivas insolventes, às concordatas, composições e processos análogos;

c) Os créditos decorrentes da segurança social.

3. Para efeitos do presente regulamento, o termo "tribunal" inclui o "serviço sueco de execução" (kronofogdemyndighet).

4. Para efeitos do presente regulamento, entende-se por "Estado-Membro", qualquer Estado-Membro excepto a Dinamarca. [Reino Unido, Irlanda].

Artigo 2º

Procedimento europeu de injunção de pagamento

1. É estabelecido o procedimento europeu de injunção de pagamento para cobrança de créditos pecuniários não contestados de montante específico e exigíveis na data em que é apresentado o requerimento de injunção de pagamento europeia.

2. Nada obsta a que um credor reclame um crédito na acepção do n° 1 recorrendo a outro procedimento previsto pelo direito de um Estado-Membro, quer se trate de um procedimento ordinário ou de um procedimento sumário.

Artigo 3º

Requerimento de injunção de pagamento europeia

1. O requerimento de injunção de pagamento europeia será apresentado utilizando o formulário normalizado constante do Anexo 1.

2. O requerimento deve incluir:

a) O nome e endereço das partes e o tribunal a que é apresentado;

b) O montante do crédito;

c) Se forem reclamados juros sobre o crédito, a taxa de juro e o período em relação ao qual os juros são reclamados, salvo se forem automaticamente acrescentados juros legais ao montante principal por força do direito do Estado-Membro cujos tribunais sejam competentes para apreciar o pedido.

d) A causa de pedir, incluindo uma breve descrição das circunstâncias invocadas como fundamento do crédito e, se necessário, os juros reclamados;

e) Uma breve descrição de, pelo menos, um meio de prova que possa ser apresentado no âmbito de um procedimento civil ordinário como fundamento do crédito.

3. O requerimento será assinado pessoalmente pelo requerente ou pelo seu mandatário judicial ou sob a forma de assinatura electrónica, na acepção do n° 2 do artigo 2° da Directiva 1999/93/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro de 1999, relativa a um quadro legal comunitário para as assinaturas electrónicas.

Artigo 4º

Requisitos para a emissão de uma injunção de pagamento europeia

1. O tribunal a que é apresentado um requerimento examinará se estão preenchidos os requisitos estabelecidos nos artigos 1°, 2° e 3°.

2. Sempre que o tribunal considere a possibilidade de rejeitar o requerimento por inobservância dos requisitos previstos no artigo 3º, pode conceder ao requerente a possibilidade de o completar ou rectificar.

Artigo 5º

Rejeição do requerimento

1. O tribunal rejeitará o requerimento na sua totalidade se não estiverem preenchidos os requisitos enunciados no artigo 4º em relação a todo ou parte do crédito em causa .

2. A rejeição do requerimento de injunção de pagamento europeia não é susceptível de impugnação.

3. A rejeição não obsta a que o requerente inicie um procedimento judicial ordinário em relação ao mesmo crédito.

Artigo 6º

Notificação de pagamento europeia

1. Se estiverem preenchidos os requisitos enunciados no artigo 4º, o tribunal emitirá uma notificação de pagamento europeia utilizando o formulário normalizado constante do Anexo 2.

2. A notificação de pagamento europeia será transmitida ao requerido. Os modos de citação ou notificação que não forneçam prova da recepção pelo próprio devedor não são admissíveis se não for conhecido com segurança o endereço do devedor.

3. A notificação informará o requerido das alternativas de que dispõe:

a) Pagar o montante reclamado, incluindo os juros e as despesas reclamados pelo requerente e apresentar uma declaração mediante a qual informará do pagamento efectuado; ou

b) Apresentar uma declaração de defesa em relação a todo ou parte do crédito,

ao tribunal no prazo de três semanas a contar da data da notificação de pagamento europeia que lhe foi transmitida em conformidade com o direito do Estado-Membro em que foi efectuada a citação ou a notificação.

4. A notificação informará o requerido de que:

a) O tribunal não examinou a justificação do crédito antes de emitir a notificação;

b) O tribunal emitirá uma decisão executória, salvo se o requerido apresentar uma declaração de defesa mediante a qual informa o tribunal do pagamento do crédito ao requerente no prazo previsto no nº 3.

5. Para efeitos da interrupção do decurso do prazo, a notificação de pagamento europeia é considerada equivalente a um despacho para comparecer num procedimento civil ordinário.

Artigo 7º

Declaração de defesa

1. O requerido pode apresentar uma declaração de defesa utilizando o formulário de resposta constante do Anexo 2 que lhe será transmitido conjuntamente com a notificação ou por outra forma.

2. O requerido indicará claramente na declaração se contesta o crédito em causa no todo ou em parte. O requerido não é obrigado a especificar as razões pelas quais contesta o crédito.

3. A declaração de defesa será assinada pessoalmente pelo requerido ou pelo seu mandatário judicial ou sob a forma de assinatura electrónica, na acepção do n° 2 do artigo 2° da Directiva 1999/93/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro de 1999, relativa a um quadro legal comunitário para as assinaturas electrónicas.

Artigo 8º

Efeitos da declaração de defesa

1. Se uma declaração de defesa for apresentada no prazo previsto no nº 3 do artigo 6º, o procedimento prosseguirá em conformidade com as normas do procedimento civil ordinário, salvo se o requerente indicar expressamente no seu requerimento que, nessa eventualidade, pretende que seja posto termo ao procedimento.

2. A transferência da causa para um procedimento ordinário na acepção do nº 1 será regulada pelo direito do Estado-Membro em que foi emitida a notificação de pagamento europeia.

Artigo 9º

Injunção de pagamento europeia

1. Se não for apresentada uma declaração de defesa ou uma declaração a informar do pagamento apresentada no prazo previsto no nº 3 do artigo 6º, o tribunal emitirá por sua própria iniciativa uma injunção de pagamento europeia utilizando o formulário normalizado constante do Anexo 3.

2. A injunção de pagamento europeia será notificada ao requerido. Os modos de citação ou notificação que não forneçam prova da recepção pelo próprio requerido não são admissíveis se não for conhecido com segurança o endereço do requerido.

3. A injunção de pagamento europeia informará o requerido de que pode apresentar uma declaração de oposição contra a injunção de pagamento europeia junto do tribunal que a emitiu no prazo de três semanas a contar da data da notificação de pagamento europeia que lhe foi transmitida em conformidade com o direito do Estado-Membro em que foi efectuada a citação ou a notificação.

Artigo 10º

Força executiva da injunção de pagamento europeia

1. A executoriedade da injunção de pagamento europeia não está subordinada à constituição de uma caução.

2. Sem prejuízo do disposto no nº 1, as condições de executoriedade e de suspensão ou de limitação da execução, na eventualidade de uma declaração de oposição nos termos do artigo 11°, serão reguladas pelo direito do Estado-Membro em que a injunção foi emitida.

Artigo 11º

Oposição contra a injunção de pagamento europeia

1. O requerido pode apresentar uma declaração de oposição contra a injunção de pagamento europeia utilizando o formulário normalizado constante do Anexo 3, que lhe será transmitido simultaneamente com a injunção de pagamento europeia ou por outra forma.

2. O requerido indicará claramente na declaração de oposição se contesta o crédito em causa no todo ou em parte e, neste último caso, quais as partes do crédito que contesta. O requerido não é obrigado a especificar as razões pelas quais contesta o crédito.

3. A declaração de oposição será assinada pessoalmente pelo requerido ou pelo seu mandatário judicial ou sob a forma de assinatura electrónica, na acepção do n° 2 do artigo 2° da Directiva 1999/93/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro de 1999, relativa a um quadro legal comunitário para as assinaturas electrónicas.

4. Após o termo do prazo previsto no n° 3 do artigo 9°, o devedor tem o direito, sob certas condições estabelecidas pelo direito do Estado-Membro em que foi emitida a injunção de pagamento e comunicadas à Comissão a título do artigo - (19°, alínea a)) do Regulamento n°----/--/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de ------- que cria o Título Executivo Europeu para créditos não contestados, de solicitar a reapreciação da injunção de pagamento sempre que

a) (i) a injunção de pagamento foi citada ou notificada de modo a não fornecer prova da recepção pelo próprio devedor; e

(ii) a citação ou notificação não foi transmitida atempadamente ao devedor ou de modo a permitir-lhe preparar a sua defesa, sem que tal facto lhe possa ser imputável;

ou

b) o devedor foi impedido de contestar o crédito por motivo de força maior ou devido a circunstâncias excepcionais, sem que tal facto lhe possa ser imputável,

desde que, em qualquer dos casos, actue com celeridade.

Artigo 12º

Efeitos da apresentação de uma declaração de oposição

1. Se uma declaração de oposição for apresentada no prazo previsto no nº 3 do artigo 9º, o procedimento prosseguirá em conformidade com as normas do procedimento civil ordinário, salvo se o requerente indicar expressamente no seu requerimento que, nessa eventualidade, pretende que seja posto termo ao procedimento.

2. A transferência da causa para um procedimento ordinário na acepção do nº 1 será regulada pelo direito do Estado-Membro em que foi emitida a injunção de pagamento europeia.

3. Uma declaração de defesa apresentada após o termo do prazo fixado no nº 3 do artigo 6º, mas dentro do prazo previsto no nº 3 do artigo 9º, produz os mesmos efeitos que uma declaração de oposição.

Artigo 13º

Representação jurídica

1. A representação por um advogado ou outro profissional forense não é obrigatória

a) Para o requerente no que diz respeito ao requerimento de injunção de pagamento europeia

b) Para o requerido no que diz respeito à declaração de defesa ou à declaração de oposição contra uma injunção de pagamento europeia.

2. A obrigação de representação por mandatário judicial no procedimento civil ordinário subsequente a uma declaração de defesa ou uma declaração de oposição contra uma injunção de pagamento europeia é regulada pelo direito do Estado-Membro de tramitação do procedimento.

Artigo 14º

Despesas

A conjugação das custas judiciais de um procedimento europeu de injunção de pagamento e do procedimento civil ordinário subsequente no caso de declaração de defesa ou de declaração de oposição contra a injunção de pagamento europeia não será superior às despesas de um procedimento civil ordinário sem um procedimento europeu prévio de injunção de pagamento.

Artigo 15º

Articulação com o direito processual nacional

Todas as questões processuais não reguladas especificamente pelo presente regulamento serão regidas pelo direito nacional do Estado-Membro em que decorre o procedimento de injunção de pagamento.

Artigo 16º

Informações sobre os órgãos jurisdicionais competentes

1. Até 1 de Julho de 2005, cada Estado-Membro comunicará à Comissão os órgãos jurisdicionais competentes para emitir uma injunção de pagamento europeia. Os Estados-Membros informarão a Comissão de qualquer alteração posterior a tais informações.

2. A Comissão publicará e actualizará, se necessário, as informações transmitidas pelos Estados-Membros em conformidade com o disposto no nº 1.

Artigo 17º

Normas de execução

Os formulários normalizados constantes dos anexos serão actualizados ou alterados em conformidade com o procedimento previsto no artigo 18º.

Artigo 18º

Comité

1. A Comissão será assistida pelo Comité previsto no artigo 75º do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho.

2. No caso de remissão para o presente artigo, serão aplicáveis os artigos 3º e 7º da Decisão 1999/468/CE, tendo em consideração o disposto no seu artigo 8º.

Artigo 19º

Entrada em vigor

O presente regulamento entrará em vigor em 1 de Janeiro de 2006.

O presente regulamento é obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados-Membros em conformidade com o Tratado que institui a Comunidade Europeia.

Feito em Bruxelas,

Pelo Parlamento Europeu Pelo Conselho

O Presidente O Presidente

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