Processo C‑294/04

Carmen Sarkatzis Herrero

contra

Instituto Madrileño de la Salud (Imsalud)

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Juzgado de lo Social n.° 30 de Madrid)

«Directiva 76/207/CEE – Igualdade de tratamento entre homens e mulheres – Licença de maternidade – Acesso à carreira de funcionário – Agente temporário em licença de maternidade que acede a um emprego permanente na sequência de ter sido aceite num concurso – Cálculo da antiguidade»

Conclusões da advogada‑geral C. Stix‑Hackl apresentadas em 10 de Novembro de 2005 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 16 de Fevereiro de 2006 

Sumário do acórdão

Política social – Trabalhadores masculinos e femininos – Acesso ao emprego e condições de trabalho – Igualdade de tratamento – Directiva 76/207

(Directiva 76/207 do Conselho, artigos 2.°, n.os 1 e 3, e 3.°)

A Directiva 76/207, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho, opõe‑se a uma legislação nacional que não reconhece a um trabalhador do sexo feminino que está em licença de maternidade os mesmos direitos que a outras pessoas admitidas no mesmo concurso de recrutamento no que diz respeito às condições de acesso à carreira de funcionário, adiando a sua entrada em funções para o termo dessa licença sem levar em conta a duração da referida licença no cômputo da antiguidade de serviço desse trabalhador.

(cf. n.° 47 e disp.)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

16 de Fevereiro de 2006 (*)

«Directiva 76/207/CEE – Igualdade de tratamento entre homens e mulheres – Licença de maternidade – Acesso à carreira de funcionário – Agente temporário em licença de maternidade que acede a um emprego permanente na sequência de ter sido aceite num concurso – Cálculo da antiguidade»

No processo C‑294/04,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Juzgado de lo Social n° 30 de Madrid (Espanha), por decisão de 5 de Julho de 2004, entrado no Tribunal de Justiça em 12 de Julho de 2004, no processo

Carmen Sarkatzis Herrero

contra

Instituto Madrileño de la Salud (Imsalud),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: C. W. A. Timmermans, presidente de secção, J. Makarczyk, R. Schintgen, P. Kūris (relator) e J. Klučka, juízes,

advogada‑geral: C. Stix‑Hackl,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 29 de Setembro de 2005,

vistas as observações apresentadas:

–       em representação do Instituto Madrileño de la Salud (Imsalud), por F. Peláez Albendea, na qualidade de agente,

–       em representação do Governo espanhol, por E. Braquehais Conesa, na qualidade de agente,

–       em representação do Governo italiano, por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por G. Albenzio, avvocato dello Stato,

–       em representação do Governo do Reino Unido, por E. O’Neill, na qualidade de agente, assistida por K. Smith, barrister,

–       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por I. Martínez del Peral e N. Yerrell, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 10 de Novembro de 2005,

profere o presente

Acórdão

1       O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação da Directiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de Fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho (JO L 39, p. 40; EE 05 F2 p. 70), da Directiva 92/85/CEE do Conselho, de 19 de Outubro de 1992, relativa à implementação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no trabalho (décima directiva especial na acepção do n.° 1 do artigo 16.° da Directiva 89/391/CEE) (JO L 348, p. 1), e da Directiva 96/34/CE do Conselho, de 3 de Junho de 1996, relativa ao Acordo‑quadro sobre a licença parental celebrado pela UNICE, pelo CEEP e pela CES (JO L 145, p. 4).

2       Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre C. Sarkatzis Herrero e o Instituto Madrileño de la Salud (Instituto Madrileno da Saúde, Imsalud), a respeito da data que deve ser tida em conta para efeitos do cálculo da antiguidade da interessada, na qualidade de funcionária, sustentando C. Sakartzis Herrero que a data a que se deve atender é a da sua nomeação, embora estivesse então em licença de maternidade, e não a data em que entrou efectivamente em funções, no termo dessa licença.

 Quadro jurídico

 Regulamentação comunitária

3       A Directiva 76/207 dispõe no artigo 2.°:

«1.      O princípio da igualdade de tratamento, na acepção das disposições adiante referidas, implica a ausência de qualquer discriminação em razão do sexo, quer directa, quer indirectamente, nomeadamente pela referência à situação matrimonial ou familiar.

[…]

3.      A presente directiva não constitui obstáculo às disposições relativas à protecção da mulher, nomeadamente no que se refere à gravidez e à maternidade.

[…]»

4       Nos termos do artigo 3.°, n.° 1, desta directiva:

«A aplicação do princípio da igualdade de tratamento implica a ausência de qualquer discriminação em razão do sexo nas condições de acesso, incluindo os critérios de selecção, a empregos ou a postos de trabalho, seja qual for o sector ou o ramo de actividade e a todos os níveis da hierarquia profissional.»

5       O artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 92/85 dispõe:

«Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que as trabalhadoras [grávidas, puérperas ou lactantes] beneficiem de uma licença de maternidade de, pelo menos, 14 semanas consecutivas, a gozar antes e/ou depois do parto em conformidade com as legislações e/ou práticas nacionais.»

6       Sob a epígrafe «Direitos decorrentes do contrato de trabalho», o artigo 11.°, ponto 2, da mesma directiva, tem a seguinte redacção:

«No caso referido no artigo 8.°:

a)      Devem ser garantidos os direitos decorrentes do contrato de trabalho das trabalhadoras [grávidas, puérperas ou lactantes] não referidos na alínea b) do presente ponto;

b)      Devem ser garantidos a manutenção de uma remuneração e/ou o benefício de uma prestação adequada às trabalhadoras [grávidas, puérperas ou lactantes].»

7       A Directiva 96/34 aplica o acordo‑quadro sobre a licença parental celebrado em 14 de Dezembro de 1995 pelas organizações interprofissionais de vocação geral, cuja cláusula 2, n.° 5, dispõe que «[n]o termo da licença parental, o trabalhador tem direito a ser reintegrado no seu posto de trabalho ou, em caso de impossibilidade, num trabalho equivalente ou similar, consoante o seu contrato ou a sua relação de trabalho».

 Legislação nacional

8       Resulta da decisão de reenvio que as disposições de direito espanhol relativas ao provimento de lugares de funcionário prevêem que a entrada ao serviço é um requisito da aquisição dos direitos inerentes a essa qualidade. O Estatuto do pessoal não sanitário ao serviço das instituições sanitárias da Segurança Social (Estatuto de personal no sanitario al servicio de las Instituciones Sanitarias de la Seguridad Social), adoptado pelo Regulamento de 5 de Julho de 1971 (BOE n° 174, de 22 de Julho de 1971, p. 12015), não prevê qualquer excepção nesta matéria.

9       Por decisão de 3 de Dezembro de 1997, o Instituto Nacional de la Salud (Instituto Nacional da Saúde, Insalud) organizou um concurso geral e estabeleceu as bases comuns das provas de selecção para o preenchimento de várias vagas, de diversas categorias, nas instituições sanitárias dependentes desse instituto. Na secção relativa à nomeação e à entrada ao serviço, o ponto 9, n.° 2, desta decisão prevê que os candidatos nomeados dispõem de um mês a contar do dia seguinte ao da publicação da decisão da sua nomeação para tomar posse. Por força do n.° 3 desse mesmo ponto, o candidato que não tome posse no prazo indicado perde todos os direitos derivados da sua participação no concurso, a não ser que exista uma razão justificativa submetida à apreciação da entidade que organizou o concurso.

10     O órgão jurisdicional de reenvio compara esta regulamentação às disposições do Decreto Real 118/1991, de 25 de Janeiro de 1991, relativo à selecção do pessoal estatutário e à ocupação das vagas nos estabelecimentos de saúde da segurança social (Real Decreto sobre selección de personal estatutario y provisión de plazas en las instituciones sanitarias de la Seguridad Social, BOE n° 33, de 7 de Fevereiro de 1991, p. 4325), cujo artigo 12.°, n.° 5, dispõe que, salvo em casos de força maior, quem não apresentar os documentos comprovativos exigidos no aviso de concurso no prazo fixado não pode ser nomeado.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11     C. Sarkatzis Herrero era agente temporária do Insalud e, na sequência de um processo de transferência de competências e dos serviços sanitários em causa, com o pessoal correspondente, passou a sê‑lo do Imsalud.

12     Quando C. Sarkatzis Herrero era ainda funcionária do Insalud, este último organizou um concurso para o recrutamento de pessoal permanente. Tendo sido admitida a esse concurso, a demandante no processo principal foi nomeada para um lugar de funcionária auxiliar administrativa por decisão publicada em 20 de Dezembro de 2002. Esta decisão nomeou‑a para um lugar que devia ocupar no prazo de um mês.

13     C. Sakartzis Herrero, que estava então de licença de maternidade, solicitou imediatamente uma prorrogação do prazo de entrada ao serviço até ao fim dessa licença, pedindo que a referida licença fosse levada em conta para o cômputo da sua antiguidade no serviço. Por comunicação de 8 de Janeiro de 2003, o Imsalud deferiu o pedido de prorrogação do prazo, sem, todavia, fazer referência à questão do cômputo da antiguidade da interessada.

14     Em 12 de Setembro de 2003, C. Sakartzis Herrero intentou uma acção no órgão jurisdicional de reenvio contra o Imsalud para obter que a sua antiguidade na qualidade de funcionária fosse calculada a partir da data da sua nomeação, e não a partir da data em que entrou efectivamente em funções no termo da sua licença de maternidade.

15     Por despacho de 20 de Novembro de 2003, esse órgão jurisdicional suspendeu a instância e convidou as partes no processo principal a apresentarem as suas observações sobre a pertinência da apresentação de um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça. O referido órgão jurisdicional, em seguida, proferiu a decisão de reenvio submetendo ao Tribunal de Justiça três questões prejudiciais.

16     Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio refere que a entrada ao serviço do funcionário é requisito para a aquisição e o gozo dos direitos estatutários, que a legislação interna não prevê nenhuma excepção que atenda a situações como a da demandante no processo principal e que, no caso em apreço, as autoridades em causa equipararam o estado de maternidade de uma trabalhadora a um caso de força maior ou a uma razão justificativa susceptível de permitir o diferimento da entrada em funções.

17     Daí, o órgão jurisdicional de reenvio deduz, por um lado, que a prorrogação do prazo indicado para a entrada em funções de uma trabalhadora nessa situação obriga à apresentação de um requerimento e está, assim, sujeita ao risco de indeferimento e, por outro, que essa trabalhadora só adquire o pleno gozo dos seus direitos no termo da licença de maternidade. Assim, os direitos à remuneração e às prestações da segurança social só se adquirem no momento da entrada ao serviço e o cômputo da antiguidade da interessada sofre um atraso em relação ao das outras pessoas admitidas no mesmo concurso que entraram efectivamente em funções na data prevista.

18     Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio refere que, na sequência da sua nomeação num lugar permanente, a demandante no processo principal, que já trabalhava para o Imsalud no âmbito de um emprego temporário, beneficiou de uma promoção, apesar de, formalmente, se tratar de uma nova admissão.

19     Deduz de todos estes elementos que a decisão do Imsalud em causa no processo principal não está em conformidade com o artigo 11.°, n.° 2, alínea a), da Directiva 92/85.

20     Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio refere que nenhuma consideração resultante da regulamentação tradicional relativa ao acesso à função pública pode prevalecer sobre os direitos do funcionário do sexo feminino que beneficia de uma licença de maternidade nem justificar que a sua situação profissional seja prejudicada ou que a conciliação da vida familiar da interessada com o normal decurso da sua carreira seja dificultada.

21     Por último, o referido órgão jurisdicional considera que a diferença de tratamento de que C. Sakartzis Herrero é alvo relativamente às outras pessoas admitidas no mesmo concurso que puderam ocupar normalmente o seu lugar é incompatível com o direito do trabalhador do sexo feminino em licença de maternidade de recuperar, no termo dessa licença, o seu lugar ou um lugar equivalente em condições que não lhe sejam menos favoráveis e de beneficiar de quaisquer melhorias nas condições de trabalho a que teria tido direito durante a sua ausência, direito reconhecido pelas Directivas 76/207 e 96/34.

22     Nestas circunstâncias, o Juzgado de lo Social n° 30 de Madrid decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      As disposições comunitárias em matéria de licença de maternidade e de igualdade de tratamento de homens e mulheres no acesso ao emprego devem ser interpretadas no sentido de que uma mulher que se encontre a gozar a licença de maternidade, e que obtenha nessa altura um lugar de funcionária pública, deve gozar dos mesmos direitos que os restantes candidatos que tenham sido aprovados no concurso de acesso à função pública?

2)      Independentemente do que pudesse acontecer no caso de uma funcionária que acedesse pela primeira vez ao emprego, se subsistisse a relação de trabalho, embora suspensa pelo gozo da licença de maternidade, o acesso à condição de funcionária do quadro ou de trabalhadora por tempo indeterminado constitui um dos direitos à promoção no emprego cuja efectividade não pode ser afectada pelo facto de estar em licença de maternidade?

3)      No caso concreto, em aplicação das referidas disposições, em particular das relativas à igualdade de tratamento entre homens e mulheres no acesso ao emprego e no emprego, a funcionária interina que está em licença de maternidade quando obtém o lugar definitivo tem direito a tomar posse do seu lugar administrativo e a adquirir a condição de funcionária, com todos os direitos inerentes a tal condição, tais como o início da sua carreira profissional e o cômputo da sua antiguidade a partir desse momento, em igualdade de condições com os restantes candidatos que tenham obtido um lugar, independentemente de, segundo as disposições de direito interno aplicáveis no seu caso, o exercício dos direitos ligados à efectiva prestação de serviços poder ficar suspenso até ao início efectivo dessa prestação?»

 Quanto às questões prejudiciais

23     A título preliminar, há que observar que, uma vez que as questões colocadas se referem de modo geral às disposições de direito comunitário em matéria de licença de maternidade e de igualdade de tratamento entre homens e mulheres, há que identificar as regras comunitárias pertinentes para poder responder às referidas questões.

24     Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio menciona, nos fundamentos da sua decisão, a Directiva 96/34 relativa à licença parental.

25     Ora, não se pode deixar de observar, todavia, que, na data da sua nomeação como funcionária, a demandante no processo principal estava de licença de maternidade e não de licença parental. Daí decorre que a Directiva 96/34 não é pertinente no âmbito da análise das questões colocadas.

26     Em segundo lugar, a situação da demandante no processo principal deve ser analisada à luz da Directiva 92/85 se o tratamento desfavorável de que se queixa C. Sakartzis Herrero violar os direitos protegidos por essa directiva.

27     No entanto, não resulta dos autos apresentados ao Tribunal de Justiça que a demandante no processo principal tenha invocado a violação desses direitos no âmbito da relação de trabalho existente.

28     Com efeito, a situação de C. Sarkatzis Herrero, caracterizada pela constituição de uma nova relação de trabalho durante uma licença de maternidade, distingue‑se claramente da reintegração num anterior lugar ou da integração num lugar equivalente no termo dessa licença.

29     Todos os interessados que apresentaram observações admitem, aliás, que existe uma diferença fundamental entre a situação de um agente temporário e a de um funcionário.

30     Com efeito, a entrada ao serviço de um funcionário, de acordo com o regime aplicável ao caso vertente, depende da admissão num concurso e de uma decisão de nomeação. A circunstância de C. Sakartzis Herrero ter sido recrutada pela mesma instituição antes e depois da sua licença de maternidade é, a este propósito, irrelevante.

31     Conclui‑se que não existe continuidade jurídica entre as duas situações sucessivas de C. Sakartzis Herrero, devendo, portanto, considerar‑se que acedeu a um novo emprego tornando‑se funcionária, e não que foi reintegrada no seu lugar anterior.

32     Daí decorre que a Directiva 92/85 também não é pertinente para responder às questões colocadas. Assim sendo, não há que responder à segunda questão prejudicial.

33     Na primeira e na terceira questão, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o direito comunitário se opõe a uma legislação nacional que dispõe que, para efeitos do cômputo da antiguidade de um funcionário, só é tida em conta a data da entrada em funções do interessado, não estando prevista qualquer derrogação no que respeita às mulheres que estão em licença de maternidade na data em que são chamadas a ocupar o posto para o qual foram nomeadas.

34     Estas questões devem ser analisadas à luz das disposições dos artigos 2.°, n.os 1 e 3, e 3.° da Directiva 76/207, na versão aplicável aos factos do caso vertente, a fim de se determinar se, quando um funcionário do sexo feminino está em licença de maternidade no momento da sua nomeação, a fixação do início da respectiva carreira na data da sua entrada efectiva ao serviço constitui uma discriminação em razão do sexo.

35     Em primeiro lugar, há que recordar que o Tribunal de Justiça decidiu que a Directiva 76/207 é aplicável às relações de emprego na função pública. Esta directiva tem um alcance geral, inerente à própria natureza do princípio que define (v. acórdão de 21 de Maio de 1985, Comissão/Alemanha, 248/83, Recueil, p. 1459, n.° 16).

36     Como referiu a advogada‑geral no n.° 34 das suas conclusões, o artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 76/207 proíbe qualquer discriminação em razão do sexo, definindo os artigos 3.° e seguintes desta mesma directiva os domínios nos quais não pode existir qualquer discriminação. Assim, são proibidas discriminações directas ou indirectas no que diz respeito às condições de acesso ao emprego, incluindo os critérios de selecção e as condições de contratação, ao acesso a todos os tipos e a todos os níveis de orientação profissional, à formação profissional, à formação profissional avançada e à reconversão profissional, incluindo a aquisição de experiência profissional, às condições de emprego e de trabalho e à participação numa organização de trabalhadores ou outras.

37     Ao exercerem os direitos que lhes são conferidos nos termos do artigo 2.°, n.° 3, da Directiva 76/207, as mulheres não podem ser objecto de um tratamento desfavorável no que se refere ao acesso ao emprego e às suas condições de trabalho, tendo a referida directiva por objectivo, nesta perspectiva, garantir uma igualdade substancial e não formal (v., neste sentido, acórdão de 30 de Abril de 1998, Thibault, C‑136/95, Colect., p. I‑2011, n.° 26).

38     Assim, a aplicação das disposições relativas à protecção da mulher grávida não pode ter como consequência um tratamento desfavorável no que respeita ao acesso ao emprego de uma mulher nessa condição, pelo que não permite a uma entidade patronal recusar contratar uma candidata grávida pelo facto de um impedimento de prestação de trabalho devida a essa gravidez a impossibilitar de a colocar, de imediato e pela duração da gravidez, no lugar a preencher por tempo indeterminado (acórdão de 3 de Fevereiro de 2000, Mahlburg, C‑207/98, Colect., p. I‑549, n.° 27).

39     Por último, relativamente ao cômputo de um período de licença de maternidade para o acesso a um grau superior da hierarquia profissional, o Tribunal de Justiça decidiu que uma trabalhadora é protegida, na sua relação de trabalho, contra qualquer tratamento desfavorável motivado pelo facto de estar ou ter estado em licença de maternidade e que uma mulher que sofra um tratamento desfavorável devido a uma ausência por licença de maternidade é discriminada em razão da sua gravidez e dessa licença (v. acórdão de 18 de Novembro de 2004, Sass, C‑284/02, Colect., p. I‑11143, n.os 35 e 36).

40     No entanto, como correctamente salientou o Governo do Reino Unido nas observações que apresentou na audiência, os factos na origem do acórdão Sass, já referido, distinguem‑se claramente dos do processo principal, na medida em que, no caso de U. Sass, a licença de maternidade coincidiu com uma evolução na carreira, uma vez que o litígio respeitava a uma mudança de escalão de remuneração. Em contrapartida, no processo principal, C. Sarkatzis Herrero acedeu a um novo emprego durante uma licença de maternidade, tendo a data da sua entrada em funções sido adiada para o termo dessa licença.

41     Todavia, como observou a advogada‑geral no n.° 39 das sua conclusões, se a Directiva 76/207 tem em vista atingir uma igualdade substancial e não formal, as disposições dos artigos 2.°, n.os 1 e 3, e 3.° dessa directiva devem ser interpretadas no sentido de que proíbem qualquer tratamento desfavorável de um trabalhador do sexo feminino em razão de uma licença de maternidade ou em relação com essa licença, que visa a protecção da mulher grávida, independentemente da circunstância de o referido tratamento desfavorável respeitar a uma relação de trabalho existente ou a uma nova relação de trabalho.

42     Esta interpretação é corroborada pela posição assumida pelo Tribunal de Justiça no n.° 48 do acórdão Sass, já referido, segundo a qual o direito comunitário exige que a tomada em consideração dessa licença legal de protecção, por um lado, não interrompa nem a relação de trabalho da mulher em causa nem a aplicação dos respectivos direitos e, por outro, não dê origem a um tratamento desfavorável da mulher.

43     É necessário esclarecer que nem os elementos dos autos nem as informações prestadas na audiência pelo Governo espanhol permitem determinar com certeza se uma pessoa que, como a demandante no processo principal, foi contratada como agente temporário antes de ter sido nomeada funcionário, beneficia, no momento da sua elevação ao estatuto de funcionário, de uma contabilização da antiguidade adquirida no lugar anteriormente ocupado, incluindo eventuais licenças de maternidade, e, no caso afirmativo, se esta antiguidade é levada em conta para efeitos de progressão nos escalões da carreira do referido agente.

44     Na medida em que, por um lado, persiste a dúvida sobre a aplicabilidade à situação de C. Sarkatzis Herrero da Lei 70/1978, de 26 de Dezembro de 1978, relativa ao reconhecimento de serviços anteriores na Administração Pública (Ley de Reconocimiento de Servicios Previos en la Administración Pública, BOE n° 9, de 10 de Janeiro de 1979, p. 464), e do Regulamento de execução 1181/89, de 29 de Setembro de 1989 (Real Decreto por el que se dictan normas para su aplicación, BOE n° 237, de 3 de Outubro de 1989, p. 30952), bem como do Decreto‑lei real 3/1987, de 11 de Setembro de 1987, relativo à remuneração dos funcionários (Real Decreto‑Ley de la Jefatura del Estado, sobre retribuciones del personal estatutario del Instituto Nacional de la Salud, BOE n° 219, de 12 de Setembro de 1987, p. 27649), referidos pelo Imsalud, e em que, por outro, a Lei 55/2003, de 16 de Dezembro de 2003, que estabelece o estatuto‑quadro do pessoal dos serviços de saúde (Ley del Estatuto Marco del personal estatutario de los Sercivios de Salud, BOE n° 301, de 17 de Dezembro de 2003, p. 44742), não estava em vigor à data do ingresso na carreira da demandante no processo principal, compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se C. Sakartzis Herrero foi efectivamente objecto de um tratamento desfavorável.

45     Se nos ativermos às premissas expostas na decisão de reenvio, há que considerar que o adiamento da entrada ao serviço de C. Sakartzis Herrero como funcionária, consecutivo à licença de maternidade de que a interessada beneficiou, constitui um tratamento desfavorável na acepção da Directiva 76/207.

46     A circunstância de outras pessoas, nomeadamente do sexo masculino, poderem, por outras razões, ser tratadas da mesma maneira que C. Sakartzis Herrero não tem qualquer influência sobre a apreciação da sua situação, uma vez que o adiamento da data da entrada em funções da interessada resultou exclusivamente da licença de maternidade de que a mesma beneficiou.

47     Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira e à terceira questão que a Directiva 76/207 se opõe a uma legislação nacional que não reconhece a um trabalhador do sexo feminino que está em licença de maternidade os mesmos direitos que a outras pessoas admitidas no mesmo concurso de recrutamento no que diz respeito às condições de acesso à carreira de funcionário, adiando a sua entrada em funções para o termo dessa licença sem levar em conta a duração da referida licença no cômputo da antiguidade de serviço desse trabalhador.

 Quanto às despesas

48     Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

A Directiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de Fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho, opõe‑se a uma legislação nacional que não reconhece a um trabalhador do sexo feminino que está em licença de maternidade os mesmos direitos que a outras pessoas admitidas no mesmo concurso de recrutamento no que diz respeito às condições de acesso à carreira de funcionário, adiando a sua entrada em funções para o termo dessa licença sem levar em conta a duração da referida licença no cômputo da antiguidade de serviço desse trabalhador.

Assinaturas


* Língua do processo: espanhol.